REl - 0600008-96.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Porto Alegre/RS em face da sentença do Juízo da 161ª Zona Eleitoral que julgou improcedente a representação por propaganda eleitoral antecipada negativa na internet ajuizada pelo ora recorrente em face do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCdoB) de Porto Alegre/RS, GIOVANI CULAU OLIVEIRA, MANUELA PINTO VIEIRA D'ÁVILA, UNIÃO DA JUVENTUDE SOCIALISTA - UJS e MOVIMENTO COLETIVO.

Passo à análise das questões preliminares.

I. Das Preliminares

I.1. Da Alegação de Inovação Recursal

A recorrida Manuela Pinto Vieira D’Ávila não ofereceu contrarrazões, porém, em memoriais escritos encaminhados aos julgadores após a inclusão do processo em pauta de julgamento, alega que “o recorrente alterou a sua tese em sede recursal”, pois “a construção argumentativa da petição inicial é no sentido de que as publicações são ilícitas porque atacam a honra do prefeito” e, no recurso, “o demandante alterou a sua tese, sustentando que a expressão ‘tire o Melo’ é o equivalente a ‘não vote no Melo”.

Posteriormente, o PCdoB de Porto Alegre e Giovani Culau apresentaram memoriais escritos com o mesmo argumento.

Analiso a alegação por se tratar de matéria afeta à admissibilidade recursal.

De início, a peça inicial relata que os representados “iniciaram propaganda eleitoral antecipada com a ‘campanha’ intitulada: ‘TIRE O TÍTULO, TIRE O MELO”, seguindo-se diversas passagens em que trazido o conceito jurisprudencial de “propaganda antecipada negativa”, incluindo os requisitos do “pedido explícito de não voto ou ato abusivo que, desqualificando pré-candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (ID 45642479).

Logo, é evidente que a petição inicial da representação  não limitou seus argumentos à eventual propaganda ofensiva à honra do candidato, mas também incluiu a questão relativa ao pedido explícito de não voto, ínsito à própria noção do ilícito imputado.

Além disso, uma vez demarcados os fatos na representação, cabe ao juiz aplicar as normas jurídicas apropriadas (princípios "da mihi factum, dabo tibi jus" e "jura novit curia") a fim de identificar a presença dos elementos caracterizadores da alegada propaganda eleitoral antecipada negativa, em suas diferentes materializações, para o que não está delimitado pelo enquadramento jurídico atribuído pelo autor.

Nessa linha, a Súmula n. 62 do TSE prescreve: “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Assim, afasto a alegação de inovação recursal.

 

I.2. Da Ilegitimidade Passiva de Partido Federado

Em contrarrazões, o Diretório Municipal do PCdoB de Porto Alegre e Giovani Culau Oliveira defendem a ilegitimidade passiva do órgão partidário para compor a lide de forma isolada, uma vez que "o PCdoB integra a Federação Brasil da Esperança (Fé Brasil) junto com o PT e o PV, com vigência desde 24 de maio de 2022, conforme registro junto ao TSE, motivo pelo qual as legendas devem atuar de forma unificada, [...], não se admitindo atuação isolada das agremiações".

Com efeito, o PCdoB, desde 24.5.2022, integra a federação partidária denominada Brasil da Esperança (FÉ BRASIL), ao lado do Partido Verde (PV) e do Partido dos Trabalhadores (PT), conforme julgamento do RFP n. 0600228-48/DF pelo TSE (https://www.tse.jus.br/partidos/federacoes-registradas-no-tse/federacoes-partidarias-registradas-no-tse).

De acordo com o art. 11-A, caput, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 14.208/21: "Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária".

No que se refere à participação no processo eleitoral, o art. 6º-A da Lei n. 9.504/97 preceitua:

Art. 6º-A Aplicam-se à federação de partidos de que trata o art. 11-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes. (Incluído pela Lei nº 14.208, de 2021)

 

Diante disso, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que, a partir do deferimento do registro da federação partidária pelo TSE, os partidos políticos que a integram não possuem legitimidade ativa ou passiva para atuarem isoladamente em ação judicial eleitoral, ante o dever da atuação unificada prevista na legislação.

Com esse posicionamento, colaciono julgado da Corte Superior:

REPRESENTAÇÕES. ELEIÇÕES 2022. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE INGRESSO. AMICUS CURIAE. INCOMPATIBILIDADE SISTÊMICA. PRINCIPIO DA CELERIDADE. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA DE PARTIDO FEDERADO PARA ATUAR ISOLADAMENTE EM PROCESSO JUDICIAL ELEITORAL. SUCESSÃO PROCESSUAL. FEDERAÇÃO. VIABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PROVEDORES DE APLICAÇÃO. INTERNET. IN INITIO LITIS.MÉRITO. PROPAGANDA ANTECIPADA IRREGULAR. ALEGADA DIFUSÃO DE FATOS SABIDAMENTE INVERÍDICOS E GRAVEMENTE DESCONTEXTUALIZADOS SOBRE OS PROCESSOS DE VOTAÇÃO E APURAÇÃO DE VOTOS PARA EMBAIXADORES CREDENCIADOS NO BRASIL. ART. 9º-A DA RESOLUÇÃO 23.610/2019. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRÁTICA, NA FASE DA PRÉ-CAMPANHA, DE COMPORTAMENTOS PROSCRITOS DURANTE A CAMPANHA (ART. 3º-A DA RESOLUÇÃO 23.610). REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE, COM A IMPOSIÇÃO DE MULTA E ORDEM DE REMOÇÃO DE CONTEÚDOS. [...]. Preliminares: 2. Não se admite a atuação isolada em ação judicial eleitoral de partido político que se acha formalmente reunido em federação partidária. A partir do deferimento do seu respectivo registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação partidária passa a atuar de forma unificada em nome de todas as agremiações que a compõem, como se novo partido fosse. [...].

(TSE; Representação nº060074116, Acórdão, Min. Maria Claudia Bucchianeri, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 30/09/2022.) (Grifei.)

 

Com esses fundamentos, sendo manifesta a ilegitimidade passiva do órgão partidário para compor o polo passiva da demanda de forma isolada, acolho a preliminar e julgo extinto o processo sem resolução do mérito em relação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

 

I.3. Da Ilegitimidade Passiva de Movimento Coletivo Sem Personalidade Jurídica

O representante indicou no polo passiva da representação eleitoral o "MOVIMENTO COLETIVO, sem personalidade jurídica, endereço eletrônico: https://movcoletivo.com/tireotitulo/" (ID 45642479).

Intimado para complementar a peça inicial com o endereço completo do representado, o MDB de Porto Alegre esclareceu que "o Movimento Coletivo é um 'Mandato Coletivo' titularizado pelo correpresentado Giovani Culau Oliveira" e apontou o endereço do gabinete funcional do vereador Giovani Culau Oliveira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre (ID 45642508).

De seu turno, em contestação, o vereador Giovani Culau reconhece que compõe o "mandato coletivo" intitulado "Movimento Coletivo", cuja endereço eletrônico na internet é https://movcoletivo.com/ (ID 45642518, fl. 5).

Vê-se, portanto, que o chamado "Movimento Coletivo" não possui personalidade jurídica de direito privado, sendo, em verdade, uma reunião organizada de pessoas físicas que deliberariam coletivamente sobre o exercício do mandato eletivo titularizado pelo vereador Giovani Culau.

Nessas circunstâncias, não é possível imputar a responsabilidade por propaganda eleitoral irregular a um movimento político ou social desprovido de personalidade jurídica, sob pena de se tornar inexequíveis eventuais condenações à abstenção de condutas, pagamento de multas ou remoção de conteúdo.

Na realidade, a imputação de eventuais ilícitos deve recair sobre a pessoa física responsável pela página eletrônica, ora identificada como sendo o representado Giovani Culau.

Assim, de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva do "Movimento Coletivo", em relação ao qual julgo extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Nada obstante, possíveis propagandas eleitorais irregulares publicadas no site https://movcoletivo.com/ serão imputadas ao representado Giovani Culau, tendo em vista a sua condição de titular do "mandato coletivo" em questão.

 

II. Do Mérito

No mérito, os recorrentes relatam que, no decorrer de abril do presente ano, os recorridos teriam realizado postagens no Instagram e no sítio "Movimento Coletivo", com propaganda eleitoral antecipada e negativa em desfavor do pré-candidato Sebastião Mello, promovendo campanha focada no chamamento à participação política de jovens, sob o slogan "Tire o Título, Tire o Melo", dentre outros.

O MDB de Porto Alegre relaciona uma série de postagens no Instagram, assim indicadas na petição inicial (ID 45642488, fls. 17 e18):

- 04 de abril de 2024, URL <https://www.instagram.com/p/C5Wcdbuurv9/>, contendo um vídeo com a participação do representado Giovani Culau, no qual são lançadas as seguintes falas:

Ele transformou nossa terra em um escândalo. Ele negligenciou nossa saúde. Ele não se importa com a emergência climática. Ele se aliou com o que há de pior e tirou nosso direito de ser feliz. Juntos nós derrotamos Bolsonaro e nossa cidade fez a sua parte. Nós o vencemos em Porto Alegre também. Agora chegou a hora de derrotar o que sobrou do bolsonarismo na nossa cidade. Pra isso, nós temos um plano. Em dois mil e vinte e dois, Bolsonaro foi derrotado com uma diferença de cerca de dois milhões de votos: exatamente o número de títulos de eleitores feitos pelos jovens no Brasil. Tu já entendeu [sic] onde queremos chegar né [piscadela]? É possível vencer o representante do atraso. Por isso lançamos a campanha "tire o título, tire Melo" pra que [sic] somar nessa luta acessa movcoletivo.com/tireotitulo. Receba informação, seja voluntário e ajuda a levar essa iniciativa pra mais pessoas e bora [sic] mudar Porto Alegre pra melhor!"

 

Essa postagem é, ainda, acompanhada da seguinte legenda escrita:

TIRE O TÍTULO, TIRE O MELO! Em 2022, Bolsonaro foi derrotado com uma diferença de cerca de 2 milhões de votos, o mesmo número de novos títulos de eleitores feitos pelos jovens no Brasil. Porto Alegre também fez sua parte: vencemos Bolsonaro aqui também! Agora é hora de derrotarmos Melo, representante do que sobrou do bolsonarismo em Porto Alegre. Pra isso, nós temos um plano! Acessa movcoletivo.com/tireotitulo e fortalece essa campanha!"

 

- 11 de abril de 2024, URL: <https://www.instagram.com/p/C5oBu3Ou_lD/?img_index=1>:

TIRE O TÍTULO, TIRE MELO! Em 2022, derrotamos Bolsonaro e a juventude foi decisiva para essa vitória: a diferença de votos entre Lula e Bolsonaro foi muito próxima ao número de novos títulos de eleitor gerados pelos jovens! Agora, chegou a hora de varrermos o que sobrou do bolsonarismo em Porto Alegre. Por isso estamos lançando a campanha Tire o Título, Tire o Melo! Acessa movcoletivo.com/tireotitulo , receba informação, seja um voluntário ou voluntária e faça parte dessa luta! (link nos stories e na Bio do @giovaniculau)

 

- 15 de abril de 2024, URL: <https://www.instagram.com/p/C5y3tk1Oxg8/>:

TIRE O TÍTULO POR JUSTIÇA CLIMÁTICA! Com Sebastião Melo a frente da prefeitura, Porto Alegre está de olhos fechados para a nova realidade climática. Precisamos estar juntos e juntas na construção de saídas para os eventos extremos que têm nos atingido e por uma cidade que esteja a altura do desafio de se tornar referência em sustentabilidade. Em 2022, a participação dos jovens nas eleições foi decisiva. Em 2024 não pode ser diferente. Então, se tu, que tens 16 anos, ainda não tirou o teu título de eleitor, bora garantir esse direito! Acessa movcoletivo.com/tireotitulo e vem lutar junto com a gente por justiça climática!

 

- 16 de abril de 2024, URL <https://www.instagram.com/p/C51gUP3OYb4/>:

TIRE O TÍTULO, SALVE A RUA - Queremos uma Porto Alegre com valorização dos espaços públicos! É na rua onde acontece a expressão da cultura democrática e ela precisa estar a serviço da população, não reservada às grandes empreiteiras. Por investimentos nas ruas e pistas de skate, contra a criminalização dos rolês e pelo direito à expressão cultural, tua participação nas decisões da cidade é fundamental. Em 2022, a participação dos jovens nas eleições foi decisiva. Em 2024 não pode ser diferente. Então, se tu, que tens 16 anos, ainda não tirou o teu título de eleitor, bora garantir esse direito!

 

- 17 de abril de 2024, URL <https://www.instagram.com/p/C536Y8OuTVi/>:

TIRE O TÍTULO, DEFENDA A MORADIA ESTUDANTIL - Queremos uma Porto Alegre onde os estudantes tenham direito à moradia digna e gratuita! Enquanto as empreiteiras erguem prédios espelhados em toda cidade, falta moradia estudantil para os estudantes de baixa renda garantirem sua permanência nas universidades. Por mais investimentos em casas de estudantes, por uma Porto Alegre menos desigual, bora participar nas urnas para mudar a realidade? Em 2022, a participação dos jovens nas eleições foi decisiva. Em 2024 não pode ser diferente. Então, se tu, que tens 16 anos, ainda não tirou o teu título de eleitor, bora garantir esse direito!

 

As referidas publicações, então realizadas pelo vereador Giovani Culau, também teriam sido repostadas nos perfis do Instagram da "União da Juventude Socialista - UJS" de Porto Alegre (de 04.04.2024), de Manuela D'Ávila (de 11.04.2024), de "Ser.Ação" (de 15.04.2024), de "Alvo Cultural" (de 16.04.2024), de "CEUPA.OFICIAL" (de 17.04.2024).

Além disso, a peça inicial indica que a campanha eleitoral extemporânea também estaria sendo veiculada na página eletrônica do "Movimento Coletivo", sob a URL <https://movcoletivo.com/tireotitulo/>, com o seguinte texto (ID 45642487):

Tire o título, tire o Melo!

Nesses últimos 4 anos, estamos vivendo numa cidade que proíbe a felicidade. Só rola entrega pros poderosos, segregação, repressão e negacionismo.

A prefeitura quer uma cidade pra elite, priorizando os interesses de uns poucos em vez do bem-estar geral.

Mas a gente não se contenta com a tristeza! Acreditamos que dá pra derrotar o Melo! Tu acredita também? Então cola com a gente que nós temos um plano!

Em 2022, os jovens tiraram mais de dois milhões de títulos e derrotaram Bolsonaro.

Em 2024, vamos ser ainda mais fortes, formando uma tropa nas ruas e nas urnas, pra bater de frente com o Melo e o bolsonarismo.

Vem ser um voluntário da nossa brigada antifascista e bora espalhar essa campanha por toda a cidade!

 

Embora, a exordial tenha incluído diversos correpresentados no polo passivo da demanda, todas as URLs direcionadas ao aplicativo Instagram referem-se apenas a postagens realizadas no perfil de Giovani Culau Oliveira, ainda que se registrem marcações e convites de colaboração (collabs) de terceiros.

Logo, o representante não se desincumbiu do ônus que lhe cabia de indicação específica do conteúdo atacado dentro do perfil pessoal de cada um dos demais representados e representadas.

Com efeito, o art 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19 estabelece a necessidade de identificação dos endereços eletrônicos de cada postagem nos casos de propaganda via internet, estabelecendo, ainda, a obrigação de indicar prova de que a parte representada é responsável pela publicação, in verbis:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

[…].

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem, no âmbito e nos limites técnicos de cada serviço (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representada ou representado é a sua autora ou o seu autor, sem prejuízo da juntada, aos autos, de arquivo contendo o áudio, a imagem e/ou o vídeo da propaganda impugnada. (Redação dada pela Resolução nº 23.672/2021)

 

A indispensabilidade de se indicar a URL específica de cada publicação tem como finalidade não apenas viabilizar a constatação da postagem e de seu responsável, mas, também, garantir efetivo e seguro cumprimento de eventual ordem judicial de remoção do material pelos provedores de aplicação da internet.

Assim, ausente a indicação das URLs específicas em seus perfis no Instagram, está, de plano, inviabilizada a responsabilização dos recorridos Manuela Pinto Vieira D'Avila e União da Juventude Socialista - UJS.

Na mesma senda, colaciono julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR DIREITO DE RESPOSTA. FACEBOOK. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DA URL ESPECÍFICA DA PUBLICAÇÃO. ART. 17, INC. III, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.608/19. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação por direito de resposta, ao fundamento de que a postagem realizada na rede social Facebook não excede a liberdade de manifestação no debate eleitoral. 2. A Resolução TSE n. 23.608/19, em seu art. 17, inc. III, dispõe que a petição inicial da representação relativa à propaganda eleitoral em ambiente da internet deve ser instruída, sob pena de não conhecimento, com "a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor". 3. Ausência da URL específica da publicação, não suprida por qualquer outro elemento, inviabiliza a prova de autoria da mensagem, da data em que veiculada e, mesmo, da existência e da disponibilidade do conteúdo. Nesse sentido, jurisprudência deste Tribunal. Manutenção da sentença. 4. Desprovimento.

(TRE-RS - REL: 060088294 BENTO GONÇALVES - RS, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 13/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 16/11/2020.) (Grifei.)

 

Por outro lado, em relação ao recorrido Giovani Culau Oliveira, julgo que a sentença recorrida merece reforma parcial.

Conforme o art. 36 da Lei n. 9.504/97, a propaganda somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição, sob pena de configurar propaganda antecipada passível de multa, nos termos regulados pelos arts. 2º e 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 2º A propaganda eleitoral é permitida a partir de 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 36).

[...].

§ 4º A violação do disposto neste artigo sujeitará quem for responsável pela divulgação da propaganda e quem for beneficiária(o), quando comprovado o seu prévio conhecimento, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) ou equivalente ao custo da propaganda, se este for maior (Lei nº 9.504/1997, art. 36, § 3º) .

 

[...].

 

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução "vote em", podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

 

Ainda, de acordo com o entendimento do TSE, "há propaganda eleitoral extemporânea irregular quando se tem, cumulativamente ou não, a presença de: (a) referência direta ao pleito vindouro ou cargo em disputa, (b) pedido explícito de voto, de não voto ou o uso de "palavras mágicas" para esse fim, (c) realização por forma vedada para a propaganda eleitoral no período permitido, (d) violação à paridade de armas entre os possíveis concorrentes, (e) mácula à honra ou imagem de pré-candidato e (f) divulgação de fato sabidamente inverídico" (TSE - Rp: 06002873620226000000 BRASÍLIA - DF 060028736, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 23.5.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113).

A respeito das chamadas "palavras mágicas" a Corte Superior proclamou que “o pedido explícito de voto ou não voto legalmente proibido não se limita às locuções ‘vote em’ ou ‘não vote em’, podendo ser objetivamente extraído de locuções outras, igualmente explícitas e diretas, materializadas naquilo que não apenas a jurisprudência desta Corte, mas também a abalizadíssima doutrina de Aline Osorio, designam de "magic words", tais como "vote", "não vote", "eleja", "derrote", "tecle na urna", "apoie", etc. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, 194)” (Recurso na Representação n. 060030120, Acórdão, Min. Maria Claudia Bucchianeri, Publicado em Sessão de 19.12.2022).

No caso concreto, consoante se extrai da análise das postagens realizadas no Instagram nos dias 4 e 11 de abril de 2024 e na publicação realizada na página eletrônica <https://movcoletivo.com/tireotitulo/>, é inequívoco que, antes do período eleitoral, Giovani Culau Oliveira divulgou campanha para o cadastramento eleitoral de jovens contendo incentivo explícito ao voto contrário ou de "não voto" no pré-candidato Sebastião Melo no pleito vindouro, conforme se verifica do próprio slogan "Tire o Título, Tire o Melo" e das passagens "É possível vencer o representante do atraso"; "Agora é hora de derrotarmos Melo" e "Em 2024, vamos ser ainda mais fortes, formando uma tropa nas ruas e nas urnas, pra bater de frente com o Melo e o bolsonarismo".

Essas publicações contêm expressões que denotam o pedido direto e explícito de não voto em pré-candidato ao cargo de prefeito, nominalmente indicado, bem como alusão às eleições próximas, de modo que estão suficientemente preenchidos os requisitos objetivos estabelecidos pela jurisprudência do TSE para a configuração de propaganda eleitoral antecipada negativa.

Pertinente destacar que Giovani Culau, seja em contestação ou em contrarrazões, não controverte a divulgação das mensagens e não impugna as URLs e prints acostados pelo representante. Ao contrário disso, o recorrido confirma a realização da campanha "Tire o Título, Tire o Melo" em seu perfil no Instagram e no sítio do "Movimento Coletivo", embora defendendo a legalidade das manifestações.

Dessa forma, a prova dos autos e o teor das divulgações apresentam-se suficientes para a responsabilização do representado Giovani Culau por propaganda eleitoral antecipada, nos termos do art. 2º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Por outro lado, os demais conteúdos divulgados no Instagram nos dias 15, 16 e 17 de abril, diferentemente dos anteriores, enfatizam comentários sobre a importância de que os jovens priorizem certas demandas políticas genéricas, tais como a "justiça climática", "a valorização dos espaços públicos" e "moradia estudantil", tecendo avaliações negativas sobre o presente tratamento conferido a tais pautas no município.

Tais publicações se mantêm nos limites da liberdade de expressão ao abordar o debate político sobre certos temas de amplo alcance, dentro da visão de determinada linha político-ideológica, sem incorrer em pedido direto de voto ou de não voto, em ato abusivo contra o candidato ou na divulgação de fato sabidamente inverídico.

Nessas três últimas publicações, a campanha para "tirar o título" tem por escopo assegurar determinado direito ou investimento público mediante o exercício do voto no pleito de 2024, não desvelando para o ataque a eventual concorrente.

Cabe enfatizar que os conteúdos divulgados nos dias 16 e 17 de abril de 2024 não trazem sequer menções ao pré-candidato ou ao cargo em disputa, de modo que mensagem visa ao chamamento do voto em favor de determinada plataforma ou ação política e não contra ou a favor de certo candidato.

Sobre a divulgação do dia 15 de abril de 2024, muito embora haja a referência direta ao pretenso candidato à reeleição no trecho: "Com Sebastião Melo a frente da prefeitura, Porto Alegre está de olhos fechados para a nova realidade climática", a crítica à atuação do gestor público, ainda que contundente, no contexto exposto, não configura pedido explícito de não voto, uma vez que a valoração da conduta do mandatário em cargo eletivo é inerente à liberdade de expressão e ao debate democrático de ideias.

Ainda que a crítica possa sugerir, implicitamente, o não voto, a vedação legal envolve apenas o pedido explícito e “por ‘explícito’ deve-se entender, apenas e tão somente, o pedido formulado ‘de maneira clara e não subentendida’, excluindo ‘o sugerido, o denotado, o pressuposto, o indireto, o latente, o sinuoso e o subentendido” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 060006586/RJ, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos,  DJE de 16.9.2021).

Quanto ao mesmo trecho, o recorrente defende a ocorrência de "desordem informacional", porquanto "o pré-candidato é acusado de ser responsável pelas emergências climáticas que acometem a cidade de Porto Alegre".

Entretanto, a crítica volta-se à suposta negligência do mandatário em relação às mudanças climáticas, razão pela qual não pode ser considerada sabidamente inverídica de plano, pois dependente uma discussão ampla sobre as ações e omissões do governo e, de qualquer forma, subordinada a um juízo de plausibilidade, conforme a interpretação de mundo de quem a divulga.

Nesse sentido, o TSE já afastou a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa sob o entendimento de que "as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos 'fracos' das administrações públicas e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade", enfatizando, ainda, que "a extensão maior da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato ou grupo político inibe as discussões de temas que devem ser levados para a reflexão da sociedade" (TSE - Rp: 060074723/DF, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 20.4.2023, Data de Publicação: 28.4.2023).

Partindo dessas mesmas premissas, ainda que nas publicações dos dias 4 e 11 de abril de 2024 conste, objetivamente, pedido explícito de não voto, consoante bem avaliou a sentença recorrida, em nenhuma das postagens questionadas se observa a divulgação de fatos sabidamente inverídicos, caluniosos ou difamatórios contra Sebastião Melo.

Apesar de o recorrente alegar que "os recorridos insinuam a existência de fraudes e de corrupção na gestão Bolsonaro e no Governo Melo, fundindo-as falsamente numa coisa só, associando a pessoa de Sebastião Melo aos supostos crimes cometidos", não existe qualquer afirmação clara e objetiva sobre a existência de atos ilícitos na atual gestão municipal ou na então gestão do Presidente Bolsonaro.

De seu turno, a propalada aproximação de Sebastião Melo com o "bolsonarismo" não representa questão aferível de plano como inverídica ou ofensiva ao pré-candidato, uma vez que identidade ou distância entre correntes políticas é passível de diferentes interpretações, a depender da visão política de quem analisa e dos recortes fáticos tomados com referência.

Logo, em relação às postagens dos dias 15, 16 e 17 abril, deve prevalecer a intervenção mínima da Justiça Eleitoral sobre a liberdade de manifestação na arena democrática, consoante orientação expressamente trazida no art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A)

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º As manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Em desfecho, deve ser determinada a remoção dos conteúdos irregulares, a abstenção de nova veiculação dos mesmos conteúdos e aplicada multa ao representado Giovani Culau Oliveira, em razão apenas das postagens realizadas nas URLs <https://www.instagram.com/p/C5Wcdbuurv9/>, <https://www.instagram.com/p/C5oBu3Ou_lD/?img_index=1> e https://movcoletivo.com/tireotitulo/, com fulcro no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

O arbitramento da multa deve considerar a reprovabilidade e a lesividade concreta das condutas para alcançar valores superiores ao mínimo previsto na norma sancionatória.

No caso em análise, os conteúdos veiculados no Instagram em 4 e 11 de abril de 2024 contam com, respectivamente, 252 e 1.711 curtidas, conforme acessos realizados em 05.7.2024. Por sua vez, o texto divulgado no sítio <https://movcoletivo.com/tireotitulo/> não se encontra mais disponível para acesso.

Assim, havendo pedido explícito de não voto e à míngua de maiores informações sobre a quantidade de visualizações e projeção das mensagens sobre o público, mas valorando negativamente a utilização de duas diferentes aplicações de internet para a propagação de três peças irregulares, fixo a sanção pecuniária em R$ 8.000,00.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, a fim de:

a) acolher a preliminar de ilegitimidade passiva do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Porto Alegre, julgando extinto o processo sem resolução do mérito em relação referido órgão partidário, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil;

b) de ofício, reconhecer a ilegitimidade passiva do "Movimento Coletivo", julgando extinto o processo sem resolução do mérito em relação referido ente sem personalidade jurídica, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil;

c) julgar improcedente a representação em relação aos representados Manuela Pinto Vieira D'ávila e União da Juventude Socialista - UJS;

d) julgar parcialmente procedente a representação em relação ao representado Giovani Culau Oliveira, ao efeito de:

d.1) determinar a Giovani Culau Oliveira que remova da internet as publicações contidas nas URLs <https://www.instagram.com/p/C5Wcdbuurv9/>, <https://www.instagram.com/p/C5oBu3Ou_lD/?img_index=1> e <https://movcoletivo.com/tireotitulo/>, se ainda disponíveis para acesso, no prazo máximo de 1 (um) dia a contar da intimação, sob pena de aplicação de multa cominatória de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento, até o total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); e

d.2) condenar Giovani Culau Oliveira ao pagamento de multa no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com fundamento no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.