PCE - 0602287-24.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de analisar contas prestadas por CLAITON GARCIA DA CRUZ, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, relativo às Eleições de 2022.

O parecer conclusivo aponta irregularidades no total de R$ 9.511,29, consistentes em:

a) R$ 181,68 em recursos de origem não identificada, em razão do pagamento de 4 (quatro) notas fiscais sem trânsito dos recursos na conta de campanha (vide tabela do item 3 do parecer conclusivo, ID 45522739).

b) R$ 9.329,61 originários do FEFC aplicados em desconformidade com a Resolução TSE n. 23.607/19, referentes (1) à ausência de apresentação de documento fiscal comprovando a despesa e de documento comprovando o pagamento, no valor de R$ 89,61 (vide tabela do item 4.1.1 do parecer conclusivo, ID 45522739); (2) à transferência de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para os candidatos FABIANO ANDRÉ DA SILVA e MARNI TERESINHA SAGGIN, no valor de R$ 9.240,00, sem a indicação de benefício para a campanha do candidato pardo/negro, contrariando a legislação aplicável às cotas para financiamento de candidaturas de pessoas negras (vide tabela do item 4.1.2 do parecer conclusivo, ID 45522739).

Intimado, o candidato não se manifestou.

Passo à análise das irregularidades:

a) Recebimento de recursos de origem não identificada

Apontou-se a emissão de 4 (quatro) notas fiscais eletrônicas contra o CNPJ da candidatura, no montante total de R$ 181,68. Contudo, não há valores correspondentes a essas transações nas contas de campanha, fator que impossibilita a verificação da origem dos recursos e do seu adimplemento (item 3 do parecer conclusivo):

DADOS OMITIDOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

Nº NOTA FISCAL

VALOR (R$)

29/08/22

02.604.062/0001-38

PANIFICADORA SABOR DO PÃO

218351

27,68

29/08/22

07.732.368/0001-93

TAILA LANCHES LTDA

680

54,00

‍27/08/22

92.360.726/0001-53

POSTO DE SERVICOS ONZI LTDA

650

50,00

‍29/08/22

93.489.243/0032-12

COML. BUFFON COMB. E TRANSP. LTDA – POSTO 32

1447997

50,00

TOTAL

139,90

 

Efetivamente, não sobreveio aos autos prova da inexistência da despesa, da ausência de pagamento ou da irregularidade da emissão do documento fiscal.

Além disso, os documentos fiscais não restaram cancelados no órgão tributário correspondente, conforme exige o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, nem há prova de que o prestador de contas tenha realizado esforço para corrigir as notas fiscais junto ao fisco.

Nesse sentido, anoto que esta Corte firmou o entendimento de que, “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas” (TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 01/12/2022).

Ao mesmo passo, a quitação do débito não transitou em conta bancária registrada nesta prestação de contas.

Logo, efetivou-se o pagamento destas faturas por meio diverso das contas registradas para a campanha, devendo o valor de R$ 181,68 ser recolhido ao Tesouro Nacional, por caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada, na forma do art. 32, § 1º, incs. IV e VI, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

b) Aplicação irregular de recursos do FEFC

Em relatório preliminar, a unidade técnica desta Corte identificou inconsistências nas despesas pagas com recursos do FEFC no montante de R$ 9.329,61, da seguinte forma: 1) R$ 89,61 referentes à ausência de apresentação de documento fiscal comprovando a despesa e de documento comprovando o pagamento (tabela, item 4.1.1, ID 45522739); 2) R$ 9.240,00 relativos à transferência de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados ao custeio de campanha de pessoa parda/negra para os candidatos FABIANO ANDRÉ DA SILVA e MARNI TERESINHA SAGGIN (ambos autodeclarados pessoas de cor branca), sem a indicação de benefício para a campanha do candidato negro, contrariando a legislação aplicável às cotas para financiamento de candidaturas de pessoas negras (tabela, item 4.1.2, ID 45522739).

Ao ser intimado da irregularidade, o candidato silenciou (ID 45500528).

Efetivamente, não foi apresentada a nota fiscal relativamente à (1) despesa junto ao fornecedor FARRA FOOD CAXIAS – CNPJ 41.792.257/0001-00, no valor de R$ 89,61, bem como não se identificou o pagamento da respectiva despesa nos extratos bancários eletrônicos.

Assim, por descumprimento do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser mantido o apontamento técnico e a determinação de recolhimento do valor de R$ 89,61 ao erário (item 4.1.1 do parecer conclusivo, ID 45522739).

Quanto à (2) transferência de recursos destinados ao custeio de campanha de pessoa negra para os candidatos FABIANO ANDRÉ DA SILVA e MARNI TERESINHA SAGGIN, no montante de R$ 9.240,00, não foram apresentados esclarecimentos ou comprovantes a fim de elidir a falha apontada, não sendo possível aferir se os aludidos recursos foram destinados ao pagamento de despesas comuns entre o ora prestador e os candidatos beneficiários das transferências, pessoas não negras, contrariando a regra trazida no art. 17, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Importa frisar que o direcionamento de recursos do FEFC a candidaturas de indivíduos de ascendência negra ou parda constitui medida de ação afirmativa orientada para a correção da carência de representatividade política desse segmento da população.

Portanto, resta vedada a utilização desses recursos com o intuito de promover a campanha de candidato que não seja identificado como negro ou pardo, exceto nos casos em que esses valores sejam empregados para cobrir despesas compartilhadas, desde que haja prova documental de que tal emprego seja benéfico ao candidato enquadrado como beneficiário das cotas, nos termos dos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17 (…)

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras.

Com a transferência de recursos para candidatos autodeclarados de cor branca, viola-se o direito de acesso ao financiamento público de candidaturas de pessoas pretas previsto em política de ação afirmativa. Dessa forma, surge obrigação de reparação mediante ressarcimento dos valores correspondentes aos cofres públicos, de maneira conjunta e solidária entre o doador e os candidatos beneficiados, conforme disposto pelo § 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19 e pelo art. 942 do Código Civil:

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Dessa forma, acolho o preciso argumento da Procuradoria Regional Eleitoral “na ausência de comprovação de que os recursos oriundos do FEFC e destinados à cota étnica foram empregados de modo a beneficiar a candidatura do prestador, autodeclarado pessoa negra/parda, deve-se reconhecer a irregularidade dos gastos, devendo o valor de R$ 9.240,00, repassado irregularmente, ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo ora prestador, respondendo solidariamente pela devolução os candidatos FABIANO ANDRÉ DA SILVA e MARNI TERESINHA SAGGIN, nos termos do art. 17, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.” (parecer ministerial, ID 45545584).

A obrigação solidária, por sua vez, importa em responsabilidade por toda a dívida, sendo faculdade do credor demandar o ressarcimento de todos os devedores solidários na forma do art. 264 e 275 do Código Civil.

Contudo, ressalto que ainda estamos na fase de conhecimento, cabendo nesta etapa apenas a análise das questões controvertidas dos autos. Com efeito, o exaurimento da prestação jurisdicional ocorre com a resolução do mérito posto em juízo, neste caso, a averiguação da regularidade ou não das contas apresentadas.

Assim, a eventual configuração do bis in idem em razão de responsabilidade solidária legal, ou outras questões relativas ao pagamento, deve ser tratada no cumprimento de sentença, fase processual oportuna.

Portanto, considera-se irregular a utilização da quantia total de R$ 9.329,61 procedente do FEFC, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

c) Conclusões

As irregularidades somadas totalizam R$ 9.511,29, equivalentes a 19,59% do total de recursos recebidos pelo candidato em sua campanha (R$ 48.537,66), e extrapolam os parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade, para formar juízo de aprovação com ressalvas das contas (inferior a 10% da arrecadação financeira; menos de R$ 1.064,10).

Dessa forma, em linha com o entendimento da Procuraria Regional Eleitoral (ID 45545584), impõe-se a desaprovação das contas, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Ante o exposto, nos termos da fundamentação, VOTO pela desaprovação das contas relativas ao pleito de 2022 apresentadas por CLAITON GARCIA DA CRUZ, candidato ao cargo de deputado federal, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 9.511,29, com juros e com correção monetária, sendo R$ 181,68, relativos ao recebimento de recursos de origem não identificada; e R$ 9.329,61, referentes à aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Com o trânsito em julgado, anotações de estilo e satisfação de obrigações, arquivem-se os autos com baixa na instância pertinente.