PCE - 0602808-66.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se da prestação de contas do candidato RUBENS GOLDENBERG, relativa às Eleições de 2022, ao cargo de deputado federal.

Após exame inicial da contabilidade e intimação do prestador, houve apresentação de contas retificadoras, e a Secretaria de Auditoria Interna – SAI desta Corte emitiu parecer conclusivo apontando irregularidades relativas à utilização de recurso de origem não identificada e à ausência de comprovação de gastos com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Após repetidas petições do prestador, os autos retornaram ao órgão técnico, que entendeu parcialmente sanadas as falhas, e renovou os apontamentos anteriores.

O órgão ministerial ofereceu parecer, posteriormente ratificado, opinando pela aprovação das contas, acompanhado de ordem de recolhimento de R$ 674,00 ao Tesouro Nacional.

Passo à análise.

1. Recurso de origem não identificada/RONI – Dívida de Campanha.

A derradeira análise das contas destacou a existência de utilização de recuso de origem não identificada - RONI, nos seguintes termos:

No item 3.1 do Parecer Conclusivo (ID 45510793) foi apontada dívida no montante de R$ 98.350,00, não tendo sido apresentado a totalidade dos documentos conforme dispõe o art.33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE nº 23.607/2019. Em sua manifestação, o candidato apresentou esclarecimentos e manifestações jurídicas ID 45469179. Destaca-se que o candidato declara na alínea “f” de sua manifestação que “a dívida foi quitada com recursos próprios do candidato prestador, conforme atesta o recibo de quitação respectivo, juntado na prestação de contas retificadora, o que faz identificada e comprovada origem dos R$ 98.350,00 equivocadamente apontados como irregularidade”. Entretanto não foi localizado o respectivo recibo de quitação na retificadora do candidato e, sim, apenas o Demonstrativo de Despesas Pagas Após a Eleição(ID 45468840), que é declaratório, assim sendo não foi possível aferir o pagamento da dívida, nem a origem dos recursos supostamente usados para quitá-la. Após análise dos documentos permanece a irregularidade. Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha, considera-se irregular o montante de R$ 98.350,00, conforme art. 14, da Resolução TSE 23.607/2019. Contudo, considerando-se jurisprudência atual deste TRE, Acórdãos PCE 0603265-98.2022.6.21.0000 e PCE 0603217-42.2022.6.21.0000, tal valor não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, em face de ausência de previsão normativa expressa.

 

Pois bem.

O prestador afirma, em petição posterior à informação da SAI que analisou os documentos entregues após o parecer conclusivo, que “equivoca-se ao afirmar que na prestação de contas retificadora não foi apresentado o recibo de quitação da dívida de R$ 98.350,00, eis que o referido recibo, assim como a nota fiscal respectiva, foram devidamente juntados por ocasião da prestação de contas retificadora (ID 45468855) nas páginas 1 e 2 do ID 45469025, os quais são reapresentados, em anexo.”.

Sublinho que a Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu seu último parecer após o ingresso da citada petição.

Com efeito, verifico no referido ID a apresentação de recibo assinado de forma digital por Marcelo Leal da Veiga, em nome de SPEED PROMOCIONAL INDUSTRIA DE BRINDAS LTDA, dando “ampla, geral, irrestrita e irrevogável quitação ao débito de R$ 98.350,00”, acompanhado da nota fiscal referente à despesa em questão.

Contudo, o alegado tratamento dado pelo candidato às despesas não quitadas deixou de atender à única previsão legal para a situação: apresentação dos documentos exigidos para formalização da assunção de dívida pelo partido, na forma prevista no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com a candidata ou o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas da candidata ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º) .

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

 Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

(Grifei.)

Ademais, a simples alegação de que os recursos utilizados para quitação são oriundos do patrimônio do devedor não se mostra suficiente a comprovar tal origem, nem supre a necessidade de obediência ao dispositivo supracitado, pois evidente que a quitação com recurso arrecadado em data posterior ao termo fixado ofende a legislação de regência.

Inequívoca a configuração da irregularidade no montante de R$ 98.350,00 (noventa e oito mil trezentos e cinquenta reais).

No entanto, destaco que o valor apontado como irregular não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional.

Com efeito, o Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

(TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022) (Grifei.)

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as Eleições de 2022, consoante julgamentos ocorridos na sessão de 09.12.2022: PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000; Relator: Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, e PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000; Relator: Des. Caetano Cuervo Lo Pumo.

2. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

A análise dos documentos apresentados após o parecer conclusivo apontou falha remanescente relativa a dois gastos junto ao fornecedor BURATTI E BALBINOT LTDA,  de R$ 379,00 e R$ 295,00, totalizados em R$ 674,00, cujos relativos documentos fiscais não foram apresentados, em desconformidade com o previsto nos arts. 35 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, os quais especificam o rol de despesas que são admitidas para aplicação das verbas de campanha eleitoral e sua comprovação:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

I - confecção de material impresso de qualquer natureza, observado o tamanho fixado no § 2º, inciso II do art. 37 e nos §§ 3º e 4º do art. 38 , todos da Lei nº 9.504/1997 ;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidata ou de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;

V - correspondências e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições, observadas as exceções previstas no § 6º do art. 35 desta Resolução;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;

IX - realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

XIII - multas aplicadas, até as eleições, às candidatas ou aos candidatos e partidos políticos por infração do disposto na legislação eleitoral;

XIV - doações para outros partidos políticos ou outras candidatas ou outros candidatos;

XV - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.


 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(…)

§ 8º A comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido.

 

Concernente ao apontamento de não apresentação dos documentos, observo que é possível localizar em “https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe” as Notas Fiscais n. 65022 e n. 65468, emitidas por BURATTI e BALBINOT LTDA – ME, contra o CNPJ da campanha do prestador. Contudo, a descrição dos itens adquiridos apresenta, apenas, “Diversos”, impedindo a fiscalização da Justiça Eleitoral sobre a natureza da despesa em tela, de modo a configurar despesa indevida de campanha.

E além, no extrato bancário da conta para trânsito dos recursos do FEFC não consta o fornecedor como contraparte beneficiária de créditos, tampouco na conta “outros recursos”, de modo que entendo não consubstanciar irregularidade na aplicação da verba pública - notadamente, a falha reside no fato de o pagamento ter se dado por meio da utilização de recurso de origem não identificada - RONI.

Nessa linha de raciocínio, deve a quantia de R$ 674,00, indevidamente aplicada de recurso do FEFC, ser recolhida ao Tesouro Nacional, de acordo com o art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades no valor de R$ 99.024,00 (R$ 98.350,00 + R$ 674,00) representa 5,82% do total de recursos declarados pelo prestador (R$ 1.701.100,00), admitindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de RUBENS GOLDENBERG, candidato ao cargo de deputado federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 674,00 (RONI) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.