ED no(a) REl - 0600458-21.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2024 às 14:00

VOTO

Nos Embargos de Declaração, com efeitos infringentes, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 45240239) aduz que as premissas fáticas adotadas no acórdão são substancialmente divergentes do conteúdo da prova angariada ao longo da instrução processual, mas sobretudo daquela integrada ao recurso eleitoral, "em que evidenciado claramente que: i) não houve apenas a participação isolada de dois indivíduos faccionados na campanha dos demandados, mas sim o envolvimento pleno do grupo criminoso, havendo, inclusive, conversas interceptadas pela Polícia Civil em que um líder local da facção expressamente afirma o interesse nas eleições de Sarandi, em detrimento de outros municípios, além de ter sido constatada, também, a escandalosa utilização, pelos traficantes, de usuários de drogas para coagir eleitores e adversários políticos; ii) a campanha de Nilton e Reinaldo foi que aportou recursos financeiros à facção criminosa para prestar serviços escusos, e não o contrário, como afirmado no acórdão, havendo também demonstração clara de que Nicola ofereceu favores, mediante serviços de advocacia, para libertar a esposa do faccionado Pablo Rupulo (Babalu) do regime penitenciário; iii) os documentos juntados e os diversos depoimentos colhidos em audiência, bem como as transcrições dos diálogos constantes dos celulares apreendidos, são elementos de prova robustos e demonstram cabalmente a ocorrência do ilícito descrito na exordial proposta pelo Parquet."

Considerando os termos da respeitável decisão da Corte Superior, impõe-se a reapreciação dos embargos de declaração.

Como sabido, de regra os embargos de declaração se prestam a colmatar omissões, obviar contradições, esclarecer obscuridades ou mesmo corrigir erros. Têm, pois, por objetivo, integrar a decisão embargada, pelo que, salvo em hipóteses excepcionais, não se lhes podem ser emprestados efeitos infringentes, como consagrado em diversos precedentes das Cortes Superiores, inclusive do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2020. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. UTILIZAÇÃO NO LUGAR DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. VÍCIOS INEXISTENTES. MERO INCONFORMISMO. EFEITOS INFRINGENTES. INVIABILIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS.

1. A clareza da Súmula nº 36/TSE e do art. 67 da Res.–TSE nº 23.609/2019 afasta qualquer dúvida objetiva apta a viabilizar a aplicação do princípio da fungibilidade na interposição de recurso ordinário eleitoral no lugar do recurso especial eleitoral.

2. A contradição que autoriza o acolhimento dos aclaratórios é a interna, havida entre a fundamentação e o dispositivo ou entre fragmentos da decisão embargada, e não o descompasso entre a conclusão adotada pelo Tribunal e o entendimento apresentado pela parte.

3. O inconformismo da parte com a decisão judicial não caracteriza nenhum dos vícios que legitime a oposição de embargos de declaração, tampouco autoriza a rediscussão de fundamentos já expostos na decisão impugnada.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(Embargos De Declaração No Agravo Regimental No Recurso Ordinário Eleitoral 060043195/SP, Relator(a) Min. Edson Fachin, Acórdão de 14/10/2021, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 194, data 21/10/2021)

 

A concessão de efeitos infringentes, por outro lado, deve ser vista com maior cautela quando por intermédio de embargos de declaração se pretende obter reanálise da prova dos autos, uma vez que a avaliação dos elementos de convicção, nos casos em que essa tarefa se mostra necessária à aplicação do direito ao caso concreto, envolve juízo subjetivo formado pelo órgão julgador.

Avulta a necessidade de contenção na apreciação de pretensão infringente quanto à análise da prova quando os integrantes do órgão julgador já não são os mesmos. É o que ocorre no caso em apreço, em que a composição que apreciou o recurso interposto, e, posteriormente, os primeiros embargos de declaração, é totalmente diversa da composição atual da Corte.

O juízo de valor exercido pela composição da Corte na ocasião, conquanto sempre passível de questionamento - como se dá com todas as decisões judiciais - , de ordinário não pode ser revisto pela composição atual, notadamente em situação na qual o órgão julgador, mesmo que incidindo eventualmente em alguma omissão quanto à análise de circunstâncias ligadas a alguns fatos ou alegações, clara e expressamente rechaçou ditas circunstâncias.

É o que se dá no caso em apreço, pois do voto proferido pelo então Relator deste feito (Id 45139218) - acompanhado à unanimidade pelos então integrantes do Pleno - depreende-se que houve expresso conhecimento "da d0cumentação apresentada com o recurso, seguindo orientação desta Corte". O voto condutor, assim, expressamente rejeitou "a preliminar suscitada pelos recorridos Nilton Debastiani e Reinaldo Antonio Nicola sobre a nulidade da prova juntada em sede recursal, visto que, conforme jurisprudência deste egrégio Tribunal Regional Eleitoral, é possível a juntada de novos documentos com o recurso, nos termos do disposto nos arts. 266 do Código Eleitoral e 435 do Código de Processo Civil".

Dito isso, e analisando o caderno de provas, inclusive aquelas apresentadas em grau recursal, o Relator assim se posicionou:

...

Não há prova robusta nos autos de que tal facção estivesse vinculada e prestando apoio à campanha dos candidatos Debastiani e Nicola, muito menos que por meio da referida facção houvesse sido injetado “valores pecuniários” e, por consequência, restasse configurado abuso de poder econômico.

Não desconheço a existência de uma fotografia na qual se vê droga destinada à comercialização disposta sobre a bandeira do PDT, contudo, a partir dessa foto, não se pode concluir que o partido tenha auferido benefícios dos resultados do negócio.

Quanto à tese de abuso de poder econômico, em razão da distribuição de “vales”, restou esclarecido nos autos que a utilização era destinada à alimentação dos cabos eleitorais. O depoimento do proprietário do Mercado Romio, sr. Ben Hur Romio, dá conta de que, a pedido de Guilhermo, fez a troca do valor de um mil reais por 20 vales de R$ 50,00, os quais seriam destinados a compras para alimentação do pessoal que trabalhava na campanha.

Ademais, como mencionado pela douta magistrada, “(…) o valor total não chega a um salário mínimo, de modo que é custoso acreditar que tal montante pudesse interferir no pleito a ponto de gerar benefício eleitoral aos candidatos”.

Frise-se que, para configuração do ilícito eleitoral, necessário se faz estabelecer uma conexão segura entre os atos dos investigados e o ilícito eleitoral imputado no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, ou seja, interferência do poder econômico ou desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação.

Ocorre que não há nos autos prova inequívoca e suficiente de participação da organização criminosa por meio de valores pecuniários ou com mensuração econômica para a campanha eleitoral dos candidatos majoritários do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Sarandi/RS, com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a normalidade da disputa eleitoral.

Além disso, considerando os documentos juntados e os diversos depoimentos colhidos em audiência, bem como transcrições dos diálogos constantes no celular apreendido, i.e., o caderno probatório trazido aos autos, não foi possível se comprovar de forma robusta e inconteste a prática de atos de abuso de poder econômico aptos a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições 2020 em Sarandi.

...

 

O juízo a que chegou o voto condutor, e, logo, o órgão julgador, restou ratificado por ocasião do julgamento dos primeiros embargos de declaração.

A tarefa que se impõe a este colegiado ao apreciar os embargos de declaração, destarte, não se mostrando presente situação excepcional a justificar um novo julgamento do caso, é a de procurar esclarecer os fundamentos que o Tribunal, na ocasião, entendeu suficientes à confirmação da decisão recorrida, mesmo em face dos documentos apresentados em grau recursal.

Volta-se a afirmar, por oportuno, que os documentos acostados ao recurso ministerial foram admitidos e conhecidos nesta Instância, conforme consta na íntegra do acórdão de ID 45146388.

Dito isso, em novo julgamento dos Embargos de Declaração de ID 45240239, esclareço  que sustenta o Ministério Público que os diálogos contidos nos aparelhos apreendidos pela polícia demonstram a atuação da "facção de forma coordenada e contou não apenas com duas pessoas (Gilberto e Guilhermo), mas sim com uma vasta gama de indivíduos, dentre os quais destacam-se Ronaldo Mosna (Donaldo), Dândalo Agnaldo Pires (Zumba), Gentil Santos Maria (Candango), Eliseu de Oliveira (Zeus), Ezequiel Antônio Ignácio da Silva (Kel), Pablo Rupulo (Babalu) e Alexandre Santos Simões (Murda)".

Na sequência, em seus Embargos de Declaração, o Ministério Público faz a citação de vários diálogos que se encontram no ID 44883571, segundo os quais estaria comprovada a ligação dos candidatos Nilton Debastiani e Reinaldo Nicola a integrantes da facção criminosa "os manos."

Inicialmente, registro que ao longo das 379 páginas que compuseram o relatório de diligências acerca da extração de diálogos do aparelho celular de Guilhermo Beck da Silva (ID 44883571) não há um único diálogo entre algum integrante da facção criminosa com os candidatos eleitos Nilton Debastiani e Reinaldo Nicola ou a comprovação de atos que tenham ocorrido com finalidade eleitoral.

Passo a analisar cada uma das menções feitas pelo Embargante às páginas do relatório de diligências (ID 44883571):

1 - fls. 169-173; 175-178; 164:

Nessas páginas há diálogo entre Ronaldo Mosna, conhecido como Donaldo, com Guilhermo sobre armas de fogo e envio de imagens de maços de dinheiro com anotações e áudio no qual poderia haver indício de subtração de quantia de dinheiro localizado em veículo que seria do partido contrário.

Ao examinar o conteúdo desses diálogos e possível intenção de ilícito, verifico que são apenas possíveis atos preparatórios não puníveis, sem a demonstração de ter havido distribuição de dinheiro a eleitores e sem qualquer relação com os candidatos à reeleição.

2 - fl. 157:

Constou: RONALDO ANDRÉ MOSNA, no dia 05/11/2020, às 16:26:39, envia áudio para GUILHERMO BECK DA SILVA: "Agora agora não tem mais subi tendel aqui embaixo no Corredor também não vamo mais deixa ninguém, circula, tem que ver agora de tarde ai, não sei onde que vocês pegam, tinha que pegar umas corrente Guillhermo e un miguelito e uns grampo pra fazer ali na firma, os Miguelito na corrente, dai tu joga a corrente, fura os pneus, e depois tu recolhe a corrente e daí guarda de novo".

O conteúdo do áudio aparentemente impressiona pois estaria indicando intenção de obstaculizar a passagem de veículo. Contudo, novamente, não é possível inferir se ocorreu realmente esse ato ilícito no futuro, tampouco a ligação com os candidatos, ou seja, não se tem notícia que essa intenção foi concretizada ou não.

3 - fl. 69:

Constou: "GUILHERMO envia áudio para DINIZ, identificado como DINIS PAULO SIGNORI, RG n° 6058106681, onde diz que estava conversando com o ZUMBA - DANDOLO AGUINALDO PIRES, sobre eles irem com armas de fogo próprias para auxiliar na campanha eleitoral em Barra Funda, dizendo que não dariam as armas de fogo que possuem e fala para DINIS dizer que não teriam dinheiro para comprar armas de fogo. Ainda, alerta para não colocar armas de fogo nas mãos deles, pois temia que os mesmos perdessem as armas. Que eles (ZUMBA e os demais) já iam estar ganhando dois mil e quinhentos reais além do que o NICOLA (REINALDO ANTONIO NICOLA) estava pagando, que então eles que levassem as armas de fogo deles."

Nessa transcrição, há referência de que Nicola estaria pagando algo a "Zumba e os demais". Contudo, essa afirmação não se comprovou com qualquer outro elemento de prova e, ademais, apenas se limita a possível pagamento de valor a alguém, somente isso, sem relação a ato específico que tivesse ocorrido com alguma finalidade eleitoral.

4 - fl. 335:

Constou: "GUILHERMO BECK DA SILVA, no dia 15/10/2020, às 10:47:19, envia um áudio para o telefone (54) 9621-9998, salvo como RAFA NICOLA, identificado como RAFAEL ELIAS NICOLA: "O Nilso me falo ontem, sabe o que ele queria gasolina, disse Zumba te dei gasolina sexta-feira cara, o nosso combinado não é toda sexta-feira? Combinado é só um home, daí pra mim ele não falo nada, porque eu falei isso, o Nilso veio me fala que ele tava falando também, eu disse se ele quise sai fora não tem stress, pode sai fora, problema nenhum tem, po lado de lá ele sabe que não pode i, ele que va pro lado de lá, ele sabe que não pode i, é o combinado com ele teu pai já falo qual que é, e é só um, e eu já falei pra ele que esse combinado é só um e não tem outro choro, é sempre ele que vêm incomoda home, se quis i pro lado de lá, ele que va". ANÁLISE DE DIALÓGO: GUILHERMO relata a RAFAEL que o NILSON, sendo esse NILSON ROSA, tinha falado para ele o que ZUMBA - DÂNDALO AGNALDO PIRES - tinha falado. GUILHERMO emenda que o havia combinado com DÂNDALO AGNALDO PIRES, sendo que era para dar gasolina toda sexta-feira e emenda que se ele quiser se retirar da campanha, sem problemas, mas que do outro lado DÂNDALO, alcunha ZUMBA sabe que não pode fazer campanha. Neste momento é explícito que toda a Organização Criminosa "OS MANOS" estão trabalhando para o PDT e como ZUMBA - DÂNDALO AGNALDO PIRES - é faccionado ele sabe que não pode trabalhar na campanha para o outro lado, pois estaria desobedecendo as ordens da facção."

Ainda que a conclusão da autoridade policial seja no sentido de que a facção estivesse atuando em favor do PDT, o conteúdo do diálogo está se referindo a um possível pagamento de gasolina por uma terceira pessoa (Nilson Rosa), sem traduzir em um ato junto ao eleitorado de Sarandi.

5 - fl. 13; 99; 100:

Constou imagem com indivíduos indicando com as mãos o símbolo da vitória, na qual teria sido identificada a presença de Gentil Santos Maria (Candango) e Eliseu de Oliveira (Zeus), atualmente recolhidos ao Presídio de Sarandi por tráfico de drogas em decorrência da Operação CARURU.

Forçoso afirmar que essa imagem, independentemente de ter ou não sujeitos envolvidos em atos criminosos, apenas registra um momento de reunião de pessoas, sem qualquer outra consequência, não se referindo a qualquer ato junto ao eleitorado de Sarandi.

Quanto às imagens das fls. 99 e 100, são registros de carreata nos quais há inúmeras pessoas, sendo que a autoridade policial teria identificado a presença de Gentil Santos Maria e do candidato Nilton Debastiani.

Ao examinar esses registros, verifico que Gentil Santos Maria se encontra a muitos metros de distância do candidato Nilton Debastiani, sem que se possa aferir nem mesmo que teria havido contato entre eles ou quais seriam os atos praticados por Gentil Santos Maria (Candango) e Eliseu de Oliveira (Zeus).

Concluir de modo contrário seria apenas suposição, presunção, ilação.

Como já mencionado no acórdão embargado, não há prova de quais foram os atos na seara eleitoral que teriam influenciado ou revelado gravidade hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições. A ocorrência de delitos durante o pleito de 2020 em Sarandi, em que pese sejam condutas que carregam gravidade e reprovabilidade em si mesmas, para que desaguem ou tenham reflexos cíveis eleitorais é imprescindível que se demonstre a finalidade eleitoral.

Significa dizer, que "para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Ou seja, o sancionamento decorrente do abuso de poder pressupõe, de modo cumulativo, tanto a prática da conduta desabonadora como também sua gravidade no contexto da paridade de armas e da legitimidade do pleito, sob pena de indevida usurpação da esfera criminal, usurpação de competência estranha à seara eleitoral.

Nesse sentido, como já afirmado pelo Ministro Henrique Neves, "para que se chegue à cassação do diploma no âmbito da ação de investigação judicial eleitoral ou à perda do mandato na via da ação de impugnação de mandato eletivo, não basta que se verifique a prática de ilícitos penais ou administrativos, sendo necessário que tais fatos tenham a mínima correlação, um liame, com o pleito eleitoral. Precedentes: RO nº 9-80 e RO nº 3230- 08, rel. Min. Henrique Neves, DJe de 12.5.2014 e DJe de 9.5.2014, respectivamente; e RO nº 17172-31, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 6.6.2012. Agravo regimental a que se nega provimento." (Recurso Especial Eleitoral nº 146616, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 205, Data: 28/10/2015, Página 53).

Essa compreensão encontra guarida na firme orientação do Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual, "para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes." (Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060182324, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, DJE 26/09/2019).

Relembro, ainda, que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é uníssona ao afirmar que o abuso do poder econômico caracteriza-se "pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho" (AgR-AI 685-43/PA, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 19/3/2021). Ainda, outros precedentes: AgR-AI 682-33/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 23/11/2021; AgR-AI 552-16/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 19/10/2021; AgR-AI 210-82/CE, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 20/9/2021; AgR-REspEl 154-18/AM, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26/4/2021; AIJE 0601782-57/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11/3/2021.

Na espécie, como constou na sentença, em relação à distribuição de "vales", "restou esclarecido nos autos, em especial pelo depoimento do proprietário do Mercado Romio, Sr. Ben Hur Romio, que ele próprio fez a troca do valor de um mil reais, a pedido de Guilhermo, por 20 vales de R$ 50,00 , porque 20 vales de 50,00, cujo valor seria usado para compras no mercado, as quais eram destinadas para alimentação do pessoal que trabalhava na campanha, sendo que 5 ou 6 vales apenas foram resgatados." (ID 44883565). E mais, ainda é de se mensurar a expressão insignificante do valor de R$ 1.000,00, menos de 1 salário mínimo, para ser considerado como "uso desmedido de recursos financeiros" aptos a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições.

Sustenta, ainda, o embargante contradição no acórdão ao reconhecer a atuação individualizada dos faccionados Gilberto e Guilhermo na candidatura majoritária do PDT e, ao mesmo tempo, julgar necessário o estabelecimento de uma conexão segura entre os atos dos investigados e o ilícito eleitoral, pois para a caracterização do abuso do poder econômico "não se exige sequer a anuência do candidato quanto à prática abusiva, mas apenas que se demonstrem os benefícios eleitorais por ele usufruídos". Como reforço desse argumento, invoca o seguinte julgado: TSE - RESPE: 62624201662600000261 PIRAPOZINHO - SP, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Acórdão de 15.10.2020.

Em primeiro lugar, ao compulsar o quanto decidido nesse julgado do TSE (RESPE: 62624201662600000261 PIRAPOZINHO) verifiquei que foi no seguinte sentido: "O Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros Edson Fachin, Og Fernandes e Alexandre de Moraes, conheceu e deu provimento ao recurso especial eleitoral, para reformar o acórdão regional e julgar improcedente o pedido formulado na AIJE, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Luís Roberto Barroso, Carlos Horbach e Luis Felipe Salomão. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Carlos Horbach".

Assim, a conclusão a que chegou a Corte Superior foi no mesmo sentido do acórdão embargado, ou seja, improcedência da ação, de modo que sua invocação nos aclaratórios não se presta a fundamentar a pretensão de ter havido "contradição na decisão embargada". Ao contrário, reforça o acerto do quanto foi decidido por este Regional.

No que tange à alegada contradição: atuação dos faccionados na campanha e desnecessidade de anuência do candidato quanto à prática abusiva, em nenhum momento o acórdão embargado considerou como premissa para o reconhecimento do abuso a ciência dos então candidatos, pois essa circunstância (ciência dos investigados) constou apenas como obter dictum, sendo fundamentada a improcedência da ação na ausência de demonstração de conexão segura entre os atos imputados e o ilícito eleitoral imputado no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, ou seja, interferência do poder econômico ou desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação.

Por oportuno, transcrevo a ementa que sintetiza as razões que fundamentaram a decisão ora embargada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDENTE. PREFEITO E VICE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ALEGADO ENVOLVIMENTO COM O CRIME ORGANIZADO PARA AUFERIR AJUDA FINANCEIRA NAS ELEIÇÕES. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada em face de prefeito e vice eleitos, pela prática de atos de abuso de poder econômico, consoante o art. 22 da Lei Complementar 64/90.

2. Afastada a preliminar de nulidade da prova juntada em sede recursal. Conforme jurisprudência desse Tribunal Regional Eleitoral, é possível a juntada de novos documentos com o recurso, nos termos do disposto nos arts. 266 do Código Eleitoral e 435 do Código de Processo Civil. Ademais, o teor foi submetido ao contraditório quando do oferecimento das contrarrazões ao recurso eleitoral, bem como o exame da documentação apresentada independe de análise técnica.

3. Alegado envolvimento com o crime organizado, mediante apoio de integrantes de facção criminosa, a fim de auferir vantagem nas eleições majoritárias de 2020, mediante coação e constrangimento de eleitores. Inexistência de prova robusta de que tal facção estivesse vinculada e prestando apoio à campanha dos candidatos, tampouco que houvesse sido injetado valores pecuniários a configurar abuso de poder econômico.

4. Para a caracterização do ilícito eleitoral, necessária uma conexão segura entre os atos dos investigados e o ilícito eleitoral imputado no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, ou seja, interferência do poder econômico ou desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação. Na hipótese, o conjunto probatório é insuficiente para comprovar de forma robusta e inconteste a prática de atos de abuso de poder econômico aptos a comprometer a normalidade e legitimidade do pleito.

5. Provimento negado. (Grifo nosso)

Em suma, em que pesem os elementos de prova juntados no grau recursal, e mesmo que pairem dúvidas acerca do agir dos demandados, o standard probatório exigido para o acolhimento de pretensão deduzida em ação de investigação judicial, com as graves consequências que lhe são inerentes, não restou alcançado no entendimento da Corte, o que justificou a confirmação da sentença de improcedência.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por acolher em parte os embargos de declaração, dando-lhes efeitos integrativos, para agregar ao  acórdão de ID 45618581 os fundamentos acima expostos, sem, contudo, atribuir-lhes efeitos infringentes.