RSE - 0600122-13.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Como posto no relatório, cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juiz Eleitoral da 073ª Zona, que rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de MARCOS PAULO DA SILVA quanto à acusação de ter realizado impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet no dia das eleições.

E a irresignação manifestada, a meu ver, está a merecer pronto acolhimento.

Como sabido, a legislação eleitoral proíbe o impulsionamento de conteúdos no dia da eleição, sob pena da caracterização do crime previsto no art. art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei 9.504/97, e repisado no art. 87, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Lei n. 9.504/97

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 87. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos):

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B da Lei n. 9.504/1997, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Logo, para a tipificação do delito em comento é imprescindível que os conteúdos impulsionados estejam ativos na data da eleição.

A denúncia rejeitada na origem (ID 45615789) assim descreveu o fato reputado delituoso:

[…]

Durante todo o dia 15 de novembro de 2020, dia da eleição do pleito de 2020,o denunciado MARCOS PAULO DA SILVA, impulsionou conteúdos , consistentes em mídia de divulgação de sua candidatura ao cargo de vereador, na aplicação de internet Facebook.

O conteúdo, nitidamente de cunho eleitoral, contendo nome e número do candidato, foi impulsionado de 11 a 15 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?id=1622143904631709), estando os conteúdos ativos no dia da eleição , o que é vedado pela legislação em vigor.

Assim agindo, o denunciado MARCOS PAULO DA SILVA incorreu nas sanções do art. 39, §5º, inciso IV, da Lei 9.504/1997, com redação dada pela Lei n.º 13.488/2017, na forma do art. 69, caput, do Código Penal, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação, para, querendo apresentar suas alegações escritas. Após, pugna pelo recebimento da denúncia, com a oitiva das testemunhas adiante arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

Como se vê, o titular da ação penal sustenta que no dia do pleito o denunciado manteve ativo conteúdo de campanha impulsionado no Facebook, em afronta ao art. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97. É certo que este último, no intuito de comprovar que as divulgações pagas não estavam ativas no dia da eleição, trouxe ao feito prints de tela do Facebook indicando que as mesmas cessaram no dia 14.11.2020 às 23:35 (ID 45615758).

Tem-se, portanto, assertivas divergentes entre a acusação e defesa relativamente à atividade ou inatividade dos conteúdos impulsionados no dia das eleições.

Com a finalidade de aclarar e/ou elucidar as informações antagônicas, na origem foi oficiado ao Facebook Serviços Online do Brasil. Todavia, não houve resposta pela empresa, subsistindo, portanto, a dúvida quanto à data da divulgação objeto da lide (ID 45615781).

Nesse quadro, o ponto a ser debatido no recurso ora em julgamento diz respeito, unicamente, em verificar-se se a denúncia possui os requisitos necessários para o seu recebimento, conforme disciplinam os arts. 41 do Código de Processo Penal e 357, § 2º, do CE:

Art.41 CPP. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Art. 357 CE. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

(...)

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Da exegese de tais dispositivos, verifica-se que a denúncia ofertada atende de forma satisfatória os requisitos elencados, pois, vale destacar, o acusado teve e tem plena ciência dos motivos fáticos e jurídicos que levaram o Ministério Público a dar continuidade à persecução penal em seu desfavor, assegurando-se-lhe, naturalmente, que o acusado exerça o seu direito de defesa.

Na lição de Rodrigo López Zilio esclarece que (Direito Eleitoral. 8. ed. rev. ampl. e atual. - São Paulo: Editora Juspodivm, 2020, p.900):

(...) se a denúncia descreve o fato delituoso e as suas circunstâncias com a correspondente tipificação, viabilizando o contraditório, não há como recusar o prosseguimento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

 

No caso dos autos, a denúncia foi rejeitada sob o fundamento de ausência de "um acervo probatório mínimo e seguro", o que caracterizaria falta de justa causa (art. 395, inc. III, do CPP e art. 358 do Código Eleitoral).

A expressão justa causa é normalmente utilizada como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. Por isso, para instauração do processo penal, exige-se um lastro probatório mínimo indispensável da prova da existência do crime e de indícios de autoria.

A questão recursal se resumiu, então, em avaliar se os elementos até aqui carreados ao feito são suficientes para desencadear a ação penal. Verifica-se, no ponto, que com a peça incoativa vieram certidões expedidas por oficiais do Ministério Público, contendo informações sobre o denunciado, links para acesso e prints de tela do Facebook (ID 45615722).

Em acesso ao link constante na certidão de ID 45615724 juntada pelo denunciante, é possível aferir que a divulgação está "inativa", e que teve por período de duração 12 a 15 de novembro de 2020, ou seja, na data do pleito estava ativa.

Por outro lado, em diligências de ofício desencadeadas por esta relatoria, não se logrou localizar o material colacionado pelo recorrido no ID 45615758, o que autoriza concluir que, em realidade, os prints relacionados aparentam não ostentar caráter definitivo, pois, diferente da prova coligida pelo denunciante, todos apresentam a expressão "Salvar Alterações" ao final, a indicar que pendentes de formalização.

Portanto, no mínimo persiste até aqui intransponível dúvida acerca da caracterização do delito imputado ao denunciado e ora recorrido. Em assim sendo, neste momento processual, a dúvida, como bem reportado pelo Ministério Público Eleitoral com assento nesta Corte (ID 45623583), deve ser solvida "em favor da sociedade", ou seja, com perquirição aprofundada de eventual responsabilidade penal do denunciado.

Acresço à fundamentação do voto, por fim, o que constou no já referido Parecer da douta Procuradora Regional Eleitoral Auxiliar, Dra. Maria Emília Corrêa da Costa (ID 45623583):

Assim, de acordo com a certidão acostada no ID 45615724, lavrada dia 23 de novembro de 2020 - por Oficial do Ministério Público, constata-se que, em consulta à Biblioteca de Anúncios do Facebook relativa ao acusado, nos links descritos posteriormente na denúncia, foram localizados conteúdos com impulsionamento ativo em períodos abrangendo o dia da eleição, 15 de novembro de 2020.

O aludido documento, no qual constam prints de tela trazendo as informações a respeito do período de atividade dos impulsionamentos, do valor gasto, do alcance potencial, do anunciante e do conteúdo da propaganda eleitoral, induvidosamente constitui elemento de prova a respeito da autoria e materialidade, suficiente a indicar a ocorrência do crime e, por consequência, apto ao início do processo-crime.

O ora Recorrido anexou ao feito prints de tela dando conta de que os impulsionamentos não estavam ativos na data da eleição. (Ids 45615755 e 45615758)

Esses novos dados, contudo, não têm o condão suficiente de rechaçar a certidão que lastrou a incoativa; ao contrário, meramente colocam em dúvida a veracidade do que foi relatado, porquanto as informações inseridas nas aplicações de internet, como é cediço, podem ser modificadas. E essa dúvida somente pode ser sanada com a adequada instrução do processo criminal!

Noutros termos, efetivamente, a contradição entre a informação que constou inicialmente, logo após eleição, e aquela que foi obtida posteriormente, pelo então Denunciado, deve ser objeto de discussão e corroboração durante a pertinente instrução criminal, especialmente porque, no juízo de apreciação da denúncia, vige o princípio in dubio pro societate [...]

 

Por todo o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral da 073ª Zona Eleitoral - São Leopoldo/RS contra MARCOS PAULO DA SILVA, devendo, por conseguinte, ser na origem desencadeada a pertinente ação penal.