REl - 0600029-64.2022.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/07/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Uruguaiana/RS em face da sentença que julgou não prestadas as suas contas relativas ao exercício financeiro de 2013, uma vez que a agremiação deixou de apresentar peças obrigatórias, quais sejam: livros diário e razão, relação de contas bancárias abertas e extratos bancários consolidados e definitivos de todo o exercício financeiro (ID 45561772).

Em suas razões, a agremiação alega que, “na época a abertura de conta bancária não era requisito para aprovação da prestação de contas”, bem como que “a relação de contas bancárias abertas está zerada, pois, no ano de 2013 a agremiação não possuía conta bancária ativa, conforme se comprova pelos extratos de anos anteriores e posteriores juntados nas respectivas prestações de contas”.

Não assiste razão ao partido político recorrente.

Os arts. 4º; 13, parágrafo único; e 14, inc. I, als. “l” e “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04, que disciplinavam as contas partidárias ao tempo do exercício financeiro em exame, estabeleciam de forma clara a obrigatoriedade de manutenção de conta bancária pelo partido político e a necessidade de apresentação dos respectivos extratos bancários, in verbis:

Art. 4º O partido político pode receber cotas do Fundo Partidário, doações e contribuições de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas e jurídicas, devendo manter contas bancárias distintas para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza (Lei nº 9.096/1995, art. 39, caput).

 

[...].

 

Art. 13. As direções nacional, estadual e municipal ou zonal dos partidos políticos devem apresentar a prestação de contas anual até o dia 30 de abril do ano subsequente ao órgão competente da Justiça Eleitoral (Lei nº 9.096/1995, art. 32, caput).

Parágrafo único. O não-recebimento de recursos financeiros em espécie por si só não justifica a apresentação de prestação de contas sem movimento, devendo o partido registrar todos os bens e serviços estimáveis em dinheiro recebidos em doação, utilizados em sua manutenção e funcionamento.

 

Art. 14. A prestação de contas anual a que se refere o art. 13 deve ser composta pelas seguintes peças e documentos (Lei nº 9.096/1995, art. 32, § 1º):

I – demonstrações contábeis exigidas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade:

[...].

l) relação das contas bancárias abertas, indicando número, banco e agência com o respectivo endereço, bem como identificação daquela destinada exclusivamente à movimentação dos recursos do Fundo Partidário e da(s) destinada(s) à movimentação dos demais recursos;

[...].

n) extratos bancários consolidados e definitivos das contas referidas no inciso anterior, do período integral do exercício ao qual se refere a prestação de contas;

 

Assim, sob a égide da referida Resolução, este Tribunal posicionou sua jurisprudência no sentido da imprescindibilidade da apresentação dos extratos bancários, ainda que zerados, inclusive como meio de comprovação da alegada ausência de movimentação financeira, conforme ilustra o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. OMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM DAS RECEITAS E DESTINAÇÃO DAS DESPESAS. JULGAMENTO DAS CONTAS COMO NÃO PRESTADAS. SUSPENSÃO DE QUOTAS DOFUNDO PARTIDÁRIO. 1. Aplicam-se às prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2013, no mérito, as disposições previstas na Resolução TSE n. 21.841/04. 2. Impossibilidade de identificar a origem das receitas e a destinação das despesas realizadas, ante a ausência de peças e documentos previstos no art. 14 da Res. TSE n. 21.841/04, em especial dos extratos bancários. 3. Proibição de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário, enquanto não regularizada a situação do partido perante a Justiça Eleitoral. 4. Contas julgadas não prestadas.

(TRE-RS; Prestação de Contas nº 12989, Acórdão, Des. JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, 25/05/2018.) (Grifei.)

 

A facultatividade de abertura da conta bancária pelos partidos políticos que não tenham movimentação financeira de qualquer espécie apenas surge com o art. 6º, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que, portanto, não se aplica ao exercício financeiro em análise.

Além disso, a mera apresentação de um conjunto de extratos bancários de agosto de 2012 a novembro de 2017 (ID 45561785), com incompletudes entre novembro de 2012 e março de 2015, não demonstra a inexistência de conta ou movimentação bancária nesse interstício.

Vale dizer, é incontroverso que o órgão partidário manteve conta bancária ativa no ano anterior e posteriormente ao período financeiro em análise, porém não logrou apresentar justificativa idônea sobre as lacunas existentes na documentação apresentada.

Caso a agremiação não tenha mantido conta bancária ativa no período de apuração das contas, o fato deve ser comprovado por documentos idôneos, tais como declarações das instituições bancárias ou, conforme indicado pela Procuradoria Regional Eleitoral, “a partir da emissão de Relatório de Contas e Relacionamentos em Bancos (https://www.gov.br/pt-br/servicos/gerar-relatorio-de-contas-e-investimentos-ccs)”, o que não ocorreu na hipótese.

Assim, diversamente do que sustenta o recorrente, não se trata de atribuir ao órgão partidário uma providência impossível de ser alcançada.

Embora este Tribunal já tenha decidido pela suficiência do juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da ausência dos extratos bancários, os demais demonstrativos contábeis se mostrem íntegros e confiáveis (REl n. 4708, Relator: Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, Acórdão de 18.12.2018, Publicado em 22.02.2019; e REl n. 446, Relator: Des. Eleitoral JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Acórdão de 23.01.2017, Publicado em 26.01.2017), entendo que tal premissa é inaplicável ao caso em exame em razão da omissão de outros documentos reputados essenciais.

Com efeito, a agremiação recorrente também não apresentou os Livros Diário e Razão durante o processamento do feito em primeiro grau de jurisdição, descumprindo o previsto no art. 14, inc. I, al. “p”, da Resolução TSE n. 21.841/04:

Art. 14. A prestação de contas anual a que se refere o art. 13 deve ser composta pelas seguintes peças e documentos (Lei n. 9.096/95, art. 32, §12):

I - demonstrações contábeis exigidas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade:

[...].

p) livros Diário e Razão, conforme o disposto no parágrafo único do art. 11 desta Resolução.

 

A ausência dos Livros Diário e Razão foi especificamente indicada nas manifestações da examinadora técnica desde o relatório preliminar (ID 45561733), tendo sido aberta, ao menos, três oportunidades para que o diretório partidário saneasse a omissão (IDs 45561735 e 45561742 e 45561751).

Apesar disso, os documentos faltantes somente foram apresentados em anexo ao recurso contra a sentença que julgou as contas não prestadas, inviabilizando o exame pelo órgão técnico com atribuição para tanto.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, demonstrar a aptidão para o saneamento das irregularidades, sem necessidade de nova análise técnica e sem retorno dos autos ao juízo de origem, na linha dos seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOCUMENTOS DE SIMPLES LEITURA. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. CONHECIMENTO. MÉRITO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS DE PARCA IMPORTÂNCIA PARA A AFERIÇÃO DA CONTABILIDADE PARTIDÁRIA. MERAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

[...]. 2. Este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, sem necessidade de nova análise técnica, pode sanar irregularidades. [...]. 4. Provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; REl n. 060001497, Acórdão, Relator: Des. Eleitoral CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 07/03/2024.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar. [...]. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29/04/2019, Página 7.) (Grifei.)

 

No caso concreto, não estão presentes as condições que autorizam o conhecimento inicial dos novos documentos diretamente pelo Colegiado do Tribunal ante a complexidade de seus exames técnicos. Apesar de informarem a ausência de movimentação financeiro, trata-se de documentos que demandam aferição técnica apurada, por meio de conferências e confrontações com outros papéis contábeis e com os sistemas próprios de informações da Justiça Eleitoral.

Nesse quadro, é inviável que, após o julgamento e a despeito de não ter atendido às intimações nas fases processuais próprias, se proceda à reabertura da instrução e dos procedimentos técnicos de exame, quando já encerrada a jurisdição da instância a quo, motivo pelo qual os Livros acostados a destempo não serão considerados no presente julgamento.

Assim, conforme atestou a analista técnica no caso concreto, a impossibilidade de exame técnico dos referidos Livros comprometeu a própria composição das contas, uma vez que “são imprescindíveis para aferir a legitimidade dessas” (ID 45561757).

Após o parecer ministerial, o órgão partidário apresentou nova manifestação, em que invoca o recente programa “Regulariza JE Contas”, criado pela Portaria n. 346/24 da Presidência do TSE, argumentando que o ato demonstra o objetivo da Justiça Eleitoral de garantir a ampla participação dos partidos políticos no pleito (ID 45639836).

Ocorre que o referido programa não se aplica ao caso, pois, aqui, não se trata de requerimento de regularização de contas, mas do prévio julgamento de contas não prestadas, cujo trânsito em julgado é condição para que seja requerida a regularização.

Assim, a Portaria n. 346/24 da Presidência do TSE não mitiga as exigências e os requisitos a serem observados no bojo do processo que declara as contas não prestadas, mas apenas cria uma oportunidade mais facilitada para que o partido político afaste as consequências desse julgamento a partir do subsequente pedido de regularização.

Outrossim, o recorrente invoca o julgamento da PCE n. 0603623-63, Relator: Desembargador Voltaire de Lima Moraes, em 10.8.2023, no qual a não abertura de conta bancária de campanha acarretou a desaprovação das contas da candidata.

Porém, as razões que fundamentam o precedente não se aplicam à hipótese em tela, uma vez que, naquele caso, as informações disponibilizadas pelo Banco Central no Sistema de Divulgação de Contas atestavam que a candidata efetivamente não abriu conta com seu CNPJ de campanha, contexto fático marcantemente diverso do ora analisado.

Impositiva, portanto, a confirmação da sentença que julgou as contas não prestadas em razão da omissão de documentos essenciais à sua conformação e fiscalização, em linha com o entendimento deste Tribunal em casos semelhantes:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Exercício financeiro de 2014. A falta de movimentação financeira não afasta a obrigação de a agremiação partidária apresentar a sua prestação de contas. A ausência de peças essenciais à análise da contabilidade, a exemplo dos extratos bancários e dos livros Diário e Razão, leva ao julgamento de não prestadas as contas. Aplicação da penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário enquanto não for regularizada a situação do partido. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 3136 RIOZINHO - RS, Relatora: DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Data de Julgamento: 03/03/2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data: 07/03/2016, Página 3.) (Grifei.)

 

Da decisão que julga as contas não prestadas decorre, ainda, a perda do direito ao recebimento de novas quotas do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, a perdurar até que o partido político promova a regularização perante a Justiça Eleitoral na forma do art. 58 e seguintes da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

ANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.