RecCrimEleit - 0600410-38.2020.6.21.0091 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/06/2024 às 14:00

VOTO

1. PRELIMINARES

1.1 Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

1.2. Da Inocorrência de prescrição

Inicialmente, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida.

Com efeito, conforme se extrai da sentença de ID 45563057, OSMAR FAGUNDES GARCIA foi condenado à pena de 6 (seis) meses de detenção pela prática do crime tipificado no art. 326 do Código Eleitoral (Fato 01 da denúncia) e a 6 (seis) meses de detenção pela prática do crime tipificado no art. 325 do Código Eleitoral (Fato 02 da denúncia).

Os fatos foram praticados durante o mês de outubro de 2020.

A denúncia foi recebida em 05.7.2022 (ata de audiência de ID 45562969).

A sentença penal condenatória foi proferida e publicada em cartório em 29.5.2023 (ID 45563057).

Logo, ainda que analisadas separadamente as penas aplicadas a cada um dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, em observância ao art. 119 do Código Penal, constata-se que não houve o decurso do prazo prescricional (3 anos) entre os marcos interruptivos (art. 117 do Código Penal), ou seja, entre o recebimento da denúncia, a data da publicação da sentença condenatória e a presente data, mantendo-se hígida, portanto, a pretensão persecutória estatal.

 

1.3. Da nulidade por ausência de defesa técnica

Em suas razões, o recorrente suscita preliminar de nulidade em razão da ausência de defesa técnica, ao argumento de que a defensora dativa nomeada pelo juízo de primeiro grau não cogitou da exceção da verdade, prevista no art. 324, §2º, do Código Eleitoral, ocasionando prejuízos ao recorrente, pois, em seu entender, os crimes denunciados pelo Ministério Público Eleitoral configuram o tipo penal descrito no art. 324 do Código Eleitoral (“calúnia eleitoral”), compatível com a exceptio veritatis.

Entendo que a preliminar deve ser de plano rejeitada.

Isso porque, eminentes colegas, o recorrente foi pessoalmente citado em 03.5.2022 (certidão de ID 45562932), oportunidade em que também foi intimado da audiência designada para o dia 05.7.2022, às 14 horas (despacho de ID 45562931).

Considerando que até 04.7.2022, ou seja, véspera da data da audiência, não havia efetuado a juntada de procuração constituindo defensor, a juíza a quo nomeou a Dra. Yana Paula Both Voos (OAB/RS 117.296) como defensora dativa ao réu (ID 45562959).

Em 05.7.2022, OSMAR enviou ao cartório eleitoral, por e-mail, procuração constituindo o Dr. Atanagildo José de Almeida Neto (OAB/RS 36.416) para a defesa de seus interesses processuais. Além disso, na mesma oportunidade, o advogado apresentou pedido pelo adiamento da solenidade (IDs 45562965, 45562966 e 45562967).

Na audiência, a magistrada a quo indeferiu o pedido de adiamento do ato e, diante da ausência do advogado constituído, oportunizou à defensora dativa do recorrente a apresentação de defesa preliminar, recebendo a denúncia na sequência (ID 45562969).

A mesma defensora dativa assistiu o recorrente em toda a instrução processual, sendo posteriormente nomeado o Dr. Carlos Brackmann (OAB/RS 52.753) para a apresentação de alegações finais (ID 45563044), em razão da desistência do encargo por aquela. Tudo isso em decorrência da completa ausência do profissional constituído pelo réu em todos os atos processuais praticados.

De qualquer sorte, o recorrente foi assistido tecnicamente em todo o curso do processo. A necessidade de nomeação de defensores dativos decorreu, portanto, da desídia do então defensor constituído pelo réu, que, vale enfatizar, se limitou a postular adiamentos dos atos processuais designados pela julgadora de primeiro grau, deixando, v.g., de apresentar defesa e os requerimentos que entendia cabíveis.]

Portanto, não há se falar em nulidade processual por ausência de defesa técnica.

Eventual discordância a destempo manifestada pela defesa técnica, ainda que por profissional constituído, não configura ausência e/ou deficiência de defesa, não configura nulidade.

Nesse sentido, trago à colação lapidar precedente do egrégio STJ, verbis:. 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT ORIGINÁRIO PORQUE SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. NULIDADE POR DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. TESE NÃO APRECIADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A SER SANADA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte local não examinou a tese defensiva de que o Réu restou indefeso. Das razões recursais e do relatório do aresto impugnado, não se pode depreender que tal argumentação foi objeto de insurgência em sede de apelação, ao revés, dessume-se dos autos que a sentença condenatória transitou em julgado em primeira instância. Assim, mostra-se inviável a análise da matéria de forma originária por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 2. E não há constrangimento ilegal pelo não conhecimento do writ originário, manejado como substitutivo de revisão criminal. De fato, a impetração de habeas corpus após o trânsito em julgado da condenação e com a finalidade de desconstituir sentença condenatória definitiva é indevida. 3. Sobretudo porque não se vislumbra a possibilidade de concessão de ordem de ofício, pois o Defensor Dativo apresentou resposta à acusação, compareceu a todos os atos processuais e apresentou alegações finais escritas. Apenas a ausência de defesa, ou situação a isso equiparável, com prejuízos demonstrados ao acusado, é apta a macular a prestação jurisdicional, conforme enunciado da Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal. 4. Nesse contexto, não há falar em ofensa ao princípio da ampla defesa, pois foi assegurado ao Réu a imprescindível Defesa Técnica. A discordância do atual Defensor com os pleitos, teses e estratégias adotados ou não pelo Causídico anterior não caracteriza ausência/deficiência de defesa capaz de gerar nulidade processual. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 176.203/RN, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 26/5/2023.) (Grifei.)

 

No mesmo passo, não prospera, a meu sentir, a alegação de nulidade processual em razão da ausência de suscitação da exceção da verdade pela defesa dativa do recorrente.

Conforme se extrai da peça incoativa, o Ministério Público Eleitoral denunciou OSMAR FAGUNDES GARCIA pela prática do crime de “injúria eleitoral” (art. 326 do CE), por ter dito que o então vereador e candidato à reeleição Celso Wachter “está dando dinheiro para todo mundo, todo mundo está sabendo”, e pela prática do crime de “difamação eleitoral” (art. 325 do CE), por ter dito que a então candidata Sandra Rejane Schilling Trentini pediu “carro emprestado para bicheiro, dois carros, para estar fazendo campanha política. Ela sabendo que o jogo do bicho é crime. Então se o jogo de bicho é crime, se usar, se usar, se privilegiar do dinheiro, também é crime” e que “o ministério Público não se manifesta, não fala nada, será que a Sandra deu algum dinheiro lá também do jogo do bicho para o Ministério público Ficar calado fica de braço cruzado , aceitando essa palhaçadas em na cidade de Crissiumal” (ID 45562833).

Ao julgar procedente a denúncia, a digna julgadora de primeiro grau condenou o recorrente pelos crimes do art. 325, referente ao fato praticado contra Sandra, e do art. 326, em relação ao fato praticado contra Celso, ambos do Código Eleitoral (ID 45563057).

Em seu recurso, o recorrente alega que as palavras proferidas configuram a prática do crime de “calúnia eleitoral”, previsto no art. 324 do Código Eleitoral, de forma que a ausência de suscitação de exceção da verdade por parte dos advogados nomeados ocasionou prejuízos à sua defesa.

Bom de ver, eminentes colegas, que a Procuradoria Regional Eleitoral, no parecer de ID 45587996, sustenta que o fato tipificado como injúria se trata na verdade de calúnia, pois, ao referir que o candidato distribuiu dinheiro com a intenção de receber votos, OSMAR imputou a ele o crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Em razão disso, em princípio, não haveria reparo a ser feito ao douto Parecer do eminente Procurador Regional Eleitoral ao inferir que "ausente recurso por parte do Ministério Público e considerando que a pena cominada é mais grave, não é possível a emendatio libelli em sede de recurso da defesa, visto que agravaria a situação do réu, violando o princípio que veda a reformatio in pejus".

Entretanto, rogando vênia ao digno representante do Ministério Público nesta instância, penso que correta a capitulação dada na sentença impugnada relativamente ao “1º fato delituoso” imputado ao réu na denúncia.

Com efeito, os crimes contra a honra previstos no Código Eleitoral guardam correspondência com aqueles da mesma espécie elencados no Código Penal, tendo como elementar específica o fato de a conduta ser praticada na propaganda eleitoral ou para fins de propaganda.

O crime de calúnia ocorre quando o agente atribui à vítima a prática de um fato definido como crime, atingindo sua honra objetiva, ou seja, a reputação que esta desfruta no meio social em que convive; por sua vez, o crime de difamação configura-se quando o agente, também visando atingir a honra objetiva do ofendido, imputa a alguém a prática de um fato determinado, desonroso, porém não criminoso; por fim, o crime de injúria é praticado quando o agente atribui qualidade negativa à vítima, atingindo sua honra subjetiva, ou seja, sua dignidade e/ou decoro pessoal.

Os tipos estão assim descritos no Código Penal:

Calúnia

Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

 

Difamação

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

 

A conduta praticada por OSMAR FAGUNDES GARCIA, descrita no 1º fato delituoso da inaugural acusatória, configura a prática do crime de injúria, e não de calúnia, não havendo reparo a ser feito, portanto, na sentença impugnada.

Com efeito, ao se referir ao então vereador e candidato à reeleição, Celso Wachter, o recorrente disse que ele “está dando dinheiro para todo mundo”, fazendo menção à possível compra de votos por parte da vítima durante o pleito eleitoral de 2020.

Muito embora a conduta de “comprar votos” possa configurar, em tese, a prática do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral (“corrupção eleitoral”), imperioso reconhecer que OSMAR não atribuiu à vítima Celso a prática de um fato certo e determinando, mas apenas alegou, genericamente e de forma especulativa, que o candidato estava “dando dinheiro” aos eleitores de Crissiumal/RS. Não houve indicação, por parte do recorrente, de quem foi o beneficiado com a entrega do dinheiro pela vítima; qual o valor entregue por esta; ou como se deu a dinâmica dos fatos.

Nesse cenário, inviável enquadrar a conduta do recorrente no crime do art. 324 do Código Eleitoral. Exatamente neste sentido vêm decidindo os Tribunais Superiores.

Vejamos:

PENAL. CRIME CONTRA A HONRA. ENTREVISTA CONCEDIDA A PORTAL ELETRÔNICO DE NOTÍCIAS. DECLARAÇÕES CRÍTICAS EM RELAÇÃO A ÓRGÃO INSTITUCIONAL, AO SEU CHEFE E AO REPRESENTANTE. AFIRMAÇÕES VAGAS E IMPRECISAS, NO TEMPO, NO ESPAÇO E NO ELEMENTO ANÍMICO. INSUFICIÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO CONTRA A HONRA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. CONTEXTO FÁTICO SUBJACENTE À PERSECUÇÃO PENAL [...] 28. "O tipo penal do delito de calúnia requer a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Conforme precedentes, deve ser imputado fato determinado, sendo insuficiente a alegação genérica. No caso dos autos, constou da queixa-crime que o querelado afirmou que o querelante é inimigo das cotas e que isso estimula o racismo, sem a vinculação de um fato determinado." (AgRg no REsp 1.695.289/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 14.2.2019.) 29. "Para a caracterização do crime de calúnia é necessária a imputação a alguém de fato definido como crime, sabendo o autor da calúnia ser falsa a atribuição. Devem estar presentes, simultaneamente, a imputação de fato determinado e qualificado como crime; o elemento normativo do tipo, consistente na falsidade da imputação; e o elemento subjetivo do tipo, o animus caluniandi. - Nos termos da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, se não há na denúncia descrição de fato específico, marcado no tempo, que teria sido falsamente praticado pela pretensa vítima, o reconhecimento da inépcia é de rigor, porquanto o crime de calúnia não se contenta com afirmações genéricas e de cunho abstrato (RHC 77.243/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 06/12/2016). - No caso, está ausente da queixa a narrativa de que o querelado imputou ao querelante fato criminoso determinado, devidamente situado no tempo e espaço, com a indicação suficiente das circunstâncias específicas nas quais teria ocorrido"

(RHC 77.768/CE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 26.5.2017.). [...] (APn n. 990/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21.9.2022, DJe de 7.10.2022.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. CALÚNIA ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. EXIGÊNCIA DE IMPUTAÇÃO. A ALGUÉM DE FATO DETERMINADO QUE SEJA DEFINIDO COMO CRIME ALEGAÇÕES GENÉRICAS, AINDA QUE ATINJAM A HONRA DO DESTINATÁRIO, NÃO SÃO APTAS PARA CARACTERIZAR O DELITO. 1. A conformação do tipo penal da calúnia eleitoral exige a imputação a alguém de fato determinado que seja definido como crime. Alegações genéricas, ainda que atinjam a honra do destinatário, não são aptas para caracterizar o delito. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Superior Eleitoral. 2. A partir da prova produzida, não ficou comprovada a prática do crime de calúnia eleitoral, pois o discurso tido como ofensivo contém apenas afirmações genéricas, sem individualização de todos os elementos configuradores do delito de corrupção eleitoral. [...]. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - AgR-RESPE n. 22484/AL. Relator: Min. Admar Gonzaga. Publicado no Dje de 27.03.2019, p.56.) (Grifei.)

 

A exceção da verdade em relação aos crimes eleitorais, por seu turno, está prevista no §2º do art. 324 e no parágrafo único do art. 325, ambos do Código Eleitoral, que assim preceituam:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

II – se o fato é imputado ao presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

 

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

 

Conforme se depreende, assim como ocorre no Código Penal, a legislação eleitoral somente admite a exceção da verdade diante do crime de calúnia ou de difamação, desde que, nesse último caso, o ofendido seja funcionário público e a ofensa esteja relacionada ao exercício de suas funções públicas.

No caso em apreço, considerando que as condutas atribuídas ao recorrente OSMAR não configuram o crime de calúnia e que a ofensa caracterizadora do crime de difamação narrado na denúncia não possui relação com fato praticado por Sandra no exercício de função pública, incabível a exceção da verdade.

Logo, não houve desídia por parte da defensora dativa responsável pela defesa técnica do recorrente ao não suscitar a exceptio veritatis, razão pela qual, enfim, estou sugerindo o afastamento também dessa preliminar.

 

2. MÉRITO

No mérito, como já referido no relatório e de passagem quando do enfrentamento das preliminares, cuida-se de recurso criminal interposto por OSMAR FAGUNDES GARCIA em face da sentença proferida pelo Juízo da 91ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral para fins de condená-lo à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, e 35 dias/multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, em razão da prática dos crimes descritos nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral.

Conforme denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, durante a campanha para as Eleições Municipais de 2020, ao fazer propaganda eleitoral e para fins de propaganda eleitoral, consistente em gravação de lives em seu perfil pessoal no Facebook, OSMAR teria injuriado o Sr. Celso Wachter, ofendendo sua honra subjetiva, ao dizer que ele teria dado dinheiro “para todo mundo”, em alusão à realização de “compra de votos” pelo então candidato, bem como teria difamado a Sra. Sandra Rejane Schilling Trentini, ao afirmar que a candidata teria utilizado recursos e veículos oriundos da contravenção penal (jogo do bicho) em sua campanha política, configurando os crimes descritos nos arts. 326 e 325 do Código Eleitoral, respectivamente.

Os fatos foram assim descritos na denúncia:

1º FATO DELITUOSO:

Em meados de outubro do corrente ano, o denunciado acima qualificado, ao fazer propaganda eleitoral e visando fins de propaganda, veiculando declarações suas na rede social Facebook vídeo, injuriou o vereador e candidato à reeleição CELSO WACHTER, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, uma qualidade negativa, qual seja: referiu que ele está dando dinheiro para todo mundo, com claro e inconteste intuito de denegrir a sua imagem, buscando efeitos eleitoreiros.

O vídeo anexo demonstra que o suspeito usa palavras diretas:

Osmar Fernando Garcia, CONFORME O VÍDEO 1 02, em suma, disse que todo dia cedo faz “Lives”. Abriu a “Live” dizendo de está contente com o candidato Almiro. Depois falou, querendo se referir ao Vereador e candidato à reeleição Celso Wachter:

… ( 2’) dizendo que o Celso Wachter, vereador e candidato a reeleição, “está dando dinheiro para todo mundo, todo mundo está sabendo..”.

O fato ocorreu em meio ao curso da campanha eleitoral municipal do ano de 2020, em pleito no qual a vítima figura como candidato a vereador, com o único intuito de denegrir-lhe a imagem e macular o seu patrimônio político e, ao fazê-lo, pede aos eleitores expectadores da transmissão de vídeo o voto para os candidatos (a prefeito e vice-prefeito) Magrão e Mumu, da legenda n. 40.

 

2º FATO DELITUOSO:

Em meados de outubro do corrente ano, o denunciado acima qualificado, ao fazer propaganda eleitoral e visando fins de propaganda, veiculando declarações suas na rede social Facebook vídeo, difamou a candidata ao cargo majoritário SANDRA REJANE SCHILLING TRENTINI, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, qual seja: está usando em sua campanha dinheiro e veículos oriundos do jogo do bixo, com claro e inconteste intuito de denegrir a sua imagem, buscando efeitos eleitoreiros.

O vídeo anexo (Vídeo 2 02) demonstra, na literalidade, que o suspeito usa palavras ofensivas com fim de denegrir a candidata. Vejamos:

… (40’’) … a prefeita ai candidata a prefeita Sandra, ai: se usar do jogo do bicho. Ela sabendo que tudo isso é crime. Ai ela pega lá tudo aqueles coisas … como é que uma mulher dessas vai ser prefeita na cidade. Ela só apoia coisa que é contra a lei…”

… (1’ 56’’) “mas a Sandra pedir carro emprestado para bicheiro, dois carros, para estar fazendo campanha política. Ela sabendo que o jogo do bicho é crime. Então se o jogo de bicho é crime, se usar, se usar, se privilegiar do dinheiro, também é crime..Tipo: se eu vou e roubo hoje e eu vender, e quem comprou o roubo é criminoso também, A lei entende dessa maneira. E o ministério Público não se manifesta, não fala nada, será que a Sandra deu algum dinheiro lá também do jogo do bicho para o Ministério público Ficar calado fica de braço cruzado , aceitando essa palhaçadas em na cidade de Crissiumal.

Na sequência do vídeo, pede o voto para o candidato Almiro.

O fato ocorreu em meio ao curso da campanha eleitoral municipal do ano de 2020, em pleito no qual a vítima figura como candidata ao cargo majoritário, com o único intuito de denegrir-lhe a imagem e macular o seu patrimônio político e, ao fazê-lo, pede aos eleitores expectadores da transmissão de vídeo o voto para os candidatos adversários (a prefeito e vice-prefeito) Magrão e Mumu, da legenda n. 40.

 

Conforme se extrai dos vídeos anexados aos autos pelo Ministério Público Eleitoral (IDs 45562842 e 45562843), após solicitar apoio ao partido político de sua preferência, consistente em pedir aos ouvintes que “bote um 40 lá na porta da tua casa, bota um 40 lá, de fundamento”, e pedir votos a Almiro dos Santos (número 40.456), o recorrente pronunciou as seguintes frases:

i) referente ao 1º fato delituoso contido na denúncia, praticado em face da vítima Celso Wachter: após cobrar a pessoa identificada como “Sérgio”, a quem chama de amigo, por não apoiar os candidatos de sua comunidade ou mesmo da sua própria família, questionou se ele teria recebido dinheiro da vítima Celso para apoiá-la, ao dizer “eu não sei se o Wachter te deu dinheiro, que o Wachter tá dando dinheiro pra todo mundo, todo mundo sabe disso, né?” (vídeo de ID 45562842, 00min26seg a 02min30seg);

ii) referente ao 2º fato delituoso contido na denúncia, praticado em face da vítima Sandra Reajen Schilling Trentini: disse “a candidata a prefeita, Sandra, se usar do jogo do bicho, ela sabendo que tudo isso é crime, mas daí ela pega tudo lá aquelas coisas […], que barbaridade, olha só o papel que ela tá fazendo. Como é que uma mulher dessas vai ser prefeita na cidade? Me explique uma coisa, sabe? Ela só apoia coisa que é contra a lei. […] Mas a Sandra pedir carro emprestado pra bicheiro? Dois carros pra tá fazendo campanha política. Ela sabendo que o jogo do bicho é crime. Então, se o jogo do bicho é crime, se usar, se privilegiar do bicheiro, também é crime. Tipo, se eu vou e roubo hoje, e eu vender, quem comprou o roubo é criminoso também. A lei entende dessa maneira. E o Ministério Público não se manifesta, não fala nada. Será que a Sandra deu algum dinheiro lá, do jogo do bicho? Pro Ministério Público ficar de braços cruzados, aceitando essas palhaçadas na cidade de Crissiumal” (vídeo de ID 45562843, 00min42seg a 02min43seg);

Interrogado pela magistrada sentenciante acerca dos fatos em análise, OSMAR FAGUNDES GARCIA sustentou que “muitas palavras ditas por eles (vítimas e testemunhas ouvidas) são distorcidas”, pois ao falar nos vídeos sempre procurava se dirigir com educação às pessoas; que a pessoa que postou o vídeo no “Face Brique” tentou prejudicar o recorrente e “todo mundo”; que os vídeos gravados eram postados em seu perfil particular do Facebook, sendo posteriormente excluídos após o término da live; que nos próprios vídeos o recorrente pediu desculpas para as pessoas e que é amigo da vítima Celso. Questionado pela defesa, sustentou que ao gravar os vídeos não tinha interesse em ofender ou manchar a reputação das pessoas atingidas, pois sua intenção “era um bate papo com os amigos” (IDs 45563009, 45563010 e 45563011).

Passa-se à análise individualizada dos fatos delituosos:

 

2.1 – Injúria eleitoral praticada em face de Celso Wachter

O art. 326 do Código Eleitoral prevê o chamado crime de “injúria eleitoral”, que ocorre quando o agente, na propaganda eleitoral ou para fins de propaganda eleitoral, ofende a dignidade ou o decoro da vítima, atacando sua honra subjetiva, ou seja, sua imagem pessoal.

Discorrendo sobre crime, Rodrigo López Zilio ensina que:

A injúria eleitoral se configura com a imputação a alguém de predicado que lhe ofenda a dignidade e o decoro. Em síntese, consiste em uma ofensa pessoal que atinge a dignidade ou o decoro do ofendido. A injúria é o insulto, é a ofensa – que se resume pelo emprego de uma expressão indecorosa ou ultrajante que termine por causar vexame ou constrangimento. Não é necessário que se trate de fato determinado e também desimporta se verdadeiro ou falso; basta seja realizada a conduta com palavras ou expressões ofensivas à dignidade ou ao decoro do ofendido. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 9ª Ed. - São Paulo: Editora Juspodvim, 2023. pg. 988)

 

No caso em análise, ao fazer uma live em seu perfil particular no Facebook, o recorrente, após demonstrar insatisfação pelo fato de seu amigo Sérgio estar apoiando a candidatura de Celso, alegou de forma genérica e depreciativa, visando atingir a honra e imagem da vítima, que ele estava comprando votos durante o pleito municipal de 2020, ao dizer que Celso Wachter estava “dando dinheiro para todo mundo”.

Conforme mencionado quando do afastamento da preliminar suscitada, a conduta denunciada pelo Ministério Público Eleitoral em relação à vítima Celso subsome-se ao tipo penal do art. 326 do Código Eleitoral, e não ao crime de “calúnia eleitoral” previsto no art. 324 do mesmo diploma legal, uma vez que não houve, por parte do recorrente, a atribuição de um fato determinado à vítima.

A análise acerca da autoria e materialidade delitiva por parte de OSMAR foi muito bem enfrentada pela magistrada de primeiro grau, cujos fundamentos transcrevo abaixo e adoto, também, como razões de decidir:

“A materialidade do crime resta devidamente comprovada nas gravações feitas pelo réu, juntadas à denúncia.

Da mesma forma, a autoria estou evidenciada nas oitivas, que abaixo seguem explicitadas.

A testemunha ELSON afirmou que o réu Osmar denegriu a imagem e ofendeu muitas pessoas na época das eleições, em rede social. Que as ofensas eram feitas a "todos os candidatos", incluindo a vítima Celso Wachter, candidato a vereador. Aduziu que o acusado começou a fazer as "lives" em torno de 60 dias antes das eleições. Afirmou que, em razão do réu trabalhar em obras, não foi localizado pela Justiça, fato que o motivou a seguir gravando vídeos. Também referiu que, nas 'lives", Osmar defendia apenas um candidato, mostrando o caráter eleitoreiro das ofensas.

Ouvido em Juízo, a vítima CELSO WACHTER declarou que foi candidato a vereador em 2020, no município de Crissiumal. Afirnou que o réu OSMAR o ofendeu nas redes sociais, com fins de prejudicá-lo nas eleições. Declarou que é agricultor e vive no interior, não fazendo uso do Facebook. Que os fatos eram noticiados a ele por terceiros, que vinham lhe mostrar os vídeos. Aduziu que não chegou a ver todos os vídeos gravados pelo réu, porém tinha conhecimento por terceiros que era constantemente atacado nas redes sociais, com injúrias diversas. No que tange a compra de votos, afirmou que teve ciência de que o réu o acusou de estar promovendo "almoços e jantas em sua cancha de bocha", com fins eleitoreiros, insunuando desta forma que estaria comprando votos.

Os fatos narrados pela vítima CELSO vêm ao encontro com a prova material juntada na denúncia. Ao analisar os vídeos anexados, torna-se nítida a configuração do crime de injúria eleitoral praticado pela réu contra a vítima, uma vez que, em mais de uma oportunidade, o réu atacou-o diretamente, citando seu nome em rede social, chamando-o de "analfabeto", afirmando que "comprava votos".

Sobre o crime de injúria eleitoral, discorre o doutrinador José Jairo Gomes

"Na injúria não se cuida de atribuir ato, seja ele verdadeiro ou falso, mas de desrespeitar o outro mediante a mera emissão de conceito, opinião ou juízo afrontoso, ultrajante, infamante. É irrelevante se a opinião insultuosa seja ou não verdadeira, se corresponde ou não ao que o realmente o emissor (ou as pessoas em geral) acredita. Trata-se de crime formal, porque não exige a ocorrência de resultado exterior à conduta. De sorte que não é preciso que o ofendido se sinta ferido ou concretamente abalado ou que haja efetiva influência nas eleições".

Assim, entendo que os elementos colacionados nos autos são suficientes a comprovar que a conduta praticada pelo réu amolda-se ao crime de injúria eleitoral, estando presente, ainda, o agir doloso por parte do réu.

Além disso, incide as causas de aumento de pena previstas no artigo 327, inciso III (na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa) e inciso V (por meio da Internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real), do Código Eleitoral, porquanto as ofensas foram feitas por meio de "lives" na rede social "Facebook", capaz de atingir um número considerável de expectadores, razão pela qual procedo à emendatio libeli, com base no artigo 383 do CPP, uma vez que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação legal.

Logo, comprovadas a materialidade e a autoria do crime, e não havendo causas excludentes de ilicitude ou que isentem o réu de pena, impõe-se a condenação do réu pelo crime de injúria eleitoral”.

 

Em suas razões recursais, OSMAR limita-se a sustentar que as frases proferidas durante os vídeos “fazem parte do jogo democrático” e que os eleitores possuem direito de conhecer as posturas morais dos candidatos, a quem cabe provar a falsidade de eventual afirmação.

Contudo, conforme vem sendo reiteradamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o direito à liberdade de expressão positivado no art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal não se confunde com impunidade para agressão, não podendo ser utilizado como escudo protetivo à prática de atividades ilícitas, notadamente para atingir a honra de terceiros. Inviável confundir o direito à liberdade de expressão, que não ostenta caráter absoluto, com a possibilidade de agredir, ainda que verbalmente, as pessoas.

Nesse sentido, assim já decidiu este egrégio Tribunal:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 325 c/c 327, INC. III, DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE DIFAMAÇÃO ELEITORAL. CONDENAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. RECAPITULAÇÃO PARA O CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. POSTAGENS NA REDE SOCIAL FACEBOOK. UTILIZAÇÃO DE PALAVRAS OFENSIVAS AO CANDIDATO SEM EMPREGÁ-LAS EM NENHUM CONTEXTO CRÍTICO. RECONHECIDA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. READEQUAÇÃO DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO. […] 2. Postagens ofensivas a candidato na rede social Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral, em pedidos de direito de resposta, tem admitido o emprego de expressões ácidas e contundentes, mas dentro de um contexto crítico e sem direcioná-las à pessoa do candidato. É pacífico o entendimento de que a liberdade de expressão não é direito absoluto, conforme inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, e não o deve ser também em matéria eleitoral. No caso dos autos, o acusado, de forma objetiva, dirigiu palavras ofensivas ao candidato, sem empregá-las em nenhum contexto crítico, sem qualquer referência à eventual incompetência ou alusão a eventual fato supostamente criminoso que pudesse ter prejudicado os projetos da prefeitura durante a gestão do ofendido. […]

(Recurso Criminal n. 12817, Acórdão, Relator(a) Des. GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 147, Data: 09.08.2019, Página 12.)

 

Dessa forma, devidamente demonstrado o animus injuriandi de OSMAR FAGUNDES GARCIA ao se referir a Celso Wachter em live realizada em seu perfil particular do Facebook, necessária a manutenção de sua condenação criminal.

 

2.2 – Difamação eleitoral praticada em face de Sandra Rejane Schilling Trentini

O art. 325 do Código Eleitoral prevê o chamado crime de “difamação eleitoral”, que consiste na conduta do agente que, na propaganda eleitoral ou para fins de propaganda eleitoral, imputa fato ofensivo à reputação de outrem, atacando a honra objetiva do ofendido.

No caso em apreço, o fato ofensivo atribuído a Sandra Rejane Schilling Trentini consiste na alegação de que ela teria utilizado veículos provenientes da contravenção penal (jogo do bicho) durante sua campanha às Eleições Municipais de 2020.

Discorrendo sobre a figura típica, Rodrigo López Zilio assim preceitua:

A difamação eleitoral se configura com a imputação a alguém de um fato ofensivo à sua reputação. Esse fato não precisa ser criminoso e tampouco falso; basta que seja fato ofensivo à reputação do ofendido. Assim, se determinada pessoa imputa fato ofensivo à reputação de outrem comete o crime de difamação.

[...]

A ofensa, in casu, deve ser sopesada a partir das circunstâncias do caso concreto, sendo punível criminalmente apenas a conduta que extravasa a mera crítica pessoal, causando intencionalmente um prejuízo moral – ainda que mínimo – ao ofendido. No entanto, a consumação da difamação não exige a prova da repercussão social do fato, bastando a intenção de proferir ofensa que abale a reputação da vítima.

Para se configurar como crime de difamação eleitoral, necessário que o fato típico seja praticado “na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda” – conforme já analisado no art. 324 do CE. Como acentuado pelo TSE “em virtude do

elemento normativo ‘visando a fins de propaganda’, constante do art. 325 do Código

Eleitoral, o crime de difamação pode ocorrer em contexto que não seja ato tipicamente de propaganda eleitoral” (REspe nº 36.671/SP – j. 27.05.2010 – DJe, p. 259-260). Assim, a elementar “visando a fins de propaganda” possibilita que a ocorrência do delito – desde que comprovada a finalidade ou o contexto eleitoral do ato praticado – seja desvinculada do período de campanha (até mesmo porque possível seja a ofensa direcionada a partido político ou candidato de fato). Da mesma sorte que o tipo penal do art. 324 do CE, a difamação somente se configura como crime eleitoral quando presente a finalidade eleitoral, ou seja, a intenção de a conduta ofensiva causar reflexo nas eleições. O autor do delito deve agir com dolo específico, ou seja, com a vontade efetiva de divulgar fato agressivo ou desonroso a reputação de outrem. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 8ª Ed. - São Paulo: Editora Juspodvim, 2020. pgs. 1016-1018) (Grifei.)

 

A autoria e a materialidade do crime descrito na denúncia restaram suficientemente comprovadas nos autos.

Com efeito, conforme se extrai do vídeo de ID 45562843, o recorrente afirmou que a então candidata Sandra utilizou, em sua campanha eleitoral, veículos provenientes do “jogo do bicho”.

Não restam dúvidas de que a intenção de OSMAR ao fazer tais afirmações em suas redes sociais era de denegrir a imagem de Sandra, justificando a seus seguidores que a conduta da candidata violava a legislação criminal, tendo, inclusive, comparado tal situação ao crime de receptação (art. 180 do Código Penal), ao dizer, “mas a Sandra pedir carro emprestado pra bicheiro? Dois carros pra tá fazendo campanha política. Ela sabendo que o jogo do bicho é crime. Então, se o jogo do bicho é crime, se usar, se privilegiar do bicheiro, também é crime. Tipo, se eu vou e roubo hoje, e eu vender, quem comprou o roubo é criminoso também. A lei entende dessa maneira”.

Destaco que a leviandade do recorrente era tamanha, que, mesmo sem trazer provas sobre os fatos alegados, ele chega a questionar o motivo de o Ministério Público “ficar de braços cruzados” e não adotar medidas legais contra Sandra, chegando ao cúmulo, inclusive, de cogitar "que poderia a ofendida ter entregue recursos oriundos do jogo do bicho para contar com a leniência do Parquet. (Vídeo de ID 45562843, 00min42seg a 02min43seg).

Ouvida em juízo sobre tais fatos, Sandra Rejane Schilling Trentini sustentou que era candidata a prefeita nas Eleições de 2020; que durante a campanha o recorrente usou suas redes sociais para fazer vídeos com conteúdo difamatório; que os vídeos gravados por OSMAR eram constrangedores, foram colocados na mídia e “contaminou a cidade”, referindo-se não apenas à declarante, mas também a outras pessoas; que sabe que na cidade de Crissiumal/RS existe jogo do bicho e que o recorrente falava que esta banca estava “bancando minha campanha”; que já participou de outras eleições, oportunidade em que se elegeu como a vereadora mais votada, sendo que sua campanha nunca envolveu muito dinheiro, pois era simples, indo de casa em casa; negou a prática de tais condutas, sustentando que gostaria que o recorrente provasse suas afirmações. Questionada pela defesa, sustentou que o recorrente denegriu sua imagem como mulher e como candidata, não podendo confirmar que ele fez isso a mando de determinado partido político ou candidato, mas que sabe que “isso aconteceu em função da política daquele ano” (IDs 45563004, 45563005 e 45563006).

Em seu depoimento, a testemunha Elson Osmar Sturmer alegou que o recorrente “denegriu a imagem de muitas pessoas”, inclusive da Sandra, que à época era candidata a prefeita, levantando falsas declarações da vida pessoal dela, dizendo que ela tinha “casos com outras pessoas” e que era “bancada pelo pessoal do jogo do bicho”; que OSMAR denegriu a imagem de várias outras pessoas, além das vítimas deste processo, mediante a elaboração de lives em sua rede social, mas depois “bloqueava”, impedindo que outras pessoas pudessem acessar; que além de ofender as pessoas, o recorrente enaltecia seu candidato, Almiro, bem como o candidato a prefeito de sua preferência; que OSMAR, em suas lives, atacou a servidora do Cartório Eleitoral de Crissiumal/RS e o próprio declarante, dizendo que estava gordo; que os vídeos gravados pelo recorrente repercutiram em Crissiumal/RS, por se tratar de uma cidade pequena (ID 45563008).

Novamente, em prestígio ao excelente trabalho elaborado pela insigne magistrada de primeiro grau, reproduzo e incorporo ao voto como razões de decidir a análise sobre a autoria e a materialidade delitiva do fato delituoso em exame:

No caso dos autos, verificam-se que os vídeos anexos à denúncia corroboram com as declarações colhidas em Juízo pela testemunha ELSON e pela vítima SANDRA. Desta forma, é evidente a prova do crime de difamação eleitoral.

Outrossim, a tese do acusado em afirmar que publicou em seu Facebook "particular" é totalmente descabida. É sabido que o conteúdo da plataforma Facebook é de livre acesso aos usuários, inclusive quando iniciada uma "live", situação em que o vídeo pode atingir considerável número de pessoas, o que de fato veio a ocorrer.

Sobre a consumação do crime de difamação eleitoral, transcrevo a lição de José Jairo Gomes:

"A consumação se perfaz no instante em que a imputação chega ao conhecimento de qualquer pessoa - exceto a vítima. Para tanto, basta que uma só pessoa tome conhecimento. No caso de a imputação ser veiculada em post (texto publicado em website), blog, ou Internet, devido às características desse meio virtual, presume-se o seu conhecimento por terceiros."

Assim, não restam dúvidas quanto ao cometimento dos crimes acima narrados pelo acusado, uma vez que praticou diversas injúrias e difamações em período de campanha eleitoral, utilizando-se de "live" em rede social com amplo acesso de pessoas, com o claro intuito de denegrir/ofender as vítimas. Restaram também evidentes que as ações possuíam finalidade eleitoral, visto que ambas as vítimas estavam disputando cargos no Município, estando demonstrada que suas manifestações em detrimento das vítimas tinham o objetivo de influenciar a vontade eleitoral das pessoas que assistiam os vídeos divulgados pelo réu.

Portanto, o dolo específico inerente ao tipo pena imputado ao acusado resta evidente ao exame dos elementos que instruem o feito, denotando que as manifestações do réu ultrapassaram os limites do direito de crítica, ao passo que atingiram a honra subjetiva e a dignidade das vítimas, pouco antes da ocorrência do pleito eleitoral.

Além disso, incidem as causas de aumento de pena previstas no artigo 327, inciso III (na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa) e inciso V (por meio da Internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real), do Código Eleitoral, porquanto as ofensas foram feitas por meio de "lives" na rede social "Facebook", capaz de atingir um número considerável de expectadores, razão pela qual procedo à emendatio libeli, com base no artigo 383 do CPP, uma vez que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação legal.

Diante dos fundamentos expostos, a conduta praticada pelo réu enquadra-se no artigo 325 do Código Eleitoral e, ausentes causas excludentes de ilicitude ou de isenção de pena, a condenação pelo crime de difamação eleitoral é medida que se impõe.

 

Assim, devidamente demonstrado o animus diffamandi de OSMAR FAGUNDES GARCIA ao se referir a Sandra Rejane Schilling Trentini em live realizada em seu perfil particular do Facebook, atribuindo a ela fato específico e ofensivo a sua reputação, necessária a manutenção de sua condenação criminal.

 

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso, seguido da rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso manejado por OSMAR FAGUNDES GARCIA, ficando mantida em sua íntegra, portanto, a sentença recorrida.