RSE - 0600132-57.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor da decisão do Juiz Eleitoral da 073ª Zona (ID 45619502), que rejeitou a denúncia oferecida contra RAFAEL OSCAR DE SOUZA quanto à acusação de ter realizado impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet no dia das eleições.

A legislação eleitoral proíbe o impulsionamento de conteúdos no dia da eleição, sob pena da caracterização do crime previsto no art. art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Logo, para a tipificação do delito previsto no art. 39, §5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 é imprescindível que os conteúdos impulsionados estivessem ativos na data da eleição.

A denúncia (ID 45619500) descreveu o fato da seguinte forma:

Durante todo o dia 15 de novembro de 2020, dia da eleição do pleito de 2020, o denunciado RAFAEL OSCAR DE SOUZA, impulsionou conteúdos, consistentes em vídeos de divulgação de sua candidatura ao cargo de vereador, na aplicação de internet Facebook. O denunciado contratou impulsionamentos pagos de oito mídias, estando os conteúdos ativos no dia da eleição, o que é vedado pela legislação em vigor. O primeiro vídeo foi impulsionado de 13 a 15 de novembro de 2020 e pode ser acessado pelo link https://www.facebook.com/ads/library/?id=818025488742380. (...) Assim agindo, o denunciado RAFAEL OSCAR DE SOUZA incorreu nas sanções do art. 39, §5º, inciso IV, da Lei 9.504/1997, com redação dada pela Lei n.º 13.488/2017, oito vezes, na forma do art. 69, caput, do Código Penal, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação, para, querendo apresentar suas alegações escritas. Após, pugna pelo recebimento da denúncia, com a oitiva das testemunhas adiante arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

O Ministério Público Eleitoral afirma que o denunciado mantinha 8 (oito) publicações impulsionadas com conteúdos “ativos” no dia da votação (ID 45619430).

Em sua defesa, o recorrido juntou aos autos prints de tela do Facebook com o intuito de demonstrar que os impulsionamentos não estariam “ativos” na data da eleição (IDs 45619464).

Assim, estabeleceram-se informações divergentes trazidas pelas partes com relação à atividade ou inatividade dos conteúdos impulsionados no dia das eleições.

 

Com a finalidade de esclarecer esta questão, foi oficiado diversas vezes o Facebook (ID 45619472, 45619473, 45619477 e 45619490), sem que tenha havido resposta, restando intacta a dúvida suscitada.

Dessa forma, o juiz singular rejeitou a denúncia com base na ausência de justa causa para a ação penal.

Pois bem.

O ponto a ser debatido neste recurso diz respeito unicamente a verificar se a denúncia possui os requisitos necessários para o seu recebimento, conforme disciplinam os arts. 41 do Código de Processo Penal e 357, §2º, do CE.

 

Art.41 CPP. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Art. 357 CE. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

(...)

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Verifico que a denúncia em tela cumpre os requisitos elencados nos dispositivos acima, de modo que o acusado tem plena ciência dos motivos fáticos e jurídicos que levaram o Ministério Público a desencadear a persecução penal em seu desfavor, possibilitando que o acusado exerça o seu direito de defesa.

Quanto ao ponto, a lição de Rodrigo López Zilio esclarece que (2020 - p. 900):

(...) se a denúncia descreve o fato delituoso e as suas circunstâncias com a correspondente tipificação, viabilizando o contraditório, não há como recusar o prosseguimento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa.

 

Ocorre que a denúncia foi rejeitada sob o fundamento de ausência de “um acervo probatório mínimo e seguro”, o que caracteriza falta de justa causa (art. 395, inc. III, do CPP e art. 358 do Código Eleitoral).

A expressão justa causa é normalmente utilizada como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. Por isso, para instauração do processo penal exige-se um lastro probatório mínimo indispensável da prova da existência do crime e de indícios de autoria.

A questão recursal resumiu-se então a avaliar se as provas trazidas pelo denunciante são suficientes para desencadear a persecução penal.

Na espécie, acompanharam a presente denúncia prints de tela do Facebook e certidão expedida pelo sr. André Silva Alves, Oficial do Ministério Público (ID 45619430).

Embora o juízo de primeiro grau tenha considerado não haver um acervo probatório mínimo, tenho que os elementos trazidos configuram sim início de prova, mesmo que indiciária, suficiente para justificar a oferta de acusação em juízo.

E, neste momento processual, a “dúvida” deve ser solvida “em favor da sociedade”.

Colho, por oportuno, o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 45623583):

Assim, de acordo com a certidão acostada no ID 45619430, lavrada dia 19 de

novembro de 2020 - apenas 4 dias após o fato - por Oficial do Ministério Público, constata-se que, em consulta à Biblioteca de Anúncios do Facebook relativa ao acusado, nos links descritos posteriormente na denúncia, foram localizados conteúdos com impulsionamento ativo em períodos abrangendo o dia da eleição, 15 de novembro de 2020.

O aludido documento, no qual constam prints de tela trazendo as informações a respeito do período de atividade dos impulsionamentos, do valor gasto, do alcance potencial, do anunciante e do conteúdo da propaganda eleitoral, induvidosamente constitui elemento de prova a respeito da autoria e materialidade, suficiente a indicar a ocorrência do crime e, por consequência, apto ao início do processo-crime.

O ora Recorrido, na sequência, no dia 1º de abril de 2022, anexou ao feito prints de tela dando conta de que os impulsionamentos não estavam ativos na data da eleição. (Ids 45619464)

Esses novos dados, contudo, não têm o condão suficiente de rechaçar a certidão que lastreou a incoativa; ao contrário, meramente colocam em dúvida a veracidade do que foi relatado, porquanto as informações inseridas nas aplicações de internet, como é cediço, podem ser modificadas. Essa dúvida somente pode ser sanada com a adequada instrução do processo criminal!

Noutros termos, efetivamente, a contradição entre a informação que constou

inicialmente, logo após eleição, e aquela que foi obtida posteriormente, pelo então Denunciado, deve ser objeto de discussão e corroboração durante a pertinente instrução criminal, especialmente porque, no juízo de apreciação da denúncia, vige o princípio in dubio pro societate, em consonância com a jurisprudência do colendo Tribunal Superior Eleitoral, conforme abaixo se percebe:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. BOCA DE URNA. DENÚNCIA RECEBIDA. DISTRIBUIÇÃO DE "SANTINHOS" NO DIA DO PLEITO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS. PRINCÍPIO IN

DUBIO PRO SOCIETATE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE. ELUCIDAÇÃO DOS FATOS E AFERIÇÃO DA COAUTORIA MEDIATA. ENUNCIADO SUMULAR Nº 26 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. (...)

2. No caso, não se constata, de plano, a atipicidade dos fatos apresentados, tendo sido também declinados os indícios de autoria e de materialidade do ilícito, os quais serão totalmente elucidados na sentença, não sendo recomendável o trancamento da ação penal nesta etapa, regida pelo princípio

do in dubio pro societate. (…)

4. Tendo sido demonstrados elementos probatórios mínimos de cometimento de crime, não é possível, na via estreita e célere do habeas corpus, promover exame aprofundado e detalhado de fatos e provas, devendo ser feita a elucidação da dinâmica delitiva, em cognição exauriente, pelo juiz da causa. (...) (grifou-se)

Assim, a referida dúvida, neste momento, deve ser resolvida “em favor da sociedade”, ou seja, com a determinação de prosseguimento da ação penal, para permitir o esclarecimento e julgamento da conduta, ao menos em tese, delitiva.

Cabe destacar ainda que, durante a instrução processual, além da oitiva das testemunhas arroladas na denúncia, poderá ser promovida, com fulcro no disposto no art. 231 do CPP, a juntada de eventual documento que venha a ser emitido pelo Facebook, indicando se os impulsionamentos estavam ativos na data da eleição.

Portanto, deve prosperar a irresignação, a fim de que a denúncia seja recebida e o acusado seja adequadamente processado.

 

Em adição, novamente me valho dos ensinamentos de Zilio (2020 – p.900) para referir que a prova apresentada na denúncia não prescinde ser robusta:

 

Com efeito, “a denúncia deve indicar indícios de autoria e materialidade, não sendo necessária a apresentação de prova robusta acerca da prática do delito”.

(RHC nº 060005355/BA-j.09.10.2018 -Dje 18.10.2018).

 

Ademais, a circunstância de a prova apresentada ter sido contestada não invalida a sua existência, ao contrário, o surgimento de divergências apenas corrobora a necessidade de instrução processual para o esclarecimento dos fatos.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral da 073ª Zona Eleitoral - São Leopoldo/RS em face de RAFAEL OSCAR DE SOUZA.