PCE - 0602607-74.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de analisar as contas prestadas pelo PARTIDO PROGRESSISTA – PP do RIO GRANDE DO SUL, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos da agremiação nas Eleições Gerais de 2022.

Após o exame da contabilidade apresentada, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) manifestou-se pela desaprovação das contas, conforme parecer conclusivo, uma vez que identificadas irregularidades envolvendo o uso vedado de recursos de origem não identificada (RONI) e a malversação de verbas do Fundo Partidário.

Do uso de recurso de origem não identificada

A unidade técnica relatou que, do cotejo entre o declarado pelo prestador e a base de dados desta Justiça Eleitoral, foram encontradas despesas não arroladas na contabilidade de campanha, a indicar a omissão de gastos eleitorais, na medida em que quitadas com valores sem demonstração de origem, em afronta ao art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O total de dispêndios não declarados perfaz R$ 23.403,41.

A agremiação alega desconhecimento quanto às despesas não registradas no acervo contábil, bem como assevera se tratar de equívoco a emissão de notas contra o seu CNPJ.

Todavia, não foi colacionado ao caderno probatório documento a indicar o cancelamento das notas arroladas no parecer do órgão técnico, nos moldes dos arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.


 

Art. 92. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda encaminharão ao Tribunal Superior Eleitoral, pela internet, arquivo eletrônico contendo as notas fiscais eletrônicas relativas ao fornecimento de bens e serviços para campanha eleitoral ( Lei n. 9.504/1997, art. 94-A, I), nos seguintes prazos:

[…]

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

Em situação análoga, esta Corte determinou o recolhimento dos valores utilizados ao arrepio da norma eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. NOTA FISCAL NÃO DECLARADA NAS CONTAS. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM CONTA BANCÁRIA. IRREGULARIDADE DE BAIXO PERCENTUAL. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Recebimento de recursos de origem não identificada – RONI. Verificada a emissão de nota fiscal contra o CNPJ de campanha a qual não foi declarada nas contas e cujo pagamento não transitou nas contas de campanha. Nota fiscal não cancelada junto ao órgão tributário respectivo, conforme exige o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausência de prova de que o prestador de contas tenha realizado algum esforço para corrigir a nota fiscal junto ao fisco. Débito sem trânsito por conta bancária registrada na prestação de contas. O valor impugnado deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, por caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada, na forma do art. 32, § 1º, incs. IV e VI, § 2º, art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3. A irregularidade representa o equivalente a 0,72% do total de recursos recebidos pelo candidato em sua campanha e atendem aos parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (inferior a 10% da arrecadação financeira, abaixo de R$ 1.064,10). 4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 0603293-66.2022.6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060329366, Relator: Patricia Da Silveira Oliveira, Data de Julgamento: 14/03/2024, Data de Publicação: DJE-49, data 19/03/2024) (Grifei.)
 

Dessa forma, a quantia glosada, no valor de R$ 23.403,41, deve ser recolhida ao erário.

 

Do uso indevido de verbas do Fundo Partidário

O órgão técnico indicou a existência de “irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP nas cotas de gênero e nas cotas de candidaturas de pessoas negras”.

A primeira falha diz com a ausência de repasse para as candidaturas masculinas e femininas de pessoas pretas ou pardas.

No caso, do total de R$ 265.000,00 em despesas pagas com verbas do Fundo Partidário (FP), deveria ser destinado às cotas de candidaturas femininas de pessoas pretas e pardas o valor de R$ 81.538,46. E, por seu turno, a grei teria que direcionar R$ 1.071,43 às candidaturas masculinas de pessoas prestas ou pardas, frente ao total de R$ 10.000,00 utilizados em gastos com FP.

Visando justificar a irregularidade, o partido, em síntese, asseverou se tratar falha formal o descumprimento da nova legislação quanto a distribuição de valores do Fundo Partidário, e defendeu que o erro não acarretou prejuízo ou desequilíbrio eleitoral, na medida que os candidatos e candidatas que se declararam pretos ou pardos receberam verbas do FEFC no incremento de suas campanhas.

As razões apresentadas pelo partido não merecem ser acolhidas.

Conquanto a grei sustente a ausência de prejuízo às candidaturas não beneficiadas com a devida fração do Fundo Partidário, evidente o desvio da finalidade da norma, o qual não pode simplesmente ser compensado com o investimento com verbas do FEFC.

A regra eleitoral quanto à distribuição de verbas do Fundo Partidários em ações afirmativas vem disposta no art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

[...]

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário: (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

[...]

§ 5º A verba do Fundo Partidário destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

[...]

 

Por relevante, nessa linha, trago excerto da manifestação do Ministro Ricardo Lewandowski na citada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 738:

Para mim, não há nenhuma dúvida de que políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos, nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana, bem como à exortação, abrigada no preâmbulo do texto magno, de construirmos, todos, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação.

 

Não há como afastar a irregularidade, de sorte que configurado o uso indevido dos recursos do Fundo Partidário, na medida em que não distribuídos R$ 82.609,89, nos moldes indicados no art. 19, §§ 3º, 5º, 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 738/DF.

A segunda mácula se refere a transferência de recursos do Fundo Partidário à candidata branca após o dia 30 de agosto do ano em que ocorrido o pleito.

Aqui, a questão cinge-se à transferência intempestiva do valor de R$ 265.000,00 do Fundo Partidário à candidatura feminina de pessoa branca, o qual, conforme apontado no parecer conclusivo, deveria ser alvo de recolhimento.

As operações ocorreram nas datas de 30.9.2022 e 26.10.2022, ao arrepio do preceituado no § 10 do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe como data limite o dia 30 de agosto do ano em que se der a eleição.

Em que pese o registro da unidade de auditoria, tenho por afastar a necessidade de recolhimento da quantia, na linha do parecer ministerial.

A uma, pois não houve prejuízo a candidatura em comento. Em realidade, a concorrente recebeu sozinha quase a totalidade do FP percebido para o pleito.

A duas, porque a lei não coíbe o pagamento de despesas após o marco definido no aludido art. 19.

E, a três, considerando o efetivo repasse e utilização da verba pela candidata, não se mostra proporcional exigir o recolhimento da quantia versada em campanha.

Na mesma direção, segue trecho do bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Ocorre que a finalidade do "§10 do Art. 19 da Resolução TSE nº 23.607/2019" ao impor que “Os recursos correspondentes aos percentuais previstos no § 3º deste artigo [cotas] devem ser distribuídos pelos partidos até a data final para entrega da prestação de contas parcial” é coibir eventual displicência ou indiferença do partido com os candidatos cotistas, dando-lhes meios para planejarem suas candidaturas e serem competitivos. Dessa forma, considerando que o valor do Fundo Partidário relativo à cota de gênero do partido quedou fixado em R$ 87.209,07 (ID 45516466, p. 7), ao passo que a candidata Silvana Maria Franciscatto Covatti recebeu sozinha R$ 265.000,00 (ID 45516466, p. 8) – quase a totalidade dos recursos do Fundo Partidário aplicados pelo Partido em toda campanha eleitoral –, claro está que o partido não demonstrou desdém à norma ou à candidatura feminina, ao contrário, tornou-a preponderante.

Destarte, por dois motivos revela-se desarrazoada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional relativo à quantia de R$ 265.000,00 transferida com atraso à candidata: a) esse valor não representa integralmente o montante obrigatório de “transferência de recursos do Fundo Partidário às candidaturas femininas”, definido no caso em R$ 87.209,07; e b) mostra-se plausível a justificativa dos Interessados no sentido de que o “órgão de direção nacional” atrasou o repasse dos valores, mas que isso não causou prejuízo à candidata, porquanto "a Lei permite o pagamento das despesas após tal prazo"

 

Nesses termos, tenho por afastar a necessidade de recolhimento ao erário dos valores distribuídos à candidatura feminina após o dia 30 de agosto, conquanto mantida a necessidade de aposição de ressalvas quanto ao ponto.

Alinhada, segue jurisprudência desta Corte, que contempla ambas as situações analisadas no ponto e que culmina, igualmente, com a determinação de recolhimento de parcela do Fundo Partidário não aplicado, nos moldes da regra eleitoral, e com a superação da demanda envolvendo o marco temporal para os repasses destinadas às ações afirmativas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2022. ATRASO NOS REPASSES DE RECURSOS ÀS CANDIDATURAS FEMININAS, DE MULHERES NEGRAS E DE HOMENS NEGROS. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DO FUNDO PARTIDÁRIO ÀS CANDIDATURAS MASCULINAS DE PESSOAS NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Atraso nos repasses de recursos às cotas de gênero e étnica. A Resolução TSE n. 23.607/19 regula, em seu art. 19, a distribuição de recursos do Fundo Partidário para financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras. Na hipótese, o atraso dos repasses não prejudicou a utilização dos recursos transferidos, já que a maior doação foi efetuada poucos dias após a data limite. As peculiaridades do caso, em especial a distribuição dos repasses em três parcelas, permite que se acolha a justificativa da agremiação para que ao atraso resulte apenas na anotação de ressalvas na contabilidade. Circunstância a ser analisada caso a caso, observando a data do repasse e a proximidade do pleito, assim como o percentual dos valores envolvidos em cada transferência e a comprovação de que os candidatos puderam usufruir adequadamente dos recursos públicos, a fim de que se estabeleçam as sanções para o descumprimento da norma. 3. Ausência de destinação do percentual mínimo do Fundo Partidário às candidaturas masculinas de pessoas negras. A agremiação não negou a insuficiência de repasse. O § 9º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que o repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras de distribuição configura aplicação irregular dos recursos públicos. Recolhimento ao Tesouro Nacional. 4. Considerando o percentual de candidaturas prejudicadas e a peculiaridade no exame da destinação dos recursos dos fundos públicos, afastada a aplicação dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que determinam, de forma automática, a desaprovação das contas. A aplicação irregular de recursos decorrente da ausência de destinação de valores às candidaturas de homens negros representa apenas 0,32% do montante de recursos manejados pelo partido, viabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS. Porto Alegre. PCE n. 0602797-37.2022.6.21.0000. Relator Des. Voltaire de Lima Moraes. Data de Julgamento: 05/03/2024, Data de Publicação: DJE/TRE-RS, edição n. 040/2024, data: 06/03/2024.) (Grifei.)

 

Assim, as falhas apuradas na análise técnica totalizam R$ 106.013,30 (R$ 23.403,41 + R$ 82.609,89), equivalentes a 38,54% do total arrecadado (R$ 275.044,00), montante que supera percentual e nominalmente os parâmetros utilizados por esta Corte para, aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo reprobatório da contabilidade.

Dessarte, devem ser recolhidos ao erário os valores de R$ 23.403,41, pelo uso de recurso de origem não identificada, e R$ 82.609,89, provenientes do Fundo Partidário e não aplicados nos moldes da regra eleitoral, nos termos dos arts. 19, § 9º e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas do PARTIDO PROGRESSISTA do RIO GRANDE DO SUL, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 106.013,30 ao Tesouro Nacional, nos seguintes termos:

a) R$ 23.403,41 - Recursos de origem não identificada; e

b) 82.609,89 - malversação de valores do Fundo Partidário.