PCE - 0603166-31.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/06/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se da prestação de contas do candidato EDISON MARTINS DE SOUZA JUNIOR, relativa às Eleições de 2022, ao cargo de deputado federal.

Após exame inicial da contabilidade e intimação do prestador, que se manteve silente, a Secretaria de Auditoria Interna desta Corte concluiu haver irregularidades relativas à utilização de recurso de origem não identificada - RONI e à ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, ao passo que a Procuradoria Regional Eleitoral apontou, ainda, transferências de verbas do FEFC em benefício da conta bancária pessoal do candidato.

Passo à análise.

1. Recurso de origem não identificada – RONI.

O parecer conclusivo identificou gastos eleitorais não declarados ou divergentes daqueles informados na prestação de contas, por meio das notas fiscais disponíveis no banco de dados da Justiça Eleitoral, conforme a tabela que segue:


 

O prestador não atendeu à intimação para prestar esclarecimentos.

Sublinho: a legislação determina que a movimentação financeira integral da campanha deve compor a prestação de contas, e a comprovação dos gastos exige documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço, em conformidade ao art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Outrossim, a sua quitação por meio de valores que não transitaram pelas contas bancárias declaradas caracteriza a verba utilizada (R$ 695,65) como recurso de origem não identificada - RONI, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC – apontamentos da Secretaria de Auditoria Interna.

No que concerne à irregularidade na comprovação dos gastos com recursos do FEFC, o órgão técnico deste Tribunal verificou despesas (A) desacompanhadas de documento fiscal; (B) com documentação que não apresenta a descrição detalhada da operação; (C) que não pertence ao rol considerado gastos eleitorais; e (D) cujo documento fiscal não identifica o CNPJ da campanha do prestador, em montante de R$ 622,61, especificadas abaixo:

A forma de comprovação e o rol admitido concernente aos gastos eleitorais estão disciplinados na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

I - confecção de material impresso de qualquer natureza, observado o tamanho fixado no § 2º, inciso II do art. 37 e nos §§ 3º e 4º do art. 38 , todos da Lei nº 9.504/1997 ;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidata ou de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;

V - correspondências e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições, observadas as exceções previstas no § 6º do art. 35 desta Resolução;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;

IX - realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

XIII - multas aplicadas, até as eleições, às candidatas ou aos candidatos e partidos políticos por infração do disposto na legislação eleitoral;

XIV - doações para outros partidos políticos ou outras candidatas ou outros candidatos;

XV - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.


 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação da destinatária ou do destinatário e da(o) emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura da prestadora ou do prestador de serviços.

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

 

De fato, relativamente à Daniela M. S. Dantas e Fabiano Vieira Sodre, há somente comprovantes de pagamento via PIX, ausentes contratos referentes aos prestadores de serviço, notas fiscais ou recibos, de modo que restam descumpridas as determinações da legislação de regência.

Igualmente inábeis para comprovação os documentos relativos aos gastos efetuados junto à “Marisa Liberato de Paula - Bar do Chines” e “Terra & Terra Bistro e Café”, pois, além de consistirem em nota fiscal sem descrição detalhada dos produtos, considerando a espécie de estabelecimento, indicam despesa com alimentação. Ocorre que esse tipo de gasto exige a identificação do beneficiado, pois somente são permitidos ao “pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha”, observado o limite de 10% dos gastos de campanha, e são expressamente vedados ao próprio candidato e seu motorista, consoante o art. 42, inc. I, e art. 35, § 6º, da resolução supracitada.

Quanto à despesa junto a DIMED S/A – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS, a nota fiscal foi emitida contra o CNPJ da campanha e descreve a compra de “ANNITA 20 mg” e SIMPLI D”. Observo que medicamentos não estão arrolados entre os gastos reconhecidos como eleitorais, configurando despesa irregular, portanto.

Por sua vez, o valor pago ao fornecedor FRSUL COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA, além de incorrer na falha em razão da espécie (alimentação), é gasto realizado por consumidor não identificado, ou seja, a nota fiscal não foi emitida contra o CNPJ da campanha.

Ainda com os recursos do FEFC, foi verificado que o candidato declarou ter realizado gasto com “combustíveis e lubrificantes”, conforme documento auxiliar de nota fiscal, no valor de R$ 462,75 (ID 45161829), relatório de consumo semanal (ID 45161847) e declaração no extrato de prestação de contas (ID 45163288).

Contudo, segundo apontamento realizado pela unidade técnica, embora tenha declarado tais despesas, o candidato não registrou em sua prestação de contas locação ou cessão temporária de veículos, despesas com carreatas ou geradores de energia, que as justifiquem, a teor do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, que assim preceitua:

 

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Intimado sobre tal irregularidade, o candidato deixou decorrer o prazo legal, sem apresentar defesa ou esclarecimentos.

Assim, não estando demonstradas as hipóteses do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, julgo inviável o enquadramento das despesas com combustíveis, declaradas pelo candidato como gastos eleitorais, motivo pelo qual não poderiam ter sido pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Dos apontamentos feitos pela Secretaria de Auditoria Interna – SAI, a importância de R$ 695,65 caracteriza recurso de origem não identificada - RONI, e a quantia de R$ 1.085,36 constitui gastos irregulares com recursos do FEFC, impondo-se a determinação de recolhimento do total irregular, R$ 1.781,01, ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, art. 32 e art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

3. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC – apontamentos exclusivos da Procuradoria Regional Eleitoral.

O órgão ministerial constatou as irregularidades não glosadas no parecer conclusivo, nos seguintes termos:

(…) são também irregulares os gastos com recursos do FEFC identificados pelo Ministério Público Eleitoral (ID 45552469) e que não foram esclarecidos pelo candidato.

De fato, não há comprovação de gastos eleitorais que embasem as 13 (treze) transferências realizadas com recursos públicos oriundos do FEFC para a conta bancária do próprio candidato Edison Martins de Souza Junior (635.612.200-53) e o saque do cheque nº 000782103, também em benefício do nominado, no valor total de R$ 2.630,00.

Constata-se, com base nas informações bancárias (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/21000172535 0/extratos), que os pagamentos foram realizados em benefício da pessoa física do candidato que recebeu os recursos públicos, não sendo possível atribuir a pertinência do gasto à campanha eleitoral, em conformidade com o disposto no art. 35 da Resolução TSE nº 23.607/2019, razão pela qual não há comprovação do uso dos recursos públicos.

Nesse contexto, a realização de gastos com recursos do FEFC sem a efetiva e adequada comprovação da despesa importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento de igual montante ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Com efeito, é possível verificar no extrato bancário da conta 765856, do Banco do Brasil, agência 367, as seguintes transferências entre contas para o beneficiário Edison Martins de Souza Junior (próprio candidato):

Data / Valor

06.09.2022 / R$ 300,00

08.09.2022 / R$ 280,00

12.09.2022 / R$ 200,00

12.09.2022 / R$ 300,00

12.09.2022 / R$ 200,00

19.09.2022 / R$ 130,00

19.09.2022 / R$ 250,00

20.09.2022 / R$ 400,00

21.09.2022 / R$ 100,00

23.09.2022 / R$ 120,00

26.09.2022 / R$ 100,00

26.09.2022 / R$ 70,00

28.09.2022 / R$ 60,00

 

Também, o desconto de “cheque avulso entre agências":

30.09.202 / R$ 120,00

 

Resta evidente a malversação das verbas de campanha, e o apontamento se reveste de maior gravidade por se tratar de recursos públicos movimentados para a conta pessoal do candidato. A jurisprudência do e. TSE tem entendido que a irregularidade constitui confusão patrimonial, e enseja a devolução da quantia ao Tesouro Nacional:

ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO. IRREGULARIDADES: INTEMPESTIVIDADE NA APRESENTAÇÃO DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. OMISSÕES DE RECEITAS E DESPESAS NAS CONTAS PARCIAIS. SANEAMENTO NAS CONTAS FINAIS. AUSÊNCIA DE COMPROMETIMENTO À FISCALIZAÇÃO. PRECEDENTES. MITIGAÇÃO DAS FALHAS. SEGURANÇA JURÍDICA. MERAS RESSALVAS. OMISSÃO NO REGISTRO DE DESPESAS E RECEITAS. OFENSA AO ART. 48, I, E, G, I, DA RES. –TSE nº 23.463/2015. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA CONTAS DE NATUREZA DIVERSA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 7º E 8º DA RES.–TSE Nº 23.463/2015. REPASSE DE RECURSOS PÚBLICOS PARA A CONTA DA PESSOA FÍSICA DOS CANDIDATOS. DISPÊNDIO INDEVIDO. RECEBIMENTO DE RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. CONJUNTO DE IRREGULARIDADES. GRAVIDADE. PREJUÍZO À CONFIABILIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SUSPENSÃO DE UMA COTA DO FUNDO PARTIDÁRIO A SER CUMPRIDA EM DUAS PARCELAS DE VALORES IGUAIS E SUCESSIVOS. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS.

[...]. Transferência de recursos do Fundo Partidário para contas de natureza diversa. Transferência de recursos do Fundo Partidário para conta da pessoa física dos candidatos

7. O repasse de recursos públicos para as contas bancárias pessoais dos candidatos, além de malferir o disposto nos arts. 7º e 8º da Res.–TSE nº 23.463/2015, enseja o ressarcimento ao Erário dos valores, art. 72, § 1º, da Res.–TSE nº 23.463/2015, consoante sugerido pela Asepa, diante do incontroverso dispêndio irregular desses recursos, não estando as contas pessoais vinculadas à campanha eleitoral, o que gera confusão patrimonial entre a pessoa jurídica do candidato e a pessoa física. [...].

(TSE - PCE: 00004316920166000000 BRASÍLIA - DF 43169, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 26/11/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 264)

(Grifei.)

 

Como anteriormente referido, o candidato deixou de aproveitar as oportunidades para esclarecimentos, e as informações disponíveis no banco de dados da Justiça Eleitoral não apresentam elementos que elucidem a regularidade dos gastos, de modo que os apontamentos realizados pelo órgão ministerial caracterizam verba pública aplicada irregularmente, e alcançam o montante de R$ 2.630,00, impondo-se o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades, no valor de R$ 4.411,01 (R$ 695,65 + R$ 1.085,36 + R$ 2.630,00), representa 55,14% do total de recursos declarados pelo prestador (8.000,00), impedindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A desaprovação das contas é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de EDISON MARTINS DE SOUZA JUNIOR, candidato ao cargo de deputado federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 4.411,01 (R$ 695,65/RONI e R$ 3.715,36/FEFC) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.