REl - 0600649-95.2020.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2024 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, o recurso é tempestivo, obedece ao prazo de três dias concedido pela legislação, art. 258 do Código Eleitoral, e atende aos demais pressupostos processuais, de forma que merece conhecimento.

Destaco, apenas, a título de questão de ordem, a tolerância que será exercida em relação ao cumprimento, pelo recurso interposto, do princípio da dialeticidade.

É que, a rigor, as razões recursais não dialogam (sobretudo no relativo ao mérito) com os fundamentos da sentença. Dito de outro modo, ou apenas repetem as alegações da petição inicial (de forma bastante abreviada), ou genericamente afirmam, por mais de uma ocasião, que “a prova dos autos, testemunhal e documental” impõe a reforma da sentença.

Em momento algum o apelo aponta qual prova, forma específica, seria impositiva da modificação da decisão de primeiro grau.

De todo modo – e com vistas à prestação jurisdicional que prestigie a análise do mérito das demandas, em respeito a ambas as partes (houve apresentação de contrarrazões) e, sobretudo, ao princípio da colaboração processual, é que passo ao exame do recurso, pois a situação é limítrofe.

1. Preliminar. Alegado cerceamento de defesa. Indeferimento de produção de prova pelo juízo de origem.

No tocante ao ponto, inicialmente transcrevo a íntegra das alegações contidas na peça recursal:

Da análise dos autos percebe-se flagrante cerceamento de defesa, quando a coligação recorrente foi impedida de produz prova no sentido de identificar todo as pessoas com acesso ao perfil falso.

Ao que se observa dos autos, depois de identificada a titularidade do ponto de acesso, como sendo de João Carlos Menegazzo, foi solicitado ao Juízo a quebra de sigilo, mediante a expedição de ofício à OI S.A, para fornecimento do endereço IP e o número do terminal do assinante, bem como NOME DO ASSINANTE, CPF/CNPJ ASSINANTE, ENDEREÇO, DATA DE INÍCIO DA INSTALAÇÃO, DATA DE FIM DA INSTALAÇÃO, correspondente a data de 2020-08-04, no horário de 21:08:45 Z, o qual contém as informações que levam a pessoa que criou o e-mail cascacristiane@gmail.com pelo IP 200.203.18.72ª, bem como nas datas 2020-10-31 15:44:27 Z, 2020-10-24 17:11:03 Z e 2020-10-04 10:48:50 Z.

Com a negativa do Juízo Eleitoral de determinar a expedição de oficio a fim de identificar os IP’s responsáveis, conforme acima informado, flagrantemente causou cerceamento de defesa à recorrente, uma vez que a identidade por trás dos IP’s de acesso tinha a possibilidade de produzir prova circunstancial sobre a participação dos recorridos, na atividade criminosa do perfil falso.

Com efeito, é flagrante o desrespeito ao disposto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, importando em nulidade absoluta, devendo ser cassada a sentença de mérito, e devolvidos os autos para Primeiro Grau de Jurisdição, para atendimento do pedido constante da manifestação de ID 116634301.

 

Ou seja, cuida-se aqui de alegada violação ao art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal.

A qual, adianto, que não procede.

Transcrevo as razões de decidir lançadas pelo magistrado da origem, ID 45551324:

O pedido não deve prosperar pelas razões que serão a seguir expostas: Inicialmente, há clara intempestividade no presente pedido, em função da preclusão para a prática de tal ato. Foram solicitados pela parte autora a intimação da empresa Oi S.A. para a identificação do(s) responsável (is) pelo acesso ao perfil de Facebook, e também a intimação da empresa Google Brasil Internet Ltda., para a identificação dos e-mails cascacristiane@gmail.com e cascasabrina@gmail.com, os quais serviram de referência para o registro do perfil Mário Santos Silva. Tais solicitações se basearam nas informações prévias fornecidas pela empresa Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

Pois bem, as informações solicitadas foram juntadas aos autos pela Google Brasil Internet Ltda em 25/07/2022 e pela Oi S.A. em 10/01/2023. Há de salientar-se que a primeira intimação às duas empresas restou frustrada. Fato é que as partes foram regularmente intimadas para se manifestarem sobre as petições juntadas por ambas as empresas em 27/01/2023, com prazo de cinco dias.

A autora permaneceu silente, portanto, precluiu seu direito de manifestação. O processo seguiu seu curso, com a designação de audiência de instrução para a data de 03/04/2023, com a devida intimação das partes em 22/02/2023. Em 03/04/2023, ou seja, na data designada para audiência, a parte autora peticionou solicitando a intimação de João Carlos Menegazzo. Embora intempestiva, a solicitação foi deferida. A intimação para oitiva na audiência já designada restou frustrada, resultando em nova intimação e designação de nova audiência, agora na data de 12/06/2023.

O que interessa porém, para a presente decisão, é o fato de que a parte autora manifestou-se mais uma vez nos autos, porém nada questionou quanto às petições juntadas pela Oi. S.A. ou pela Google Brasil Internet Ltda. Ou seja, em uma segunda oportunidade, novamente deixa de efetuar o pedido que agora apresenta. Portanto, há clara preclusão de direito.

Outro ponto relevante para a questão é o interesse e utilidade da presente demanda para o processo. Não houve recusa de prestação de informações por parte das empresas intimadas, mas apresentação dos dados disponíveis.

Segue trecho de resposta da empresa Google:

“Por fim, é importante destacar que o prazo para armazenamento de dados é de 6 (seis) meses, conforme art. 15 do Marco Civil da Internet, assim, se o prazo para algumas das contas em referência já se esgotou ou foi superado em razão do tempo, os dados IP podem não mais existir. Portanto, comprovado o cumprimento do comando judicial em epígrafe, não há que ser imputada qualquer sanção à empresa” (ID - 107780075)

Questionamento com referência ao referido prazo como limitação temporal para o armazenamento desse tipo de informação já foi enfrentado pelo STJ, o qual foi considerado válido:

(...)

A primeira tentativa de intimação de ambas as empresas, baseada nas informações fornecidas pela parte autora, restou frustrada. Quando das demais tentativas, realizadas com sucesso, tal prazo temporal já havia transcorrido. Salientando-se o fato de não ter havido negativa expressa de fornecimento dos dados solicitados, resta inequívoco que tais dados não estão mais disponíveis, por esse motivo, portanto, não disponibilizados quando inicialmente solicitados. Novo pedido restaria inócuo.

Diante do exposto, INDEFIRO a solicitação da autora para intimação da empresa Oi. S.A, com base nos artigos 22 e 24 da Lei Complementar 64/1990 e no artigo 15 da lei 12.965/2014.

 

Irretocável.

Em primeiro lugar, sublinho que foram ofertadas, à Coligação TRABALHO DE RESULTADO, recorrente, oportunidades de manifestação acerca da produção probatória – e não aproveitadas para os fins aqui pretendidos – do que se estampou a preclusão, notada ainda pelo juízo de primeiro grau, na decisão transcrita.

Poder-se-ia argumentar (com razão) que no âmbito das demandas que seguem o rito do art. 22 da LC n. 64/90 é facultado ao juízo (inclusive em grau de recurso) a reabertura da instrução – cito como emblemático exemplo, por recente, o ocorrido nos autos do processo RO 0602902-22.2022.6.24.0000/SC, rel. Min. FLORIANO MARQUES, em que o e. Tribunal Superior Eleitoral, após as sustentações orais, converteu o julgamento em diligência. Em suma, o relator decidiu oficiar à empresa alegadamente envolvida nos fatos tidos como ilícitos, para que oferecesse informações relativas a voos de determinadas aeronaves, bem como requereu informações a aeródromos, helipontos e aeroportos de cidades catarinenses, no que foi acompanhado.

Mas notem: no caso citado, as informações se mostravam acessíveis a priori; a diligência já se mostrava útil hipoteticamente, pois havia alguma chance de que informações fossem obtidas (a empresa e os locais de decolagem/pouso de aeronaves possuem, ainda, as informações, por determinação legal).

Ou seja: lá, foi possível superar a preclusão que atingiu as partes mediante o exercício do poder instrutório do juiz, concretizado na redação dos arts. 7º e 23 da Lei Complementar n. 64/90, considerados recepcionados pela CF/88 - ADI n. 1.082/STF, e combinados com o art. 938 do Código de Processo Civil.

No caso destes autos, não.

Mesmo hipoteticamente, as informações não são mais acessíveis, de modo que a diligência se mostrava inútil a priori, pois escoado o prazo de “guarda” de informações digitais – 6 meses – conforme o art. 15 do Marco Civil da Internet, nome dado à Lei n. 12.965/14. Destaco, ademais, que a primeira tentativa de intimação das empresas restou frustrada– baseada nas informações fornecidas pela própria recorrente, e as demais tentativas, que tiveram sucesso, ocorreram já com o prazo de guarda transcorrido. A recorrente poderia ter requerido, inclusive liminarmente, a guarda dos dados por maior tempo, mas não se desincumbiu de tal ônus.

Indico que o indeferimento de pedido de produção de prova inútil é bastante suportado pela jurisprudência dos tribunais superiores (por exemplo, STJ – 3ª Turma, AgInt em Ag em REspe n. 1.212.155/DF, unânime, rel. min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, j. em 30.4.2019).

Por tais elementos de raciocínio, é que se conclui pela absoluta razão de Rui Cunha Martins, que já na parte introdutória de magistral obra sobre o tema da prova (O Ponto Cego do Direito – The Brazilian Lessons, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 3) afirma que “de alguma maneira, a evidência instaura um desamor ao contraditório”. É que o contraditório, ou a ampla defesa, deve existir enquanto é útil (não há princípio absoluto); por outro lado, estando-se diante de algo evidente – como, no caso, a impossibilidade de obtenção dos dados requeridos – o indeferimento do pedido de produção de prova se impunha – como bem decidido em primeiro grau.

Afasto, nestes termos, a preliminar.

Passo ao mérito.

2. Mérito

2.1. Fundamentos. Legislação. Doutrina. Abuso de poder.

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não seja alcançada pela prática nefasta do abuso.

Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

Art. 14. (…) § 9.º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

E, para a configuração do abuso de poder, saliento que deve ser considerada, precipuamente, a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi – ou poderia ser - influenciado.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...). (Grifei.)

 

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (Grifei.)

 

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" -, a lupa do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde, por exemplo - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (em lição de ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019).

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade consubstancia uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual - de "ser" ou "não ser". O e. Tribunal Superior Eleitoral tem demonstrado inclusive, via precedentes, a necessidade de entrosamento entre (1) a constatação de abusos de poder e uso indevido dos meios de comunicação social com (2) princípios constitucionais como a liberdade de expressão, por exemplo:

“[...] Ação de investigação judicial eleitoral. [...] Eleições 2022 [...] Presidente. Abuso de poder político. Uso indevido de meios de comunicação. Ato de campanha. Participação de artistas, intelectuais e lideranças políticas. Transmissão pela internet . Retransmissão livre. Liberdade de manifestação e engajamento político. Licitude. Jingles executados ao vivo.  [...] 12. Esta Corte tem entendimento no sentido de que ‘a utilização de forma reiterada de showmício e eventos assemelhados como meio de divulgação de candidaturas, com intuito de captação de votos, é grave e caracteriza abuso do poder econômico’ [...] 13. Também, já foi assinalado que a proibição se estende aos livemícios , em que a promoção a candidaturas se utiliza de shows realizados em plataformas digitais [...] 14. As restrições, contudo, não alcançam a liberdade de engajamento político da classe artística, já havendo o STF fixado que tais pessoas podem manifestar ‘seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações’ (ADI 5970, Rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 08/03/2022) [...]”. Acórdão de 29.9.2022 no Ref-AIJE n. 060127120, rel. Min. Benedito Gonçalves.

 

E, especificamente no que toca ao abuso dos meios de comunicação na internet – alegação específica dos presentes autos, conforme se verá, trago trecho da obra de Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES, que em elegante pena bem sintetiza a moderna faceta dessa modalidade de abuso:

A internet tem se revelado ambiente propício a abusos comunicacionais, sendo o principal meio para a divulgação de informações falsas, caluniosos, injuriosas ou difamantes em detrimento de adversários políticos. Faces modernas dessa irregularidade são a divulgação de conteúdos mentirosos, o uso de ardis como os “perfis falsos” e a contratação de grupos de pessoas para dedicarem-se a maldizer candidatos. Isso quando não se usam programas maliciosos ou “robôs”. (Ações Eleitorais, São Paulo: Publique Edições, 2ª ed. 2024, p. 187).

 

Também vale consignar que o Tribunal Superior Eleitoral já pacificou posicionamento no sentido de que a internet e as redes sociais se amoldam ao conceito de “meio de comunicação social”, conforme decidido de forma paradigmática no RO n. 0603975-98/PR, rel. min. LUIZ FELIPE SALOMÃO, j. em 28.10.2021.

Com tais premissas legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito.

2.2. Fatos.

Cuida-se, em resumo, dos seguintes fatos: no ano eleitoral de 2020, um perfil denominado “Mario Santos Silva”, na rede social Facebook, passou a postar mensagens críticas à administração municipal então gestora do Município de Casca – o movimento político ora recorrente, que restou derrotado nas eleições daquele ano.

Transcrevo, exemplificativamente, quatro mensagens indicadas na petição inicial, ID 45551128, por se tratarem das mais emblemáticas, sempre nos estritos termos da redação original (SIC):

1. Que tipo de amigo é esse que te esquece por anos e depois quando é candidato te procura desesperado?

Você que recebeu essas mensagens solicitando amizade, faltando 40 dias para a eleição, vai aceitar?

É desse tipo de amigo que tu precisa? Porque só agora a véspera da eleição?

Ser amigo só quando lhe convêm. Isso é no mínimo uma falta de respeito e de educação com o povo de Casca.

E você o que acha de ter um amigo interesseiro e mesquinho desses?

Fiquem espertos... O conto do Bilhete Premiado já começou.

 

2. Eu sou advogado! Sem sombra de dúvida vou achar meios de NÃO cumprir a lei!

 

3. Atenção! Faltam 46 dias para dar um basta a este grupo político do nosso município que pratica a corrupção, desvios, enriquecimento e os direcionamentos.

Com força e a vontade de muitos Casca fará a MUDANÇA!

 

4. BOMBA 01

O Ministério Público Eleitoral de Casca emitiu parecer, no dia de ontem 22/10, pelo indeferimento do REGISTRO de candidatura do candidato a prefeito de Casca Alan.

O pedido de REGISTRO de sua candidatura teve parecer de INDEFERIMENTO pelo motivo do candidato e agora ex-candidato Alan, não ter se desincompatibilizado da empresa da qual é sócio administrador (ZILLI E MARTINS SOCIEDADE DE ADVOGADOS) no prazo legal que é de 06 meses antes das eleições. Esta empresa, até os dias de hoje, ainda está prestando serviços de assessoria e consultoria jurídica para a prefeitura de Casca.

Em anexo está o Parece na íntegra do Ministério Público Eleitoral.

Chamo atenção para a imagem de número 08, na qual de forma clara é pedido o INDEFERIMENTO e seus motivos.

Para confirmar a autenticidade desta notícia, clique no link a seguir do Tribunal Superior Eleitoral e em seguida em DOCUMENTOS, a esquerda clique em “Parecer”. (...)

Desta forma, a candidatura do candidato da situação a prefeito de Casca JÁ NASCEU MORTA

E VEM MAIS BOMBAS!! É só aguardar!!!

 

E, no mesmo tom de crítica e denúncia, houve uma série de postagens, especialmente ID 45551130 a ID 45551157, em que foram abordadas a utilização de carros oficiais para fins particulares; alegado superfaturamento da EXPOCASCA; distribuição de remédios e exames médicos; prisão de ocupante de cargo em comissão da Prefeitura de Casca, e falsificação de álcool em gel.

O perfil “Mário Santos Silva” se mostrou falso – isto é, alimentado por pessoa cujo verdadeiro nome seria outro – circunstância admitida pelo próprio emissor das mensagens – ID 45551148: “Porque MÁRIO SANTOS SILVA?” (sic), “proteger a mim e minha família”, pois “eu sabia que ao expor as situações eu ia mexer com interesses de muita gente disposta para fazer com que eu me calasse”.

Mediante a prestação de informações da empresa OI S/A, houve a identificação do IP (Internet Protocol) do usuário de conexão de Internet, assinante João Carlos Menegazzo, pessoa – fato notório indicado ao longo da instrução – ligada à coligação recorrida (MUDANÇA QUE CASCA PRECISA), adversária da recorrente TRABALHO DE RESULTADO no pleito de 2020. Adianto, ainda, que João Carlos, em sua oitiva, alegou possuir assinatura de internet “aberta”, sem senha de acesso, o que permitiria que qualquer pessoa, nas proximidades, vizinha ou de passagem, pudesse acessá-la.

Assim, o modo de divulgação, postagens no Facebook - poderia se afigurar relevante, mas o conteúdo veiculado não se mostra grave: não desborda da crítica, ainda que ácida, ínsita ao firme debate eleitoral.

Basta, nessa linha, transportarmos os fatos narrados para a seara da propaganda eleitoral, para concluirmos que muito pouco provavelmente seriam objeto, apenas a título de argumento, de direito de resposta. Por exemplo, a veiculação de que o Ministério Público Eleitoral apresentara parecer pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura da coligação recorrente tinha, como anexo, a íntegra da manifestação do Parquet, sendo que a postagem, ao referir “ex-candidato”, nitidamente faz uso de sarcasmo típico das disputas eleitorais.

Não são postagens de conteúdo grave, sob o ponto de vista eleitoral.

Ademais, a autoria não resta comprovada. Muito embora haja fortes indícios no sentido de que tenha sido um simpatizante da chapa recorrida (João Carlos Menegazzo) a realizar as postagens sob o perfil fake Mário Santos Silva, tal fato não está comprovado. E mesmo a informação trazida pelo Ministério Público Eleitoral atuante perante a 138ª ZE, no sentido de que algumas postagens serão objeto de investigação, não podem depor contra os aqui recorridos, como bem salientado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, pois devem ser apurados na via própria.

Transcrevo trecho do parecer de ID 45584733, que bem resume a situação, e adoto-o expressamente como razões de decidir:

 

(...)

A duas, porque, como bem salientado pelo magistrado, os fatos narrados só poderiam ser imputados aos representados se restasse devidamente comprovado nos autos que estes possuíam ingerência, controle sobre as postagens do perfil Mário Santos Silva, ou, no mínimo, que delas tivessem conhecimento prévio e com elas compactuassem ou a elas dessem anuência, sendo que no caso, não há elemento probatório trazido aos autos que fundamente conclusão de que os representados são responsáveis pela criação e/ou manutenção do perfil em rede social. Pelo contrário, o acervo probatório existente nos autos afasta os representados de qualquer vinculação à criação e administração do perfil da rede social.

 

A jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral, vale dizer, é firme no sentido de que a responsabilização dos candidatos beneficiários tem como premissa a comprovação do prévio conhecimento, o qual não pode ser presumido, sendo necessária prova efetiva (AI n. 34041, rel. Ministro OG FERNANDES, DJE 15.6.2020, acórdão).

Inaplicável, portanto, os arts. 57-D e 57-H da Lei n. 9.504/97 ao caso dos autos, como pretendido pela recorrente.

Sigo.

Vale salientar, ainda, que as veiculações ocorreram em período razoavelmente anterior à eleição (do início do ano de 2020 até, mais ou menos, setembro do mesmo ano, lembrando que em 2020 as eleições ocorreram em 15 de novembro) e aqui equivoca-se a parte recorrente ao afirmar que “pouco importa a data de sua criação e postagens”, pois o tempo é, sim uma das circunstâncias cuja gravidade se analisa: quanto mais próximo se estiver do pleito, por óbvio mais grave será a conduta; quanto mais distante, menos gravosa será a prática de ato e, portanto, menos caracterizadora de abuso.

Finalmente, a repercussão causada: a sentença de ID 45551344 bem dimensionou o engajamento gerado nas postagens. Transcrevo:

 

(...)

Em uma simples conferência, é possível verificar que a postagem com maior repercussão (ID 24630137), a julgar pelas manifestações de apoio (curtidas) e comentários inseridos, recebeu menos de 300 (trezentas) menções. Caso realizada uma média, estimada, das publicações juntadas aos autos, o número de reações passa a ser pouco superior a 100 (cem) menções por postagem. Tal número de reações é condizente com um perfil comum de rede social, nada diferente da imensa maioria dos milhões (talvez bilhões) de perfis de redes sociais existentes.

 

Ainda que o município de Casca tenha tamanho modesto (cerca de 7.400 eleitores), é certo que as postagens tiveram repercussão de pouco relevo – até mesmo porque nem todas as reações são elogiosas, como é cediço em se tratando de debates políticos em redes sociais.

Em resumo, repito, por didática, que as circunstâncias “como”, o “onde”, o “quem”, o “quando” e “por que” não são graves, ao menos como constam nos autos.

Sobre a prova testemunhal, friso que se nota com facilidade a pouca clareza e a baixa validade probatória dos depoimentos dos informantes (pois inviáveis de serem ouvidos na condição de testemunha, por terem participado ativamente das eleições pelo lado da recorrente) Cleber Colle, Edevaldo Kuiava, Leandro Simonetto, Leonir Smoralek e Nathan Pastre. Trata-se de narrativas lacônicas, sem o condão de atribuir qualquer responsabilização aos recorridos.

Portanto, a prova dos autos – especialmente a documental, que merece ser considerada - estampa postagens no Facebook (1) sem excessos de conteúdo, em tom meramente crítico e de denúncia informativa, (2) um tanto distantes da data da eleição e (3) recebedores de pouco engajamento, (4) realizados por pessoa incerta (ou que não figura nos autos), em prática de atos que (5) não são imputáveis aos recorridos, direta ou reflexamente, por falta de prova de ingerência - aliás, ao contrário: os recorridos publicaram nota de esclarecimento em 29.6.2020, manifestando repúdio a eventuais perfis fakes, conforme apontado corretamente na sentença.

A título de desfecho colho, novamente, elucidativo trecho do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral:

(...)

Quanto ao mérito, entende-se que assiste razão ao magistrado quando afastou a tese abuso do poder midiático, em razão das publicações contidas no perfil do Facebook denominado “Mário Santos Silva”, visto que, de fato, elas não ostentam gravidade suficiente para um juízo de procedência do pedido, pois não tiveram a aptidão para comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições 2020 no Município de Casca/RS, sobretudo por se tratar de conteúdo de alcance limitado e promovido, inclusive, em período muito anterior ao pleito.

Os atos apontados na inicial não podem ser tidos como graves ao ponto de desvirtuar a normalidade e a legitimidade do pleito 2020 em Casca/RS, pois, apesar de o conjunto probatório apontar para a existência de algumas injustificáveis postagens de matérias inverídicas na página do Facebook, não se mostra razoável ou proporcional acolher o pedido de impugnação do mandato eletivo obtido por intermédio do voto popular, dado o baixíssimo extrato populacional alcançado pelas publicações.

Não restou demonstrado, portanto, que as condutas descritas geraram impacto no resultado do pleito a ponto de alavancar vantagem superior aos réus em detrimento dos outros candidatos que concorreram à eleição, ou seja, não houve a demonstração de excessos que pudessem resultar na interferência à normalidade e à legitimidade das eleições.

 

Diante do exposto, VOTO pelo afastamento da preliminar de cerceamento de defesa, e para negar provimento ao recurso interposto pela COLIGAÇÃO TRABALHO DE RESULTADO e manter a sentença pelos seus próprios fundamentos.