PCE - 0602933-34.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/07/2024 às 14:00

VOTO

JANAINA CORTES GOMES, candidata não eleito ao cargo de deputada estadual, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna – SAI desta Corte elaborou parecer conclusivo, no qual apontou irregularidades referentes ao recebimento de recursos de origem não identificada – RONI, decorrentes da omissão de notas fiscais e de dívida de campanha. Opinou pela desaprovação das contas, acompanhada de ordem de recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 1.615,00.

Todavia, a d. Procuradoria Regional Eleitoral foi além ao apontar irregularidades em outros gastos com a verba pública - montante de R$ 33.956,00. A candidata foi intimada, procedeu à apresentação de novos documentos e, em segunda manifestação, o órgão ministerial se posicionou pelo recolhimento de R$ 9.321,00 - irregularidades relativas a RONI e gastos de verbas do FEFC.

Passo à análise.

1. Recursos de origem não identificada – RONI

1.1 Omissão de notas fiscais

A análise das contas identificou, por meio do cotejo entre as informações prestadas pela candidata e os documentos integrantes da base de dados da Justiça Eleitoral, gastos eleitorais não declarados na prestação de contas no montante de R$ 402,30, conforme tabela abaixo:

No que concerne ao apontamento, a prestadora sustenta não ser possível apresentar as notas fiscais em razão de as despesas terem se efetuado no exercício anterior, sem se opor à efetiva realização do gasto. Destaco: o ponto, aqui, é a origem das verbas utilizadas para pagamento das despesas realizadas (e não a apresentação das notas fiscais).

A legislação determina que a movimentação financeira integral da campanha deve compor a prestação de contas, e a comprovação dos gastos exige documento fiscal idôneo, cuja quitação deve se dar por meio de valores que transitaram pelas contas bancárias declaradas, tudo devidamente comprovado nos autos. Assim não ocorreu no caso sob exame, e a verba utilizada, R$ 402,30, indubitavelmente caracteriza recurso de origem não identificada - RONI, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

1.2. Dívida de campanha

Ainda entre os RONI, há o apontamento de dívida de campanha, declarada na prestação de contas, no montante de R$ 1.212,70, sem que fossem apresentados (1) a autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição; (2) o acordo expressamente formalizado, do qual constasse a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor; (3) o cronograma de pagamento e quitação que não ultrapassasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo; e (4) a indicação da fonte dos recursos utilizados para a quitação do débito assumido, conforme dispõe o art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em sua defesa, a prestadora afirmou: “arcará a candidata com seus recursos próprios para com o pagamento das mesmas para que não haja qualquer tipo de má interpretação,”.

Alegação inaceitável, nos termos da legislação vigente.

Como assinalado, gastos de campanha somente podem ser quitados com recursos (quer públicos, quer privados) que tenham transitado pelas contas eleitorais. Há, ademais, marco temporal bem definido, qual seja, o termo final de entrega da contabilidade perante a Justiça Eleitoral - após tal data, resta apenas a alternativa de assunção da dívida pela agremiação.

De todo modo, e a despeito da estampada falha, julgo que o recolhimento não deve ser determinado por falta de amparo normativo, conforme entendimento desta Corte - v.g. processo n. 0600604-54.20206210021, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado em 07.3.2023, e do e. Tribunal Superior Eleitoral, conforme RESPE n. 0601205-46.2018.6.12.000, redator designado o Ministro Luís Roberto Barroso.

Friso, apenas, a título de desfecho no presente item, que mesmo incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, a irregularidade no valor de R$ 1.212,70 há de ser considerada para juízo de mérito das contas - dito de outro modo: de aprovação, ressalvas ou desaprovação.

2. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

No que concerne à aplicação das verbas públicas, a unidade contábil entendeu não haver irregularidades, ao passo que a Procuradoria Regional Eleitoral entende de forma diversa. Transcrevo elucidativo trecho da manifestação ministerial:

Em segundo lugar, são também irregulares os gastos com recursos do FEFC sem a identificação da contraparte beneficiada com o recurso público no extrato bancário, no valor de R$ 7.706,00, conforme apontado pelo Ministério Público Eleitoral (ID 45552469), porquanto não observados os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Verifica-se, com base no extrato bancário da conta do FEFC (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/204060202/RS/210001602919 /extratos), dois débitos que infirmam a adequada destinação dos recursos, a seguir abordados.

Com efeito, em 29/08/2022, cheque nº 850001, com histórico “cheque pago em outra agência”, no valor de R$ 2.880,00, sem a identificação da contraparte beneficiada com o recurso; no dia 29/08/2022, cheque nº 850004, com histórico “cheque pago em outra agência”, no valor de R$ 4.826,00, sem a identificação da contraparte beneficiada com o recurso.

Assim, em síntese, são dois pagamentos realizados mediante cheques (nº 850001 e nº 850004) que não foram cruzados e não restaram depositados, o que inviabilizou a identificação da contraparte que recebeu o recurso público, descumprindo a exigência do art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019. Registra-se que os cheques também não foram depositados em conta para compensação bancária, situação que, no caso concreto, consubstancia-se em irregularidade insanável, pois ausente registro validado pelo sistema financeiro que comprove a efetiva destinação do recurso em benefício de fornecedores declarados na prestação de contas.

No que diz respeito ao presente item, a defesa da prestadora traz a seguinte argumentação:

Com relação aos supostos gastos com recursos do FEFC sem identificação da contraparte no extrato bancário, totalmente improcedentes, pois a candidata além dos extratos bancários, contratos e notas fiscais, também trouxe a justiça eleitoral, a cópia de todos os cheques emitidos em sua conta eleitoral, com os respectivos beneficiários, não havendo de se falar em pagamento através de cheque sem a devida identificação, o que não foi constatado em nenhum momento pela equipe da Secretaria de Auditoria Interna da justiça eleitoral pois inexistente não devendo ser levada a reprimenda em consideração por sua falta de base fática.

 

As alegações defensivas não encontram suporte nos elementos dos autos, com razão o Parquet. Fundamento em quatro passos.

1) os extratos bancários em questão estampam ausência de contraparte.

2) não é possível atribuir a quitação da despesa de R$ 2.880,00 ao cheque de número 8500001, pois a Nota Fiscal n. 2.331 (ID 45359167) refere “PAGAMENTO ATRAVES DE TRANSFERENCIA BANCARIA - BANCO SANTANDER - AG 1105 - CC 13000963-7 - DANIELPRIMO PICCINI - 02.603.092/0001-20 (PIX CNPJ)”;

3) não há documento fiscal no valor de R$ 4.826,00. Poderia se cogitar a Nota Fiscal n. 2022/84, R$ 4.814,00, acompanhada por comprovante de depósito em conta-corrente no valor de R$ 4.826,00. Contudo, o documento bancário, para além de não refletir o exato valor, não demonstra os dados do pagador (ID 45359174, fls. 01 e 02), o que inviabiliza a aceitação;

4) ao contrário do que afirma a candidata, não há nos autos cópia dos cheques em questão.

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades no valor de R$ 9.321,00 (R$ 402,30 + R$ 1.212,70 + R$ 7.706,00) representa 7,43% do total de recursos declarados pela prestadora (R$ 125.357,35), circunstância que admite a emissão de juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de JANAINA CORTES GOMES e determino o recolhimento da quantia total de R$ 8.108,30, divididos em R$ 402,30 relativos à utilização de recurso de origem não identificada - RONI, e de R$ 7.706,00 concernentes a gastos irregulares com verbas do FEFC.