RecCrimEleit - 0600035-73.2021.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/07/2024 às 14:00

 VOTO

Eminentes colegas, antes de proceder à análise de mérito das razões de recurso, torna-se necessária a abordagem de duas questões preliminares: (1) a primeira, invocada pelo Ministério Público Eleitoral nas contrarrazões de recurso, traz argumentos pela intempestividade da interposição recursal; e (2) a segunda, aduzida pelo recorrente FELIPE DOS SANTOS, relaciona-se com a alegada inépcia da petição inicial, apresentada pelo Parquet para o início da presente demanda criminal.  

À análise.

Preliminar. Intempestividade do recurso.

O Ministério Público Eleitoral da origem aduz que o recurso seria intempestivo.

Contudo, a irresignação fora interposta de forma tempestiva, como aliás bem sinalizado pela Procuradoria Regional Eleitoral, nesta instância.

O réu FELIPE DOS SANTOS foi intimado da sentença no dia 15.3.24, ID 45625487, de modo que o prazo de 10 (dez) dias (art. 362 do Código Eleitoral) possuiria como termo final a data de 27.3.24.

Aponto, contudo, a ausência de expediente, nesta Justiça Especializada, no período compreendido entre os dias 27.3.24 e 31.3.24, em obediência à Lei n. 5.010/66, conforme certidão de ID 45625492, de maneira que, nos termos do art. 798, § 3º, do Código de Processo Penal, impõe-se reconhecer o dia útil subsequente como inserido no prazo para interposição e, de fato, o recurso foi protocolado no sistema do Processo Judicial Eletrônico no dia 01.4.24.

Tempestivo, portanto.

Afasto a preliminar.

Preliminar. Inépcia da denúncia.

Por seu turno, o recorrente aduz inépcia da denúncia ofertada pelo Ministério Público, uma vez que essa não apresentaria, conforme defende, “(...) uma descrição adequada do evento delituoso, limitando-se a circunstancias genéricas e imprecisas”.

Aponta, ademais, que a peça inicial seria omissa no relativo à indicação precisa da data do fato tido como criminoso. Reproduzo os termos da denúncia, de modo que os colegas possam aferir a narrativa elaborada pelo órgão ministerial:

(...) oferece denuncia contra: FELIPE DOS SANTOS, brasileiro, casado, inscrito no CPF no 035.417.160-70 e RG no 1118976461, natural de Passo Fundo/RS, nascido em 15/12/2000... em virtude da pratica do seguinte fato delituoso:

Durante a campanha eleitoral do ano de 2020, na cidade de Tapejara/RS, via redes sociais, o denunciado caluniou o candidato Evanir Wolf, visando fins de propaganda eleitoral, imputando-lhe e divulgando fato definido como crime, eis que publicou em suas redes sociais a seguinte mensagem: 'Candidato Big esteve nesta madrugada, no bairro Real, comprando votos com seguranças armados'.

Na ocasião, o denunciado, por intermédio de suas redes sociais, divulgou informação falsa relativa ao candidato a Prefeito Municipal de Tapejara-RS, senhor Evanir Wolff, afirmou que a vitima estava realizando compra de votos no Bairro Real, da cidade de Tapejara/RS, acompanhado de dois seguranças.

O crime foi praticado durante o período de propaganda eleitoral de 2020 e através de meio que facilita a divulgação da ofensa, ou seja, através de rede social.

Assim agindo, o denunciado incorreu nas sanções do 324, § 1o c/c 327, inciso III, ambos do Código Eleitoral, razão pela qual o Ministério Publico promove a ação penal, requerendo o recebimento da denuncia e a citação da ré para apresentação de defesa escrita. (...) (ID 45625292)

Julgo a peça plenamente apta.

Ainda que de forma abreviada, há, no conteúdo da denúncia, a devida exposição do fato tido como típico, bem como todos os elementos circunstanciais exigidos pela legislação de regência, nomeadamente o art. 357 do Código Eleitoral, em especial o seu § 2º:

Art. 357. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

§ 1º Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento da comunicação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa da comunicação ao Procurador Regional, e êste oferecerá a denúncia, designará outro Promotor para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

§ 3º Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal representará contra êle a autoridade judiciária, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal.

§ 4º Ocorrendo a hipótese prevista no parágrafo anterior o juiz solicitará ao Procurador Regional a designação de outro promotor, que, no mesmo prazo, oferecerá a denúncia.

§ 5º Qualquer eleitor poderá provocar a representação contra o órgão do Ministério Público se o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, não agir de ofício.

No caso posto, a "exposição do fato criminoso" contém em si, de forma para além de satisfatória, a delimitação da prática da conduta no tempo: a prática do fato ocorreu ao longo do período da campanha eleitoral de 2020 de forma permanente (manifestação na funcionalidade status do aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp), de modo que, embora não tenha apontado data específica, o relato ministerial é fidedigno ao ocorrido (conforme se verá, a ocorrência em si dos fatos são incontroversos), e há plenitude no exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa, de parte do recorrente.

Nessa linha, perfeitamente aplicável o precedente do Supremo Tribunal Federal trazido pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que  “não é inepta a denuncia que, embora não indique a data exata dos fatos, oferta inequívoca condição para o exercício do contraditório e da ampla defesa.” (HC n. 92695, Rel. Min. Ricardo LEWANDOWSKI, 1ª Turma, j. em 20.05.2008).

E mesmo os argumentos de influência sobre a contagem do prazo prescricional não podem ser acolhidos. Não se vislumbra qualquer espécie de prejuízo ao recorrente, pois em todas as hipóteses viáveis - mensagem enviada no primeiro dia da campanha eleitoral, 27.9.2020, até o dia anterior à eleição, 14.11.2020, não teria ocorrido a prescrição.

Afasto, dessarte, a preliminar de inépcia da petição inicial.

Ao exame do mérito.

Mérito.

De forma inicial, convém sublinhar que os fatos são incontroversos, ou seja, o recorrente FELIPE DOS SANTOS não nega a prática do ato, quer sob o aspecto formal (remessa de mensagem em grupo de conversas em aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp), quer sob o viés substancial (o conteúdo em si mesmo das mensagens). Com efeito, os argumentos de apelação são os de que o texto fora descontextualizado, e que, embora "deselegante", dele não se extrairia "propósito específico de caluniar".

Tomo o seguinte trecho das razões de recurso, que bem elucida a questão:

Entretanto, mister salientar que, diferentemente do respeitável entendimento da ínclita Magistrada de primeiro grau, há que se reformar a sentença condenatória, no sentido de se dar improcedência à pretensão acusatória lançada na denúncia, uma vez que o conjunto probatório coligido ao feito é frágil e insuficiente para manutenção da condenação do recorrente. O cenário delineado pela acusação tem como cerne, publicação do Recorrente, descrita na peça informativa como:

"Candidato Big esteve nesta madrugada, no bairro Real, comprando votos com seguranças armados".

Todavia, Nobres Julgadores, a narrativa da inicial acusatória não espelha a realidade fática da publicação, isso porque, a mensagem está descontextualizada, apenas parte de seu conteúdo é descrito. A publicação em sua integralidade continha a seguinte mensagem:

"Ontem de madrugada o Big estava com 2 seguranças armados comprando voto no Real e pessoal de lá botou eles a correr, pessoal tá passando nos grupos foi ontem de madrugada população se revoltou não acredita mais nesta política suja."

Quando analisada em sua totalidade, a publicação não tem a potencialidade necessária para configurar o crime imputado ao réu. É nítido que o trecho, minuciosamente, destacado pelo Ministério Público, quando isolado, transmite uma única mensagem. Quando analisado no contexto em que foi publicado, possui uma conotação distinta e que não tem o condão de configurar o crime imputado ao réu.
Apesar de ser deselegante, não fica evidente o propósito específico de caluniar ou propagandear negativamente sobre o candidato, influenciando na vontade eleitoral de seus destinatários.

Sigo.

Tipicidade da conduta.

Sem negar os fatos a ele atribuídos, o recorrente afirma ter agido sem dolo específico, e que pretendera apenas expressar opinião pessoal, desprovida de cunho propagandista, em crítica que seria genérica à política e aos seus agentes.

Transcrevo, inicialmente, a norma penal a que o fato foi subsumido:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

        Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

        § 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

        § 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:

        I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

        II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

        III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

 

Na doutrina, ao tratar sobre o delito de calúnia eleitoral, ZILIO (Manual de Direito Eleitoral, JusPodivm, 2024, p. 1052), após destacar as elementares contidas nas expressões "na propaganda eleitoral" ou "visando a fins de propaganda", assevera que "o crime de calúnia eleitoral se caracteriza quando o fato criminoso falso é imputado 'a alguém', ou seja, pessoa certa e específica (...)", e que "visualiza-se que o crime de calúnia eleitoral ocorre quando a ofensa (i.e., a imputação falsa de um fato criminoso) é veiculada com uma finalidade eleitoral ou em um contexto relativo a um determinado processo eleitoral".

Com tais premissas, legais e doutrinárias, antecipo que o recurso não merece provimento. É estampada, clara, a prática de calúnia eleitoral de parte de FELIPE DOS SANTOS. Como já relatado, é incontroversa a autoria - demonstrada nos autos por meio de print de tela, ID 45625216) -corroborada pelo depoimento da testemunha Leonardo Frigeri, ID 45625440, e admitida pelo próprio recorrente, que FELIPE publicou, no status do aplicativo de mensagens WhatsApp, a seguinte comunicação:

Ontem de madrugada o Big estava com 2 seguranças armados comprando voto no Real e o pessoal de lá botou eles a correr, pessoal tá passando nos grupo foi ontem de madrugada população se revoltou não acredita mais nessa política suja (ID 45625216)

Há o alguém. Há a imputação de crime. Há o contexto eleitoral.

Claro está, dessarte, que FELIPE afirma que "ontem de madrugada o Big estava (...) comprando voto" e, portanto, imputou ao então candidato a prefeito Evanir Wolf (Big) o cometimento do crime de corrupção eleitoral - art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão ate quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa

Devem ser afastadas, portanto, as alegações recursais, no sentido de que se trataria de mera crítica genérica à política ou à classe política. FELIPE cita nominal e especificamente o apelido de Evanir Wolf, candidato a prefeito, em evidente prática de calúnia, quer operada a leitura de toda a mensagem postada, quer seja visualizada apenas a parcela utilizada pelo Ministério Público para oferecer a denúncia.

Ainda, e merece relevo tal circunstância, a funcionalidade utilizada pelo recorrente - ferramenta status do WhatsApp - permitiu que toda e qualquer pessoa que esteja na agenda de contatos do recorrente pudesse visualizar o texto calunioso, situação que obviamente traz gravidade superior à, por exemplo, manifestação em diálogo com apenas uma pessoa ou pequeno grupo de interlocutores. Da maneira que agiu, FELIPE publicizou uma manifestação caluniosa.

Nessa linha, transcrevo trecho do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral que bem assenta a tipicidade da conduta de FELIPE DOS SANTOS, em clara subsunção dos fatos à norma prevista no art. 324 do Código Eleitoral, e expressamente o adoto como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

(...)

Outrossim, fica igualmente patente que o fato desabonador foi atribuído durante a propaganda eleitoral e teve por finalidade interferir na disputa ao cargo de Prefeito, bem como que a imputação extrapolou os limites da liberdade de expressão e os contornos da dialética inerente ao debate político.

Ainda, no tocante à tipicidade subjetiva, apesar de negar a intenção de caluniar o candidato, FELIPE asseverou, em seu interrogatório judicial (ID 45625453), que foi contratado para servicos de militância naquela eleição e que publicou a mensagem indicada na denúncia em seu status do WhatsApp.

Nesse contexto, constata-se que a postagem imputa a compra de voto, de maneira que possui, inegavelmente, o condão de afastar a credibilidade da vítima, resultado que, se o agente não quis, de forma livre e consciente, no mínimo assumiu o risco de produzi-lo, situação que não afasta a responsabilidade penal, consoante disposto no artigo 18, inciso I, do Código Penal.

Logo, estando o fato penalmente tipico sobejamente comprovado, correta a condenação nos moldes operados pela sentença recorrida.

 

Causa de aumento.

A sentença condenatória aplicou, ainda, causa de aumento de pena prevista no art. 327, inc. III, do Código Eleitoral. Transcrevo o comando:

Art. 327. As penas cominadas nos arts. 324, 325 e 326 aumentam-se de um terco, se qualquer dos crimes e cometido: (...)

III - na presenca de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa. (Grifou-se.)

 

E o recorrente apresenta, também, razões para o afastamento da pena.

Sem razão, contudo.

A prova dos autos traz fatos incontroversos: FELIPE participava de diversos grupos no aplicativo Whatsapp, possuía entre 60 (sessenta) e 80 (oitenta) contatos, e publicou os dizeres caluniosos utilizando a funcionalidade status - a qual, sabidamente, permite a qualquer contato visualizar a manifestação.

Como bem asseverado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, a ferramenta utilizada permite inclusive o "compartilhamento dessas representações visuais em outras contas eventualmente conectadas", de modo que, sem sombra de dúvidas, o meio utilizado facilitou a divulgação da ofensa.

Nessa linha de raciocínio, irretocável a sentença ao promover o aumento da pena-base em um terço da pena, de forma absolutamente alinhada aos termos (mais benéficos) válidos na época dos fatos, campanha eleitoral do ano de 2020, pois a Lei n. 14.192/21 alterou o art. 327, caput,  do Código Eleitoral exclusivamente para fixar que o aumento de pena, conforme os incisos do referido artigo, deverá ocorrer dentro dos parâmetros de um terço até a metade.  

Conclusão.

A sentença merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos.

Diante do exposto, VOTO para afastar todas as preliminares e negar provimento ao recurso de FELIPE DOS SANTOS, mantendo a sentença condenatória pelos seus próprios fundamentos.