REl - 0600783-92.2024.6.21.0135 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2025 às 16:00

VOTO

1. Admissibilidade 

O recurso é tempestivo e preenche todos os requisitos de admissibilidade exigíveis pela espécie, de forma que está a merecer conhecimento.  

Não houve a suscitação de prefaciais. 

2. Mérito 

O recurso de JADERSON TOLEDO MARETOLI, como relatado, visa reformar sentença do Juízo da 135ª ZE, decisão esta que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE - por prática de fraude à cota de gênero de parte dos recorridos, ajuizada contra o PDT de SANTA MARIA e a nominata dos candidatos ao cargo de edil daquela municipalidade – nomeadamente LUIZ FERNANDO CUOZZO LEMOS, CARLOS ANTONIO SOARES, CLAUDIO RENI RODRIGUES COSTA, CLAITON ROSSA DA ROCHA, JAIR ANTONIO TRINDADE VEREADOR, LEONEL PACHECO ERNESTO, RONALDO ISAIAS CABRAL DA SILVA, GLENO DE JESUS MARTINS SANTOS, ZALUAR SOARES DA SILVA, DOMINGOS SAVIO MELO DA SILVEIRA, OSEIAS DO NASCIMENTO MOTA, JOAO VALMOR BARROS DA ROCHA, JORGE CARLOS TRINDADE SOARES, LUCI BEATRIZ ZELADA DUARTES, MARIA APARECIDA BRIZOLA MAYER, SILVANA ZORA FAN DA SILVA , ROSALINA PAZ GOMES, MARLI MEDIANEIRA NUNES BATISTA TONIOLO,  OLINDA SALETE BALDEZ REIS. 

Os fatos são, em suma, os seguintes: o PDT de SANTA MARIA lançou, originalmente, 20 (vinte) candidaturas – 13 masculinas e 7 femininas, de modo a preencher os percentuais legais (65% candidatos homens e 35% candidatas mulheres). A Lei n. 9.504/97, como é cediço, determina, em seu art. 10, § 3º, “que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, redação esta replicada pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução n. 23.609/19, art. 17, § 2º, apenas com a troca do termo “sexo” para “gênero”. 

Contudo, dessa nominata originária, houve a renúncia da candidata SIMONE TEREZINHA BOHMER POERSCHKE (29.8.2024), e o indeferimento do requerimento do registro de candidatura de OLINDA SALETE BALDEZ REIS no primeiro grau de jurisdição (28.8.2024), de modo que o recorrente JADERSON defende a tese de que, a partir de tais situações, a nominata do PDT passou a contar com 18 candidaturas, apenas 5 femininas - índice de 27,78%. 

A Resolução TSE n. 23.735/24, normativo que dispõe sobre os ilícitos eleitorais, fixa, no art. 8º, § 5º, as consequências geradas pela fraude à cota de gênero, com a seguinte redação: 

“(...) § 5º A fraude à cota de gênero acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a anulação dos votos nominais e de legenda, com as consequências previstas no caput do art. 224 do Código Eleitoral".  

Ou seja, a constatação de fraude é condição inafastável para as repercussões perseguidas pelo recorrente. Nesse sentido, precedente do e. Tribunal Superior Eleitoral que realça a necessidade de prova robusta do lançamento de candidatura fictícia: 

Eleições 2020 [...] 2. A fraude à cota de gênero ocorre quando o partido, no momento do registro da candidatura, lança candidaturas femininas fictícias, ou seja, indica candidatas que não disputarão o pleito, com o intuito de tão somente atingir o mínimo de candidaturas de cada sexo exigido por lei. 3. Os elementos probatórios trazidos ao processo devem ser capazes de, ao serem examinados em conjunto, oferecer ao julgador um juízo de altíssima verossimilhança da ocorrência da alegada fraude, caracterizada, por sua vez, pelo explícito e específico objetivo do partido de burlar o disposto no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997. 4. A obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira, a realização de campanha em favor de outro candidato e a ausência de atos efetivos de campanha são indícios suficientes para comprovar a fraude à cota de gênero, salvo se houver elementos que indiquem a desistência tácita da candidatura. Precedentes. 5. Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo concluiu que o lançamento de candidaturas femininas foi fraudulento com substrato no seguinte conjunto de indícios: (a) não realização de atos de campanha; (b) votação nula, não tendo sequer a própria candidata votado em si mesma; (c) falta de provas da realização de propaganda pela candidata, seja por ela mesma, seja por seus coordenadores de campanha; (d) pedido de votos em favor de outro candidato do sexo masculino; (e) prestação de contas sem movimentação financeira, apenas R$ 150,00 relativos a doação estimável em dinheiro; e (f) não confecção e divulgação de materiais de campanha, pois a ínfima doação do partido, no valor de R$ 67,00, somente foi realizada 2 dias antes do pleito, sem que a candidata tomasse conhecimento do fato, pois o omitiu de sua prestação de contas final. Harmonia com a jurisprudência do TSE. [...] (Acórdão de 12.8.2022 no AREspEl n. 0601028-71, rel Min. Mauro Campbell Marques). Grifei. 

E as balizas de percepção das candidaturas fraudulentas são encontradas no verbete 73 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral: 

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral. Grifei. 

À análise dos fatos que podem influenciar no juízo da presente demanda.  

2.1. Renúncia de SIMONE TEREZINHA BOHMER POERSCHKE. 

Ao que tudo indica, houve mero desacordo entre a candidata e a agremiação no que diz respeito a valores para o financiamento da campanha eleitoral, motivo pelo qual houve a renúncia, sem a caracterização de fraude. Destaco também que a desproporção na destinação de recursos financeiros entre as candidatas mulheres, alegada nas razões de recurso, não constitui, por si só, prova de ilegalidade. A autonomia partidária constitui postulado constitucional e inclui a gestão dos recursos financeiros – dito de outro modo, é permitido ao partido político investir mais recursos naquelas candidaturas que entende serem de maior viabilidade de eleição. Não se pode confundir a distribuição de valores a cada candidata com a destinação mínima às candidaturas femininas, situação diversa e regulamentada pela legislação para atender de forma genérica a todas as candidaturas. Após esse primeiro “filtro” de repasse, as destinações individuais se darão por conveniência interna da agremiação.  

Note-se, ademais, que em seu depoimento SIMONE é expressa ao manifestar que sua candidatura foi espontânea, e não por coação, bem como que o PDT jamais havia prometido valores, de forma que a situação nitidamente escapa àquela caracterização de fraude trazida, na doutrina, por ZÍLIO, como “(...) o ato voluntário que induz outrem a erro, mediante meio astucioso ou ardil” e citado pelo próprio recorrente.  

Ainda que SIMONE tenha, de fato, declarado ao Ministério Público que renunciara em razão de uma promessa – de apoio financeiro - não cumprida pelo PDT de SANTA MARIA, é certo que tal circunstância não enseja fraude ao preenchimento da cota de gênero porque, afinal de contas, SIMONE renunciou formalmente – ato que por si só (por lógica) evidencia distância de qualquer simulacro de candidatura. Fraude seria se SIMONE tivesse permanecido candidata de maneira apenas formal, para integrar os percentuais de preenchimento. Nessa ordem de ideias, a renúncia de SIMONE representa o oposto à fraude, na medida em que estampa a verdade de insatisfação de uma candidata relativamente à valorização de sua candidatura, e inclusive prejudica os percentuais de distribuição entre gêneros, pois com SIMONE eram 7 candidatas de 20 (35%), e sem SIMONE, 6 candidatas em 19 (31,6%). 

Entendo inexistente fraude no presente tópico, portanto.  

2.2. Indeferimento da candidatura de OLINDA SALETE BALDEZ REIS. 

Aqui, a constatação de ocorrência (ou inocorrência) de fraude passa, sobretudo, pela análise do processo de requerimento de registro de candidatura de OLINDA. 

No grau de origem, houve decisão de improcedência do registro em 28.8.2024 (processo n. 0600273-79.2024.6.21.0135). O PDT de SANTA MARIA recorreu de tal decisão em 31.8.2024, de modo que a candidata passou a se encontrar em situação conhecida como sub judice. 

Sobre o tema, dispõe a legislação, art. 16-A da Lei n. 9.504/97: 

Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.  (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) 

 

Ou seja, por garantia legal, OLINDA permanecia com a prerrogativa de realizar os atos de campanha sob todos os aspectos, como legítima candidata.  

O recurso do registro de OLINDA foi distribuído, mediante sorteio, a este Relator. As razões (ID 45686194 daquele processo) indicaram aspectos diversos, como uma verdadeira data de filiação em 30.3.2024, e não 10.5.2024, dia da efetiva inserção no sistema, cujas provas viriam da ficha partidária e de manifestação do presidente estadual do partido. Traz, ainda, argumentos no sentido de que OLINDA não poderia ser prejudicada por inércia ou falta de preparo dos membros do partido, bem como de que “dificuldades no acesso aos sistemas de internet e tantos outros problemas que ocorrem na política interiorana”. Demonstra preocupação em relação ao preenchimento dos percentuais de gênero. 

Houve a oposição de embargos de declaração, rejeitados por esta Corte, e a sequente interposição de recurso especial, cujo seguimento foi negado pelo e. Tribunal Superior Eleitoral. O trânsito em julgado ocorreu aos 20.10.2024, portanto após a eleição (ID 45762113 daquele processo). 

Entendo, também aqui, inexistente qualquer ato fraudulento. Os colegas bem sabem que nas lides eleitorais com frequência há, em sede de registro de candidatura, a situação da filiação alegadamente ocorrente mediante a apresentação da ficha de filiação. Mesmo na eleição mais recente, esta Corte julgou inúmeros casos – muitos inclusive de candidatos homens – que pretendiam comprovar o vínculo partidário mediante esta espécie de documento.  

Ou seja, em que pese a existência da Súmula n. 20 do Tribunal Superior Eleitoral, é certo que permanece, eleição após eleição, a irresignação de muitos partidos e candidatos no que toca à validade jurídica da ficha de filiação assinada perante a agremiação, para fins de candidatura. É compreensível que assim seja, pois muitas vezes a ocasião é cercada de solenidade interna, com alguma repercussão inclusive na comunidade, a depender do novo correligionário.  Vale lembrar, como feito pelos recorridos, que a Procuradoria Regional Eleitoral, por ocasião do julgamento do registro de OLINDA, ofereceu parecer pela anulação da sentença, circunstância que sem dúvida "alimentou a esperança da candidata ter seu registro deferido pelo Tribunal Superior".

Em resumo, não é possível aqui se entender que a candidatura de OLINDA era uma aventura jurídica, ou “natimorta” - em expressão um tanto áspera, já utilizada neste caderno processual. Os recursos interpostos não se trataram, dessarte, de movimentos protelatórios - integraram, antes, um volume considerável de irresignações relativas a indeferimento de registros de candidatura ocorridos no grau de origem. OLINDA foi, em resumo, apenas mais uma candidata a legitimamente recorrer contra um verbete – frise-se, não vinculante – do Tribunal Superior Eleitoral.   

Tampouco os recursos processuais podem receber a pecha de protelatórios. Houve uma oposição de embargos de declaração, além do recurso especial. Todos com prazos curtos e prontamente julgados. Naqueles autos originais, não houve sequer o levantamento da hipótese de ato protelatório. 

Ademais, trago elementos fáticos que distanciam a candidatura de OLINDA de prática fraudulenta: a candidata logrou 196 (cento e noventa e seis) votos e recebeu ao menos R$ 2.984,47 de verbas do PDT. Não são números de uma candidatura fictícia, especialmente no interior do estado. 

A título de desfecho, vale também indicar a imprestabilidade, como paradigmas, dos precedentes apresentados pelo recorrente em conjunto às razões. Não desconheço que o TSE tem se posicionado no sentido de que as agremiações partidárias devem se comprometer “ativamente com o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa”, de modo que, "sobrevindo impugnação ao registro, devem os partidos, quando houver tempo hábil, substituir aquelas que não reúnam condições jurídicas para serem deferidas ou sobre as quais paire dúvida razoável sobre a sua viabilidade, ou, ainda, proceder às adequações necessárias à obediência da proporção mínima entre os gêneros, sob pena serem consideradas fictícias” (REspEl 0600965–83/MA, Rel. Min. Floriano Marques, DJe de 15.9.2023). No caso dos autos o contexto é diverso, a parte lutou legitimamente contra a decisão que lhe fora contrária ao registro de candidatura. Após o trânsito em julgado da decisão, não havia mais tempo hábil.  

3. Conclusão  

A fraude à cota de gênero exige demonstração inequívoca de construção de uma ficção, com o objetivo específico de fraudar o percentual mínimo de candidaturas por gênero. A sentença não merece reparos, com a devida vênia do posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral. O que a legislação e a jurisprudência pátrias visam coibir é a prática de fraude na conformação dos percentuais destacados a cada gênero. No caso dos autos, não é possível afirmar tenha ocorrido fraude - como salientado pelo juízo de origem.

Ademais, a tese central das razões do recorrente – de não preenchimento das proporções - não se sustenta, pois há sancionamento somente naquelas hipóteses em que constatada fraude na tentativa de burlar o mecanismo de ação afirmativa de gênero. Inexistente fraude, não há repercussão.

Em outras palavras, faz-se necessário que o conjunto probatório revele, acima de qualquer dúvida razoável, a inexistência de intenção real e inequívoca de concorrer. A dúvida quanto à intenção fraudulenta impõe, como corretamente concluiu o juízo singular, a aplicação do postulado do in dubio pro sufragio, em homenagem à preservação da vontade popular e da estabilidade do processo eleitoral. 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso.