CtaEl - 0600110-19.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/06/2024 às 14:00

VOTO

Preliminar - Não Conhecimento da Consulta

O art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, reproduzido no art. 34, inc. XII, do Regimento Interno deste Regional, estabelece a competência privativa dos Tribunais Regionais Eleitorais para responder às consultas que lhes forem dirigidas sobre matéria eleitoral, em tese, por autoridade pública ou partido político, conforme abaixo transcrito:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

(...)

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.

 

A partir do mencionado dispositivo, este Tribunal Regional Eleitoral, na esteira da reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (CtaEl n. 060198492, Relator Min. Andre Ramos Tavares, DJE de 26.02.2024 e CTA n. 060016353/DF, Relator Min. Carlos Horbach, DJE de 19.04.2023), tem exigido a presença simultânea de pressupostos subjetivo e objetivos para o conhecimento de consultas, a saber: i) legitimidade do consulente; ii) pertinência temática; e iii) abstração.

Além disso, a indagação deve revestir-se de objetividade, de modo que as respostas não admitam ressalvas ou múltiplas orientações ao consulente, assim como o questionamento não pode ter sido objeto de análise anteriormente, sob pena de a consulta subverter-se em instrumento de reiteração de entendimentos já firmados em âmbito regional ou na Superior Instância.

Na presente hipótese, LEO HAAS, Prefeito de Salvador do Sul, detém legitimidade, na condição de autoridade pública, para realizar a consulta perante este Tribunal, restando preenchido o requisito subjetivo a que aludem os dispositivos legais acima citados.

O requisito da pertinência temática na formulação da consulta encontra-se igualmente atendido, uma vez que a matéria debatida demonstra inequívoca natureza eleitoral, relacionando-se, em sua essência, à interpretação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, segundo o qual: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”.

Entretanto, na linha da matéria preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, observo que o Tribunal Superior Eleitoral não tem admitido a formulação de consultas voltadas à interpretação das normas sobre condutas vedadas, nas quais se busca promover a subsunção de fatos delimitados aos tipos descritos na Lei n. 9.504/97, por ausência do pressuposto da abstratividade (Cta n. 15-97, Relatora Min. Cármen Lúcia, DJE de 14.12.2011; Cta n. 41518, Relatora Min. Rosa Weber, julgada em 17.11.2016; CtaEl n. 060057722, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, julgada em 22.1.02020; CtaEl n. 060009081, Relator Min. Carlos Horbach, julgada em 22.03.2022; CtaEl n. 0600453-68.2022.6.00.0000/DF, Relator Min. Benedito Gonçalves, julgada em 15,09,2022).

A razão precípua desse entendimento está em que a verificação da eventual prática de conduta vedada pelos agentes públicos requer o minucioso exame de fatos concretos que revelem o contexto em que inseridos e a gravidade das circunstâncias envolvidas, não sendo possível avaliar hipoteticamente, em sede de consulta, a sua aptidão para comprometer a normalidade e o equilíbrio das eleições e atrair, com isso, a incidência das penalidades previstas na legislação eleitoral em cada situação específica.

Nessa perspectiva, a ausência de abstratividade impede o conhecimento da consulta que verse sobre a temática das condutas vedadas, porque, eventual decisão, ao invés de fixar parâmetros interpretativos de natureza geral e abstrata, tendentes a conferir maior estabilidade, isonomia e segurança jurídica à prestação jurisdicional, poderia, sobretudo, implicar a antecipação do julgamento de mérito de questão passível de futura judicialização em caso concreto, o que se mostra incompatível com o exercício da atividade consultiva por esta Justiça Especializada.

Sob esse viés, enfatizo que as perguntas trazidas pelo consulente apontam para elementos e circunstâncias sujeitas à singularização e à individualização atinentes à celebração de convênio entre a União, o Estado do Rio Grande do Sul e o Município, com previsão de delegação executiva entre os entes federados, estando, em vista disso, sujeitas a uma série de possíveis enquadramentos fático-normativos, que ensejariam respostas com elevado grau de complexidade por abarcar diferentes condicionantes, ressalvas e exceções, em cenário incompatível com a via abstrata da consulta.

Observo, também, que o período de incidência da norma contida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 teve início em 1º.01.2024, o que também constitui impeditivo objetivo ao conhecimento da consulta, sob pena de violação do princípio da paridade de armas entre as candidatas e candidatos em disputa, segundo julgados deste Regional (Cta n. 060033748, Relator Des. Rafael da Cás Maffini, julgada em 14.09.2020; CTA n. 060029936, Relator Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, DJE de 03.09.2020).

Por consequência, em casos similares, em que os questionamentos remetem às condutas vedadas, este Tribunal tem decidido pelo não conhecimento da consulta, por ausência do requisito da abstração e, ainda, como na hipótese, por já se encontrar em curso o período de vigência da norma proibitiva, como colho da ementa do seguinte acórdão:

CONSULTA. PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. QUESTIONAMENTO ACERCA DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DE CARGOS OU FUNÇÕES. CASO CONCRETO. INOBSERVÂNCIA DO REQUISITO OBJETIVO. ART. 30, INC. VIII, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CONHECIDA.

O art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral estabelece a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais para responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhes forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.

Indagação sobre a desincompatibilização de cargos ou funções, para fins de registro de candidatura.

Inobservância da exigência da formulação em tese. Desatendido o requisito objetivo. Perfeitamente identificável a situação e evidenciada a impossibilidade de se responder ao questionamento, pois é vedada a manifestação prévia da Justiça Eleitoral sobre a conduta jurídica a ser adotada por eventuais candidatos, uma vez que a questão pode vir a ser discutida no âmbito de registro de candidatura.

Não conhecimento. (Grifei.)

(TRE-RS, CTA n. 060019107, Relator Des. Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, julgado em 28.07.2020.)

 

Logo, entendo que a presente consulta não merece conhecimento, por não estarem atendidos os requisitos constantes no inc. VIII do art. 30 do Código Eleitoral, como suscitado, preliminarmente, pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer.

 

Pelo exposto, voto pelo não conhecimento da consulta, nos termos da fundamentação.