ED no(a) REl - 0600903-56.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/06/2024 00:00 a 14/06/2024 23:59

VOTO

Estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil que cabem embargos de declaração quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material.

Uma vez verificada a presença de qualquer dos vícios, impõe-se o saneamento da irregularidade. 

No caso dos autos, antes de passar ao exame dos argumentos dos embargantes, verifiquei a existência de erro material no acórdão aclarado, vício que não altera a conclusão do julgado.

Constou no acórdão o seguinte trecho: "verifico que o impedimento ao comparecimento na audiência realizada no dia 17.5.2022 somente foi levado ao conhecimento do juízo em 19.02.2022 (ID 45435963)". (Grifei.)

Na verdade, a petição de ID 45435963 foi apresentada pelo advogado em 19.05.2022, devendo ser saneado o erro referente a essa data.

Em relação às razões dos embargantes, são formuladas alegações que sustentam (1) omissão no enfrentamento de questão de ordem pública, (2) a existência de vícios na análise das preliminares e (3) no mérito da decisão recorrida.

Em relação ao primeiro ponto, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO (ID 45608187) afirmou a existência de questão de ordem pública não examinada no acórdão concernente à configuração da decadência, indicando que o prazo fatal para ajuizamento da ação seria a data das eleições. 

A decisão fixou a inexistência de decadência em razão do ajuizamento da ação duas horas após a diplomação dos eleitos, matéria de recurso, tendo constado o seguinte precedente no acórdão proferido nos autos:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. ELEIÇÕES 2020. CARGO. VEREADOR. CONDUTAS VEDADAS. AFASTADA ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. DATA DA DIPLOMAÇÃO. TERMO AD QUEM. USO DE BEM PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL. ILICITUDE. CONDUTA DEMONSTRADA. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DA MULTA. PATAMAR MÍNIMO LEGAL PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recursos interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ¿ AIJE, reconhecendo a prática das condutas vedadas previstas no art. 73, incs. I, II e III, da Lei n. 9.504/97, condenando os representados ao pagamento de multa, com fundamento no art. 73, § 4º, da Lei das Eleições.

2. Afastada a alegação de decadência do direito de ação. A representação contra a inobservância do disposto no art. 73, § 12, da Lei 9.504/97 segue o rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e pode ser ajuizada até a data da diplomação. O prazo, na espécie, conta-se em dias, e não em horas, circunstância que inclui a data da cerimônia, em qualquer horário, no dies ad quem para a propositura da AIJE.

(...)

5. Provimento parcial a ambos os recursos.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral nº 060031137, Acórdão, Relator Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 27/07/2021.) 

(Grifo no original)

No caso, o embargante formula tese que afronta a literalidade do disposto no § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, o qual está inclusive mencionado no precedente transcrito, motivo pelo qual não se evidencia o vício alegado.

Ainda na mesma linha, trazendo questão que não foi formulada nos recursos interpostos contra a sentença, MAURÍCIO sustenta a existência de represamento tático e de cumulação de ações pelo Ministério Público Eleitoral, o que atrairia a nulidade do processo, bem como a existência de manobra midiática para atrapalhar a campanha dos candidatos. O embargante também acrescentou que o modus operandi do autor da ação acarretou  dificuldade defensiva, já que o prazo de 5 (cinco) dias seria exíguo para analisar o volume de documentos dos autos, e que a opção pela AIJE em detrimento da AIME se deu em prejuízo dos demandados. Mencionou que advogado que representa os interesses de adversário político do embargante acessou o processo 12 minutos após o ajuizamento, e que os fatos investigados foram amplamente divulgados no município, tudo em reforço ao argumento de omissão no exame da questão de ordem pública.

Alguns desses argumentos foram examinados – e rechaçados – na decisão de primeira instância, não havendo recurso sobre os temas.

Permito-me traçar algumas considerações sobre as alegações, ainda que não julgue haver questão de ordem pública a ser enfrentada.

O voto recorrido descreveu o esforço da Justiça Eleitoral em julgar a presente ação respeitando tanto a duração razoável do processo quanto o direito ao contraditório e à ampla defesa.  Mencionou-se a existência de duas outras ações que envolviam também a figura da servidora CLEUSA TERESINHA DE MELO, uma vez que é dever do Tribunal zelar pela coerência de suas decisões, sempre que possível. Da mesma forma, também se indicou a existência de outras ações que tramitaram neste Tribunal Regional Eleitoral – um mandado de segurança e uma exceção de suspeição – para que se evidenciasse a litigiosidade subjacente aos fatos ocorridos em Santo Ângelo nas Eleições 2020.

Longe de configurar uma “jurisprudência de Santo Ângelo”, a busca da coerência e racionalidade impõe que o relator considere e exponha os elementos dessa natureza, o que ocorreu no caso em exame.

Outro ponto aventado nos embargos diz respeito ao quantitativo de cestas básicas que teriam sido distribuídas em benefício de candidaturas. O acórdão, embora reconheça a existência de prova farta e contundente sobre as irregularidades pelas quais foram condenados os dois candidatos embargantes, em nenhum momento quantificou a distribuição irregular de cestas básicas, de forma que se deixa de adentrar nesse ponto. A irresignação do embargante se volta contra expressão utilizada no acórdão unicamente no trecho em que se transcreve parte da sentença (e é na sentença que consta a expressão) após se mencionar que a decisão monocrática merecia reparos pontuais.

Passo então e enfrentar o segundo ponto dos embargos: a existência de vícios no exame das questões preliminares no acórdão.

Em relação à nulidade do processo por cerceamento de defesa em razão da ausência de procurador em audiência, PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ afirma ser evidente o prejuízo do réu, já que não acompanhou o depoimento da testemunha de acusação Deise Machado dos Santos, não tendo tido a oportunidade de inquiri-la. Além de contradição relativa ao prejuízo, alega que haveria omissão e obscuridade na decisão, visto que não foi indicado defensor dativo para atuar na defesa do réu.

O acórdão assim examinou a arguição de nulidade formulada:

Sobre a possibilidade de adiamento de audiência, cumpre ressaltar que o art. 362 do Código de Processo Civil dispõe que a justa causa deve ser comprovada até a abertura da audiência, in verbis:

Art. 362. A audiência poderá ser adiada:

I - por convenção das partes;

II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar;

III - por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do horário marcado.

§ 1º O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução.

(...)

 

Compulsando os autos, verifico que o impedimento ao comparecimento na audiência realizada no dia 17.5.2022 somente foi levado ao conhecimento do juízo em 19.02.2022 (ID 45435963).

Com efeito, em não tendo sido comprovada a impossibilidade de comparecimento até a abertura da audiência, correta a decisão do juízo a quo que prosseguiu com a instrução, eis que em consonância com o disposto no § 1º do art. 362 do Código de Processo Civil.

Ademais, na referida audiência, foram inquiridas somente uma testemunha arrolada pelo Ministério Público Eleitoral e sete testemunhas arroladas pela defesa do recorrente MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

A tese defensiva é genérica, limitando-se a suscitar a nulidade do ato sem demonstrar, novamente, o nexo entre a alegada nulidade e o impacto dela decorrente, de modo a alterar a condição fática/jurídica dos recorrentes em razão da ausência de seu advogado na audiência designada para inquirição das testemunhas do corréu MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO.

Logo, é irretocável a conclusão do juízo a quo que afastou a nulidade e indeferiu o pedido de repetição da prova, já que, ante a ausência de comprovação do efetivo prejuízo causado, não há que se falar em nulidade do ato, conforme disposto no art. 219 do Código Eleitoral:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

Nesse sentido também é o entendimento do Superior Tribunal Eleitoral. Confira-se:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. RECEBIMENTO COMO RECURSO ORDINÁRIO. FUNGIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DENEGADA. REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA. INDEFERIMENTO. PREJUÍZO INDEMONSTRADO. TERATOLOGIA NÃO EVIDENCIADA

1. Contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE/ES), pelo qual denegada a segurança pleiteada contra ato da Juíza da 18ª Zona Eleitoral do Espírito Santo consistente no indeferimento do pedido de redesignação de audiência destinada à oitiva de testemunha, interpôs recurso especial Carlos Henrique Emerick Storck.

2. Contra o juízo negativo de admissibilidade recursal, manejou agravo "de admissão", o qual teve seguimento negado, monocraticamente, sob os seguintes fundamentos: i) vedado o uso do writ como sucedâneo recursal, não configurada teratologia a ensejar o cabimento da medida (Súmula nº 22/TSE); ii) ausente demonstração do prejuízo no indeferimento da redesignação da audiência para oitiva de testemunha, aplicada a fungibilidade para receber o especial como recurso em mandado de segurança.

Do agravo regimental

3. À luz da jurisprudência deste Tribunal Superior, somente cabível a impetração do remédio constitucional para atacar decisão judicial nas excepcionais hipóteses de manifesta ilegalidade ou teratologia, cristalizada a Súmula nº 22/TSE.

4. Não verificada teratologia no julgado hábil a justificar o cabimento do writ, não configurado cerceamento de defesa em decisão judicial que analisa a pertinência da prova. Precedentes

5. No sistema de nulidade vigora o princípio pas de nullité sans grief, de acordo com o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrado. Precedente.

Conclusão

Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental Em Recurso Especial Eleitoral 25216/ES, Relatora Min. Rosa Weber, Acórdão de 17/10/2017, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico, data: 22/11/2017, pag. 22)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO. MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. A decretação de nulidade de ato processual sob a alegação de cerceamento de defesa - inobservância do art. 22, I, a, da LC 64/90 - pressupõe a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219 do CE, o que não ocorreu no caso concreto. Precedentes.

(...)

7. Agravo regimental não provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 815659, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 026, Data 06/02/2012, Página 28). (Grifei.)

Igualmente, esta Corte analisou caso semelhante e concluiu que o cerceamento de defesa decorrente de ausência de parte em audiência deve ser efetivamente demonstrado, em precedente de relatoria do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, que recebeu a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CUMULADA COM REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDENTE. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ROMPIMENTO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL REJEITADAS. MÉRITO. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. COMPRA DE VOTO. FAVORECIMENTO. PREFEITA E CANDIDATOS A PREFEITO E A VICE–PREFEITO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AÇÃO IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral em ação de investigação judicial eleitoral – AIJE por abuso de poder econômico e político, cumulada com representação por captação ilícita de sufrágio. Declaração de inelegibilidade e aplicação de multa individual.

2. Matéria preliminar rejeitada. (...). 2.2. Inexistência de nulidade do processo por cerceamento de defesa, visto que não restou indicado o específico dano processual sofrido pela ausência das partes durante a cerimônia de inquirição de testemunhas, tendo sido apenas alegado genericamente que tal fato “impediu a defesa de exercer seu direito amplo, efetuando questionamento que colocariam em contradição, ou desfazendo as invenções apresentadas no depoimento”. Necessidade de se demonstrar efetivo prejuízo para que seja declarada a nulidade de ato processual (pas de nullité sans grief), conforme previsto no art. 282, § 1º, do CPC e art. 219 do Código Eleitoral. Ademais, a instrução probatória postulada pelos então representados, referente à contradita, destinava–se a demonstrar exatamente o que a juíza eleitoral, ao cabo, entendeu comprovado, ou seja, que a testemunha revelou seu voto em favor dos adversários políticos, possivelmente tendo realizado atos de campanha em prol deles.

(...)

6. Recurso provido. Ação julgada improcedente.Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 060050711/RS, Relator Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 04/04/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico-80, data: 09/05/2023)

Como se percebe, não se reconheceu a nulidade tendo em conta que o impedimento ao comparecimento do advogado na audiência realizada no dia 17.5.2022 somente foi levado ao conhecimento do juízo em 19.5.2022. Uma vez que não observado o disposto no § 1º do art. 362 do Código de Processo Civil, em vista da ausência de comprovação tempestiva da impossibilidade de comparecer ao ato anteriormente designado, não se verificou qualquer nulidade na colheita da prova em razão da ausência do procurador constituído pelo embargante.

A questão de prejuízo do réu foi tratada de forma adicional, complementar, não se constituindo no fundamento principal para o afastamento da existência de nulidade. Ademais, a discussão sobre se o prejuízo se mostra evidente ou deve ser provado não pode se dar no bojo dos embargos de declaração.

Da mesma forma, a necessidade de nomeação de defensor dativo não foi aventada nos recursos, motivo pelo qual não há qualquer omissão a ser reconhecida na decisão.

Ademais, a legislação eleitoral não prevê a nomeação de defensor dativo mesmo em casos de revelia, sendo descabida essa nomeação para acompanhar audiência. Nesse sentido: TSE, Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060000166, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06/12/2023.

Assim, não há vício a ser reconhecido quanto ao exame da preliminar.

Sobre a nulidade da atuação do GAECO, PEDRO SILVESTRE afirma que a decisão é contraditória e omissa, pois, apesar de citar julgado do Supremo Tribunal Federal que diz expressamente sobre a necessidade de observância da competência constitucional, não considera e nem menciona essa ressalva. Sustenta que a realização de buscas e apreensões não está elencada a Portaria PGR/PGE n. 01/19, mas apenas o seu acompanhamento.

Na hipótese, a decisão embargada assentou que a investigação realizada pelo Ministério Público Eleitoral não usurpou a competência da Polícia Federal, tese formulada pelo embargante em seu recurso.

O acórdão assentou que a investigação eleitoral foi conduzida por membro do Ministério Público, cuja competência para atuação por conta própria foi atestada pelo Supremo Tribunal Federal, e não especificamente pelo GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, órgão do Ministério Público), Brigada Militar e/ou Polícia Civil, que se limitaram a apoiar as atividades investigativas presididas pelo Promotor de Justiça designado para a função eleitoral.

Logo, não se verifica usurpação de competência constitucional ou contradição e omissão na decisão.

Da mesma forma, a busca e apreensão decorreu de autorização judicial, acompanhada pelo Ministério Público Eleitoral, sendo impertinente a alegação, em embargos de declaração, de que a providência foi realizada pelo Promotor Eleitoral.

Em prosseguimento, quanto à nulidade das provas produzidas na diligência realizada na Secretaria Municipal de Assistência Social, PEDRO SILVESTRE sustenta haver obscuridade na conceituação de apreensão. Defende que haveria dissenso entre as testemunhas sobre o fato de Cleusa ter ou não livre posse do seu celular naquela ocasião.

Inicialmente, no ponto, ficou consignado no voto aclarado que

Note-se, por conseguinte, que não há nenhuma ilegalidade na postura do Ministério Público Eleitoral ao determinar que a sra. CLEUSA DE MELO se abstivesse de utilizar seu celular até a expedição do mandado de busca pela autoridade judicial, já que evidenciado o intuito de preservar provas e evidências, providência prevista no Código de Processo Penal, o que, em hipótese alguma, pode ser confundido como antecipação de busca e apreensão de bens.

Em verdade, a atuação do Promotor Eleitoral teve natureza cautelar, sem violação à reserva jurisdicional, na medida em que não houve apreensão do aparelho até a expedição do respectivo mandado judicial, que foi deferido pelo juízo a quo após a solicitação pelo Ministério Público.

Sobre o momento da apreensão do celular de CLEUSA, não restam dúvidas de que o mesmo somente foi efetivamente apreendido após a expedição do competente mandado de busca e apreensão, conforme certidão da oficial de Justiça (ID 45435205) e depoimento prestados em juízo.

A decisão consignou que foi solicitado que não houvesse manipulação do aparelho celular até a manifestação judicial sobre o pedido de busca e apreensão.

Não reconheço, portanto, obscuridade a ser esclarecida no bojo de embargos de declaração sobre a questão da apreensão do aparelho. A discordância do embargante quanto às conclusões sobre os fatos examinados não pode ser objeto de embargos de declaração.

Quanto ao dissenso entre as testemunhas, matéria invocada em diversas ocasiões nos embargos, é imprescindível delinear com precisão os limites do instrumento processual empregado pelos candidatos após o julgamento de seus recursos ordinários.

Elementos como decisões judiciais proferidas em outros processos, legislação aplicável ou a prova produzida durante a instrução processual não podem ser considerados para verificar a existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão.

A contradição ou omissão do julgado frente a elementos externos deve ser desafiada mediante o recurso específico, e não na estreita via dos embargos declaratórios, que possuem escopo mais restrito e são destinados exclusivamente a conferir clareza à decisão judicial.

Menciono decisões do Tribunal Superior Eleitoral nesse sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 14, § 10, DA CF/88). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. CASSAÇÃO. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. DISPOSITIVOS LEGAIS ESTRANHOS À MATÉRIA DOS AUTOS. REJEIÇÃO.

1. No aresto embargado, unânime, esta Corte Superior confirmou aresto em que o TRE/CE, reconhecendo a prática de corrupção eleitoral e captação ilícita de sufrágio pelo embargante, Vereador de Mauriti/CE eleito em 2020, manteve a procedência do pedido em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a consequente cassação do diploma do parlamentar.

2. Em suas razões, o embargante aduz, em síntese, que: a) o acórdão desta Corte padeceria de falta de fundamentação idônea, em afronta ao art. 93, IX, da CF/88, tendo em vista existirem pontos contraditórios e lacunas; b) há necessidade de manifestação expressa deste Tribunal, para fins de prequestionamento, a respeito dos arts. 22 da LC 64/90, 155 do CPP e 93, IX, da CF/88.

3. A alegação de omissão foi apresentada de forma genérica - mencionando-se apenas que não teriam sido enfrentados todos os argumentos deduzidos no processo, capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Incide, no ponto, o óbice da Súmula 27/TSE, segundo a qual "[é] inadmissível recurso cuja deficiência de fundamentação impossibilite a compreensão da controvérsia".

4. Já as supostas contradições revelam apenas que a valoração da prova, realizada nos limites da moldura fática trazida no aresto regional, se deu em sentido contrário às teses sustentadas no apelo. O que se argumenta é tão somente contrariedade com a "instrução processual" e a decisão originária - a qual, ao contrário do que pretende fazer o embargante, lhe foi desfavorável.

5. Inexistem, portanto, vícios a serem supridos, pois a contradição que autoriza a oposição de embargos é a de ordem interna, ou seja, entre elementos do próprio decisum, não se prestando os declaratórios para rediscussão de temas já debatidos. Precedentes.

6. No que tange à finalidade de prequestionar as normas trazidas nos arts. 155 do CPP e 22 da LC 64/90, observa-se que são matérias completamente estranhas ao feito, que versa sobre Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, disciplinada no art. 14, § 9º, da CF/88, e não trata de matéria penal, mas sim de ilícito cível-eleitoral (captação ilícita de sufrágio).

7. Os supostos vícios apontados denotam propósito de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.

8. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral nº060000190, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/12/2023)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. PROVAS ROBUSTAS. INEXISTÊNCIA DE ATOS EFETIVOS DE CAMPANHA. CAMPANHA EM FAVOR DE CANDIDATO AO MESMO CARGO.

[...]

EMBARGOS DO CANDIDATO INVESTIGADO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS.

2. Nas razões dos declaratórios, o embargante alega que o aresto foi contraditório por ter reconhecido a fraude à cota de gênero em oposição às provas que constam nos autos, além de ter sido omisso quanto a algumas teses que, supostamente, afastariam a sua configuração. Contudo, não há falar nos alegados vícios, porquanto o aresto embargado reconheceu a fraude no que se refere à candidatura de Elaine Lacerda com base na moldura fática trazida no aresto regional, que, conforme consignado, revelou "elementos que, em seu somatório, permit[iram] concluir que a referida candidatura foi registrada unicamente visando burlar a regra do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97".

3.A suposta contradição revela apenas que a prova foi valorada em sentido contrário às teses aduzidas pelo embargante.

4. Ressalte-se que a contradição que autoriza interpor embargos é de ordem interna, ou seja, entre elementos do próprio decisum, não se prestando os declaratórios para rediscutir temas já debatidos.

[...]

EMBARGOS DO AUTOR DA AIME. AUSÊNCIA DE VÍCIOS.

7. Nas razões dos aclaratórios, alega-se que o aresto embargado foi omisso, uma vez que não se manifestou sobre a inelegibilidade decorrente do reconhecimento da fraude à cota de gênero.

8. Contudo, não há falar em omissão, pois o embargante não formulou o pedido de inelegibilidade na petição inicial, tampouco em seu apelo nobre, configurando, assim, indevida inovação recursal em sede de aclaratórios, insuscetível de conhecimento.

[...]

10. Desse modo, não demonstrada a existência, no aresto embargado, de nenhum dos vícios descritos nos arts. 1.022 do CPC/2015 e 275 do Código Eleitoral, a rejeição dos aclaratórios é medida que se impõe.

CONCLUSÃO.

11. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral nº060000174, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 02/12/2022)

(Grifos meus)

Na mesma linha se posiciona o Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO. BUSCA DOMICILIAR. VERIFICAÇÃO DE JUSTA CAUSA. ALEGADA CONTRADIÇÃO DO JULGADO COM OUTROS JÁ PROFERIDOS PELA CORTE. VÍCIO INTERNO DO JULGADO NÃO DEMONSTRADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Os embargos de declaração têm a finalidade simples e única de completar, aclarar ou corrigir uma decisão ambígua, omissa, obscura ou contraditória, conforme dispõe o art. 619 do CPP.

2. A contradição impugnável por meio dos embargos de declaração é aquela interna ao julgado, que demonstra incoerência entre as premissas e a conclusão da decisão embargada.

3. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ, EDcl no AgRg no HC n. 826.127/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO EMBARGADO. MERA IRRESIGNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. INVIÁVEL. CABIMENTO DE EMBARGOS PARA VÍCIO INTERNO AO PRÓPRIO VOTO E NÃO EM RELAÇÃO A FATOS EXTERNOS. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE.

I - São cabíveis embargos declaratórios quando houver, na decisão embargada, qualquer contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada. Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado.

II - A defesa pleiteia o saneamento de omissão e contradição contidos em decisão diversa da embargada, o que é inviável na via eleita. No caso, o embargante aponta vícios na decisão proferida pelo Tribunal de origem, nada aduzindo acerca da decisão proferida no agravo regimental pela eg. Quinta Turma.

III - A jurisprudência desta eg. Corte de Justiça é assente no sentido de que: "A contradição que autoriza a utilização dos aclaratórios é aquela interna ao próprio voto e não em relação a fatos externos, normas ou entendimentos proferidos em outras decisões. Dessa forma, eventual contradição do entendimento assentado no voto embargado, em relação a decisões desta Corte ou mesmo do Supremo Tribunal Federal, não autoriza a oposição de aclaratórios, devendo ser manejado o recurso próprio" (EDcl no RHC n. 87.061/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 21/9/2018).

IV - Na espécie, à conta de omissão e contradição no v. acórdão, pretende o embargante a modificação do julgado que lhe desfavoreceu, portanto, traduz mero inconformismo com o que decidido nos autos. O que pretende o embargante, na verdade, é o reexame de matéria já julgada, situação que não se coaduna com a estreita via dos declaratórios.

V - Não compete a este eg. STJ se manifestar explicitamente sobre dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. (Precedentes).

Embargos de declaração rejeitados.

(STJ, EDcl no AgRg no AREsp n. 1.681.479/RN, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 23/3/2023.)

Assim, a alegação de existência de dissenso entre as testemunhas sobre o fato de Cleusa ter ou não livre posse do seu celular não pode ser objeto de análise em embargos de declaração.

PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ (ID 45608282), em prosseguimento, sustenta que há contradição no afastamento da tese de nulidade da cadeia de custódia, por não ser o instituto aplicável no âmbito de Ações de Investigação Judicial Eleitoral, ao passo que a preservação de provas e evidências previstas no CPP é utilizada como fundamento da decisão, bem como o dispositivo daquele código que alude à necessidade de comprovação de prejuízo. Sobre o mesmo ponto, ainda referiu a existência de omissão, pois todos os argumentos do recurso não teriam sido devidamente afastados pelo julgador.

No ponto, assim ficou consignado no acórdão impugnado:

Quanto ao argumento de nulidade das provas decorrentes da suposta violação à cadeia de custódia, igualmente, não merece guarida.

A Lei n. 13.964/19 (chamado Pacote Anticrime) regulamentou o instituto da cadeia de custódia no Código de Processo Penal - CPP, com a inclusão do art. 158-A, que recebeu a seguinte redação:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

O instituto foi introduzido no sistema processual penal brasileiro como forma de preservar e documentar o caminho da prova produzida no âmbito do processo criminal.

Com efeito, ainda que a presente demanda seja de natureza cível, portanto, não atraindo a aplicação das regras destinadas à preservação da guarda dos vestígios de delitos criminais, o que, por si só, já aniquila tese levantada, os recorrentes não comprovaram nos autos o efetivo prejuízo suportado com a alegada violação à cadeia de custódia, limitando-se a levantar teses genéricas, sem qualquer demonstração do liame objetivo entre a suposta nulidade e o impacto por ela causada, de forma a modificar a situação dos recorrentes.

No ponto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido de que a decretação da nulidade decorrente da violação à cadeia de custódia depende de demonstração efetiva de prejuízo. Colaciono precedente que ilustra o posicionamento:

AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGOS 333 e 288 DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE DEMOSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO 'PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF'. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA, ABUSO DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO#PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. REITERAÇÃO DAS RAZÕES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A nulidade alegada pressupõe a comprovação do prejuízo, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal, sendo descabida a sua presunção, no afã de se evitar um excessivo formalismo em prejuízo da adequada prestação jurisdicional, bem como é vedado à defesa se valer de suposto prejuízo a que deu causa, nos termos do artigo 565 do Código do Processo Penal. [...] ii) o Tribunal a quo registrou que 'a defesa sequer indica especificamente qual seria o prejuízo por ela sofrido, porque não aponta nenhum elemento - dentre aqueles juntados posteriormente ao feito - que impactaria sua atividade ou modificaria a situação dos réus'. 3. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático-probatório engendrado nos autos. 4. O writ não pode ser manejado como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. 5. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição inicial da impetração é insuscetível de modificar a decisão agravada. Precedentes: HC nº 136.071- AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 9/5/2017; HC nº 122.904-AgR, Primeira Turma Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 17/5/2016; RHC nº 124.487-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 1º/7/2015. 7. Agravo interno desprovido.

(STF, HC 216735 AgR, Relator: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/11/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 18-11-2022 PUBLIC 21-11-2022) (Grifos meus)

Também é assente o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que não se declara a nulidade do ato processual se não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo suportado pela parte, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief. Confira-se:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO. OFERECIMENTO DE BENEFÍCIOS E DINHEIRO EM TROCA DE VOTOS. UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS COM FIM ELEITOREIRO. PROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO NA ORIGEM. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DAS PROVAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. MÉRITO. EXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E CONTUNDENTES

DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E DO ABUSO DE PODER. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Na origem, o TRE afastou a preliminar de nulidade das provas que instruíram a presente AIJE e a julgou procedente, tendo reconhecido a existência de provas robustas e contundentes da prática de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico pelo ora agravante 2. Conforme assentado na decisão agravada, reverter a conclusão da Corte regional a respeito da legalidade das provas, do caráter genérico das alegações de quebra da cadeia de custódia das provas e de não demonstração de prejuízo pelo ora agravante demandaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, nos termos do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

3. Este Tribunal Superior possui jurisprudência pacífica no sentido de que, "[...] 'no sistema de nulidade, vigora o princípio pas de nullité sans grief, de acordo com o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrada' (AgR–REspe nº 252–16/ES, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 22.11.2017). Na mesma linha: AgR–REspe nº 42–48/CE, Rel. Min. Jorge Mussi, redator para o acórdão Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 3.10.2019; AIJE nº 1943–58/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 12.9.2018; e AgR–AI nº 650–41/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.5.2015" (2ºs ED–PC–PP nº 171–89/DF, rel. Min. Carlos Horbach, julgados em 12.5.2022, DJe de 7.6.2022). Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE.

4. Quanto à matéria de fundo, o Tribunal a quo assegurou a presença de provas robustas da prática de captação ilícita de sufrágio pela oferta de vantagens a diversos eleitores condicionada ao seu voto, bem como do abuso dos poderes político e econômico decorrente do uso indevido de bens públicos da Prefeitura de Ipu/CE com finalidade eleitoreira.

5. A pretensão do agravante de reformar a conclusão da Corte de origem a respeito da configuração de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico encontra obstáculo no já mencionado Verbete Sumular nº 24 do TSE, que veda o reexame de fatos e provas em âmbito recursal extraordinário.

6. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060032403/CE, Relator Min. Raul Araujo Filho, Acórdão de 30/03/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico-67, data: 14/04/2023) (Grifo meu)

No caso, ainda que, hipoteticamente, pudesse ter ocorrido alguma falha no tratamento burocrático da prova, não há que se falar em nulidade por quebra da cadeia, pois além de o referido instituto ser inaplicável no âmbito de Ações de Investigação Judicial Eleitoral, inexiste comprovação do efetivo prejuízo apto a justificar a anulação das provas produzidas.

[…]

Igualmente, não vislumbro quebra da cadeia de custódia, pois conforme acertadamente decidido pelo juízo monocrático, o armazenamento dos celulares pelo Ministério Público decorre de natural apreensão e encaminhamento para análise dos conteúdos, devidamente autorizados pelo juízo, inexistindo, por si só, qualquer violação na preservação da prova.

Ademais, os celulares, juntamente com DVD e HD, contendo a íntegra de todo o material apreendido, foram encaminhados ao juízo, ficando tais provas à disposição das partes durante a instrução do feito, garantindo-se o acesso à íntegra das conversas e demais materiais apreendidos pelas partes.

Por tais motivos, rejeito a preliminar, uma vez que inexistente qualquer prova de efetivo prejuízo suportado com a alegada violação à cadeia de custódia.

(Grifei.)

Inicialmente, não encontro contradição no afastamento da aplicação de um instituto previsto no Código de Processo Penal (cadeia de custódia) e na admissão de outro previsto no mesmo regulamento (necessidade de comprovação de prejuízo).

O Direito Eleitoral tem relação dialógica com outros ramos jurídicos, o que admite que determinados institutos jurídicos possam ser aproveitados de forma mais ou menos ampla nas ações eleitorais.

Para além, mesmo que houvesse tal contradição, o que não é o caso, o reconhecimento de que é devida a observação da cadeia de custódia nas ações da espécie não altera a conclusão do julgado, uma vez que não se reconheceu, como se verifica no trecho transcrito, tanto na decisão de primeira instância quanto no acórdão, a configuração da quebra da cadeia de custódia.

Ainda, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO (ID 45608187) afirma que o Parquet apresentou documentos que não seriam dignos de confiança, e PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ (ID 45608282) sustenta omissão no enfrentamento da tese sobre a cadeia de custódia.

Quanto a tais alegações, é necessário que se tenha claro que “o órgão julgador não está obrigado a enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo, haja vista ser suficiente a análise daqueles capazes de, em tese, infirmar a conclusão da decisão, nos termos do art. 489, § 1º, do CPC” (TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060442790, Acórdão, Min. Kassio Nunes Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25/03/2024).

Como consignado no acórdão, não se entendeu pela configuração de qualquer nulidade no processamento da prova, e a irresignação das partes quanto a tal conclusão deve se dar pelo recurso adequado.

Finalmente, em relação ao terceiro ponto, desafiando o mérito do acórdão, PEDRO SILVESTRE indicou que o acórdão não mencionou que a denunciante Eliana é esposa de candidato da oposição, com interesse na demanda, e que Alexandra teria afirmado que esse candidato pretendia comprar votos. Referiu que o depoimento de Alexandra desmentiria as afirmações de Eliana. MAURÍCIO também questionou a credibilidade de Eliana e transcreveu trechos de depoimento. Foi sustentada a existência de omissão em relação ao depoimento de Deise Machado dos Santos, indicando omissão na análise da prova e negligência em relação às declarações de outras testemunhas, com realização, na peça dos embargos, de descrição das falas de cada uma delas, o que deixo de descrever por reputar desnecessário para o exame dos aclaratórios. Nessa linha, também foi afirmada a existência de disparidade de critério para o exame das provas e referida a existência de omissão e obscuridade na apreciação das provas defensivas.

O segundo embargante também argumentou que as teses de defesa não foram debatidas no acórdão, indicando que os nomes de Evandro Carlos Nolasco e do Pastor Everaldo, que estavam em papel encontrado, se referem a situações distintas daquela analisada nos autos. Questionou o local em que estaria o mencionado papel e ponderou que a questão da nulidade da busca e apreensão não foi devidamente posta nos processos contra os referidos candidatos. O acórdão teria mencionado apenas parte de depoimento de testemunha, deixando de considerar trecho que reproduziu em suas razões de embargos. Referiu que os mandados de busca e apreensão foram indevidamente deferidos pela juíza eleitoral, defendeu a verossimilhança de versão de testemunhas sobre a natureza do bilhete e afirmou que o promotor interferiu na expedição do mandado de busca e apreensão. Sustentou que não há uma única testemunha nos autos que tenha confirmado a distribuição ilícita de cestas básicas, nem gravação telefônica, filmagem ou conversa. Acrescentou que as provas resultantes das trocas de mensagens da ex-servidora Cleusa via aplicativo não teriam sido confirmadas por seus interlocutores em juízo.

Tais alegações, por constituírem irresignação quanto ao exame da prova produzida nos autos, devem ser formuladas mediante a interposição do recurso cabível, conforme já analisado previamente neste voto, não sendo caso de novo exame em embargos de declaração.

Impugnando o mérito da decisão, MAURÍCIO FRIZZO LOUREIRO (ID 45608187) afirmou ser obscuro o entendimento exposto no acórdão sobre ser relevante para o deslinde do feito, o preenchimento, ou não, dos requisitos da política assistencial de distribuição de alimentos. Afirmou que, se a distribuição das benesses era legal, nenhum ilícito teria sido cometido pelo embargante. Por outro lado, sendo ilegal, deveria o Ministério Público ter feito cessar a política pública.

Não encontro obscuridade no acórdão sobre o exame da questão, o qual constou no trecho que a seguir transcrevo:

No ponto, é irrelevante para o deslinde do presente feito eventual preenchimento ou não, pelas pessoas encaminhadas à Assistência Social, dos requisitos legais para fazerem jus às políticas públicas assistenciais, pois a configuração do abuso de poder político reside no desvirtuamento da ação estatal com objetivo de exercer indevida e ilegítima interferência no processo eleitoral em prol de suas candidaturas, ferindo os bens e valores fundamentais necessários à higidez do sistema eleitoral democrático, tais como: integralidade, igualdade, normalidade e/ou legitimidade do processo eleitoral, liberdade, dentre outros.

A postura dos candidatos em nada se assemelha ao encaminhamento de pessoas em situação de vulnerabilidade à Assistência Social do município para recebimento de cestas básicas, no regular exercício da função pública, conforme tentam fazer crer os recorrentes.

Em verdade, houve desvio de finalidade nas ações e atividades desenvolvidas pelos recorrentes, que, na condição de agentes públicos, se utilizaram de suas posições para colocar a máquina pública a serviço de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços, com intuito político-promocional.

 

Fica claro na análise que, ainda que os beneficiários fizessem jus aos benefícios, o uso promocional da ação estatal em favor de candidatos constitui afronta à higidez da disputa e caracteriza uso indevido da máquina pública, em desvio de finalidade.

Nessa mesma linha, o embargante aduz que o telefone celular de Cleusa é aparelho de sua propriedade, para uso pessoal, não se tratando de bem público ou que possa ser indicado como passível de prova de ilícitos.

Sobre essa questão, o acórdão embargado reconheceu que a servidora Cleusa utilizava o referido número de telefone tanto para atender os usuários que procuravam o órgão público quanto para enviar propaganda eleitoral dos embargantes e pedir votos, em claro desvirtuamento de seu papel como servidora pública.

Em especial, confira-se os seguintes excertos do acórdão:

Conforme bem apreciado pelo juízo a quo e pela Procuradoria Regional Eleitoral, os diálogos extraídos do aparelho celular de CLEUSA TERESINHA DE MELO, de fato, evidenciam a negociação de cestas básicas e utilização da máquina pública com intuito de beneficiar as candidaturas dos recorrentes, merecendo destaque os seguintes trechos:

1) Em 03.11.2020, Verônica Brites lembra CLEUSA sobre o dia em que ela estava entregando folhetos do vereador MAURÍCIO, quando conversaram sobre a distribuição de cestas básicas pela Assistência Social, e pergunta, em seguida, se precisa ir no CRAS para pegar tais cestas ou se pode

ir direto na Assistência Social (ID 45435214, fls. 34/36);

2) Em 27.9.2020, CLEUSA encaminha propaganda de PEDRO à Marlise (manicure) e alguns dias depois pergunta em quem ela vai votar, orientando, no mesmo contexto, a buscar uma “cesta de emergência” na Secretaria de Assistência Social do município (ID 45435214, fls. 37/41);

3) Em 14.9.2020, CLEUSA explica a Eliane que é possível a retirada de apenas uma cesta básica por mês. Após insistência de Eliane, CLEUSA diz para ela ir até a Assistência e falar com ela, ao tempo em que envia santinhos de MAURÍCIO LOUREIRO (ID 45435214, fls. 42/47);

4) Em 14.10.2020, CLEUSA conversa com Ângela sobre uma placa de MAURÍCIO LOUREIRO e na sequência convida para buscar uma cesta colonial (ID 45435214, fls. 48/51);

5) Diversos diálogos entre CLEUSA e ISMARA POZZEBON SCHMITT (assessora de PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASKIEWICZ), tratando de encaminhamentos de pessoas para buscarem cestas básicas na Assistência Social, com a adoção de cuidados no momento da retirada das cestas de forma a mascarar a utilização indevida da máquina pública em prol da campanha de “Pedrão”. Nesse sentido, as mensagens demonstram que ISMARA costumava encaminhar “listinhas” à CLEUSA, com o nome das pessoas que deveriam ser beneficiadas com as cestas básicas. Em 08.9.2020, são ajustados envios de cestas para Mara Alves Antunes e Neli dos Santos, oportunidade em que CLEUSA sugere que ISMARA oriente as beneficiárias a não dizerem que estão recebendo as cestas básicas por indicação do vereador ou algum de seus assessores. Adiante, ante o temor de que os diálogos estivessem sendo interceptados, houve interrupção da troca de mensagens entre 02.10.2020 e 28.10.2020. Em 28.10.2020, voltam as mensagens relativas ao uso promocional da doação das cestas básicas, tendo o aparelho de telefone celular de CLEUSA sido apreendido pouco tempo depois, no dia 04.11.2020 (ID 45435214, fls. 52/66);

6) Diversos diálogos entre CLEUSA e MAURÍCIO LOUREIRO, destacando-se o trecho em que CLEUSA solicita que o candidato fale com o prefeito para ver se ela pode levar cestas básicas e MAURÍCIO autoriza, respondendo que está “liberado”. Igualmente, os trechos em que MAURÍCIO pede para CLEUSA entregar as cestas básicas a Grafite (JOÃO LOURENÇO PEREIRA REIS JÚNIOR) e a servidora responde que sempre que precisar “doar” cestas básicas é só pedir para ela.

Também é relevante o trecho em que MAURÍCIO e CLEUSA tratam da contratação da servidora “Ana” para trabalhar na campanha, chegando a falar em aumentar o nível do cargo dela. Ainda, alguns trechos demonstram que MAURÍCIO LOUREIRO intermediava pessoalmente a doação de cestas básicas para seus eleitores, merecendo destaque a mensagem enviada por ele em 22.10.2020, em que orienta CLEUSA a cadastrar e mandar uma cesta básica reforçada para Eliziane Raquel Nunes de Oliveira, e a servidora responde - “pode mandar buscar”. Por fim, merece registro que, ante a proximidade do pleito, CLEUSA e MAURÍCIO não fizeram mais referências expressas às cestas básicas, passando a utilizar outros termos como: “chimarrão”, “cuias” e “mates”, no intuito de ocultar a ilicitude de suas condutas (ID 45435214, fls. 79/83 e ID 45435215, fls. 01/16); e

7) Em 08.9.2020 inicia a conversa entre CLEUSA e Marlei (faxina), em que esta solicita Cestas Básicas, com o que CLEUSA assente. Em 27.9.2020, pelo mesmo canal, CLEUSA envia propaganda eleitoral (às 09:39h), e às 16:56h Marlei afirma precisar de “mais uma sacola”, recebendo nova resposta afirmativa de CLEUSA, seguida do pedido - “Não esqueça de votar nesses que te mandei” -, logo após o trato sobre o período para retirada da benesse (ID 45435215, fls. 23/26)

[...]

Embora a executora do esquema, CLEUSA TERESINHA DE MELO, argumente não haver qualquer ilegalidade no encaminhamento de propaganda eleitoral por aplicativo de mensagem em seu celular em um domingo, é evidente que a confusão entre o papel de agente público, que utiliza o mesmo canal de comunicação para dar informações e orientações sobre a política pública assistencial, e a de cabo eleitoral, que envia propaganda de seu candidato e pede voto, resulta em utilização irregular da máquina pública e contamina a legitimidade do processo eleitoral.

MAURÍCIO também indicou a existência de contradição no acórdão em razão da interpretação dada ao art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Mais uma vez, a discordância do embargante com as conclusões do julgamento são indevidamente veiculas em embargos de declaração.

Em conclusão, MAURÍCIO LOUREIRO aduz que o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Santo Ângelo prevê circunstâncias específicas para a extinção do mandato dos vereadores, o que contrastaria com a decisão dos autos.

De forma derradeira, repriso que elementos externos não podem constituir parâmetro para alegação de vícios em embargos de declaração.

Assim, considerando que os embargantes tentam se valer do recurso integrativo para buscar um novo exame do material probatório, constato a inexistência de qualquer dos vícios por eles alegados.

Pelo exposto, voto por acolher em parte os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão somente para correção de erro material.