PCE - 0602256-04.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/07/2024 às 14:00

VOTO

ERALDO ANTONIO ALMEIDA ROGGIA, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna – SAI desta Corte elaborou parecer no qual apontou irregularidades referentes ao recebimento de recursos de origem não identificada – RONI e a gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, os quais foram efetivados por meio de cheques não cruzados. Opinou pela desaprovação das contas, acompanhada da ordem de recolhimento da quantia de R$ 24.250,00 ao Tesouro Nacional.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por seu turno, trouxe (para além das glosas do setor contábil) outros gastos com verba pública que entendera irregulares, no montante de R$ 54.900,00, perfazendo um total de R$ 79.150,00.

O candidato foi intimado - evitando-se assim a possibilidade de julgamento sem a oportunidade plena de manifestação sobre os fatos do processo e em atendimento ao princípio da não surpresa - e apresentou documentos.

Os autos foram novamente remetidos à SAI, que entendeu insuficientes os esclarecimentos prestados e incluiu os gastos destacados pelo órgão ministerial dentre os apontamentos (R$ 79.150,00 o total a ser recolhido), reafirmando a recomendação de desaprovação das contas.

À análise.

1. Recursos de origem não identificada – RONI

O parecer conclusivo identificou gastos eleitorais não declarados na prestação de contas no montante de R$ 5.250,00, gastos com combustíveis, conforme tabela abaixo:

No que concerne a tais gastos, o candidato sustenta não terem sido realizados por sua campanha, pelo que envidou esforços, sem sucesso, junto ao fornecedor - teria solicitado declaração de modo a esclarecer o equívoco. Apresenta boletim de ocorrência policial, no qual relata a resposta do proprietário do posto de combustíveis: “foi um erro do então frentista e que não imitiria declaração alguma”, (ID 45453429).

Com efeito, a legislação de regência prevê o procedimento a ser realizado em caso de emissão equivocada de nota fiscal em campanha eleitoral, que pode ser resumido como o cancelamento do documento com a respectiva comprovação nos autos, nos termos do art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 92. (…)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

Impende destacar que o prestador, diante do apontamento de notas fiscais nas quais não constava as dimensões dos materiais impressos, diligenciou junto aos fornecedores e alcançou a elaboração de cartas de correção, logrando afastar aquelas irregularidades. Tal ação evidencia à boa-fé do candidato sem, contudo, ter o potencial de afastar os apontamentos em tela.

Isto porque o boletim de ocorrência policial consiste em ato unilateral do prestador, não carregando força probatória suficiente a se opor à nota fiscal, que formalmente se mostra documento hígido a demonstrar o gasto eleitoral. Aliás, a nota fiscal é o documento por excelência, escolhido pela legislação regulamentar, exatamente porque expõe a bilateralidade das operações, com a participação da Fazenda Pública.

Sublinho, ademais, que a legislação determina que a movimentação financeira integral da campanha deve compor a prestação de contas, e a comprovação dos gastos exige documento fiscal idôneo, cuja quitação deve se dar por meio de valores que transitaram pelas contas bancárias declaradas. Assim não ocorrendo, a verba utilizada, no caso R$ 5.250,00, caracteriza recurso de origem não identificada - RONI, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

Destaco, inicialmente, que a matéria relativa à ausência de cruzamento no cheque percorreu uma trilha de amadurecimento. No início, havia a aceitação do título sem cruzamento apenas quando, de modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto. Exemplificativamente, cito o Recurso Eleitoral n. 0600821-73.2020.6.21.0029, de relatoria da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.4.2023:

(...)

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.

(...)

Na mesma época, o e. Tribunal Superior Eleitoral passou a entender por manter a glosa, ainda que afastando a ordem de recolhimento, naqueles casos de comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal não cruzado, ao argumento central de que houve desrespeito a formalidade. A posição da e. Corte está registrada no julgado que segue:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

(...)

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

CONCLUSÃO

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060020346, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 22/03/2023)

(Grifei.)

E este Tribunal Regional Eleitoral alinhou-se ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, que transcrevo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Apresentação de novos documentos comprobatórios. Este Tribunal tem mantido para o pleito de 2022 a jurisprudência quanto à possibilidade da apresentação intempestiva de documentos em processos de prestação de contas, mesmo após a emissão dos pareceres técnico e ministerial, desde que não acarrete prejuízo à tramitação e que, com a simples leitura, seja possível sanar a irregularidade. Documentação conhecida.

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 3.1. Gastos cujos pagamentos ocorreram por meio de cheques nominais não cruzados e por débitos bancários sem identificação do fornecedor no extrato eletrônico. Apresentada prova idônea e segura acerca do destino dos recursos, por meio de declaração emitida pela gerência da unidade bancária de que os cheques foram efetivamente sacados pelos respectivos beneficiários. Logo, malgrado a ausência de depósito em conta bancária, o documento certifica que os recursos reverteram em prol dos contratados declarados, sem qualquer prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral sobre o percurso da verba pública. Incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, havendo mera falha formal por inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia. 3.3. Gastos com pessoal. Não localizados registros de pagamentos destinados aos fornecedores, mediante anotação de CPF/CNPJ ou nome. Tampouco o candidato juntou cópia das cártulas ou de documentos bancários para comprovar as operações de pagamento. Posicionamento deste Regional no sentido da necessidade da apresentação pelos candidatos não apenas de documentos fiscais ou outros legalmente admitidos para comprovar a regularidade dos gastos eleitorais custeados com recursos públicos, como preceitua o art. 53, inc. II, letra “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas também prova de que o correlato pagamento se deu de acordo com o prescrito no art. 38 do mesmo estatuto regulamentar. Glosados os dispêndios sub examine, com o consequente comando de ressarcimento da quantia ao erário.

4. As irregularidades representaram 9,80% do montante arrecadado pelo candidato. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional.
(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data: 06/03/2024).

 

Seguindo esta linha de evolução jurisprudencial, passo à análise.

As irregularidades desta natureza apontadas pela unidade contábil estão presentes na tabela abaixo:

Contudo, e como já relatado, o órgão ministerial apresentou glosas adicionais aos R$ 19.000,00 acima indicados, conforme excerto do parecer que transcrevo:

Verifica-se, com base no extrato bancário [1] da conta do FEFC, excluídos os gastos já infirmados pela unidade técnica, diversos débitos com o histórico de pagamento por “CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA” e operação “SAQUE ELETRÔNICO”, a indicar a destinação de recursos do FEFC mediante meio de pagamento que impediu a identificação da contraparte beneficiada.

Em síntese, tem-se um conjunto de pagamentos realizados mediante cheques que não foram cruzados e não restaram depositados, o que inviabilizou a identificação da contraparte que recebeu o recurso público.

Nessa situação, encontram-se os gastos realizados com os cheques nº 0003, 0005, 0006, 0007, 0009, 0010, 0020 e 0023, no montante de R$ 24.900,00, e com os cheques nº 0001, 0011 e 0016, no montante de R$ 30.000,00.

Em primeiro lugar, em relação aos pagamentos realizados com os cheques nº 0003, 0005, 0006, 0007, 0009, 0010, 0020 e 0023, no total de R$ 24.900,00, não é possível identificar a partir das informações bancárias a contraparte beneficiada com os recursos públicos, pois os cheques não foram cruzados (IDs 45231001 - 45231002- 45231003 – 45231007 - 45231009 - 45231014 - 45231019 e 45231020), descumprindo a exigência do art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Registra-se que os cheques também não foram depositados em conta para compensação bancária, situação que, no caso concreto, consubstancia-se em irregularidade insanável, pois ausente registro validado pelo sistema financeiro que comprove a efetiva destinação do recurso em benefício dos fornecedores declarados na prestação de contas.

 

Antecipo que minha conclusão afasta a necessidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, no presente ponto. Os 14 (quatorze) cheques emitidos para pagamento dos gastos, cuja microfilmagem consta nos autos, foram preenchidos de modo nominal aos prestadores constantes nos respectivos contratos, os quais integram o processo e observam os requisitos exigidos pela legislação de regência. Destaco, ainda, que foram apresentados os recibos correspondentes.

Oportuno mencionar, por relevante, que a totalidade dos títulos conta com endosso, ainda que em branco, do recebedor.

Assim, as despesas se mostram comprovadas por meio de contratos, recibos e microfilmagem dos cheques, modo nominal, juntada aos autos. E, portanto, na linha do entendimento precitado do e. TSE, o apontamento deve ser mantido em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas, sem, contudo, a necessidade de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 73.900,00 (R$ 19.000,00 + R$ 54.900), pois há densidade probatória suficiente, de caráter documental, a suportar um juízo de segurança em relação ao caminho dos recursos públicos - FEFC - utilizados na campanha eleitoral.

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades, R$ 79.150,00 (R$ 5.250,00 + R$ 73.900,00), representa 27,82% do total de recursos declarados pelo prestador (R$ 284.463,00), inadmitindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A desaprovação das contas é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de ERALDO ANTONIO ALMEIDA ROGGIA e determino o recolhimento da quantia de R$ 5.250,00, referente à utilização de recurso de origem não identificada – RONI, nos termos da fundamentação.