PCE - 0603037-26.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/07/2024 às 14:00

VOTO

JACKSON LUIS ARPINI, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

Após parecer conclusivo, houve a apresentação de novos documentos pelo candidato, e a Secretaria de Auditoria Interna - SAI desta Corte apresentou parecer retificador. Em suma, apontou irregularidades referentes a gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, efetuados por meio de cheques não cruzados, no montante de R$ 51.180,00, e foi acompanhada pelo órgão ministerial.

Colegas, a questão central orbita na quitação dos gastos por meio de cheques não cruzados, matéria que percorreu um caminho de amadurecimento jurisprudencial. É sobre ele que brevemente discorro.

No início, havia a aceitação do título sem cruzamento apenas quando, modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto. Exemplificativamente, indico o REl n. 0600821-73.2020.6.21.0029, de relatoria da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.4.2023:

(...)

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.

No ponto, o e. Tribunal Superior Eleitoral passou a entender que a glosa há de ser mantida quando o cheque não foi cruzado, ainda que haja a comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal. O fundamento central é a ocorrência de desrespeito à formalidade prevista na legislação. Contudo, foi afastada a necessidade de determinação do recolhimento:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Na espécie, subsistem as seguintes falhas glosadas pela Corte de origem e aptas à manutenção da desaprovação das contas, pelos fundamentos já alinhavados na decisão agravada:i) a não apresentação dos extratos, em sua forma definitiva, da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além da ausência de extratos bancários referentes à conta bancária de Outros Recursos;ii) omissão de receitas e de gastos, haja vista que os recursos financeiros utilizados para pagamentos de bens e serviços, para os quais foram emitidas notas fiscais eletrônicas, não transitaram pela conta bancária de campanha;iii) irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujas despesas não foram comprovadas por documentos fiscais idôneos.

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que - mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas - não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060020346, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data: 22/03/2023.)

E esta casa, por suposto, alinhou-se ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Apresentação de novos documentos comprobatórios. Este Tribunal tem mantido para o pleito de 2022 a jurisprudência quanto à possibilidade da apresentação intempestiva de documentos em processos de prestação de contas, mesmo após a emissão dos pareceres técnico e ministerial, desde que não acarrete prejuízo à tramitação e que, com a simples leitura, seja possível sanar a irregularidade. Documentação conhecida.

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. 3.1. Gastos cujos pagamentos ocorreram por meio de cheques nominais não cruzados e por débitos bancários sem identificação do fornecedor no extrato eletrônico. Apresentada prova idônea e segura acerca do destino dos recursos, por meio de declaração emitida pela gerência da unidade bancária de que os cheques foram efetivamente sacados pelos respectivos beneficiários. Logo, malgrado a ausência de depósito em conta bancária, o documento certifica que os recursos reverteram em prol dos contratados declarados, sem qualquer prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral sobre o percurso da verba pública. Incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, havendo mera falha formal por inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de "saque eletrônico". Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia. 3.3. Gastos com pessoal. Não localizados registros de pagamentos destinados aos fornecedores, mediante anotação de CPF/CNPJ ou nome. Tampouco o candidato juntou cópia das cártulas ou de documentos bancários para comprovar as operações de pagamento. Posicionamento deste Regional no sentido da necessidade da apresentação pelos candidatos não apenas de documentos fiscais ou outros legalmente admitidos para comprovar a regularidade dos gastos eleitorais custeados com recursos públicos, como preceitua o art. 53, inc. II, letra "c", da Resolução TSE n. 23.607/19, mas também prova de que o correlato pagamento se deu de acordo com o prescrito no art. 38 do mesmo estatuto regulamentar. Glosados os dispêndios sub examine, com o consequente comando de ressarcimento da quantia ao erário.

4. As irregularidades representaram 9,80% do montante arrecadado pelo candidato. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional.

(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data: 06/03/2024.)

Ou seja, estando plenamente comprovada a contratação do gasto e demonstrada a quitação ao correspondente fornecedor ou prestador de serviço, há que se considerar regular a despesa, porém, com a manutenção da glosa em face do não atendimento à determinação legal quanto à forma de quitação: cheque nominal cruzado.

Na linha de raciocínio desta nova posição, passo à análise.

As despesas apontadas como irregulares compõem a tabela abaixo:

Observo que os 99 (noventa e nove) cheques emitidos para pagamento de prestadores de serviço de militância e mobilização de rua, cuja microfilmagem foi trazida aos autos, foram preenchidos de modo nominal aos prestadores. Igualmente, os respectivos contratos integram o processo e observam os requisitos exigidos pela legislação de regência.

Ademais, oportuno mencionar, por relevante, que a maioria dos títulos (94 - noventa e quatro) conta com endosso, ainda que em branco - salvo 5 (cinco) cheques que analisaremos discriminadamente abaixo - e os recibos igualmente foram apresentados.

Nessa senda, a parte das despesas que se mostra comprovada por meio de contrato de prestação de serviço à campanha, recibo e microfilmagem dos cheques endossados alcança a importância de R$ 49.930,00, de modo a admitir (na linha do entendimento precitado do e. TSE e desta Casa) que seja afastado o recolhimento de tal quantia, pois há densidade probatória suficiente, de caráter documental, a suportar um juízo de segurança em relação ao caminho dos recursos públicos - FEFC - utilizados na campanha eleitoral, ainda que subsista a falha por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sigo.

Como dito, há 5 (cinco) cártulas que deixaram de receber endosso, especificamente as nominais (1) à Adriana Cassemiro, n. 050, de R$ 250,00; (2) à Silvana Bruschi, n. 052, de R$ 350,00; (3) à Mageli Putton, n. 056, de R$ 500,00; (4) à Maria de Lourdes Martins, n. 042, de R$ 350,00; e (5) a Mário Putton, n. 056, de R$ 500,00.

No que tange a essas cártulas, não é possível estender o entendimento de superação da falha para fins de recolhimento, restando, portanto, não demonstrado de modo seguro o recebimento do pagamento realizado com verbas públicas ao credor, de maneira que a quantia de R$ 1.950,00 é de devolução obrigatória ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A título de desfecho, tenho que a soma das irregularidades, R$ 51.180,00, equivale a 18,5% do total de receitas declaradas (R$ 283.499,98), inadmitindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A desaprovação é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de JACKSON LUIS ARPINI e determino o recolhimento de R$ 1.950,00 (mil novecentos e cinquenta reais), em razão de gasto não comprovado com verbas do FEFC, nos termos da fundamentação.