RSE - 0600115-21.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/06/2024 às 14:00

 VOTO

O recurso é tempestivo e, por ter atendido a todos os pressupostos processuais atinentes à espécie, está a merecer conhecimento.

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 073ª Zona Eleitoral, sediado em São Leopoldo, que rejeitou a denúncia oferecida contra DÉBORA GUELSO PROBST ARIAS quanto à acusação de ter realizado impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet no dia das Eleições 2020 - 15 de novembro de 2020, especificamente.

No campo normativo, é certo que a legislação eleitoral proíbe o impulsionamento de conteúdos no dia da eleição, sob pena da caracterização do crime previsto no art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, vedação esta que é  repetida na regulamentação operada pelo Tribunal Superior Eleitoral - art. 87, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Lei n. 9.504/97

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 87. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos):

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B da Lei n. 9.504/1997, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

A denúncia (ID 45618756) descreveu o fato da seguinte forma:

(...)

Durante todo o dia 15 de novembro de 2020, dia da eleição do pleito de 2020 a denunciada DEBORA GUELSO PROBST ARIAS impulsionou conteúdos de divulgação de sua candidatura ao cargo de vereador, na aplicação de internet .Facebook.

A denunciada contratou impulsionamentos pagos de duas mídias, estando os conteúdos ativos no dia da eleição, o que é vedado pela legislação em vigor. Osconteúdos ativos no dia da eleição conteúdos, nitidamente de cunho eleitoral, contendo nome e número da candidata, foram impulsionados:

- de 05 a 15 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?
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- de 05 a 15 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?
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Assim agindo, a denunciada DEBORA GUELSO PROBST ARIAS incorreu nas sanções do art. 39, §5º, inciso IV, da Lei 9.504/1997, com redação dada pela Lei n.º 13.488/2017, duas vezes, na forma do art. 69, caput, do Código Penal, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação, para, querendo apresentar suas alegações escritas. Após, pugna pelo recebimento da denúncia, com a oitiva das testemunhas adiante arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

Ou seja, afirma o Parquet que, no dia do pleito, a recorrida manteve, mediante anúncio pago, conteúdo de campanha no Facebook, em afronta ao art. 39, § 5º da Lei n. 9.504/97.

O ponto a ser debatido neste recurso diz respeito unicamente a verificar se a denúncia possui os requisitos necessários para o seu recebimento, conforme disciplina o art. 41 do Código de Processo Penal e o art. 357, § 2º, do Código Eleitoral.

Código de Processo Penal

Art.41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Código Eleitoral

Art. 357 Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

(...)

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Antecipo que o recurso merece provimento.

Noto que, em sua defesa, a recorrida se declara inocente e sustenta ter acostado, nos autos, documentos hábeis a demonstrar a inveracidade da peça acusatória. Aponta, nas contrarrazões, links e traz prints (imagens de tela) do gerador de anúncios do Facebook, no qual parecem constar informações de impulsionamento somente até a data de 14.11.2020, em indicativo de atividade inexistente  no dia 15.12.2020.

Contudo, o acervo probatório apresentado pelas partes possui informações diametralmente divergentes - por exemplo, há a certidão de ID 45618542, lavrada por servidor do Ministério Público, dando conta de que fora localizado, na biblioteca de anúncios do Facebook, conteúdo com impulsionamento ativo da denunciada no dia 15.11.2020, e até o presente momento não foi possível esclarecer o contraponto, pois os contatos com a Facebook Serviços Online do Brasil não receberam resposta,  circunstância que colabora para que a dúvida permaneça.  Aliás, o material colacionado pela recorrida parece não ostentar caráter definitivo, pois apresenta a expressão “Salvar Alterações” ao final, a indicar alguma forma de pendência. 

Nessa ordem de ideias, merece reforma a decisão do Juízo Originário, pois a denúncia foi rejeitada ao fundamento de ausência de “um acervo probatório mínimo e seguro”, o que caracterizaria falta de justa causa (art. 395, inc. III, do CPP e art. 358 do Código Eleitoral).

Na realidade, julgo que a denúncia em tela cumpre os requisitos elencados na legislação de regência, de modo que a acusada tem plena ciência dos motivos fáticos e jurídicos que levaram o Ministério Público Eleitoral a desencadear a persecução penal em seu desfavor. A expressão "justa causa" é utilizada como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar e, no presente caso, a justa causa está posta, representada pelo lastro indiciário de existência de crime e de autoria. Trago, da doutrina, lição de Rodrigo López Zilio (Manual de Direito Eleitoral. 10ª ed.  São Paulo: Editora Juspodivm, 2024, p. 983), em trecho que aponta precedente:

(...) se a denúncia descreve o fato delituoso e as suas circunstâncias com a correspondente tipificação, viabilizando o contraditório, não há como recusar o prosseguimento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa. Com efeito, “a denúncia deve indicar indícios de autoria e materialidade, não sendo necessária a apresentação de prova robusta acerca da prática do delito”. (RHC nº 060005355/BA-j.09.10.2018 -Dje 18.10.2018).

Neste momento processual, entendo que a denúncia deve ser aceita, com o prosseguimento do feito criminal, pois ausente justa causa a obstaculizar a persecução. Os fatos devem ser melhor esclarecidos, em trâmite que possibilite o devido processo legal.  A título de desfecho, transcrevo trecho da d. Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45619916):

Assim, de acordo com a certidão acostada no ID 45618542, lavrada por Oficial do Ministério Público, constata-se que, em consulta à Biblioteca de Anúncios do Facebook relativa à acusada, nos links descritos posteriormente na denúncia, foram localizados conteúdos com impulsionamento ativo em períodos abrangendo o dia da eleição, 15 de novembro de 2020. O aludido documento, no qual constam prints de tela trazendo as informações a respeito do período de atividade dos impulsionamentos, do valor gasto, do alcance potencial, do anunciante e do conteúdo da propaganda eleitoral, induvidosamente constitui elemento de prova a respeito da autoria e materialidade, suficiente a indicar a ocorrência do crime e, por consequência, apto ao início do processo-crime. A ora Recorrida, na sequência, no dia 3 de fevereiro de 2022, anexou ao feito prints de tela dando conta de que os impulsionamentos não estavam ativos na data da eleição. (ID 45618572) Esses novos dados, contudo, não têm o condão suficiente de rechaçar a certidão que lastreou a incoativa; ao contrário, meramente colocam em dúvida a veracidade do que foi relatado, porquanto as informações inseridas nas aplicações de internet, como é cediço, podem ser modificadas. Essa dúvida somente pode ser sanada com a adequada instrução do processo criminal! Noutros termos, efetivamente, a contradição entre a informação que constou inicialmente, logo após eleição, e aquela que foi obtida posteriormente, pela então Denunciada, deve ser objeto de discussão e corroboração durante a pertinente instrução criminal, especialmente porque, no juízo de apreciação da denúncia, vige o princípio in dubio pro societate (...)

 

Em resumo, as divergências quanto às circunstâncias dos fatos indicam a necessidade de instrução processual para o seu esclarecimento.

Diante o exposto, VOTO para dar provimento do recurso, ao efeito de receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral da 073ª Zona Eleitoral - São Leopoldo/RS contra DÉBORA GUELSO PROBST ARIAS.