RSE - 0600108-29.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor da decisão do Juiz Eleitoral da 073ª Zona - São Leopoldo (ID 45617117), que rejeitou a denúncia oferecida contra IARA TERESA CARDOSO quanto à acusação de ter realizado impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet no dia das eleições.

A legislação eleitoral proíbe o impulsionamento de conteúdos no dia da eleição, sob pena da caracterização do crime previsto no art. 39, §5º, inc. IV, da Lei 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Logo, para a tipificação do delito previsto no art. 39, §5º, inc. IV, da Lei 9.504/97 é imprescindível que os conteúdos impulsionados estivessem ativos na data da eleição.

A denúncia (ID 45617115) descreveu o fato da seguinte forma:

 

[…]

Durante todo o dia 15 de novembro de 2020, dia da eleição do pleito de 2020,

a denunciada IARA TERESA CARDOSO, impulsionou conteúdos consistentes em vídeos de divulgação de sua candidatura ao cargo de vereador, na aplicação de internet Facebook .

O denunciado contratou impulsionamentos pagos de quatro mídias, estando os conteúdos ativos no dia da eleição, o que é vedado pela legislação em vigor:

- de 13 a 15 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?

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- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?

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- de 12 a 16 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?

id=817676595730448);

- de 10 a 16 de novembro de 2020 (https://www.facebook.com/ads/library/?

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Assim agindo, a denunciada IARA TERESA CARDOSO incorreu nas sanções do art. 39, §5º, inciso IV, da Lei 9.504/1997, com redação dada pela Lei n.º 13.488/2017, quatro vezes, na forma do art. 69, caput, do Código Penal, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação, para, querendo apresentar suas alegações escritas. Após, pugna pelo recebimento da denúncia, com a oitiva das testemunhas adiante arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

O Ministério Público Eleitoral afirma que a denunciada mantinha 4 publicações impulsionadas com conteúdos “ativos” no dia da votação.

Em contrarrazões, a recorrida alega que “todo o conteúdo eleitoral impulsionado pela sua candidatura, através da empresa contratada Facebook, seguiu todas as regras eleitorais: (a) contavam com rótulo de campanha (publicidade – propaganda Eleitoral – Eleição 2020 Iara Teresa Cardoso Vereador); (b) foram submetidas à análise prévia de conteúdo veiculado pela empresa Facebook; e (c) com data programada de campanha de impulsionamento pela candidata, até 14/11/2020. Cabe ressaltar que, o próprio programa/plataforma de veiculação das campanhas limitava a data de veiculação à 14/11/2020 as 23:59.”

Assim, estabeleceram-se informações divergentes trazidas pelas partes com relação à atividade ou inatividade dos conteúdos impulsionados no dia das eleições.

Com a finalidade de esclarecer esta questão, foi oficiado o Facebook sem que tenha havido resposta.

Dessa forma, o juiz singular rejeitou a denúncia com base na ausência de justa causa para a ação penal.

Pois bem.

O ponto a ser debatido neste recurso diz respeito unicamente a verificar se a denúncia possui os requisitos necessários para o seu recebimento, conforme disciplinam os arts. 41 do Código de Processo Penal e 357, §2º, do CE.

 

Art.41 CPP. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Art. 357 CE. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

(...)

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Verifico que a denúncia em tela cumpre os requisitos elencados nos dispositivos acima, de modo que o acusado tem plena ciência dos motivos fáticos e jurídicos que levaram o Ministério Público a desencadear a persecução penal em seu desfavor, possibilitando que o acusado exerça o seu direito de defesa.

Quanto ao ponto, a lição de Rodrigo López Zilio esclarece que (2020 - p. 900):

(...) se a denúncia descreve o fato delituoso e as suas circunstâncias com a correspondente tipificação, viabilizando o contraditório, não há como recusar o prosseguimento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

 

Ocorre que a denúncia foi rejeitada sob o fundamento de ausência de “um acervo probatório mínimo e seguro”, o que caracteriza falta de justa causa (art. 395, inc. III, do CPP e art. 358 do Código Eleitoral).

A expressão justa causa é normalmente utilizada como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. Por isso, para instauração do processo penal exige-se um lastro probatório mínimo indispensável da prova da existência do crime e de indícios de autoria.

Embora o juízo de primeiro grau tenha considerado não haver um acervo probatório mínimo, tenho que os elementos trazidos configuram sim início de prova, mesmo que indiciária, suficiente para justificar a oferta de acusação em juízo.

E, neste momento processual, a “dúvida” deve ser solvida “em favor da sociedade”.

Colho, por oportuno, o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 45629967):

Na ação subjacente, Autor e a Acusada se valeram dos mesmos meios de prova, quais sejam, imagens demonstrando consulta à “Biblioteca de Anúncios do Facebook”.

Ocorre que há aparente contradição nas informações apresentadas nas imagens: enquanto as do MPE sugerem que alguns anúncios foram realizados pela candidata Iara Teresa Cardoso no dia da eleição, 15/11/2020 (ID 45616935); as da Acusada sugerem que tais anúncios ocorreram até o dia anterior, 14/11/2020 (ID 45617083).

Embora os elementos de prova da acusação – coletados por Oficial do Ministério Público – não sejam suficientes para, de plano, firmar-se um juízo de certeza; por outro lado, não podem ser interpretados como se estivessem aquém de um suporte probatório mínimo a lastrear a denúncia.

Por sua vez, os elementos trazidos pela Acusada tampouco mostram-se capazes de afastar a presunção de veracidade do servidor público, que, na mesma certidão que alberga as supracitadas imagens, declarou ter localizado conteúdos “com impulsionamento cujo período de atividade abrange o dia 15 de novembro de 2020”.

Assim, tem-se que a acusação está amparada em justa causa, a qual, segundo

jurisprudência do excelso STF, “é a exigência legal para o recebimento da denúncia, instauração e processamento da ação penal, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, e consubstancia-se pela somatória de três componentes essenciais: (a) tipicidade (adequação de uma conduta fática a um tipo penal); (b) punibilidade (além de típica, a conduta precisa ser punível, ou seja, não existir quaisquer causas extintivas da punibilidade); e (c) viabilidade (existência de fundados indícios de autoria).”

Nesse contexto, assimo (sic), a contradição entre os elementos probatórios do

Recorrente e da Recorrida deve ser objeto de debate - e produção de adequadas provas – durante a pertinente instrução criminal, especialmente porque, no juízo de apreciação da denúncia, vige o princípio in dubio pro societate, em consonância com a jurisprudência do egrégio TSE, conforme abaixo se percebe:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. BOCA DE URNA. DENÚNCIA RECEBIDA. DISTRIBUIÇÃO DE "SANTINHOS" NO DIA DO PLEITO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE.

ELUCIDAÇÃO DOS FATOS E AFERIÇÃO DA COAUTORIA MEDIATA. ENUNCIADO SUMULAR Nº 26 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. [...]

2. No caso, não se constata, de plano, a atipicidade dos fatos apresentados, tendo sido também declinados os indícios de autoria e de materialidade do ilícito, os quais serão totalmente elucidados na sentença, não sendo recomendável o trancamento da ação penal nesta etapa, regida pelo princípio do in dubio pro societate. [...]

4. Tendo sido demonstrados elementos probatórios mínimos de cometimento de crime, não é possível, na via estreita e célere do habeas corpus, promover exame aprofundado e detalhado de fatos e provas, devendo ser feita a elucidação da dinâmica delitiva, em cognição exauriente, pelo juiz da causa. [...]

 

Desse modo, a referida dúvida, neste momento, deve ser resolvida “em favor da sociedade”, ou seja, com a determinação do recebimento da denúncia, para permitir o esclarecimento e julgamento da conduta, ao menos em tese, delitiva.

Cabe destacar ainda que, durante a instrução processual, além da oitiva da testemunha arrolada na denúncia, poderá ser promovida, com fulcro no disposto no art. 231 do CPP, a juntada de eventual documento que venha a ser emitido pelo Facebook, indicando se os impulsionamentos estavam ativos - ou não - no dia da eleição.

Portanto, deve prosperar a irresignação, a fim de que a denúncia seja recebida e a Acusada seja adequadamente processada.

 

Em adição, novamente me valho dos ensinamentos de Zilio (2020 – p.900) para referir que a prova apresentada na denúncia não prescinde ser robusta:

Com efeito, “a denúncia deve indicar indícios de autoria e materialidade, não sendo necessária a apresentação de prova robusta acerca da prática do delito”.

(RHC nº 060005355/BA-j.09.10.2018 -Dje 18.10.2018).

 

Ademais, a circunstância de a prova apresentada ter sido contestada não invalida a sua existência, ao contrário, o surgimento de divergências apenas corrobora a necessidade de instrução processual para o esclarecimento dos fatos.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral da 073ª Zona Eleitoral - São Leopoldo/RS em face de IARA TERESA CARDOSO.