AJDesCargEle - 0600068-67.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de ação de decretação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária ajuizada por MARIANO NARDI ZANCAN, primeiro suplente de vereador pelo MDB, em face de IGOR CARGNELUTTI BELLINASO, ocupante do cargo de vereador do Município de Ivorá pelo MDB.

Inicialmente, analiso a matéria preliminar arguida pelo requerido em contestação.

I. Das Preliminares de Ilegitimidade Ativa e de Ausência de Interesse para Ação

Em contestação, Igor Carnelutti Bellinaso arguiu, em preliminar, a falta de interesse de agir e a ilegitimidade ativa do autor para pleitear a perda de seu mandato eletivo.

A legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de decretação de perda de mandato eletivo encontra-se disciplinada no art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07, o qual determina que o direito de ação deverá ser exercido pelo partido no prazo de 30 dias contados da desfiliação e, vencido esse período, poderão ingressar com a ação nos 30 dias subsequentes aqueles que tenham interesse jurídico ou o Ministério Público Eleitoral.

A partir do dispositivo, a jurisprudência do TSE é firme nesse sentido de que, “nas ações por infidelidade partidária, tão somente o primeiro suplente do partido detém legitimidade para pleitear a perda do cargo eletivo de parlamentar infiel à agremiação pela qual foi eleito, visto que a legitimidade ativa do suplente fica condicionada à possibilidade de sucessão imediata” (Agravo Regimental em Petição nº 177391, Acórdão de 08/08/2013, Relator (a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 26/8/2013, Página 135/136).

Assim, o requerente Mariano Nardi Zancan, tendo demonstrado a sua condição de primeiro suplente de vereador pelo MDB de Ivorá no pleito de 2020 por meio do diploma outorgado pela Justiça Eleitoral (ID 45614087), possui legitimidade para requerer a decretação da perda do cargo eletivo após expirado o prazo do partido, nos termos do art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07, uma vez que possui expectativa de sucessão imediata ao cargo.

Em sua defesa, o requerido sustenta o desatendimento do prazo legal, uma vez que “o lançamento da desfiliação foi efetivado no sistema em 20.02.2024, conforme certidão emitida pela 119ª Zona Eleitoral de Faxinal do Soturno”, de sorte que “somente o partido tem legitimidade para, até 20.03.2024, pedir a decretação da perda do cargo eletivo”. Conclui, assim, que “o ajuizamento da ação pelo autor, em 12.03.2024, revela a ausência de interesse de agir, além de ser parte ilegítima para tanto, dentro deste prazo”.

Não assiste razão ao requerido.

Em relação ao atendimento do prazo decadencial para a propositura da ação, é entendimento consolidado do TSE de que “a data a ser considerada como termo inicial do prazo para a propositura de ação de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa é a da primeira comunicação feita pelo detentor do mandato eletivo ao partido político, e não a realizada perante a Justiça Eleitoral” (Agravo Regimental Em Agravo De Instrumento 060019340/PA, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Acórdão de 20/08/2020, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 186, data: 17/09/2020).

O posicionamento está reafirmado em recente julgado da Corte Superior:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. VEREADOR. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. DECADÊNCIA. EXTINÇÃO. VÍCIOS PROCESSUAIS INEXISTENTES. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. SÚMULA Nº 26/TSE. CARTA DE ANUÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 72/TSE. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. [...]. 5. Rememora-se que a jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que: a) "o termo de início da contagem do prazo decadencial é a data da primeira comunicação de desfiliação feita pelo detentor do mandato eletivo ao partido político, e não a da divulgação das listas de filiados pela Justiça Eleitoral" (ED-AgR-REspEl nº 0600085-91/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 4.12.2023); [...]. 8. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060002161, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 30/04/2024.) (Grifei.)

 

Nesses termos, observa-se que Igor comunicou a sua desfiliação partidária ao Presidente do Diretório Municipal do MDB de Ivorá no dia 04.02.2024 (ID 45614088).

Dessa forma, não tendo o partido político ajuizado a ação no prazo de 30 dias da comunicação de desfiliação, ou seja, até o dia 05.3.2024, abriu-se a legitimação subsidiária e condicionada do primeiro suplente para a propositura da demanda, em nome próprio, nos 30 dias subsequentes.

Logo, ajuizada a ação em 12.3.2024 (ID 45614083), está atendido o prazo legal previsto para o primeiro suplente ante a inércia da agremiação.

Outrossim, a certidão de filiação partidária extraída do sistema Filia desta Justiça Eleitoral demonstra que o requerido não estava filiado a partido político até o dia 21.02.2024 (ID 45614085), condição não controvertida em sede de contestação.

Destarte, não há que se cogitar em litisconsórcio passivo necessário na hipótese em que o mandatário infiel não tenha migrado para novo partido político até o termo final para a propositura da ação, tal como ocorre no presente caso.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal Regional e do TSE:

PETIÇÃO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA IMOTIVADA. ART. 22-A DA LEI N. 9.096/95. VEREADOR. PRELIMINARES SUPERADAS. MÉRITO. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES DE JUSTA CAUSA AUTORIZADORAS PARA A DESFILIAÇÃOPARTIDÁRIA E MANUTENÇÃO DO MANDATO ELETIVO. ANUÊNCIA DA AGREMIAÇÃO NÃO COMPROVADA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL NÃO CARACTERIZADA. PERDA DO MANDATO. PROCEDENTE. [...]. 1.2. Da desnecessidade de litisconsórcio passivo. O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral assentou entendimento de que, em ação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária, só há formação do litisconsórcio passivo necessário entre o candidato eleito e o partido ao qual se filiou, quando a nova filiação ocorrer dentro do prazo de 30 dias da desfiliação que deu causa à ação, conforme previsão do art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07. Na hipótese, despicienda a formação do litisconsórcio passivo necessário previsto no art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 22.610/07, sendo suficiente a citação do parlamentar requerido para a plena eficácia da decisão de mérito. [...]. 7. Procedência.

(TRE-RS; Petição n. 060054396, Acórdão, Des. DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Julgamento em 28.07.2020.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CARGO. VEREADOR. AÇÃO PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE PARTIDO POLÍTICO NA EXORDIAL. ACÓRDÃO REGIONAL QUE ASSENTOU A DECADÊNCIA. LITISCONSÓRCIOPASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE CERTEZA JURÍDICA ACERCA DA FILIAÇÃO A NOVO PARTIDO POLÍTICO NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO RECONHECIDA PELA JUSTIÇA ELEITORAL. SINGULARIDADE QUE AFASTA EVENTUAL DECADÊNCIA. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. 1. O litisconsórcio passivo necessário entre o candidato eleito e a novel agremiação a que tenha se filiado é medida que se impõe em ações de perda de mandato eletivo por suposta infidelidade partidária, a teor do art. 4º da Res.-TSE nº 22.610/2007. 2. O art. 4º da Res.-TSE nº 22.610/2007 preconiza que tanto o mandatário (i.e., candidato eleito) quanto o (novo) partido em que esteja inscrito após a desfiliação devem ser citados para apresentar a resposta. 3. O litisconsorte passivo necessário reclama sua formação nos processos de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária apenas e tão somente nas hipóteses em que o mandatário esteja filiado a novo partido político na data da propositura da ação, de sorte que descabe reconhecer a decadência do direito da ação pela ausência de indicação do litisconsorte sempre que a própria Justiça Eleitoral verificar que o parlamentar não se encontrava filiado a qualquer agremiação partidária. [...]. 2. Recurso especial provido para afastar a decadência e determinar ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará que prossiga na análise da desfiliação partidária como entender de direito.

(TSE; Recurso Especial Eleitoral nº 23517, Acórdão, Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico de 15/09/2015.) (Grifei.)


 

Portanto, a ação é tempestiva e o autor possui legitimidade e interesse jurídico para pleitear a perda do mandato eletivo do requerido.

Assim, afastadas as preliminares, passo à análise do mérito.

 

II. Do Mérito

Trata-se de ação de decretação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ajuizada por MARIANO NARDI ZANCAN em face de IGOR CARGNELUTTI BELLINASO, ocupante do cargo de vereador do Município de Ivorá/RS, tendo em vista que o requerido se desfiliou do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação pela qual foi eleito nas Eleições de 2020.

Os fatos trazidos pelo autor na petição inicial indicam que IGOR requereu a desfiliação, mediante documento recebido pelo Presidente do Diretório Municipal da agremiação em fevereiro deste ano, “motivado por razões estritamente atinentes a seus interesses e convicções pessoais” (ID 45614090).

Defende o requerente que não socorrem ao requerido quaisquer das hipóteses de justa causa elencadas no art. 22-A, § 1º, da Lei n. 9.096/95. Assim, postula, na condição de primeiro suplente e com fundamento na alegação de desfiliação partidária sem justa causa, a decretação da perda do mandato eletivo de vereador, atualmente ocupado pelo requerido, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07 (ID 45614083).

Sobre o tema, o art. 22-A da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.165/15, estabelece a perda do mandato do detentor de cargo eletivo que se desfiliar sem justa causa do partido pelo qual foi eleito, verbis:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

 

Por outro lado, o parágrafo único do art. 22-A da Lei n. 9.096/95 prevê as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, ou seja, situações excepcionais e taxativas que conferem ao parlamentar o direito de conservar o mandato eletivo, ainda que em sigla partidária distinta daquela pela qual se consagrou nas urnas

Art. 22-A.

[...].

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

Recentes Emendas Constitucionais trouxeram, ainda, duas hipóteses adicionais de desfiliação sem a perda do mandato eletivo, quando o partido político pelo qual o parlamentar se elegeu não tiver superado a cláusula de barreira e quando lhe for concedida a anuência partidária, conforme previsão no art. 17, §§ 5º e 6º, da CF/88, com a seguinte redação:

Art. 17. […].

[…].

§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021)

 

Insta advertir que todas as hipóteses relacionadas são situações taxativas e excepcionais, uma vez que a regra posta é que o mandato obtido em eleição proporcional pertence ao partido político que obteve a vaga por ocasião do pleito.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a força normativa do princípio constitucional da fidelidade partidária, assentou que o mandato eletivo pertence ao partido político, podendo ser reavido do parlamentar que deixou a legenda sem justa causa, como ilustra a seguinte ementa:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TSE. INAPLICABILIDADE DA REGRA DE PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA AO SISTEMA ELEITORAL MAJORITÁRIO. 1. Cabimento da ação. Nas ADIs 3.999/DF e 4.086/DF, discutiu-se o alcance do poder regulamentar da Justiça Eleitoral e sua competência para dispor acerca da perda de mandatos eletivos. O ponto central discutido na presente ação é totalmente diverso: saber se é legítima a extensão da regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário. 2. As decisões nos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, que é adotado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. As características do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obtidos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas. Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu. 3. O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1º, parágrafo único; e art. 14, caput). 4. Procedência do pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.

(ADI 5081, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 18-08-2015 PUBLIC 19-08-2015.) (Grifei.)

 

Logo, sendo incontroversa a desfiliação do mandatário, sobre o requerido recai o ônus de alegar e demonstrar a ocorrência de quaisquer das hipóteses de justa causa para a retirada da agremiação, na condição de fatos extintivos do direito do autor, nos termos do art. 373, inc. II, do CPC, a elidir a perda do mandato por infidelidade partidária, consoante ilustra o seguinte julgado:

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO FEDERAL. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. PROVA APENAS TESTEMUNHAL. PROXIMIDADE DOS DEPOENTES COM O REQUERIDO. CIÊNCIA DOS FATOS POR TERCEIROS. CONTRADIÇÕES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PERDA DO MANDATO. 1. Cuida-se de ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa ajuizada pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em desfavor do requerido, Deputado Federal por Alagoas eleito em 2014, e do Partido Social Democrático (PSD), legenda para a qual o parlamentar migrou. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é ônus do parlamentar que se desfiliou comprovar uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência. (…). 7. Procedência do pedido para decretar a perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa.

(Petição nº 51689, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 10/12/2018, Página 44.) (Grifei.)

 

Nesse aspecto, Igor alega que se desfiliou da agremiação em razão de grave discriminação política pessoal, conforme hipótese prevista no art. 22-A, parágrafo único, inc. II, da Lei n. 9.096/95, porquanto, “como então membro do partido e vereador, vinha sendo afastado das reuniões entre seus membros, nas quais eram decididas questões importantes relacionadas à legenda e ao mandato na Câmara de Vereadores de Ivorá”. Argumenta, ainda que:

Como fica bastante explícito, o fato determinante que o levou a deixar o partido, consistiu em formação da chapa que concorreria à mesa direta da câmara, a qual se deu sem que fosse comunicado da reunião. Ou seja, lhe foi tolhida a fala e o voto a respeito, não apenas das ações do partido, como a própria como vereador e até então membro do partido, e da própria casa legislativa, cuja atribuição é atender os anseios do povo.

 

De acordo com a jurisprudência do TSE, “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição” (AgR-RO n° 14826/AL, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 20.11.2017 e PET n° 58184/DF, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 1º.7.2016).

A grave discriminação designa a materialização no plano das relações partidárias de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, dirigidas contra o mandatário, tornando insustentável a continuidade da relação de filiação, sendo insuficientes meras desavenças e desencontros entre membros e órgãos partidários.

Nessa linha, explica Rodrigo López Zilio: “a discriminação sofrida deve ser grave, ou seja, relevante, intensa, denotando reflexos negativos na manutenção dos status quo do filiado. Daí meras divergências partidárias não configuram justa causa calcada em grave discriminação pessoal. Com efeito, necessário que a discordância apresente efeitos negativos concretos na vida partidária do interessado, trazendo-lhe prejuízo efetivo e irreparável na convivência com seus pares” (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 10 ed. São Paulo: JusPodivm, 2024, pág. 166).

Portanto, meras desavenças políticas entre órgãos partidários ou entre seus filiados são inábeis à configuração de grave discriminação política pessoal.

Na mesma toada, o TSE tem reiteradamente enunciado que não se afigura motivo suficiente para legitimar a desfiliação “a insatisfação do agravante em relação à opção da agremiação em não o lançar como candidato no último pleito, visto que essas circunstâncias não desbordam os acontecimentos afetos à vida política partidária” (TSE - RESPE: 0600207-67/PR, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 27/04/2020, Data de Publicação: 07/05/2020).

De modo semelhante, esta Corte Regional já proclamou que o impedimento ao parlamentar de se manifestar na Câmara de Vereadores representando o partido ou sua bancada “não expressa grave discriminação política pessoal, mas uma reação ao posicionamento contrário do vereador a projetos que eram do interesse do governo municipal, cujo prefeito era filiado ao seus partido” (TRE-RS; Ação de Justificação de Desfiliação Partidária/Perda de Cargo Eletivo n. 060002419, Acórdão, Relator: Des. Federal Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Publicação: DJE de 29/06/2023).

Outrossim, a referida justa causa exige “a prova robusta da segregação pessoal capaz de tolher a atividade no cargo, sendo insuficiente a mera diminuição de representatividade no âmbito partidário ou eventuais divergências entre membros de uma mesma legenda” (TRE-RS; Petição n 0600262-77, Acórdão de 13/11/2018, Relator: Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, Publicação: DEJERS de 16/11/2018).

No caso concreto, o fato invocado pelo vereador para o desligamento do partido teria se evidenciado durante a Sessão Ordinária n. 1382, correspondente à Sessão Legislativa n. 1424, da Câmara de Vereadores de Ivorá/RS, em que eleita a nova Mesa Diretora da Casa.

Nessa oportunidade, teria ocorrido a formação da chapa à Mesa Diretora da Câmara Legislativa, da qual Igor pretendia concorrer. Porém, o mandatário não teria sido comunicado da reunião prévia do MDB em que resolvida a formação da chapa. Assim, a agremiação teria deliberado sobre o tema sem o conhecimento e a participação de Igor, e sem sequer comunicar o requerido da decisão até o momento da reunião legislativa.

Como prova de suas alegações, o requerido juntou um arquivo de áudio do que seria a gravação de parte da Sessão Ordinária n. 1382 da Câmara de Vereadores de Ivorá/RS, em que o próprio vereador Igor teria relatado o suposto fato discriminatório e manifestado seu descontentamento a partir da tribuna parlamentar (ID 45618245):

[…].

[PESSOA NÃO IDENTIFICADA]: Com a palavra o vereador Igor.

IGOR CARGNELUTTI BELLINASO: “hum...Com todo respeito ao Presidente desta Casa, antes de..de.. de votar, eu gostaria de justificar, né, hãaa, o meu voto, hãaa, hãaa, hãaa, em si, que eu nem sabia, eu sou membro, eu sou vereador, no partido, eu não fui convidado pra resolver nada, fiquei sabendo hoje, da.. da chapa, e nada contra o Kiko, nada pessoal, não tenho nada Deus me livre, só que eu, eu, eu não fui convidado nem nada nas reunião, será que acham que eu sou um João Bobo no meu partido? Eu já vou aproveitar e tirar minhas férias em março e quem sabe eu volto, eu volto em outros ares, porque eu não sirvo para nada mesmo. Entendeu? E vou me abster ao voto!

[…].

 

Em sede de alegações finais, o requerente impugnou a autenticidade da gravação, alegando que não pode ser verificada “com precisão a data, o local, a veracidade e autenticidade dessa reprodução”.

De fato, a prova representa um curto fragmento de 1 minuto e 4 segundos de fala do próprio vereador Igor, não sendo possível estabelecer de forma estreme de dúvidas, “quando”, “onde” e “em que circunstâncias” o áudio foi produzido, se durante a reunião da Casa Legislativa ou em outro contexto. Igualmente, não se pode constatar se houve alguma eventual resposta ou manifestação de terceiros sobre o assunto, a proporcionar mais informações e uma melhor contextualização dos acontecimentos.

Para robustecer a prova, a parte demandada poderia ter requerido ao juízo a expedição de ofício à Câmara dos Vereadores de Ivorá/RS para a obtenção do áudio integral da sessão legislativa ou outros registros oficiais das intercorrências havidas durante a solenidade, providências não adotadas na espécie.

Nada obstante, independentemente do local e da oportunidade em que captado o áudio, a prova trazida consiste em mera declaração do próprio requerido Igor acerca de sua suposta exclusão da reunião partidária e sobre sua frustração pessoal com a chapa então apoiada pelo MDB.

Decerto que, para comprovar a hipótese de justa causa, poderia o requerido ter buscado a oitiva de testemunhas que confirmassem a sua deliberada subtração das reuniões políticas, ou trazido documentos e comunicações do âmbito intrapartidário expondo o reiterado abandono pelo partido, dentre outros elementos de prova.

Contudo, não existem nos autos quaisquer outras provas sérias, objetivas e cabais que comprovem ter havido condutas efetivas para alijar de forma grave o requerido da vida política ou partidária.

Por sua vez, o requerimento de desfiliação apresentado por Igor ao Presidente Municipal do MDB nada refere sobre os fatos, resumindo-se a postular a saída do partido “em caráter irrevogável e irretratável” e “por motivos de ordem pessoal” (ID 45614090).

Logo, a gravação acostada demonstra tão somente uma discordância episódica entre os membros da agremiação e o vereador requerido, contrariando seus interesses em relação à composição da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores, o que, ausentes outras provas sobre o contexto dos fatos, não desborda dos conflitos normais e inerentes à democracia intrapartidária.

Cabe rememorar novamente que este Tribunal sedimentou o entendimento sobre a figura da grave discriminação política de que “meros aborrecimentos, frustrações em projetos pessoais e outros enfrentamentos comuns à vida política e intrapartidária não configuram a hipótese. Exige-se, para tanto, a demonstração robusta de fatos certos e determinados dirigidos ao isolamento, depreciação ou impedimento da atividade política do parlamentar, tornando verdadeiramente insustentável a manutenção do vínculo partidário” (Petição 0600543-96, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Acórdão de 28/07/2020, Publicado Processo Judicial Eletrônico-PJE).

Evidencia-se, assim, não existir comprovação da alegada grave discriminação política que o demandado sofreria no âmbito interno da agremiação, capaz de ameaçar o próprio exercício do mandato, pois essa hipótese de justa causa para a desfiliação exige um acervo probatório robusto e contundente relativo a fatos injustos e segregatórios, o que não ocorre nos autos.

Em outra ordem de argumentos, o requerido sustenta que, “tendo em vista a ausência de censura pública e a inércia do partido em retomar judicialmente seu cargo eletivo, acabou por anuir com sua desfiliação”.

O tema em questão está atualmente regido pelo § 6º do art. 17 da Constituição Federal, inserido pela EC n. 111/21, anteriormente transcrito.

Conforme se extrai da jurisprudência, esta anuência deve ser revestida de uma manifestação inequívoca de órgão partidário legitimado quanto ao desinteresse em retomar o mandato eletivo, a exemplo de ata deliberativa da direção partidária ou documento escrito produzido por ocasião da comunicação de desfiliação, ou mesmo ser corroborada por depoimentos de testemunhas ou outros meios de prova.

Seguindo tal diretriz, este Tribunal Regional já considerou configurada a anuência partidária mediante “declaração pública em jornal, do presidente da agremiação partidária ao qual pertencia o desfiliado, consignando a não reivindicação da cadeira do mandatário” (Pet n. 19909, Relatora Des. Eleitoral Maria De Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DEJERS de 15/07/2016) e “ata de reunião da direção executiva municipal, na qual a sigla deliberou por não tomar nenhuma medida quanto à situação do requerido Carta” (Pet. n. 0600468-57, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Sessão de 17.12.2019).

Na espécie, porém, sequer há elementos indiciários que autorizem conclusão semelhante, pois a inação partidária não se confunde com a aquiescência em relação à desfiliação ou com a renúncia ao mandato legislativo.

O efeito direto da inércia da grei partidária em retomar judicialmente o cargo eletivo dentro do prazo legal é a legitimação subsidiária do suplente imediato e do Ministério Público Eleitoral para o ajuizamento da ação, a teor do art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07. Logo, inviável a equiparação desta omissão aos efeitos da carta de anuência, pois a própria legislação prevê consequências jurídicas incompatíveis com esse entendimento.

Nesta linha, destaco julgado deste Tribunal Regional:

PETIÇÃO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA IMOTIVADA. ART. 22-A DA LEI N. 9.096/95. VEREADOR. PRELIMINARES SUPERADAS. MÉRITO. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES DE JUSTA CAUSA AUTORIZADORAS PARA A DESFILIAÇÃOPARTIDÁRIA E MANUTENÇÃO DO MANDATO ELETIVO. ANUÊNCIA DA AGREMIAÇÃO NÃO COMPROVADA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL NÃO CARACTERIZADA. PERDA DO MANDATO. PROCEDENTE. [...]. 4. Da alegada anuência do partido. A jurisprudência pacificou-se no sentido de que a anuência da agremiação é suficiente para descaracterizar a infidelidade partidária. Entretanto, esta concordância deve ser revestida de manifestação inequívoca, a exemplo de ata deliberativa da direção partidária ou documento escrito produzido por ocasião da comunicação de desfiliação, ou mesmo ser corroborada por depoimentos de testemunhas ou outros meios de prova. Na espécie, inexistem elementos indiciários que autorizem conclusão semelhante, pois a mera ausência de censura pública não se confunde com prova de aquiescência com a desfiliação. No mesmo sentido, a consequência da inércia da grei partidária em retomar judicialmente o cargo eletivo dentro do prazo decadencial é a legitimação do suplente imediato e do Ministério Público Eleitoral para o ajuizamento da ação, a teor do art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07. Inviável a equiparação dessa omissão processual à justa causa para a desfiliação, pois a própria legislação prevê efeitos jurídicos contrários a esse entendimento. [...]. Perda do cargo eletivo. 7. Procedência.

(Petição nº 060054396, Acórdão, Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos De Moraes, Julgamento em 28.07.2020; Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Com o mesmo posicionamento, colaciono julgado da Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. JUSTA CAUSA E CONCORDÂNCIA DO PARTIDO. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO. PREJUDICIALIDADE. (…). 7. Consignado pelo Tribunal a quo que não há nos autos documento hábil a comprovar a suposta liberação do parlamentar para se desfiliar da agremiação e à míngua de concordância expressa do partido quanto à caracterização de fatos justificadores da desfiliação partidária, a tese recursal de que a inércia, por si só, da agremiação em requerer a decretação da perda do cargo eletivo configuraria aceitação tácita do desligamento esbarra no disposto no § 2º do art. 1º da Res. TSE 22.610, segundo o qual, em tal hipótese e após o prazo de trinta dias contados do desligamento, é facultado àquele que tenha interesse jurídico ou ao Ministério Público Eleitoral fazê–lo, em nome próprio, nos trinta dias subsequentes. (…).

(Agravo de Instrumento nº 060065476, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, Data: 15/08/2019) (Grifei.)

 

Dessa forma, não comprovadas a hipótese de grave discriminação política pessoal ou a concessão de anuência pela agremiação partidária, tem-se por não justificada a desfiliação realizada pelo requerido, impondo-se a decretação da perda do mandato eletivo do mandatário trânsfuga.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, por julgar procedente a ação para o fim de decretar a perda do mandato eletivo de IGOR CARGNELUTTI BELLINASO, ocupante do cargo de vereador do Município de Ivorá/RS, com fundamento no art. 22-A, caput, da Lei n. 9.096/95, determinando a execução imediata do presente acórdão, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07.

 

Comunique-se à Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Ivorá/RS, para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) eleito no pleito de 2020, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral.