RecCrimEleit - 0000059-04.2018.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/07/2024 às 14:00

VOTO

1. Da admissibilidade

O recurso é tempestivo. A procuradora do recorrente foi intimada em 29.8.2022 (ID 45507862), e o apelo interposto em 14.9.2022. Entretanto, a intimação do réu recorrente somente ocorreu em 10.5.2023, contando-se dessa data o prazo legal de 10 (dez) dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Cumpre anotar que, embora não tenham sido formuladas preliminares nos autos, consta no processo informação dando conta de que o réu é portador de doença mental, "apresenta surtos", mas não teve interdição decretada (ID 45507873). Verifiquei que o condenado esteve internado no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, em 2020, com diagnóstico de transtorno bipolar (ID 45507874) e dependência química (ID 45507878).

Também consta nos autos comprovante de que o recorrente outorgou procuração a sua mãe para representá-lo perante a Previdência Social em outubro de 2022 (ID 45507877).

O recorrente foi intimado pessoalmente da sentença, embora tenha constado na certidão do oficial de justiça (ID 45507894) uma possível dificuldade na compreensão do ato e o acompanhamento pelo pai, que mencionou surto psicótico.

Consideradas essas peculiaridades, não havendo notícia de interdição ou alegação de inimputabilidade por ocasião dos fatos narrados na inicial, cumpre dar prosseguimento ao processamento do recurso.

Ainda, cumpre mencionar que foi decretada a revelia do réu nos autos, em razão da mudança de endereço sem a comunicação ao juízo, após a regular citação (ID 45507830), contexto em que não foi realizado interrogatório do réu.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que a ausência de interrogatório, por si só, não representa nulidade. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR SUPOSTO CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DO ACUSADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. NULIDADE À QUE DEU CAUSA. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO MAGISTRADO. INCIDÊNCIA DO ART. 565 DO CPP. AGRAVO DESPROVIDO.

I - No caso dos autos, verifica-se que o magistrado determinou a intimação da defesa para apresentação de relatório ou atestado médico constando informações sobre o quadro de saúde do acusado e sobre suas condições de deslocamento para interrogatório, no entanto, a defesa apenas informou sua impossibilidade de locomoção em razão da paraplegia e a aposentadoria por invalidez, deixando de anexar o relatório ou atestado médico, conforme requerido, o que não foi cumprido pela defesa, mesmo após nova intimação.

II - Assim, verifica-se que, apesar de devidamente intimados, o acusado e a defesa não compareceram ao ato, também não comprovando a impossibilidade do comparecimento e, mesmo após oportunizada, em mais de uma oportunidade, a juntada de relatório ou atestado médico, a defesa deixou de apresentá-los, o que não afasta a revelia decretada. Ademais, verifica-se do acórdão que a audiência ocorreu quando o ora paciente já havia recebido alta hospitalar, encontrando-se em prisão domiciliar, de modo que não há que falar em nulidade da decisão que determinou o prosseguimento do feito sem a presença do sentenciado.

III - Não há, portanto, nulidade a ser sanada pois, consoante entendimento desta Corte, "Se o réu não foi interrogado, tendo a sua revelia decretada, porque, mesmo sabendo da audiência de instrução a ela não compareceu, não pode a defesa pretender que o feito seja anulado sob o argumento de que teria o direito de ser inquirido. Precedentes." (AgRg no HC n. 544.986/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/11/2019, DJe 28/11/2019).

IV - Cediço o entendimento deste Tribunal Superior no sentido de que, "de acordo com o art. 565 do Código de Processo Penal, "nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse""(EDcl no AgRg no HC n. 698.004/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 13/12/2022, DJe de 19/12/2022).

V - Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 808.972/GO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023.)

Assim sendo, não havendo mácula a ser reconhecida nos autos, cumpre passar à análise de mérito do recurso.

 

2. Mérito

2.1. Da inocorrência de prescrição

Antes do exame da matéria de fundo, faz-se necessário analisar se ocorreu ou não o transcurso da prescrição.

Assim, anoto que, em exame aos marcos temporais, não ocorreu a extinção da pretensão punitiva estatal, tendo-se em conta que o interregno entre o recebimento da denúncia (05.11.2018 - ID 45507767, p. 9) e a publicação da sentença condenatória (18.05.2022 - ID 45507856), bem como entre esta e a presente data, é inferior a oito anos, conforme prazo estabelecido pelo art. 109, inc. IV, do Código Penal, quando o máximo da pena prevista para o delito é superior a dois anos e não excede a quatro, caso dos autos.

Logo, não há prescrição a ser reconhecida.

2.2. Do mérito recursal

A fim de analisar as razões de recurso, verifico que os fatos em exame foram assim descritos na inicial:

No dia 07 de outubro de 2018, na Rua Francisco Xavier, n. 580, Linha Glória, Município de Estrela/RS, o denunciado PATRÍCIO DA CUNHA CABRAL, conduzindo o veículo Microonibus IMP/KIA BESTA SV, placa IDU 1106, cor azul, fez transporte de eleitores para suas seções eleitorais, descumprindo, assim, as proibições dos artigos 5º e 10 da Lei 6.091/74.

Na ocasião, o denunciado PATRÍCIO DA CUNHA CABRAL transportou, para suas respectivas seções eleitorais, diversos eleitores, entre eles Juliana Tatiele dos Santos da Silva, José Alvício Soares, Alessandro Vinck Amaral e Cláudio Sidnei da Silva, descumprindo a proibição inscrita nos art. 5º e 10º da lei 6.091/74.

Foi apreendida ainda, com o denunciado, uma bolsa com propagandas eleitorais do candidato a Deputado Estadual Ênio Bacci; do candidato a Deputado Federal, Marlon Santos; e para candidato a Governador do Estado e Presidente da República, número 12.

O veículo é de propriedade do denunciado PATRICIO DA CUNHA CABRAL.

 

A magistrada sentenciante condenou Patrício da Cunha Cabral, ora recorrente, pela prática de transporte ilegal de eleitores no dia das eleições, na cidade de Estrela, delito descrito no art. 11, inc. III, c/c arts. 5º e 10, da Lei n. 6.091/74, verbis:

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

(...)

III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10;

 

Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral);

 

Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I - a serviço da Justiça Eleitoral;

II - coletivos de linhas regulares e não fretados;

III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

(…)

 

Art. 8º Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência de recursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas por conta do Fundo Partidário.

(...)

 

Art. 10. É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.

 

Para a configuração dessa modalidade de crime, portanto, é necessário que se demonstre, além do transporte de eleitores desde a véspera até o dia seguinte ao pleito, o dolo específico, que se traduz no especial fim de agir com vistas à obtenção de vantagem eleitoral.

A doutrina se manifesta nesse sentido:

O transporte de eleitores fora desse esquema constitui crime tipificado no artigo 11, III, da aludida norma, ao qual é cominada pena de reclusão, de quatro a seis anos, e pagamento de 200 dias-multa. Note-se que a consumação não exige que os eleitores transportados cheguem ao local de votação, pois esse evento constitui já exaurimento da ação típica.

Situação custosa é a da carona. À evidência, estando assegurado na Lei Maior o direito de propriedade (art. 5º, XXII), na qual se insere o uso, não poderia o Legislador Infraconstitucional proibir as pessoas de usarem seus veículos no dia das eleições, inclusive para dar carona a amigos ou familiares. O que se proíbe - com razão - é a instrumentalização do veículo para o aliciamento de eleitor. Por isso, na jurisprudência, é pacífico o entendimento segundo o qual a perfeição do crime de transporte de eleitores exige a demonstração de dolo específico do agente. Esse elemento subjetivo é consubstanciado no fim explícito de aliciamento, na captação de voto, na finalidade de impedir ou embaraçar o exercício do direito de sufrágio, ou, enfim, na obtenção de qualquer proveito ou vantagem eleitoral em razão da carona.

"Agravo Regimental. Recurso Especial. Transporte de Eleitores. Dolo Específico. Não Comprovação. Lei nº 6.091/74, arts. 5º e 11. Código Eleitoral, Art. 302. Para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores. Precedentes. Agravo a que se nega provimento" (TSE - REspe nº 21.641/PI - DJ 5-8-2005, p. 252).

"[...] 1. Para aplicação das penas previstas na Lei nº 6.091/74, art. 11, impõe-se a constatação da existência do dolo específico, consistente no aliciamento de eleitores em prol de partido ou candidato. 2. Precedentes. 3. Recurso não conhecido" (TSE - REspe nº 15.499/PE - DJ 17-12-1999, p. 171).

"Recurso Criminal. Denúncia. Art. 11, inciso III, c/c o art. 5º, ambos da Lei nº 6.091/2004. Procedência parcial. Transporte de eleitores no dia do pleito. A simples demonstração de que houve transporte de eleitores no dia do pleito é insuficiente para a configuração do delito. Não comprovação de prática maculadora da vontade dos eleitores. Inexistência de dolo específico, consistente no aliciamento e captação ilícita de sufrágio. Absolvição de ambos os recorrentes. Art. 386, III, do Código de Processo Penal. Recurso a que se dá provimento" (TRE-MG - RC nº 1.153/2005 - DJMG 21-3-2006, p. 86).

(CANDIDO, Joel. Direito Eleitoral, São Paulo: Ed. ATLAS, 14ª edição, 2018, p. 525-526)

 

Nesse passo, para configuração da infração é imprescindível a existência de prova quanto ao transporte de eleitores e quanto ao seu aliciamento em prol de candidatura, visando a influir nas eleições.

Traçadas essas considerações legais e doutrinárias, passo ao exame do caderno probatório.

Está juntado aos autos Auto de Prisão em Flagrante (ID 45507765) o qual descreve que, na data do pleito municipal de 2018, no Município de Estrela, foi apreendido um veículo em flagrante por transporte ilegal de eleitores, sendo uma van azul (Kia Besta, placas IDU-1106) conduzida por Patrício da Cunha Cabral, que trafegava em direção a uma seção eleitoral da linha Glória.

A prisão foi realizada pela Polícia Militar de Estrela, que recebeu notícia sobre estar ocorrendo o transporte irregular de eleitores para uma seção eleitoral dessa localidade. Assim, foi montada uma barreira de acesso pela autoridade policial, que resultou na abordagem do veículo conduzido por Patrício da Cunha Cabral e de sua propriedade (Kia Besta, placas IDU-1106), com passageiros indígenas sendo transportados para suas seções eleitorais.

Na van, foi localizada uma bolsa de couro marrom contendo propagandas eleitorais de candidatos, razão pela qual foi dada ordem de prisão em flagrante contra o motorista por transporte de eleitores.

Fotos dos exemplares das propagandas eleitorais localizadas no veículo foram acostadas ao Auto de Prisão em Flagrante (ID 45507765), consistindo em publicidades do candidato ao cargo de deputado estadual Ênio Bacci e do candidato a deputado federal Marlon Santos.

Em defesa preliminar (ID 45507769), ainda representado por procuradora constituída e antes da decretação de revelia, o réu reconheceu que transportava os índios Kaingang para o local de votação, que estava levando moradores da aldeia até a seção eleitoral a pedido do cacique da tribo, sustentando ter agido de boa fé, mas alegou que não possuía o dolo específico e que não visava a troca de favores, uma vez que não tinha intenção de obter vantagem eleitoral.

Em razões recursais (ID 45507865), o recorrente, em apertada síntese, reitera as alegações manifestadas em primeiro grau de jurisdição ao sustentar que o elemento subjetivo do tipo não restou cabalmente demonstrado, sendo que ele "agiu de boa fé ao auxiliar alguns conhecidos para que pudessem chegar até o local" de votação. Assim, invocando o princípio in dubio pro reo, pugna pelo provimento do recurso, com sua consequente absolvição.

No mesmo sentido, a Defensoria Pública Federal, argumentando pela defesa do recorrente, em síntese, sustentou não haver demonstração na denúncia e na instrução do dolo específico de aliciar eleitores (ID 45609494).

O cerne da análise recursal consubstancia-se em perquirir se, por parte do recorrente, na configuração do delito, além do requisito objetivo, havia a presença da finalidade eleitoral específica, ou seja, se o transporte teve por finalidade a obtenção do voto do eleitor transportado.

De fato, conforme assentado pela jurisprudência, desde há muito tempo, o delito tipificado no art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento (TSE, AgReg em RESP nº 28517, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, DJ: 05/09/2008). Nesse mesmo sentido, cite-se precedente do TSE:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2002. DENÚNCIA NÃO-RECEBIMENTO PELO TRE/MA. PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS ELENCADOS NOS ARTIGOS 41 DO CPP E 357, § 2º, DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRE/MA.

1. Da exegese dos arts. 5º, 8º, 10 e 11, III, todos da Lei nº 6.091/74, afere-se que a denúncia atendeu a todos os pressupostos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, reproduzido no art. 357, § 2º, do Código Eleitoral, pois a conduta imputada ao ora recorrido está prevista no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74.

2. As circunstâncias adstritas à conduta tipificada foram minuciosamente relatadas no voto vencedor do acórdão recorrido, sendo descabida a alegação de que "(...) a descrição da conduta do denunciado se mostra insuficiente para a configuração do tipo penal" (fl. 169).

3. A hipótese dos autos se coaduna com a jurisprudência do STF e do STJ, haja vista o dolo específico ter sido devidamente demonstrado, pois o escopo da denúncia é averiguar se o recorrido incorreu na conduta tipificada no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74 ao, supostamente, patrocinar transporte de eleitores de São Luís/MA para São Domingos do Azeitão/MA, com o intuito de angariar votos para o pleito de 2002. Precedentes: (STF, Inq nº 1.622/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.5.2004 e STJ, Apn nº 125/DF, Rel. p/ acórdão Min. César Asfor Rocha, DJ de 14.4.2003).

4. Recurso especial provido para determinar o envio dos autos ao TRE/MA a fim de que este receba a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral.

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28122, Acórdão de 10/05/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data: 30/05/2007, Página 186.) (Grifei.)

 

O Tribunal Superior Eleitoral, por diversas vezes, repisou a essencialidade do dolo específico, conforme abaixo retratado pela atual jurisprudência desta Corte, tendo sido o entendimento seguido pela decisão a quo:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CRIME. ART. 10 C/C ART. 11, III, DA LEI 6.091/74. TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITOR. TRAJETO. DISTRIBUIÇÃO. MATERIAL DE PROPAGANDA. ALICIAMENTO. VOTO. DOLO ESPECÍFICO. PRESENÇA. DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO CONFIGURAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve-se aresto unânime do TRE/MS quanto à condenação do agravante, Vereador de Coxim/MS eleito em 2016, pela prática do crime de transporte de eleitores (art. 10 c/c art. 11, III, da Lei 6.091/74), com pena de quatro anos de reclusão e 200 dias-multa, substituindo-se a sanção privativa de liberdade por restritiva de direito.

2. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, o bem jurídico tutelado pelo referido delito é o livre exercício do sufrágio, de modo que, para a sua configuração, exige-se a presença do dolo específico consistente na finalidade de cooptação do voto do eleitor.

3. Ademais, é irrelevante o número de pessoas beneficiadas com o transporte, pois se trata de figura típica que visa proteger a liberdade do exercício do voto e evitar interferências espúrias na disputa.

4. Nos termos da moldura fática do aresto regional, é inequívoca a prática do crime pelo agravante, pois, no dia do pleito (2/10/2016), transportou eleitor até a respectiva seção, em carro contendo adesivos de campanha e, durante o percurso, pediu voto para si e para o candidato ao cargo de prefeito, a denotar influência na vontade individual do cidadão, tolhendo sua livre escolha.

5. O aliciamento é corroborado pela seguinte passagem do aresto a quo: "foram levados pelo [agravante] até as escolas onde iam votar e depois buscados, e que durante o percurso o [agravante] lhes disse que era candidato e lhes entregou propaganda sua e também do candidato a prefeito, do tipo santinho, para votarem neles" (no ponto, a despeito de menção no plural, o agravante foi condenado com base no transporte de apenas um eleitor, já que o outro estava com o título cancelado, configurando-se hipótese de crime impossível).

6. Conclusão diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, que veda o reexame dos fatos e das provas em sede extraordinária.

7. Dissídio pretoriano não configurado. No paradigma, não se vislumbrou na conduta a reprovabilidade necessária para a tipificação na medida em que a carona decorreu de encontro casual na rua com eleitora que era amiga da esposa do candidato e se referiu a uma distância insignificante (50m), circunstâncias que não estão presentes na base fática do caso dos autos.

8. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 114, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 61, Data: 07/04/2021.) (Grifei.)

 

Da mesma forma, o Tribunal Superior Eleitoral fixou que o "especial fim de agir pode ser inferido do contexto em que ocorre a conduta, por meio de raciocínio dedutivo", reconhecendo que circunstâncias como "o transporte ter sido fornecido com o intuito de viabilizar o voto, de ter sido realizado pedido expresso de apoio ao candidato de preferência do transportador e da presença, em abundância, no veículo, de material de campanha" autorizam a conclusão pela existência do elemento subjetivo especial do injusto. Confira-se:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITORES. ART. 11, III, C/C OS ARTS. 5º E 10, DA LEI Nº 6.091/1974. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ESPECIAL FIM DE AGIR. DOLO ESPECÍFICO. CONTEXTO FÁTICO. ELEMENTOS SUFICIENTES. DESARMONIA DO ACÓRDÃO REGIONAL COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Trata-se de agravo interno interposto contra a decisão unipessoal que deu provimento ao recurso especial do MPE para reformar o acórdão regional que havia absolvido o agravante da imputação do crime de transporte irregular de eleitores, previsto no art. 11, III, c/c os arts. 5º e 10 da Lei nº 6.091/1974.

2. A adequação típica da conduta ao crime do art. 11, III, c/c os arts. 5º e 10 da Lei nº 6.091/1974, exige, além do dolo genérico de realizar o verbo núcleo do tipo - transportar eleitores -, o elemento subjetivo especial do injusto, um especial fim do agir que consiste na finalidade de cooptar o voto do eleitor, violando-se o livre exercício do sufrágio. Precedente.

3. Esse especial fim de agir pode ser inferido do contexto em que ocorre a conduta, por meio de raciocínio dedutivo, realizado segundo a previsão do art. 239 do CPP. Precedentes.

4. De acordo com a jurisprudência do TSE, as circunstâncias de o transporte ter sido fornecido com o intuito de viabilizar o voto, de ter sido realizado pedido expresso de apoio ao candidato de preferência do transportador e da presença, em abundância, no veículo, de material de campanha - todos presentes, na espécie - autorizam a conclusão pela existência do especial fim de agir exigido pelo crime em questão.

5. As conclusões do aresto regional que, no caso concreto, apesar da presença desses indícios, não reconheceu a presença de elementos suficientes para a verificação do especial fim de agir, se encontram em desarmonia com a jurisprudência desta Corte.

6. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE, Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº9326, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/08/2022.)

Logo, para a caracterização do delito em comento, não basta a mera ação objetiva de transportar eleitores. A legislação veda o transporte de eleitores com o fim de obter-lhes o voto, vale dizer, com a intenção de aliciá-los. Ocorre que, analisando a prova dos autos, se pode concluir, com a segurança necessária, pela existência desse fim especial de agir.

Para o deslinde da controvérsia, os depoimentos das testemunhas foram de grande relevância para corroborar a tese acusatória, consoante bem apontado na sentença.

De fato, em seu depoimento, o policial militar Jairo Scalcon Nicola, que efetuou a prisão em flagrante, ouvido como testemunha, afirmou que recebeu uma notícia sobre um micro-ônibus que estaria realizando transporte de eleitores. Contou que fez a abordagem do veículo e apreendeu os documentos que estavam em poder do motorista, o qual foi conduzido até o posto da Polícia Militar. Desse modo, restou confirmada a presença de materiais de propaganda no interior do veículo (ID 45507772 - áudio, a partir dos 58s).

A testemunha Juliana Tatiele dos Santos da Silva (ID 45507773 - áudio a partir de 1min18s), passageira do micro-ônibus, perguntada pelo Ministério Público Eleitoral se o motorista do veículo havia entregue "santinhos" a ela e aos demais passageiros, assentiu que sim.

A testemunha José Alvício Soares (ID 45507774 - áudio a partir de 1m57s), também passageiro transportado pelo recorrente, embora não recorde de ter recebido o material do acusado, confirma que havia panfletos na van, no porta-luvas e "uns estavam no chão".

O depoente Alessandro Vinck Amaral (ID 45507775 - áudio a partir de 1min5s) confirmou que o recorrente já estava na terceira viagem transportando eleitores, também reconheceu a existência do material apreendido, que se encontrava no banco do carona da frente. Referiu que sua companheira estava com "santinho", porém não viu o recorrente lhe entregando o panfleto, bem como confirmou a orientação do recorrente de que os eleitores pegassem o transporte para retorno na parada e, quando abordado, disse perceber que o recorrente "demonstrou que sabia" que não podia transportar eleitores naquele dia (áudio - a partir de 3min13s).

Também, a testemunha Claudio Sidnei da Silva (ID 45507776 - áudio a partir de 4min50s) afirmou que os panfletos estavam no porta-luvas do carro e que quando este foi aberto "veio tudo em cima de mim", inclusive contou que teria assim se expressado: "Nossa, isso é crime eleitoral!".

Está, portanto, comprovado que o recorrente não só levava consigo material publicitário dos candidatos com os quais simpatizava, como também que estava efetuando a distribuição dos impressos aos eleitores transportados.

Logo, inarredável chegar a conclusão de que o material de propaganda encontrado, os "santinhos", são elementos que endereçam ao desiderato da busca do sufrágio mediante o aliciamento e transporte ilegal dos eleitores no dia do pleito.

Na mesma linha, a testemunha de defesa Marcos de Melo, ainda que tenha intentado descaracterizar a ocorrência do delito, afirmando que houve organização dos eleitores transportados e rateio de despesas, teve suas declarações infirmadas pelos demais elementos dos autos (ID 45507777).

A prova material é robusta, e os testemunhos colhidos sobre o crivo do contraditório são harmônicos e convincentes, demonstrando que a versão defensiva não está corroborada pelo caderno probatório.

Acertada, pois, a sentença no sentido de que está provada a autoria e materialidade e delitiva em relação ao recorrente.

A finalidade eleitoral também está suficientemente demonstrada, ou seja, a realização de transporte com cooptação de eleitores para que votassem em benefício de determinados candidatos.

O conjunto probatório coligido aos autos traz confiabilidade e certeza do ato praticado, devendo ser mantida na íntegra a sentença condenatória.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença na íntegra, nos termos da fundamentação.