PC-PP - 0600151-83.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2025 às 16:00

VOTO

Trata-se de analisar o apontamento técnico de que, em oito oportunidades, entre 31.01.2023 e 31.10.2023, durante o exercício financeiro de 2023, o Diretório Estadual do MDB pagou juros, multas ou encargos, no valor total de R$ 887,88, contrariando regra do art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Em sua defesa, a agremiação postula, para o exercício financeiro de 2023, a aplicação da nova regra que permite “o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral”, instituída pelo art. 6º da Emenda Constitucional n. 133 de 22 de agosto de 2024.

Este Tribunal fixou posicionamento, a partir do voto condutor do Exmo. Desembargador Mario Crespo Brum, pela irretroatividade das novas disposições de natureza material do art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24. Ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, assentou-se que as contas devem ser julgadas de acordo com a legislação vigente ao tempo do exercício financeiro, com fundamento nos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. QUESTÃO DE ORDEM. ART. 4º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 133/24. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. CASO EM EXAME

1.1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, relativa ao exercício financeiro de 2021.

1.2. Pedido de aplicação da Emenda Constitucional n. 133/24 para afastar irregularidades, especialmente no que tange à devolução e recolhimento de valores.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. Se as irregularidades apontadas no parecer técnico, especialmente aquelas relativas a fontes vedadas e aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, justificam a desaprovação das contas ou permitem sua aprovação com ressalvas.

2.2. Se o art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24 afasta a obrigatoriedade de devolução e recolhimento de valores, no âmbito de processos de prestação de contas partidárias.

2.3. Se a agremiação partidária deve recolher ao Tesouro Nacional os valores decorrentes das irregularidades apuradas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

(…)

3.5. Aplicação Irregular do Fundo Partidário.

3.5.1. Realização de gastos com recursos do Fundo Partidário para pagamentos de multa, juros e/ou encargos, em desacordo com o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

3.5.2. O art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24 não prevê anistia, remissão ou qualquer outra forma de extinção das irregularidades anteriormente praticadas, vindo apenas a permitir, a partir da sua vigência, a utilização de recursos do Fundo Partidário em gastos anteriormente vedados.

3.5.3. O art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 é válido e constitucional em sua origem. O conflito estabelecido com a norma constitucional superveniente, que cria uma disposição diversa ou incompatível, deve ser resolvido pela técnica da revogação, e não pela invalidação da norma anterior.

3.5.4. Aplicação da legislação vigente ao tempo dos fatos. Entendimento deste Tribunal pela irretroatividade das novas disposições de natureza material, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, com fundamento nos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. Na mesma linha, a jurisprudência do TSE enuncia que "os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos, consoante o princípio tempus regit actum e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro".

3.6. As irregularidades apuradas, correspondendo a 3,92% dos recursos recebidos, não comprometem integralmente a regularidade das contas, permitindo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para a aprovação com ressalvas. Incabíveis as imposições de multa e de suspensão do repasse do Fundo Partidário.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Contas aprovadas com ressalvas. Determinado o recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional.

Teses de julgamento: "1. A Emenda Constitucional n. 133/24 não anistia as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais, uma vez que tais medidas não possuem natureza tributária. 2. Os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos."

Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 150, inc. VI, al. "c"; Lei n. 9.096/95, arts. 31, inc. V, e 37, § 3º-A; Resolução TSE n. 23.607/19, art. 31, inc. I; Resolução TSE n. 23.604/19, art. 17, § 2º.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-REspe n. 53567/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 12.03.2015. TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600550-29/PR, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, DJE 24.06.2024. TRE-RS, PC-PP n. 060010417, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJE 15.08.2023. TRE-RJ, PC-PP n. 060019896, Rel. Des. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 15.02.2023.

(TRE/RS, PC-PP n. 0600240-77.2022.6.21.0000, Relator Des. Mario Crespo Brum, DJE, 18/12/2024)

A propósito, a decisão desta colenda Corte Gaúcha está em sintonia com o entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a superveniência do art. 6º da EC n. 133/24 não afasta a irregularidade ora apontada e a consequente obrigação de ressarcir a respectiva quantia ao erário, por ser imperativa a aplicação da norma de natureza material vigente à época dos fatos:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO NACIONAL. PDT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 623.236,99, EQUIVALENTE A 1,36% DOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MÁ-FÉ E ÓBICES À FISCALIZAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS COM DETERMINAÇÕES.

(…)

9. Juros e multas

9.1. Nos termos do art. 17, § 2º, da Res.-TSE nº 23.064/2019, recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.

9.2. A superveniência do art. 6º da EC nº 133/2024 - segundo o qual "é garantido aos partidos políticos e seus institutos ou fundações o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral e para devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas" - não afasta, no caso, a irregularidade e a consequente obrigação de ressarcir a respectiva quantia ao erário, ante a incidência dos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica, que impõem a aplicação da norma de natureza material vigente à época dos fatos.

(...)

(TSE, PC-PP n. 0600386-40.2021.6.00.0000, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJE, 04/04/2025).

Logo, não é possível a aplicação retroativa do art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24 para alcançar irregularidades no pagamento de despesas no ano de 2023, a fim de se manter a jurisprudência deste Tribunal estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC).

Ressalto, por oportuno, que idêntica irregularidade relativa à aplicação irregular de verbas públicas do Fundo Partidário para pagamento de multa e de juros foi identificada no julgamento das contas do MDB Estadual, referentes aos exercícios de 2017 (TRE/RS, PC-PP n. 0600271-39.2018.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, Julgado em 21.10.2021); 2018 (TRE/RS, PC-PP n. 0600257-21.2019.6.21.0000, Relator Desembargador Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJe, 17.11.2022), de 2019 (TRE/RS, PC-PP n. 0600084-60.2020.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, DJe, 02.5.2023); de 2020 (TRE/RS, PC-PP n. 0600202-02.2021.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJe, 03.10.2023).

Assim, a pesar do conhecimento da irregularidade, a legenda descumpriu a norma que proibia a utilização de recursos públicos para pagamento de juros, na importância total de R$ 887,88, durante o ano de 2023, em nítida desobediência ao art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Portanto, mantenho o apontamento da unidade técnica.

A falha, por sua vez, importa em R$ 887,88 e representa o percentual de 0,03% do total de recursos arrecadados (R$ 2.312.550,86), e se enquadra nos parâmetros da jurisprudência das Cortes Eleitorais para aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade está abaixo de 10% do total de recursos arrecadados e é inferior nominalmente ao valor de R$ 1.064,10.

De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE/RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJe, 13.02.2025).

Com essas considerações, concluo pela aprovação destas contas com ressalvas, nos termos dos art. 45, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Ressalto, por fim, que a aprovação com ressalvas não afasta o dever de que os recursos aplicados irregularmente provenientes do Fundo Partidário sejam devolvidos ao erário, nos termos do art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 (TRE/RS, PC-PP n. 0600243-32.2022.6.21.0000, Relator Des. Mario Crespo Brum, DJe, 09.9.2024).

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO DO RIO GRANDE DO SUL (MDB/RS), referentes ao exercício de 2023, na forma do art. 45, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, e determino ao órgão partidário o recolhimento da quantia de R$ 887,88 ao Tesouro Nacional relativo à aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.