PCE - 0602661-40.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/06/2024 00:00 a 27/06/2024 23:59

VOTO

 

CLAUDIA FABIANA PINTO MANTOVANI, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, apresenta prestação de contas relativa às eleições de 2022.

Após exame inicial da contabilidade, houve intimação da candidata, a qual não aproveitou a oportunidade. Ato contínuo, a Secretaria de Auditoria Interna – SAI, desta Corte, apontou impropriedades referentes a gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, realizados por meio de cheques não cruzados, e irregularidade no recebimento de recurso de origem não identificada – RONI. Opinou, ao cabo, pela desaprovação das contas, acompanhada pela necessidade de ordem de recolhimento da quantia de R$ 875,00 ao Tesouro Nacional, no que foi acompanhada pelo órgão ministerial.

Na sequência do rito processual,  foi determinado o retorno dos autos à unidade técnica contábil para manifestar-se acerca do parecer conclusivo - que inicialmente considerara os gastos realizados por meio de cheques não cruzado como impropriedade – e não irregularidade. O órgão técnico reafirmou o entendimento anterior.

Foi oportunizado novo prazo à parte para se manifestar, e pela segunda vez ocorreu inércia.

A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou parecer retificador.

Saliento que a prestadora sempre se manifestou de forma intempestiva nos presentes autos.

Passo à analise.

1. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

O órgão técnico, em parecer conclusivo, assim apontou:

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foram constatadas as seguintes impropriedades no Relatório de Exame de Contas ID 45515020.

1.1. A prestadora efetuou o pagamento despesas com a emissão de treze cheques da conta bancária destinada à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) nºs 01; 04; 05; 07; 08; 10; 11; 12; 17; 18; 19; 20 e 21, no montante de R$ 26.310,00. Estes cheques foram emitidos nominais aos destinatários, entretanto a mesma não cruzou estes cheques, fato que ocasionou o saque ou depósito em contas de destinatários com CPF/CNPJ diversos ao indicado pelo prestador. Considerando-se que a prestadora juntou aos autos cópia dos referidos cheques preenchidos nominalmente ao destinatário, observa-se que o inciso I, do Art. 38, da Resolução TSE n. 23.607/2019, foi descumprindo apenas parcialmente, caracterizando-se a impropriedade. “Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de: I - cheque nominal cruzado;”

E, em informação, a SAI ratificou o apontamento, ao fundamento de que “foi possível comprovar e identificar o destinatário original, pelas cópias dos cheques constantes nos IDs acima listados, emitidos nominalmente aos mesmos destinatários constantes nos contratos”.

Discriminou os gastos conforme tabela que segue:

 

 

Friso que o órgão técnico está parcialmente correto em afirmar (parecer conclusivo) que há correspondência entre os destinatários dos cheques nominais e os contratados pela campanha. E a prestadora de contas, em sua defesa, apega-se a tal circunstância - sem contudo perceber que o atendimento à legislação foi, apenas, parcial. Os cheques são nominais, de fato.

Contudo, a legislação de regência exige que os títulos dados em pagamento sejam, além de nominais, cruzados. Desse modo, a interpretação literal da legislação de regência traz a conclusão inexorável de que, ausente o cruzamento, as cártulas teriam pagamento de forma irregular.

Destaco que a matéria relativa a ausência de cruzamento no cheque percorreu uma trilha de amadurecimento. No início, havia a aceitação do título sem cruzamento apenas quando, de modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto. Exemplificativamente, cito o Recurso Eleitoral n. 0600821-73.2020.6.21.0029, de relatoria da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.04.2023:

(...)

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.

(...)

Na mesma época, o e. Tribunal Superior Eleitoral passou a entender por manter a glosa, ainda que afastando a ordem de recolhimento, naqueles casos de comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal não cruzado, ao argumento central de que houve desrespeito a formalidade. A posição da e. Corte está registrada no julgado que segue:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

(...)

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

CONCLUSÃO

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060020346, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 22/03/2023)

(Grifei.)

E este Tribunal Regional Eleitoral se alinhou ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, que transcrevo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Apresentação de novos documentos comprobatórios. Este Tribunal tem mantido para o pleito de 2022 a jurisprudência quanto à possibilidade da apresentação intempestiva de documentos em processos de prestação de contas, mesmo após a emissão dos pareceres técnico e ministerial, desde que não acarrete prejuízo à tramitação e que, com a simples leitura, seja possível sanar a irregularidade. Documentação conhecida.

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 3.1. Gastos cujos pagamentos ocorreram por meio de cheques nominais não cruzados e por débitos bancários sem identificação do fornecedor no extrato eletrônico. Apresentada prova idônea e segura acerca do destino dos recursos, por meio de declaração emitida pela gerência da unidade bancária de que os cheques foram efetivamente sacados pelos respectivos beneficiários. Logo, malgrado a ausência de depósito em conta bancária, o documento certifica que os recursos reverteram em prol dos contratados declarados, sem qualquer prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral sobre o percurso da verba pública. Incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, havendo mera falha formal por inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia. 3.3. Gastos com pessoal. Não localizados registros de pagamentos destinados aos fornecedores, mediante anotação de CPF/CNPJ ou nome. Tampouco o candidato juntou cópia das cártulas ou de documentos bancários para comprovar as operações de pagamento. Posicionamento deste Regional no sentido da necessidade da apresentação pelos candidatos não apenas de documentos fiscais ou outros legalmente admitidos para comprovar a regularidade dos gastos eleitorais custeados com recursos públicos, como preceitua o art. 53, inc. II, letra “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas também prova de que o correlato pagamento se deu de acordo com o prescrito no art. 38 do mesmo estatuto regulamentar. Glosados os dispêndios sub examine, com o consequente comando de ressarcimento da quantia ao erário.

4. As irregularidades representaram 9,80% do montante arrecadado pelo candidato. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional.
(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data 06/03/2024).

 

Ou seja, uma vez comprovada a contratação do gasto e demonstrada a quitação ao correspondente fornecedor ou prestador de serviço, há que se considerar regular a despesa.

Porém, impõe-se igualmente a manutenção do apontamento, em face do não atendimento à determinação legal para a forma de quitação: cheque nominal cruzado.

Pois bem.

No caso sob exame, os cheques emitidos para Silvia Ines Pauletti (R$ 3.200,00 e R$ 2.500,00), Orlando Pozzer (R$ 700,00), Flávio Odir Pereira (R$ 500,00, R$ 900,00, R$ 1.200,00, R$ 1.400,00 e R$ 2.460,00), Lucimara Fátima Bernardelli Bassanesi (R$ 250,00), Thiago Andrade da Costa (dois cheques de R$ 3.000,00 cada) e Elio Caetano Salvador (R$ 4.500,00), no montante total de R$ 23.610,00, foram preenchidos de modo nominal sem cruzamento, e em nenhum deles há endosso por parte do credor.

Ainda, no caso de Elio Caetano Salvador, cujo objeto do contrato foi cessão ou locação de imóveis, caberia à candidata a demonstração da propriedade do bem, pelo locador ou cessionário, o que poderia ser feito através da “apresentação da matrícula do imóvel, ficha cadastral, fatura de energia elétrica e cópias do contrato de locação certificam que a locadora é a legítima proprietária do imóvel objeto da locação comercial.” (conforme processo 0600575-71.2020.6.21.0128, julgado em 29/06/2023, de relatoria do Des. Voltaire de Lima Moraes)

Entretanto a candidata não se desincumbiu da obrigação.

Ainda, o extrato bancário da conta FEFC apresenta os descontos dos títulos, em sua maioria, por “saque eletrônico” - sem discriminação do beneficiário e, em três deles (os de números 004,014 e 021) com contraparte diferente do credor, de modo que resta sem comprovação a regularidade dos gastos na importância de R$ 23.610,00. Apenas o título utilizado para quitação parcial da despesa realizada junto a Orlando Pozzer, cártula número 020, no valor de R$ 2.700,00, mostra-se endossado (ID 45265414, fl. 6), permitindo, na linha do novel entendimento desta Corte, que seja afastado o recolhimento de tal quantia, devendo recair a devolução apenas no referente ao valor do cheque de R$ 700,00, não endossado, e já analisado e computado acima.

Impõe-se, em resumo, o reconhecimento da irregularidade no montante de R$ 23.610,00, valor que deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Recurso de origem não identificada – RONI.

No relativo ao segundo ponto do presente voto, o parecer conclusivo identificou gastos eleitorais não declarados ou divergentes daqueles informados na prestação de contas, por meio das notas fiscais disponíveis no banco de dados da Justiça Eleitoral, consistente na despesa de R$ 875,00 realizada junto ao fornecedor JOKA SUBLIMACAO DIGITAL LTDA, para produção de bandeira medindo 1,00 X 1,40 m, conforme Nota Fiscal nº 8860.

A candidata alegou desconhecer a despesa e apresentou declaração do fornecedor no sentido de que “a referida NF 8860 de 05/09/2022 no valor de R$ 875,00, foi emitida erroneamente para o CNPJ da candidata, sendo em 02/12/2022 emitida a NF 9422 de estorno da mesma”. Providenciou a juntada do documento no ID 45527285, no qual se verifica o registro “estorno de NF-e não cancelado no prazo legal”.

Julgo atendida a legislação eleitoral, a qual prevê que “Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, a prestadora ou o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pela fornecedora ou pelo fornecedor”, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, art. 92, § 6º.

Portanto, entendo que o apontamento deve ser afastado.

3. Conclusão.

As irregularidades identificadas, R$ 23.610,00, equivalem a 23,59% do total de receitas declaradas (R$ 100.070,00), de modo a inadmitir um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

A desaprovação é medida que se impõe.

Diante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de CLAUDIA FABIANA PINTO MANTOVANI, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 23.610,00, relativos a gasto de verba do FEFC sem comprovação, nos termos da fundamentação.