REl - 0601098-84.2024.6.21.0050 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2025 às 16:00

VOTO

I - PRELIMINARES

Inicialmente, analiso as preliminares reiteradas pelos recorrentes Lisiane Vieira Pereira, Julio Cesar Ribeiro Silva e o Diretório Municipal do MDB de São Jerônimo, relativas a cerceamento de defesa por indeferimento de juntada de prova documental (áudio) e ao tratamento desigual entre as partes na fase instrutória.

Sustenta-se cerceamento do direito de defesa porque, após o encerramento da instrução, o juízo a quo indeferiu a juntada de um suposto áudio de WhatsApp, de  conteúdo pessoal – sobre o qual não teriam tido acesso até então -, que comprovaria que a candidata foi vítima da divulgação de conteúdo íntimo e, por conta disso, desistiu de sua candidatura, e devido ao desentranhamento de fotografias. Afirmam que o áudio se trata de conversa ocorrida “dois ou três anos atrás”, entre a candidata Lisiane e um candidato à reeleição como vereador, sobre a marcação de um encontro, e que após vir a público, teria havido um constrangimento à candidata, demissão de seu companheiro e bullying na escola, contra os filhos da candidata. 

Reproduzo a decisão que determinou o desentranhamento do arquivo de áudio:

(...)

Todavia, entendimento outro deve ser tomado quanto a juntada intempestiva, de áudio juntado no ID 126896543.

Verifica-se que na contestação a Representada Lisiane refere que houve “divulgação nas redes sociais, principalmente whatsapp, de uma conversa da candidata com outro candidato da coligação, com conotação sexual, de marcar um possível encontro, mas de um fato passado, dois ou três anos atrás, quando a mesma estava solteira, mas que deram a entender que estava acontecendo até hoje. A família de seu atual companheiro, que seria a base de sua campanha, pois reside toda no Município, achando que poderia ser algo atual, recusou-se a apoiá-la e aí resultou em sua votação inexpressiva”.

Não justificou o motivo pelo qual não estava juntando o tal vídeo/áudios, tampouco postulou prazo para tal diligência – a fim de localizá-lo(s), o que deveria tê-lo feito se entendia relevante à sua defesa, e também para oportunizar o contraditório na instrução que se avizinhava. Não o fez.

Em audiência de instrução ouviu testemunhas e fez prova a respeito deste fato específico e também não postulou prazo para juntada do vídeo/áudios ou apresentou justificativa para a juntada tardia.

Assim, é de se acolher a impugnação da defesa, pois intempestiva a juntada e ausente qualquer justificativa para a referida anexação neste momento. Determino a exclusão do ID n.126896543.

(...)

 

Ainda que se admitisse a juntada da prova, não se identifica qualquer prejuízo em face do desentranhamento do arquivo de mídia, sendo caso de aplicação do art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual não se pronunciam nulidades sem demonstração de prejuízo.

A existência do áudio em questão e seu conteúdo não têm pertinência jurídica para o deslinde do feito, pois a tese da defesa é de que houve uma suposta divulgação pública de um conteúdo pretérito de “dois ou três anos atrás”. Em nenhum momento foi alegado que o conteúdo do áudio causou embaraço para a campanha, razão pela qual a juntada não supera os requisitos de relevância, utilidade e necessidade da prova.

O desentranhamento não representou qualquer prejuízo, pois não há prova de divulgação ou repercussão, e a juntada seria imprestável ao fim a que se propõe. Essa suposta relação entre um vazamento de conteúdo sensível e a desistência da campanha não foi comprovada por prova adicional além da mera alegação, sendo de todo desarrazoado o raciocínio de que a marcha processual deveria ser interrompida para que os recorrentes buscassem uma forma de comprovar a autenticidade de prova inútil.

E o conteúdo do áudio não é necessário para o ponto controvertido, porque a própria defesa admite que a candidata não foi afetada pelo teor da conversa, mas pela divulgação pública do arquivo. Sendo assim, o ônus probatório não recai sobre a exibição do áudio em si, e sim sobre a comprovação objetiva da publicidade e da repercussão (quando, por quais meios, a quem alcançou, que efeitos teve na campanha).

Até porque, o suporte material específico é fungível. Poderia ser um áudio, uma fotografia ou qualquer outro dado sensível e íntimo. O que importa, juridicamente, é o ato de difusão e seus efeitos concretos. E penso que exigir a juntada do conteúdo íntimo, além de desnecessário, iria de encontro à diretriz de julgamento com perspectiva de gênero, quando bastariam provas reflexas da divulgação.

 Cabia à defesa, integrada pela candidatura alegadamente fictícia, seu partido e pelo candidato eleito diretamente beneficiado pela fraude, produzir prova minimamente estruturada sobre o fato que invocam como justa causa para a ausência de campanha: a publicidade e repercussão do suposto vazamento de conteúdo íntimo. Para tanto, é de todo desnecessária a apresentação da prova e até mesmo a transcrição da aludida conversa, bastando que minimamente se demonstrasse ter realmente havido a divulgação pública que se alega, e a relevância do fato para a retração da campanha, circunstâncias que, repito, limitam-se apenas ao campo da argumentação.

Não se desconhece que, pela suposta natureza íntima do aludido material, alegadamente vazado ao público, e da condição de gênero da candidata, pode ter havido dificuldade ou até resistência em expor publicamente esse elemento que supostamente provaria a retração na campanha, especialmente em um contexto de disputa eleitoral ainda permeado por  julgamentos morais mais severos sobre candidaturas femininas.

Como orienta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (2022), o julgador deve estar atento aos efeitos psicológicos e sociais da exposição indevida de conteúdos de cunho íntimo, especialmente quando se trata de mulheres em posição de disputa de poder, como ocorre nas candidaturas femininas. É dever da magistratura “acolher com sensibilidade os relatos que envolvem situações de violência simbólica ou constrangimento de corrente de padrões discriminatórios de gênero”, e evitar a revitimização.

Acolher relatos de violência simbólica não significa afastamento dos requisitos mínimos de prova, e a construção empática do julgamento não exclui os deveres mínimos de diligência e de produção de prova atribuída às partes, especialmente quando se trata de processo que envolve questão tão grave como a alegação de candidatura fictícia. Argumenta-se que a ausência de campanha se deu por recuo involuntário da candidata pela publicação indevida do áudio, mas essa simples narrativa não é acompanhada de qualquer prova complementar. Não se demonstrou a veiculação pública, impacto social ou familiar relevantes, ou repercussão eleitoral concreta no planejamento da campanha. Também não há evidências de que o partido teve conhecimento do alegado vazamento e demonstrou preocupação institucional com os efeitos do episódio na campanha.

Desse modo, toda a tese sobre a existência e relevância do áudio permanece como afirmação unilateral, sem qualquer apoio probatório: a suposta divulgação pública, a comoção familiar, os reflexos na escola dos filhos e no trabalho do companheiro, e a repercussão eleitoral atribuída ao episódio não passam de alegações não demonstradas. Sequer a existência de união estável foi comprovada. Também não há, como adiante será abordado, depoimentos de testemunhas que tenham presenciado a alegada divulgação pública do áudio na comunidade local e no âmbito familiar ou escolar.

A ausência absoluta de qualquer indício complementar, ainda que tangencial ou indireto, impede o acolhimento da preliminar, sem que isso represente descrédito à palavra da candidata, mas tão somente o reconhecimento de que o ônus processual da demonstração dos fatos recai sobre a parte que os alega, sobretudo quando esta atua em conjunto com o partido e outros candidatos interessados no resultado do julgamento.

Além disso, a defesa foi omissa nos momentos adequados. O episódio do suposto vazamento já constava da contestação, mas não houve pedido de prazo, nem alegação de dificuldade para juntar a prova. De igual modo, depois da decisão determinando desentranhar fotografias consideradas imprestáveis como prova por falta de indicação de data e de observância da cadeia de custódia, as partes foram devidamente intimadas e não houve manifestação por parte dos recorrentes. Também houve oportunidade de os recorrentes tratarem do fato durante a audiência de instrução, ou em sede de alegações finais, e não houve insurgência sobre o desentranhamento de fotografias ou alegação de cerceamento de defesa.

Do cenário posto nos autos, entendo acertada a decisão que, após encerrada a instrução, considerou incabível reabrir a fase probatória nas circunstâncias em que apresentada a prova, visto ter sido desatendido o disposto no art. 435, parágrafo único, do CPC, que condiciona a juntada extemporânea à demonstração de justo impedimento, o que manifestamente não ocorreu.

Rejeito, portanto, a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, com o registro de que essa conclusão não equivale à deslegitimação da alegação, mas que a abordagem empática não dispensa os requisitos formais e probatórios mínimos exigidos pelo devido processo legal.

Também não merece acolhida a preliminar de nulidade por alegada violação ao princípio da isonomia processual.

Os recorrentes sustentam que houve tratamento desigual entre as partes, pois a parte autora teria sido beneficiada com a possibilidade de juntar documentos - especificamente a prestação de contas da candidata investigada - após a audiência, e porque houve determinação de emenda da petição inicial quanto ao polo passivo e falta de indicação de rol de testemunhas.

No entanto, não se verifica qualquer nulidade ou prejuízo, pois cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito (art. 370, CPC), e a legitimidade das partes deve ser verificada de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, inc. IV e § 3º, do CPC).

Igualmente, não se evidencia nulidade por abertura de contraditório quanto à preliminar de inépcia da inicial, pois a manifestação decorre do devido processo legal, razão pela qual não se trata de quebra na paridade de armas, e, tanto a Súmula n. 73 do TSE, quanto o art. 8º da Resolução TSE n. 23.735/24, demandam análise da prestação de contas, processo público, para o julgamento da causa.

Entre as garantias fundamentais do devido processo legal encontra-se a observância da distribuição do ônus probatório e do ônus de impulso processual das partes, e não houve qualquer obstrução por parte do juízo de origem à produção de provas. Consta dos autos que, após a audiência de instrução e julgamento, os próprios recorrentes juntaram novos documentos e se manifestaram admitindo erro quanto à origem do material de campanha da candidata Lisiane, afirmando que este não havia sido confeccionado pelo partido MDB, mas sim pela chapa majoritária do candidato Júlio César Prates Cunha, da Coligação Pra Continuar Crescendo.

Ao deferir a juntada da documentação complementar, o juízo de origem fundamentou adequadamente sua decisão, esclarecendo que um dos pontos controvertidos nos autos dizia respeito à origem do material de campanha atribuído à candidata investigada. E, durante a audiência, foi informado, como fato novo, que o material teria sido produzido pela chapa majoritária e não pelos candidatos proporcionais.

Por essa razão, entendeu que a documentação tinha por objetivo esclarecer ponto relevante da controvérsia, servindo como complemento da prova oral já colhida, de acordo com o art. 435, parágrafo único, do CPC, cujo teor autoriza a apresentação de documentos novos para contraposição a fatos supervenientes ou esclarecimento de pontos que surgem no curso da tramitação.

Observa-se que a defesa contou com o respaldo do partido pelo qual a candidata concorreu e do candidato eleito, sendo responsabilidade dos recorrentes, que detinham condições institucionais e técnicas para suprir eventuais lacunas de articulações probatórias, as iniciativas processuais quanto à produção da prova.

Os recorrentes produziram prova oral durante a instrução, arrolaram testemunhas, as quais foram inquiridas, e a defesa não alegou dificuldade de acesso a outras provas.

Assim, a julgadora respeitou os limites procedimentais e garantiu tratamento isonômico às partes, motivo pelo qual se afasta qualquer alegação de violação ao contraditório, à ampla defesa ou ao princípio da isonomia.

Rejeito, portanto, as preliminares.

 

II – MÉRITO

No mérito, observo que os fatos discutidos nesta ação não se confundem com outras situações recentemente apreciadas por esta Corte. Enquanto em casos anteriores havia maior controvérsia quanto à caracterização da fraude, aqui o conjunto probatório revela um quadro sólido e praticamente incontroverso, deixando clara a ocorrência de expediente fraudulento que afetou diretamente a higidez do pleito.

A candidata envolvida não é inexperiente no processo político, já concorreu em 2016 para o mesmo cargo na cidade em que reside, Charqueadas, ocasião em que recebeu apenas 4 votos, e, nesta eleição, obteve ainda menos, apenas 2. Apesar disso, foi beneficiária de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), supostamente destinados à distribuição de material de propaganda. Contudo, não declarou nas contas ter produzido ou recebido qualquer material de campanha, tampouco comprovou sequer a realização de deslocamentos para o Município de São Jerônimo, em que concorria, durante a campanha. Todo o valor recebido foi aplicado no pagamento de duas militantes que não residiam, não votavam, tampouco mantinham vínculos com São Jerônimo, inexistindo prova de que tenham efetivamente atuado em campanha no município.

A situação torna-se ainda mais grave diante da ausência de qualquer demonstração de vínculo da candidata com a cidade em que foi registrada. Ela residia e trabalhava em outro município,  Charqueadas, não apresentou prova mínima de inserção local e não deixou qualquer traço de campanha real. Trata-se, portanto, de candidatura apenas formal, apresentada unicamente para o preenchimento da cota de gênero, sem qualquer propósito eleitoral legítimo.

A Justiça Eleitoral tem o dever de assegurar que o resultado das urnas traduza a vontade autêntica do eleitorado. Quando se constata que essa vontade foi distorcida por meio de fraude, a cassação do mandato não se configura como sanção desmedida ou punitiva, mas como providência imprescindível para resguardar a normalidade e a legitimidade do processo democrático, em suma, para preservar a própria democracia.

Neste caso específico, os elementos de prova evidenciam que o mandato eletivo em exame não foi conquistado de modo legítimo, mas fruto de uma manobra consciente que comprometeu a essência da disputa eleitoral. Diante desse quadro, cabe a este Tribunal restabelecer a lisura do pleito, impondo a única resposta compatível com a gravidade dos fatos: a cassação do mandato.

A sentença concluiu que o MDB logrou obter uma vaga de vereador no pleito de 2024 do Município de São Jerônimo, mas que a votação está integralmente comprometida por um vício insanável na nominata do partido, revelador de fraude, diante da presença da candidatura fictícia (“laranja”) de Lisiane, indicada artificialmente para o cargo, sem a qual a sigla não cumpriria o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, que exige a presença de pelo menos 30% de candidaturas de um sexo para as eleições proporcionais para o deferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP).

Passo ao enfrentamento das razões de reforma:

1. Votação inexpressiva, zerada ou pífia

A sentença fundamentou a procedência da ação ao reconhecer a votação inexpressiva da candidata Lisiane - apenas 2 votos em São Jerônimo/RS, posicionando-se na última colocação entre todos os concorrentes ao cargo de vereador do município - como um dos indícios clássicos de candidatura fictícia, e os recorrentes afirmam que apenas esse, dos três requisitos estabelecidos pela jurisprudência do TSE estaria presente, mas que essa condição foi consequência de fatores externos e não de fraude deliberada.

Nas razões recursais, reconhecem a votação ínfima, mas sustentam que ela decorreu de fatores alheios à vontade da candidata, especialmente da divulgação de áudio de conteúdo íntimo no início da campanha, o que teria causado constrangimento público e retaliação da família do atual companheiro, levando a uma desistência tácita não formalizada.

Além disso, como justificativa para a ausência de campanha foi referida uma condição de saúde, a qual revelou-se ser questão já conhecida antes da candidatura e não agravada, mediante apresentação de um exame médico de rotina, questão que será melhor abordada no item a seguir.

Os argumentos não são suficientes para afastar a presença de um dos requisitos para a caracterização de fraude à cota de gênero. O critério é objetivo e indiferente ao porte do município, e o fato se enquadra no item estabelecido pela Súmula n. 73 do TSE, que faz referência acerca da votação zerada ou pífia da candidata, e no art. 8º, da Resolução TSE n. 23.735/24.

De acordo com o TSE, são elementos suficientemente seguros para a condenação por fraude à cota de gênero, por evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma: a) a votação zerada ou pífia; b) a prestação de contas zerada ou praticamente zerada; c) a ausência de atos efetivos de campanha, a falta de declaração de despesas, a ausência de extratos bancários ou notas fiscais, ou de investimento de recursos do partido na campanha.

Não se desconhece que a análise da existência de votação módica deve ser verificada no contexto da eleição e das demais candidaturas apresentadas pelo partido, especialmente em se tratando de pequeno município, não sendo esse elemento um fator isolado para a procedência da ação, mas requisito que deve ser sopesado no conjunto de provas.

No caso dos autos, tenho presente que a votação é inegavelmente insignificante considerando-se o universo de mais de 16 mil eleitores em São Jerônimo, caracterizando-se como pífia a obtenção de somente 2 votos.

Conforme os dados públicos da divulgação do resultado da eleição de 2024, disponibilizados pelo TSE, e analisando todos os partidos que disputaram o pleito e todas as candidaturas ao cargo de vereador, a candidata foi a que recebeu menos votos em São Jerônimo.

Desse cenário tem-se por chamativa a diminuta votação. É claro que a fraude não se mede pela grandiosidade da campanha, mas pela artificialidade da candidatura. Independentemente do contexto local, o núcleo da conduta ilícita é o desvirtuamento da política afirmativa, e não se trata de exigir das candidatas do interior o mesmo padrão de desempenho de candidatas de grandes cidades, mas sim de coibir o expediente de lançar nomes sem qualquer lastro de participação política real, apenas para preencher formalmente a cota legal.

2. Prestação de contas padronizada

A sentença identificou movimentação financeira padronizada e irrelevante, com uso exclusivo dos R$ 2.500,00 do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para pagamento de duas pessoas residentes em outro município, Charqueadas, que receberam, respectivamente, R$ 1.500,00 e R$ 1.000,00, sem demonstração de vínculo com a campanha, da efetiva prestação do serviço de panfletagem, e sem qualquer outra despesa declarada ou doação estimada.

Não houve comprovação de efetiva militância, da distribuição de propaganda, ou atuação das militantes em favor da candidatura, e os recorrentes apenas afirmam que não há exigência legal de que os prestadores de serviço residam no mesmo município da candidatura, e argumentam que as despesas foram proporcionais à verba recebida.

As militantes teriam, segundo os recorrentes, efetivamente prestado serviços, e o material impresso teria sido providenciado pela chapa majoritária. Contudo, o aludido material, na forma impressa, não foi apresentado durante a instrução, apenas tendo sido juntado registros da intenção de sua produção gráfica em meio digital, o que deixa dúvidas sobre a efetiva confecção dos santinhos ou colinhas em meio físico.

As imagens apresentadas (fotos tão somente da arte gráfica de colinhas/santinhos) não foram acompanhadas de provas de sua impressão física, e as propagandas não foram declaradas como doação estimável em dinheiro na prestação de contas, nem há provas do ato de distribuição a eleitores.

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Além disso, a nota fiscal apresentada para especificar a preparação desse material foi emitida apenas após a conclusão do pleito, e o pagamento também se deu após a eleição, o que fragiliza sua eficácia como prova de que a propaganda foi realizada no curso da campanha eleitoral.

Veja-se: prestação de contas da candidatura aponta gasto apenas de R$ 2.500,00 oriundos da FEFC, pagos a duas pessoas físicas pelo serviço de panfletagem. Ambos residiam em Charqueadas, município vizinho a São Jerônimo, sem demonstração de vínculo local com o eleitorado-alvo ou de efetiva atuação na campanha da candidatura, com fundados indícios de que as contratadas sequer fossem eleitoras da cidade em que a candidata concorria e que o material de campanha sequer foi verdadeiramente confeccionado para distribuição.

É necessário considerar o contexto sociopolítico do município em que se desenvolveram os fatos. São Jerônimo trata-se de localidade pequena, com reduzido eleitorado, e a modéstia das campanhas ou a baixa expressão de votos obtidos se torna sintomática quando as pessoas contratadas para supostamente alavancar a candidatura situam-se em outra comunidade periférica e não no local da eleição.

Apesar da prova formal de recebimento de recursos do FEFC e da contratação das militantes, não há demonstração de execução do serviço - como registros de entrega, comunicações, fotos, testemunhos ou comprovantes de deslocamento de Charqueadas para o Município de São Jerônimo, em que a candidata concorria. Não há ações mínimas, sustentadas em contatos pessoais, de que houve distribuição de material de campanha de modo presencial ou pela internet.

Os recorrentes referem que a prestação de contas foi regular, com uso exclusivo de recursos do FEFC no valor de R$ 2.500,00, divididos entre essas duas contratadas para panfletagem, mas os impressos não foram declarados nas contas como doação de bem estimável e não houve provas concretas de que o trabalho de distribuição do material foi realmente realizado.

Embora sustentem que não há exigência legal de que as pessoas contratadas residam no mesmo município da candidatura, foge do razoável a adoção do procedimento: contratar cabos eleitorais que votavam em outro município e jamais poderiam votar a favor da candidatura da recorrente. A indicação das contratadas foi realizada inclusive com a supervisão do partido, pois os nomes foram fornecidos pela candidata, que solicitou a indicação de para qual das prestadoras deveria ser formalmente apontado um valor maior de remuneração:

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É certo que em municípios de pequeno porte as campanhas tendem a ser modestas, muitas vezes centradas no contato direto e no baixo dispêndio de recursos. Todavia, a simplicidade não se confunde com inexistência. A candidata não deixou qualquer traço de campanha, o que a distingue radicalmente das candidaturas genuínas, mesmo aquelas conduzidas em cenários de escassez de recursos. O que se evidencia não é a rusticidade da campanha, mas a sua completa ausência, o que caracteriza a fraude

Com esses fundamentos, entendo presente também este requisito.

 

3. Ausência de atos efetivos de campanha

A sentença reconheceu a completa ausência de atos efetivos de campanha atribuíveis à própria candidata, nem presenciais, nem por redes sociais, nem por meio de materiais impressos declarados. Ponderou que o único material gráfico identificado nos autos - uma colinha/santinho - foi produzido pela coligação majoritária, sem vinculação direta à atuação da candidata investigada, nem declaração como doação estimada.

Não há atos efetivos de campanha realizados pela própria candidata e por suas militantes, tanto presencialmente, quanto por meio de redes sociais, sendo que o único material impresso utilizado foi uma “colinha” impressa (santinhos), produzida pela chapa majoritária, sequer lançada como doação estimável na prestação de contas da candidata, e sem demonstração de que a publicidade foi realmente entregue ao eleitorado por meio de panfletagem realizada pela candidata e as duas militantes contratadas.

Os recorrentes alegam que a candidata participou de reuniões partidárias e de visitas domiciliares, embora tenha evitado exposições públicas e o uso de redes sociais em razão de questões de saúde e de um constrangimento pessoal gerado pela suposta divulgação de um áudio de conteúdo íntimo.

Sustentam que sua campanha foi discreta, mas existente, e que a retração da candidata se deveu a forte abalo emocional, o qual resultou na perda de apoio da família do companheiro, tida como sua principal base eleitoral. Alegam, ainda, que houve uma espécie de desistência tácita motivada por sofrimento emocional, mas que, apesar disso, a candidata tentou manter sua postulação, evitando o engajamento digital para proteger sua integridade emocional.

No entanto, como bem pontuado na sentença, a tese de desistência tácita não encontra respaldo nos elementos de prova produzidos nos autos, sendo certo que, em caso de renúncia ou desistência, bastava ao partido substituir a candidata ou promover a renúncia de homens, e demonstrar que, até aquele momento, houve intenção de realizar campanha. Segundo o TSE: “A desistência tácita da candidatura não deve ser apenas alegada, mas demonstrada nos autos por meio de consistentes argumentos, acompanhados de documentos que corroborem a assertiva, e em harmonia com as circunstâncias fáticas dos autos, sob pena de tornar inócua a norma que trata do percentual mínimo de gênero para candidatura” (REspEl: n. 06009867720206200020 CURRAIS NOVOS - RN n. 060098677, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09.5.2023, Data de Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 97).

Os recorrentes apresentaram vídeo de comício partidário em que a candidata sequer aparece, e uma fotografia sem indicação de data, em que Lisiane consta em meio a outras pessoas, em contexto de suposta reunião política, não comprovada.

Pessoas sentadas ao redor de uma caixa de papelãoO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

 

No entanto, conforme demonstrado pelos recorridos por meio de ata notarial, a imagem foi capturada apenas em dezembro de 2024, portanto, após encerrado o período eleitoral. Além disso, na captura de tela de rede social em que aparece a fotografia da candidata não consta seu nome e número de urna, mas tão somente os do candidato a prefeito e vice.

Mulher com cabelos loirosO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

A questão salta aos olhos: a única propaganda divulgada na internet mostra que Lisiane não se identificou como candidata aos eleitores e pediu votos somente para o pleito majoritário.

Não há qualquer indício objetivo de início de campanha efetiva por parte da candidata, tampouco demonstração de esforços voltados à divulgação de sua candidatura ou contato com o eleitorado, seja presencialmente ou por meios digitais, somente pedido de voto da candidata para os candidatos a prefeito e vice. O TSE não exige profissionalização digital, mas algum ato verificável de campanha off-line ou on-line. Quando não há prova de campanha, a lógica do sistema não é uma presunção favorável à candidatura. Essa circunstância converte-se em reforço do indício de fraude.

Não foi provado que houve intenção, “mesmo que tímida” de efetiva participação na disputa eleitoral (TSE - RESPE: n. 060201638 PEDRO LAURENTINO - PI, Relator.: Min . Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 04.8.2020, Data de Publicação: 01.9.2020).

Com relação à justificativa de saúde, os documentos médicos juntados aos autos indicam a realização de exames de rotina, sem diagnóstico novo ou agravamento do quadro já conhecido.

O nódulo referido era de conhecimento desde fevereiro de 2024 e foi considerado benigno na mamografia realizada em 06.9.2024. A ecografia que deu ensejo ao argumento de preocupação com a saúde foi realizada apenas em 26.9.2024, ou seja, na última semana do período de campanha. Não há, portanto, qualquer prova contemporânea ou minimamente robusta que comprove que tal situação tenha impactado concretamente o curso da candidatura, e não há prova de campanha antes desse fato.

Quanto à alegada divulgação do áudio com conotação sexual, repiso que a tese também não se sustenta à luz das provas, pois não foi comprovada a alegação e a repercussão desse suposto fato, nem a data da sua ocorrência.

Ainda que se reconheça a sensibilidade do episódio descrito e o eventual impacto psicológico que situações dessa natureza possam causar - especialmente a mulheres em contextos de julgamento social acentuado -, é igualmente necessário reconhecer que nenhum elemento probatório foi apresentado para demonstrar, de modo minimamente objetivo, a data da divulgação, a repercussão pública do alegado fato ou sua interferência real na dinâmica da campanha.

No que pertine à prova oral, os recorrentes arrolaram duas testemunhas que demonstram que se houvesse apoio efetivo do partido à candidata, os votos teriam se materializado e não haveria fraude. As demais testemunhas, arroladas pelos recorridos, Valmir Nunes dos Santos, Kássio Dutra da Rosa, Agostinho Ernes de Lima Júnior e Adão da Silva Pinto, confirmam a ausência de atos efetivos de campanha da candidata Lisiane, além de sustentarem que ela não realizou visitas presenciais, não participou de reuniões públicas, nem foi vista em atividades eleitorais em São Jerônimo, durante o período de campanha.

Esses depoimentos foram coerentes, convergentes e desinteressados, e reforçaram o conjunto probatório documental da ausência de engajamento eleitoral.

A testemunha Marcelo Vinícius Souza de Farias, servidor público filiado ao MDB, declarou que conhece a candidata Lisiane há mais de dez anos e que participaram juntos da campanha de 2016, ocasião em que ela concorreu pelo município de Charqueadas. Referiu que, nas eleições de 2024, Lisiane residia com um companheiro em São Jerônimo e que foi convidada a concorrer pelo MDB, tendo aceitado o convite, embora não tivesse muito tempo disponível devido a questões pessoais e de saúde. Afirmou que ela teve uma hérnia de disco cervical, com diagnóstico anterior ao período eleitoral, e que isso teria impactado sua mobilidade e disposição durante a campanha. Quanto à atuação eleitoral, os candidatos tiveram a produção de materiais gráficos - santinhos e cartazes -, os quais foram entregues à candidata no comitê, e acredita que a própria candidata os distribuiu, embora não tenha presenciado atos de campanha pessoalmente realizados por ela. Em relação à polêmica envolvendo áudio de conotação íntima, Marcelo declarou ter tomado conhecimento do episódio por meio de comentários entre apoiadores e pessoas do município, mas não poderia precisar do conteúdo do áudio, a data e os meios de divulgação, o alcance, tampouco teve acesso direto a ele. Afirmou que o suposto vazamento causou desconforto à candidata, especialmente porque gerou constrangimento com a sogra, que deixou de apoiá-la, e com o companheiro. Referiu que a repercussão foi negativa, mas não consegui informar os dados exatos da data da ocorrência nem a origem do conteúdo. Também disse que a candidata ficou abalada emocionalmente, o que teria contribuído para a sua postura mais retraída durante o período eleitoral, embora, segundo ele, Lisiane tenha, de fato, se lançado candidata com a intenção de disputar o pleito.

A informante Fernanda Siqueira Teixeira, autônoma, amiga de Lisiane, afirmou que teve contato com a candidata em São Jerônimo durante o período eleitoral e que chegou a conversar com ela sobre a candidatura. Segundo Fernanda, Lisiane comentou que não estava conseguindo fazer campanha, mencionando estar “meio doente” e que “não se sentia muito bem”, mas sem especificar a enfermidade. Disse também que a candidata estava “abatida, chorosa”, e que ouviu falar de um “áudio que saiu”, embora não tenha ouvido o conteúdo nem soubesse quem o divulgou. Acrescentou que não viu a candidata em campanha de rua, mas que a viu em comício e reuniões com o partido, sempre de forma mais reservada. Declarou que Lisiane não morava em São Jerônimo, mas que, segundo sabia, estava morando com o companheiro na cidade naquele período.

Como se vê, o depoente Marcelo Vinícius de Farias, filiado ao MDB e colega de campanha da candidata em eleições passadas, afirmou ter ouvido rumores sobre o conteúdo do áudio, mas não teve acesso direto ao arquivo, demonstrando que era possível ao menos a substituição da candidata caso houvesse desistência. E em São Jerônimo o MDB estava bem estruturado, tanto que integrou a coligação que elegeu o candidato a prefeito.

Entende o TSE que se a grei “em nenhum momento tomou o cuidado de providenciar a substituição” há “inércia dolosa” (REspEl: n. 00009720420166140036, Relator.: Min. Benedito Gonçalves, DJe 13.10.2022).

Da mesma forma, a testemunha Fernanda Siqueira Teixeira declarou que teve conhecimento do suposto vazamento, mas seu relato tampouco permite aferir com segurança que houve repercussão pública, a data do ocorrido, ou mobilização em torno de sua divulgação.

Com a autorização que o art. 23 da LC n. 64/90 confere aos julgadores para         considerar fatos públicos e notórios no julgamento, e diante da testemunha defensiva informar que não se trata de candidata sem experiência política, verifiquei que Lisiane de fato concorreu em 2016 ao cargo de vereadora de Charqueadas/RS, sob o nome Lisiane Pereira Lopes, e obteve 4 votos, segundo o DivulgaCandContas. Não se trata de presumir fraude a partir do insucesso eleitoral, mas é sintomático que em 2016, sem recursos do FEFC e com somente R$ 380,00 de receita, a candidata tenha obtido mais do que os 2 votos alcançados em sua segunda campanha (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2/210000032994/2016/86932).

Além da inexpressividade da votação em 2024, falta autenticidade mínima de intenção de realizar a candidatura, pois as testemunhas tampouco presenciaram atos de campanha realizados pessoalmente por Lisiane. Os depoimentos não trouxeram elementos objetivos quanto a datas, locais ou testemunhos diretos de atos de campanha, nem confirmaram a repercussão concreta do áudio mencionado, ou sobre a questão de saúde, além do mero “ouvir dizer”.

Em suma, embora seja possível acolher com empatia a narrativa da candidata quanto aos desafios pessoais e emocionais vivenciados, o conjunto probatório não demonstra que tenha havido atos de campanha efetivos, nem comprova os alegados impactos sociais do suposto episódio de exposição íntima ao público ou à família.

Verifica-se, em verdade, candidata sem atos na rede social além de uma postagem pedindo votos para prefeito, sem material distribuído, sem campanha, com cabos eleitorais meramente formais, mas sem distribuição de propaganda, sem qualquer propagação da candidatura. Uma candidata usada como peça descartável pela estrutura partidária, ou seja, uma “candidata laranja”. E considero que em municípios de pequeno porte e de baixa inserção feminina a fraude é mais nociva, pois perpetua o bloqueio de acesso real das mulheres à política.

Tampouco é possível extrair dos autos elementos que evidenciem esforço mínimo para dar continuidade à candidatura nem uma data precisa para demonstrar que, antes da suposta divulgação do áudio, houve campanha. A ausência de mobilização, de materiais próprios, de uso das redes, de atividades presenciais durante o período de campanha, e de qualquer vestígio de engajamento real ou simbólico no pleito, reforçam a conclusão da sentença quanto à inexistência de campanha, afastando a tese de desistência superveniente por motivos alheios à vontade da candidata.

Somado a essas circunstâncias, tem-se que a sentença entendeu inexistente o vínculo da candidata com o município de São Jerônimo, considerando que residia, trabalhava e havia se candidatado anteriormente em Charqueadas, e rejeitou a veracidade do vínculo com o município de São Jerônimo, alegada com base em uma suposta união estável com o eleitor Maurício Marques da Silva, que teria um imóvel em construção no município.

Nos autos foram juntados uma conta de luz e um contrato de compra e venda firmados pelo suposto companheiro, mas não há nenhuma prova adicional, além da mera alegação, sobre a existência de algum vínculo entre a candidata e Maurício. A testemunha Marcelo afirmou que a candidata residia em São Jerônimo com um companheiro, o qual conhecia de vista, mas nunca conversou com ele, e sequer mencionou o nome dessa pessoa. Não há sequer uma imagem da candidata com tal pessoa, cujo relacionamento seria a única prova de vínculo com a cidade em que a candidata concorreu. Nada.

Os recorrentes admitem que Lisiane residia em Charqueadas, justificam a transferência para São Jerônimo com base em vínculo familiar, já que estaria em união estável com morador local que teria iniciado a construção de uma residência na cidade, mas a prova é tênue e baseada essencialmente na mera alegação unilateral dos recorrentes, pois não há evidência de que a união estável realmente exista e não há elemento de prova algum nesse sentido, além da declaração de residência sem firma reconhecida.

Não há documentos comprobatórios de residência efetiva de Lisiane no local, como comprovantes de endereço em seu nome (contas, correspondências oficiais, ficha médica local, comprovantes de trabalho, escolaridade de filhos, ou declaração de vizinhos), não há imagens nem prova de coabitação de fato. Tampouco as testemunhas arroladas, a amiga e o correligionário Marcelo Fischer, atestam com firmeza a convivência da candidata com Maurício Marques da Silva, de São Jerônimo.

A Súmula n. 73 não impõe quantidade mínima de votos ou gastos expressivos, mas exige um mínimo de autenticidade. É justamente a ausência desse elemento que caracteriza a fraude, em qualquer contexto. Reconhecida a fraude, a única resposta coerente com a democracia é cassar quem se elegeu de forma viciada. Não cassar é normalizar a fraude e manter a desigualdade de gênero que a constitui.

Em conclusão, entendo que há prova firme e segura de que a candidata foi registrada artificialmente para o cargo de vereadora nas Eleições de 2024, unicamente para atender à proporcionalidade das cotas de gênero.

Enquanto em casos anteriores houve maior controvérsia quanto à caracterização da fraude, como no julgamento do recurso REl. n. 0600507-04, concluído por maioria na sessão de 26.8.2025 (Rel. Desa. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez), aqui o quadro fático mostra-se sólido e praticamente incontroverso, revelando de forma clara a ocorrência de expediente fraudulento que afetou diretamente a higidez do pleito. 

Os elementos de prova coligidos evidenciam que o mandato eletivo em exame não foi conquistado de modo legítimo, mas fruto de manobra que comprometeu a própria essência da disputa eleitoral. Nessa linha, cabe a este Tribunal restabelecer a lisura do pleito, impondo a única resposta compatível com a gravidade do ocorrido: a cassação do mandato.

Foi demonstrada a realização de fraude por apresentação de candidatura fictícia (“laranja”) pela presença dos elementos elencados na Súmula n. 73 do TSE para a caracterização da conduta: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.

Quanto às consequências, as sanções aplicadas consistem na cassação do DRAP, na nulidade dos votos da legenda, na desconstituição dos diplomas dos candidatos beneficiados e na declaração de inelegibilidade da investigada pelo prazo de oito anos, além da condenação solidária da candidata e do partido ao pagamento de multa por litigância de má-fé no valor equivalente a dois salários-mínimos para cada, Lisiane e MDB.

A cassação do mandato eletivo é corolário da fraude, independentemente da participação pessoal do candidato eleito e beneficiado. Trata-se de consequência objetiva da invalidade do processo eleitoral, e não de juízo discricionário de proporcionalidade caso a caso, sob pena de se transformar a proteção da política afirmativa em salvo-conduto para sua burla.

No que toca à alegada desproporção da sanção em face do candidato eleito, a fraude à cota de gênero atinge a higidez do DRAP como um todo, contaminando o resultado do pleito. A vontade popular foi formada a partir de um processo viciado, em que a paridade de gênero - requisito constitucional e legal para a disputa proporcional - foi burlada. Nessa hipótese, a cassação não decorre de escolha discricionária do julgador, mas de imposição normativa expressa, já consolidada na jurisprudência do TSE. A proporcionalidade, aqui, já foi equacionada pela norma jurídica, cabendo à Justiça Eleitoral apenas restabelecer a legitimidade do pleito.  E a desigualdade entre homens e mulheres também é uma responsabilidade nossa no sistema de justiça.

 O sentido protetivo do art. 8º, da Resolução TSE n. 23.735/24 é estrutural e a Súmula n. 73 do TSE existe para evitar que os partidos manipulem candidaturas femininas como fachada. Manter o mandato, na hipótese dos autos, é transformar um instrumento de igualdade numa blindagem para perpetuar-se a fraude. A soberania popular pressupõe competição legítima, mas em caso de fraude, a vontade das urnas está viciada (CF, art. 14, § 9º; CE).

Se a Justiça Eleitoral fechar os olhos a candidaturas que não passaram de expedientes formais, ao mascaramento da política afirmativa, a consequência será retirar espaço de mulheres verdadeiramente interessadas em disputar o pleito, perpetuando o quadro de exclusão. A soberania popular não pode servir de manto legitimador de candidaturas fictícias, e o sufrágio é protegido quando se assegura que todos os candidatos estejam submetidos às mesmas regras e que a disputa ocorra em igualdade de condições.

A fraude nas cotas compromete não apenas a participação feminina, mas o próprio equilíbrio do pleito, contaminando o resultado e tornando inevitável a sanção de cassação devido ao uso partidário da candidata como fachada, ainda que individualmente o candidato eleito não tenha pessoalmente contribuído para a fraude.

Por fim, a sanção de inelegibilidade tem natureza personalíssima e exige participação ou anuência, não se aplicando automaticamente às candidatas e aos candidatos sem lastro de ciência ou adesão (TSE, ED-AgR-REspEl n. 0600470-19/PE; TRE-RS, REl n. 060100529-2020, Lajeado, 05.6.2023).

Argumenta-se que a cassação poderia representar um paradoxo, por afastar da vida pública a candidata mulher. Ocorre o inverso: admitir candidaturas fictícias é que mina a política afirmativa, reduzindo a reserva legal de gênero a mera formalidade burocrática. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica ao afirmar que somente a repressão firme às candidaturas simuladas assegura às candidatas reais e efetivas o espaço que lhes é devido. Punir a fraude, longe de prejudicar a presença feminina, é medida indispensável para garantir que os partidos cumpram o espírito da lei de cotas com candidaturas autênticas e viáveis

E no acórdão do REspEl n. 0600551-16/AL o TSE deixou margem para, em situação diferente, afastar a inelegibilidade da candidata mesmo com a procedência da ação por fraude, mediante prova positiva da falta de anuência e instrumentalização. Tal situação pode ser demonstrada caso eventuais pedido de apoio partidário ou de material de campanha sejam ignorados, se houver prévia comunicação do desinteresse na candidatura, prova da oposição à manutenção fictícia da campanha, evidências de direcionamento da campanha exclusivamente por dirigentes masculinos, excluindo-se a possibilidade de realizar propaganda ou de controlar a própria campanha.

No julgamento em tela, contudo, é devida a aplicação da sanção de inelegibilidade à candidata diretamente envolvida na fraude, pois há prova de participação consciente e evidencia-se a gravidade das circunstâncias que envolvem os fatos, pois o impacto eleitoral foi a eleição ilegítima de um candidato, causada pela voluntária manutenção de candidatura sem efetiva intenção de concorrer. A Súmula n. 73 busca proteger a higidez do sistema eleitoral e impedir que partidos continuem lançando mulheres fictícias apenas para cumprir formalidade das quotas, e devido à participação ou anuência com a fraude, a consequência é a sanção, pois a condição de manter-se candidata sem interesse em fazer campanha foi essencial para que o resultado pudesse existir.

Por fim, a sentença aplicou multa por litigância de má-fé com base na conclusão de que a candidata e o partido atuaram de forma dolosa, com o objetivo de induzir o juízo a erro, alterando a verdade dos fatos e agindo de modo temerário no processo.

A julgadora entendeu que a candidata e o MDB agiram com má-fé ao apresentar justificativas inverídicas para encobrir a ausência de campanha, em especial a tentativa de caracterizar um exame médico de rotina como diagnóstico grave, o que caracterizou distorção intencional dos fatos com o objetivo de induzir o juízo em erro, e aplicou a multa de dois salários-mínimos a cada.

No entanto, entendo que a condenação deve ser integralmente afastada, tanto na relação com a candidata Lisiane Andrade dos Santos quanto ao Diretório Municipal do MDB de São Jerônimo.

Nos processos judiciais envolvendo mulheres, é dever da magistratura adotar um olhar atento às desigualdades estruturais que limitam a autonomia feminina nos espaços de poder e representação. Em especial, recomenda-se evitar imputar às mulheres responsabilidades desproporcionais por condutas que muitas vezes resultam da própria marginalização que sofre no ambiente político e partidário, historicamente regido por estruturas patriarcais e assimétricas.

Nesse cenário, a conduta processual da candidata Lisiane - embora desprovida de provas robustas que sustentassem sua versão - não transbordou os limites da litigância legítima. Ao alegar que a sua retirada informal da campanha se deu por constrangimento decorrente de um problema pessoal - seja ele um episódio de saúde anterior ou a divulgação de conteúdo íntimo -, a candidata tentou oferecer uma explicação plausível à sua conduta eleitoral, ainda que sem conseguir estruturá-la de forma juridicamente suficiente, não sendo caso de má-fé processual.

Ao contrário, a sua atuação nos autos revela fragilidade argumentativa, inconsistência, e desorganização probatória, que podem ser explicadas, ao menos em parte, pela ausência de apoio partidário efetivo, pela assimetria de recursos e pela posição de subordinação que muitas vezes as mulheres ocupam em chapas meramente formais, criadas para preencher cotas legais.

Também em relação ao Diretório Municipal do MDB de São Jerônimo, não se pode presumir, sem prova inequívoca, que tenha dolo processual.

A fraude à cota de gênero, reconhecida com base em prova robusta quanto à simulação da candidatura, gera, por si só, as sanções previstas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 e art. 8º da Resolução TSE n. 23.735/24: cassação do DRAP, nulidade dos votos, declaração da inelegibilidade e desconstituição dos diplomas, a fim de que não se perpetue o uso instrumental de candidatas para a eleição de candidatos.

Uma condenação adicional por litigância e má-fé deve ser reservada a hipóteses específicas, o que não se verifica no caso concreto.

Assim, acolho parcialmente o recurso para afastar integralmente a multa por litigância de má-fé.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo provimento parcial do recurso, tão somente para afastar a multa por litigância de má-fé, mantendo a sentença em seus demais pontos, nos termos da fundamentação.

Após a publicação, comunique-se o juízo de origem para imediato cumprimento.