PCE - 0602534-05.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de analisar as contas prestadas pelo diretório estadual do UNIÃO BRASIL/RS, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos da agremiação nas Eleições de 2022.

Após o exame da contabilidade apresentada, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) manifestou-se pela desaprovação das contas, conforme parecer conclusivo, uma vez que identificadas irregularidades envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário (FP) em candidaturas masculinas negras ou pardas, e a data de transferência do recurso público às candidaturas femininas ou negras, no montante de R$ 995.563,00

A primeira falha diz com a ausência de repasse para as candidaturas masculinas de pessoas pretas ou pardas.

No caso, do total de R$ 1.939.000,00 em despesas pagas com verbas do Fundo Partidário (FP), o partido deveria ser destinado às cotas de candidaturas masculinas de pessoas pretas e pardas o valor de R$ 226.863,00. Todavia, a grei direcionou apenas R$ 100.000,00 às aludidas candidaturas.

Ou seja, um montante de R$ 126.863,00 não foi aplicado, contrariando a decisão proferida na Medida Cautelar ADPF n. 738/DF.

Visando justificar a irregularidade, o partido, em síntese, asseverou que “é do Diretório Nacional do Partido a responsabilidade em proceder com as devidas distribuições e correta aplicação dos recursos destinados a cota de candidaturas masculinas de pessoas negras e pardas, o que será realizado pelo mesmo em sua prestação de contas”.

As razões apresentadas pelo partido não merecem ser acolhidas.

Conquanto a grei sustente ser atribuição da esfera nacional do partido a adequada distribuição de verbas do Fundo Partidário em ações afirmativas, o art. 19, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, com redação dada pela Resolução TSE n. 23.665/21, sinaliza que tal financiamento recai sobre a agremiação na circunscrição do pleito:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

[…]

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário: (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

 

Assim, afastada a tese vertida pela grei, necessário o recolhimento de R$ 126.863,00 ao erário, porquanto não repassado o valor adequado da verba pública às campanhas titularizadas por candidatos pretos e pardos, nos termos do citado art. 19 em seu § 9º da Resolução TSE n. 23.607/19:

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Por relevante, quanto ao ponto, finalizo com excerto da manifestação do Ministro Ricardo Lewandowski na indigitada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 738:

Para mim, não há nenhuma dúvida de que políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos, nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana, bem como à exortação, abrigada no preâmbulo do texto magno, de construirmos, todos, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação.

 

A segunda mácula se refere à transferência de recursos do Fundo Partidário às candidaturas femininas ou negras após o dia 30 de agosto do ano em que ocorrido o pleito.

Aqui, a questão cinge-se à transferência intempestiva do valor de R$ 868.700,00 do Fundo Partidário às candidaturas femininas ou negras, o qual, conforme apontado no parecer conclusivo, deveria ser alvo de recolhimento.

As operações ocorreram entre as datas de 15.9.2022 e 30.11.2022, ao arrepio do preceituado no § 10 do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe como data limite o dia 30 de agosto do ano em que se der a eleição.

Sobre o vício, o partido registrou que os valores do Fundo Partidário somente ingressaram na sua conta bancária em 12.9.2022.

Em que pese o registro da unidade de auditoria, tenho por afastar a necessidade de recolhimento da quantia.

A uma, pois, de fato, como aludido pelo partido, consta o recebimento de R$ 3.274.200,00 na data de 12.9.2022, momento a partir do qual a quantia poderia ser distribuída.

A duas, porque não houve prejuízo às candidaturas em comento. Em realidade, mesmo que a destempo, o partido destinou valor superior ao exigido pela norma eleitoral, visto que a quantia tida como mínimo legal era R$ 937.909,20, ao passo que a agremiação repassou R$ 1.010.400,00.

A três, porque a lei não coíbe o pagamento de despesas após o marco definido no aludido art. 19, de forma que, dentro do prazo de apresentação da contabilidade final do pleito, os candidatos já dispunham da cifra destinada ao financiamento de suas campanhas.

E, por fim, considerando o efetivo repasse e utilização da verba pela candidata, não se mostra proporcional, exigir o recolhimento da quantia versada em campanha.

O mesmo entendimento foi alcançado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Embora o atraso no repasse dos recursos prejudique o planejamento da campanha dos candidatos destinatários, revela-se desproporcional a determinação de recolhimento da quantia equivalente ao Tesouro Nacional. Nesse aspecto, merece ser considerada a alegação do partido de que somente na data de 12 de setembro de 2022 foram recebidos os valores do Fundo Partidário e que, assim, só foi possível o repasse de distribuição às candidaturas femininas ou negras após o recebimento do aludido valor, uma vez que antes não havia condições para tanto.
 

Nesses termos, tenho por afastar a necessidade de recolhimento ao erário dos valores distribuídos às candidaturas femininas ou negras após o dia 30 de agosto, conquanto mantida a necessidade de aposição de ressalvas quanto ao ponto.

Alinhada, segue jurisprudência desta Corte que contempla ambas as situações analisadas no feito e que culmina, igualmente, com a determinação de recolhimento de parcela do Fundo Partidário não aplicado nos moldes da regra eleitoral, e com a superação da demanda envolvendo o marco temporal para os repasses destinados às ações afirmativas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2022. ATRASO NOS REPASSES DE RECURSOS ÀS CANDIDATURAS FEMININAS, DE MULHERES NEGRAS E DE HOMENS NEGROS. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DO FUNDO PARTIDÁRIO ÀS CANDIDATURAS MASCULINAS DE PESSOAS NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Atraso nos repasses de recursos às cotas de gênero e étnica. A Resolução TSE n. 23.607/19 regula, em seu art. 19, a distribuição de recursos do Fundo Partidário para financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras. Na hipótese, o atraso dos repasses não prejudicou a utilização dos recursos transferidos, já que a maior doação foi efetuada poucos dias após a data limite. As peculiaridades do caso, em especial a distribuição dos repasses em três parcelas, permite que se acolha a justificativa da agremiação para que ao atraso resulte apenas na anotação de ressalvas na contabilidade. Circunstância a ser analisada caso a caso, observando a data do repasse e a proximidade do pleito, assim como o percentual dos valores envolvidos em cada transferência e a comprovação de que os candidatos puderam usufruir adequadamente dos recursos públicos, a fim de que se estabeleçam as sanções para o descumprimento da norma. 3. Ausência de destinação do percentual mínimo do Fundo Partidário às candidaturas masculinas de pessoas negras. A agremiação não negou a insuficiência de repasse. O § 9º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que o repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras de distribuição configura aplicação irregular dos recursos públicos. Recolhimento ao Tesouro Nacional. 4. Considerando o percentual de candidaturas prejudicadas e a peculiaridade no exame da destinação dos recursos dos fundos públicos, afastada a aplicação dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que determinam, de forma automática, a desaprovação das contas. A aplicação irregular de recursos decorrente da ausência de destinação de valores às candidaturas de homens negros representa apenas 0,32% do montante de recursos manejados pelo partido, viabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS. Porto Alegre. PCE n. 0602797-37.2022.6.21.0000. Relator Des. Voltaire de Lima Moraes. Data de Julgamento: 05/03/2024, Data de Publicação: DJE/TRE-RS, edição n. 040/2024, data 06/03/2024.) (Grifei.)

 

Nesse trilhar, a falha remanescente quanto à ausência de destinação de valores às candidaturas masculinas de pessoas negras ou pardas perfaz R$ 126.863,00, montante que equivale a 3,2% do total auferido (R$ 3.912.910,00), soma que permite, na linha do entendimento desta Corte, aplicados os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo reprobatório da contabilidade.

A aprovação com ressalvas, no entanto, não tem aptidão para afastar a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores que deixaram de ser corretamente destinados e representam aplicação irregular de R$ 126.863,00, provenientes do Fundo Partidário, nos termos do art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do partido UNIÃO BRASIL do RIO GRANDE DO SUL, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ R$ 126.863,00, a título de valores malversados do Fundo Partidário, ao Tesouro Nacional.