HCCrim - 0600101-57.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/06/2024 às 14:00

VOTO

Tenho, a despeito da respeitável manifestação do Procurador Regional Eleitoral, que não está prejudicada a análise do presente habeas corpus.

É verdade que, realizada a audiência após o indeferimento da liminar, a paciente acordou com a suspensão do processo, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/95. A aceitação da suspensão, contudo, acarretou a obrigação de reparar o dano (R$ 10.000.00), a vedação de se ausentar da comarca por mais de dois meses sem autorização judicial e a obrigação de comparecer a cada dois meses em juízo, tendo ainda operado o efeito de suspender o prazo prescricional (§ 6ª do art. 89 da Lei n. 9.099/95).

Por outro lado, os §§ 3º e 4º do art. 89 da Lei n. 9.099/95 estabelecem a possibilidade de revogação da suspensão se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano, bem como se vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

Alegada no habeas corpus mácula procedimental precedente à audiência em que determinada a suspensão do processo, em tese se faz presente ainda a alegada potencial restrição ao status libertatis, a plasmar o interesse à prestação jurisdicional. Não fosse isso, a renovação do procedimento pode, em tese, ter consequências em relação à prescrição, a prejudicar a audiência na qual acordada a suspensão.

Assim, não há se falar em perda de objeto, na linha, a propósito, da orientação do Superior Tribunal de Justiça, como se percebe dos precedentes que seguem:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ACEITAÇÃO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. AGRAVADA ACUSADA DA PRÁTICA DOS DELITOS TIPIFICADOS NO ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, IX, DA LEI N. 8.137/90 E NO ART. 56, § 3º, DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CRIMES QUE DEIXAM VESTÍGIO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso em habeas corpus em epígrafe para reconhecer a ausência de justa causa da Ação Penal n. 0027445-78.2015.8.26.0024, ajuizada perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP, em razão da ausência de laudo pericial apto a demonstrar a prática dos crimes descritos no art. 7º, IX, parágrafo único, da Lei n. 8.137/90 e no art. 56, § 3º, da Lei n. 9.605/98 (crime contra as relações de consumo e crime ambiental).

2. "A homologação de suspensão condicional do processo não torna prejudicado o pedido de trancamento da ação penal, porquanto, se descumpridas as condições impostas, a ação penal pode ser retomada" (RHC 95.625/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 16/4/2018).

3. "Da leitura do artigo 7º, inciso IX, da Lei 8.137/1990, verifica-se que se trata de delito contra as relações de consumo não transeunte, que deixa vestígios materiais, sendo indispensável, portanto, a realização de perícia para a sua comprovação, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF" (RHC 96.297/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 15/6/2018).

[...]

7. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(AgRg no RHC n. 117.540/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19.5.2020, DJe de 27.5.2020.) (Grifei.)

 

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. WRIT ORIGINÁRIO JULGADO PREJUDICADO. RECURSO NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR O JULGAMENTO DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM.

1. Em que pesem os esforços do recorrente, verifica-se que o pleito de trancamento da ação penal não foi objeto de cognição pela Corte de origem, o que obsta a apreciação de tal matéria por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, descabe falar em prejudicialidade de habeas corpus impetrado com vistas ao trancamento do processo-crime, pois, em caso de descumprimento das condições estabelecidas para a percepção do benefício legal, o réu poderá voltar a ser processado pela prática de condutas reputadamente atípicas.

3. Recurso não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, para determinar que o Tribunal de origem analise o mérito do HC 2169145-30.2017.8.26.0000, como entender de direito.

(RHC n. 92.549/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 3.4.2018, DJe de 9.4.2018.) (Grifei.)

 

Superada a questão preliminar, tenho, quanto à matéria de fundo, que deve ser ratificada a orientação já exposta por ocasião da apreciação do pedido de liminar, no dia 05.04.2024:

[…]

Não há dúvida de que, em se tratando de delito de menor potencial ofensivo, cabível a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9099/95, como a transação e a suspensão condicional do processo. Mais do que isso, a bem da observância do estatuto constitucional do direito de defesa, as modificações instituídas pela Lei 11.719/2008 nos artigos 394 e seguintes do Código de Processo Penal devem igualmente, no que compatíveis, ser aplicadas ao rito processual penal eleitoral.

Nesse sentido, a propósito, a decisão do Supremo Tribunal Federal ao apreciar em 03.03.2016 o Habeas Corpus 1127900, Rel. o Min. Dias Toffoli, na qual fixada orientação no sentido da "... incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado" (realização do interrogatório do acusado ao final).

A decisão de recebimento da denúncia, portanto, considerando o que dispõe o artigo 364 do Código Eleitoral, e bem assim a orientação do Supremo Tribunal Federal, corretamente concedeu à paciente o "...prazo de 10 (dez) dias, apresentar defesa preliminar, respondendo à acusação por escrito, de acordo com o art. 396 do Código de Processo Penal, observando que, em sua resposta, poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa...".

A incorporação ao procedimento previsto no Código Eleitoral, em atenção aos direitos e às garantias fundamentais do acusado no curso do processo (dentre os quais o devido processo legal e a ampla defesa, ambos previstos na Constituição Federal), de garantias estabelecidas no Código de Processo Penal, como as disposições contidas nos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, trazidas na Lei 11.719/08, está consagrada igualmente em precedentes da Justiça Eleitoral, como se percebe do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. ELEIÇÕES 2004. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 400 DO CPP. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Afasta-se a violação ao art. 275 do CE se o Regional analisou, de forma motivada, todas as proposições deduzidas pela parte.

2. O disposto no art. 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 11.719/2008, que determina que o interrogatório do acusado deve ser o último ato da instrução, aplica-se aos processos por crimes eleitorais por ser norma mais benéfica ao acusado.

3. Na hipótese dos autos, todavia, afasta-se a nulidade pela realização do interrogatório no início da instrução porque não restou devidamente demonstrado o prejuízo da defesa, e em nenhum momento das várias audiências realizadas ou mesmo nas alegações finais, tal controvérsia foi apresentada.

4. A discussão em torno da existência de provas da prática do crime de corrupção eleitoral é exercício que demanda a análise do material cognitivo, situação defesa pela recomendação sumular 7/STJ e 279/STF. 5. Afastada a nulidade da sentença, afasta-se a prescrição porque não transcorridos 4 anos à luz da pena imposta. Recurso especial desprovido.

(TSE - RESPE: 00000013020056260146 BENTO DE ABREU - SP, Relator: Min. João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 08/09/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 228, Data 02/12/2015, Página 62) (grifo nosso)

No caso em apreço, abriu-se à paciente oportunidade de transação penal, há ainda possibilidade de suspensão condicional do processo e, mais do que isso, facultou-se, com a citação, ocorrida em dezembro de 2023, prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa preliminar, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Penal, de modo que ela teve oportunidade mais ampla para se manifestar do que aquela prevista no artigo 81 da Lei 9.099/1995, com potencial para provocar, inclusive, nova manifestação judicial (art. 397 do CPP).

Registro quanto ao tema, em arremate, que em primeira análise não vejo como se possa afirmar violação ao due process of law se à paciente está sendo assegurada a aplicação, a despeito de se tratar de delito de menor potencial ofensivo, de rito destinado a infrações de maior gravidade. A utilização de rito que assegura defesa mais ampla, por pressuposto, não acarreta cerceamento.

No que diz respeito a eventual intempestividade no oferecimento da denúncia, seria mera irregularidade, não tendo o condão de ensejar o trancamento da ação penal de forma liminar e prematura.

Destarte, em juízo de cognição sumária, não vislumbro fundamento para conceder a liminar pleiteada.

 

Não há, com efeito, razão para reconsiderar o que afirmado na decisão liminar.

Pertinente rememorar que, no caso em apreço, após a conclusão do procedimento policial, o Ministério Público Eleitoral requereu a designação de audiência preliminar, nos termos do art. 72 da Lei n. 9.099/95, a qual foi marcada para o dia 10.10.2023.

Realizada a referida audiência preliminar, a proposta de transação penal não foi aceita.

Houve, então, oferecimento de denúncia em 24 de outubro de 2023.

O recebimento da denúncia ocorreu em 27 de outubro de 2023, tendo o magistrado em sua decisão concedido o prazo de 10 (dez) dias para a acusada apresentar defesa preliminar (art. 396 do CPP), podendo “arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecendo documentos e justificações”.

Em 11 de dezembro de 2023, a paciente ofertou defesa, na qual pôde expor suas razões ao magistrado, tendo na ocasião alegado irregularidade de rito e requerido a reconsideração da “decisão que recebeu a exordial acusatória e determinou a aplicação do rito ordinário previsto no CPP, para que, em atendimento às peculiaridades do caso em análise, seja mantida a adoção do procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95, oportunizando-se à acusada a apresentação de defesa preliminar previamente à decisão de recebimento (ou não) da denúncia”. Alternativamente, “caso mantido o recebimento da denúncia”, a paciente requereu “a designação de audiência para o oferecimento da proposta, nos termos do art. 501 da CNJE”.

Ratificado pelo magistrado o recebimento da denúncia, e considerando ter havido proposta de suspensão condicional do processo nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/95, foi designado o dia 10.04.2024 para a realização de nova audiência.

Observo que, por ocasião da apreciação da defesa escrita, abriu-se ao juízo competente oportunidade para, nos termos do art. 397 do Código de Processo Penal, decretar a absolvição  sumária, se reputados presentes os pressupostos para tanto. Mais do que isso, consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião da apreciação da defesa nos termos do art. 397 do Código de Processo Penal, é possível ao juiz novamente verificar, mesmo sob o aspecto processual, se a denúncia deve ou não ter trânsito. Seguem precedentes da Corte Uniformizadora nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. RESPOSTA DO ACUSADO. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE. ILICITUDE DA PROVA. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. DECRETO REGULAMENTAR. TIPO LEGISLATIVO QUE NÃO SE INSERE NO CONCEITO DE LEI FEDERAL (ART. 105, III, A, DA CF)

1. O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o Juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do Código de Processo Penal, suscitada pela defesa.

2. As matérias numeradas no art. 395 do Código de Processo Penal dizem respeito a condições da ação e pressupostos processuais, cuja aferição não está sujeita à preclusão (art. 267, § 3º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP).

3. Hipótese concreta em que, após o recebimento da denúncia, o Juízo de primeiro grau, ao analisar a resposta preliminar do acusado, reconheceu a ausência de justa causa para a ação penal, em razão da ilicitude da prova que lhe dera suporte.

4. O acórdão recorrido rechaçou a pretensão de afastamento do caráter ilícito da prova com fundamento exclusivamente constitucional, motivo pelo qual sua revisão, nesse aspecto, é descabida em recurso especial.

5. Os decretos regulamentares não se enquadram no conceito de lei federal, trazido no art. 105, III, a, da Constituição Federal.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

(REsp n. 1.318.180/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16.5.2013, DJe de 29.5.2013.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A APRESENTAÇÃO DA DEFESA PRELIMINAR. IMPROCEDÊNCIA. AUTORIZAÇÃO LEGAL DADA PELO ART. 396-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUE PERMITE AO ACUSADO ARGUIR QUESTÕES PRELIMINARES NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Superada a fase do art. 395 do Código de Processo Penal com o recebimento da inicial acusatória, após a apresentação da defesa preliminar, o juiz não fica vinculado às hipóteses elencadas no art. 397 do mesmo diploma legal, autorizadoras da absolvição sumária.

2. Verificada, após a apresentação das defesas preliminares, a inépcia da exordial acusatória pela ausência da descrição individualizada das condutas de cada denunciado, ao Juiz é lícito reconsiderar o recebimento da denúncia, quer por permissão legal, quer por uma questão de coerência com os anseios do legislador, impulsionadores da reforma do Código Adjetivo Penal, tendentes a um processo célere e fecundo. Inteligência do art. 396-A do Código de Processo Penal.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 82.199/AL, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17.12.2013, DJe de 3.2.2014.) (Grifei.)

 

Na sequência, impetrado o presente habeas corpus e indeferida a liminar, realizou-se no dia 10.04.2024 a segunda audiência, na qual foi homologado pela Juíza Eleitoral Andréia Terre do Amaral o acordo para suspensão condicional do processo, mediante obrigação de reparar o dano (R$ 10.000.00), vedação de se ausentar da comarca por mais de dois meses sem autorização judicial e obrigação de comparecer a cada dois meses em juízo.

Teve a paciente, portanto, contato com o juízo na audiência preliminar e na audiência de suspensão. Mais do que isso, entre os dois atos teve ainda oportunidade para apresentação de defesa escrita, que, como já esclarecido, abriu a possibilidade de reconsideração por parte do Juiz no que toca ao recebimento da denúncia. 

Não se pode afirmar, assim, que a não oportunização de prazo para manifestação antes do recebimento da denúncia tenha acarretado coação ilegal. 

Ademais, se no plano fático percebe-se que não houve prejuízo à paciente, deve ser ressaltado que, como já esclarecido na decisão inicial, a utilização do rito especial do Código Eleitoral, com a incidência supletiva das regras do Código de Processo Penal, decorre do que estabelece o próprio Código Eleitoral:

Art. 90. Aos crimes definidos nesta Lei, aplica-se o disposto nos arts. 287 e 355 a 364 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965­ Código Eleitoral.

 

Note-se que, ainda em 2002, ao interpretar o art. 90 do Código Eleitoral em face das alterações legislativas ocorridas, o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, expediu a Resolução n. 21.294, de 07.11.2002, afirmando que, a despeito da incidência das medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, é aplicável aos crimes eleitorais o rito previsto no Código Eleitoral, com incidência suplementar do Código de Processo Penal, mesmo em se tratando de infrações penais de menor potencial ofensivo:

INFRAÇÕES PENAIS ELEITORAIS. PROCEDIMENTO ESPECIAL. EXCLUSÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA EM SUBSTITUIÇÃO A AUTO DE PRISÃO - POSSIBILIDADE. TRANSAÇÃO E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - VIABILIDADE. PRECEDENTES.

I - As infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes e o seu processo é especial, não podendo, via de consequência, ser da competência dos Juizados Especiais a sua apuração e julgamento. 

II - O termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado em substituição ao auto de prisão em flagrante, até porque a apuração de infrações de pequeno potencial ofensivo elimina a prisão em flagrante.

III - O entendimento dominante da doutrina brasileira é no sentido de que a categoria jurídica das infrações penais de pequeno potencial ofensivo, após o advento da Lei n 10.259/2001, foi parcialmente alterada, passando a ser assim consideradas as infrações com pena máxima até dois anos ou punidas apenas com multa.

IV - É possível, para as infrações penais eleitorais cuja pena não seja superior a dois anos, a adoção da transação e da suspensão condicional do processo, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo especial, entre eles aqueles a cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o responsável for candidato, a exemplo do tipificado no art. 334 do Código Eleitoral. (Grifei.)

(RESOLUÇÃO TSE N. 21.294 de 07.11.2002. Aprovada por unanimidade. PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 18.956 - CLASSE 19a. DF. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo. Interessada: Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral.) (Grifei.)

 

A vigente Resolução TSE n. 23.640, de 29 de abril de 2021, a propósito, dispondo sobre a apuração de crimes eleitorais, estatui:

Art. 14. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A , 397 e 400 do Código de Processo Penal , com redação dada pela Lei nº 11.971 , de 2008.

 

Também em precedente judicial, por outro lado, o Tribunal Superior Eleitoral manifestou-se sobre a questão:

PROCESSO-CRIME ELEITORAL - TRANSAÇÃO - RECUSA. Uma vez verificada a recusa quanto à proposta de transação, cumpre observar o rito previsto no Código Eleitoral, afastando-se o da Lei nº 9.099/1995. (TSE. REspe n. 29803. NOVA FRIBURGO - RJ. Relator Min. Marco Aurélio. Julgamento: 28/06/2012) (Grifei.)

 

Ainda na mesma linha o seguinte precedente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás:

RECURSO CRIMINAL. PRELIMINAR NULIDADE DE SENTENÇA. PROCEDIMENTO INADEQUADO. NULIDADE SUPERADA PELO JULGAMENTO DE MÉRITO FAVORÁVEL AO RECORRENTE. CRIME DE PROPAGANDA DE BOCA DE URNA. AUSÊNCIA DE PROVA. ABSOLVIÇÃO (ART. 386, VII, CPP). RECURSO PROVIDO.

1. CRIME ELEITORAL E APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95: Aplica-se aos crimes eleitorais de menor potencial ofensivo o instituto da transação penal (Constituição Federal, art. 98, I, regulamentado pelos arts. 61 e 76 da Lei 9.099/95). Porém, nas hipóteses de inadmissibilidade ou de recusa da transação penal, a denúncia ofertada deverá ser processada conforme rito procedimental especial e mais amplo previsto no Código Eleitoral, e não conforme o rito da Lei 9.099/95.

2. NULIDADE RELATIVA CONVALIDADA PELO JULGAMENTO DE MÉRITO FAVORÁVEL AO RÉU: A inobservância do rito processual adequado implica nulidade relativa que, no caso, é superada pelo julgamento do mérito em sentido favorável ao sujeito processual por ela prejudicado. Nos termos do Código Eleitoral, art. 364, aplica-se, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, artigos 563 e 3º, bem como o Código de Processo Civil, art. 282, § 2º, c/c art. 2º.

3. CRIME DE PROPAGANDA DE 'BOCA DE URNA': O crime eleitoral descrito no art. 39, § 5º, II, da Lei 9.504/97 pressupõe arregimentação de eleitor ou propaganda de boca de urna no dia da eleição.

4. AUSÊNCIA DE PROVAS E ABSOLVIÇÃO: A ausência de provas suficientes a comprovar a prática do crime narrado na denúncia implica a absolvição do réu (art. 386, VII, do Código de Processo Penal).

5. Recurso conhecido e provido.

(TRE-GO.RC n. 39312  Acórdão nº 1018/2017  ACREÚNA - GO. Relator(a): Des. Juliano Taveira Bernardes. Julgamento: 02.10.2017) (Destaquei.)

 

Em suma, não vejo como se possa falar em coação ilegal pelo fato de não ter sido praticado ato que decorreria da adoção do rito sumaríssimo.

À paciente foi aplicado rito mais amplo - o ordinário -, isso na linha da orientação do Tribunal Superior Eleitoral, e sem prejuízo da consideração das medidas despenalizadoras, de modo que o direito à ampla defesa foi devidamente tutelado. De coação ilegal se poderia cogitar caso tivesse ocorrido o contrário, com aplicação do rito sumaríssimo. A conduta da autoridade judicial, com a adoção de rito que proporciona maiores oportunidades de defesa, antes de violadora de direito, foi cautelosa e adequada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela denegação da ordem.

Comunique-se ao juízo eleitoral de primeiro grau.