REl - 0600743-33.2020.6.21.0012 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

Mérito

Eminentes Colegas, não havendo questões preliminares a serem apreciadas, passo ao exame do mérito recursal.

Cuida-se de recurso interposto por FULVIO DE SANS LESSA DA ROSA e JOSIAS DE LIMA GOMES, candidatos ao cargo de Prefeito e de Vice-Prefeito do município de Camaquã/RS, contra sentença proferida pelo Juízo da 12ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão de falhas que comprometeram a regularidade da contabilidade.

A decisão recorrida (ID 45560180), no que importa ao julgamento do recurso, assim consignou:

 

[…]

5) A omissão de despesas indicada, refere-se as notas fiscais/recibos em favor de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., nos valores de R$ 403,35 e R$ 1.596,65, e Marília Bittencourt Vieira, no valor de R$ 450,00.

Quanto as duas primeiras, a unidade técnica entendeu sanadas, diante dos documentos apresentados pelo prestador de contas, ainda, "[…] por saber-se que nos serviços prestados pelo facebook, os pagamentos são realizados no nome de empresa terceirizada" (ID n. 107756557).

Seguindo a análise, o analista técnico identificou, através do procedimento de circularização, a omissão de registro da nota fiscal n. 202000000000091, emitida em 19/10/2022 por MARILIA BITTENCOURT VIEIRA, no valor de R$ 450,00.

Intimados para esclarecer a questão, os candidatos apresentaram a seguinte alegação:

Quanto à nota emitida pela empresa MARILIA BITTENCOURT VIEIRA 84554010015, no valor de R$ 450,00, não deve figurar na prestação de contas do candidato, pois o serviço foi prestado ao Diretório do Partido Democratas, assim como prestado contas pelo diretório.

Observa-se que o serviço ocorreu em favor do diretório conforme cópia da nota fiscal e do cheque, acostado em anexo, sendo assim, verifica-se a que a empresa emitiu erroneamente a nota em favor do candidato.

Nesse contexto, não é possível acolher as justificativas dos candidatos, pois a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, e, no caso de emissão indevida do documento fiscal, caberia aos prestadores providenciar o cancelamento e apresentar a comprovação do referido procedimento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor, conforme previsto no art. 92, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Embora tenha acostado aos autos, intempestivamente, declaração da fornecedora informando o equívoco na emissão da nota fiscal (ID 107924913), verifica-se que se trata de documento unilateral que não substitui as providências do cancelamento junto ao órgão fazendário.

Ademais, não há dúvidas que a emissão de nota fiscal é realizada mediante pagamento, logo o partido pagou pelo produto/serviço detectado em batimento pelo sistema SPCEWeb e o valor circulou sem a informação do CPF do doador e sem o trânsito do recurso por conta bancária.

Trata-se de inconsistência grave que impede a correta identificação da origem do recurso, pois não foi apresentada prova adicional da origem do recurso proveniente diretamente do sistema bancário nacional (contraparte).

Em virtude da falha acima, o candidato infringiu as regras dos arts. 12, § 6º, 21, I, §§ 1º e 3º, 32, § 1º, IV da Resolução TSE nº 23.607/2019, devendo recolher o valor ao Tesouro Nacional, eis que houve a configuração de recebimento de recursos de origem não identificada.

 

6) Outra falha apontada refere-se ao depósito em dinheiro, no valor de R$ 940,00, em que consta como depositante o CNPJ do candidato ao cargo de Prefeito.

Em sua defesa o prestador apresentou a seguinte alegação (ID 105112907):

Foi identificado o saque de R$ 940,00 em 06/11/2020 (sexta-feira), ocorrido de forma equivocada, assim que o setor financeiro/contábil verificou o fato, solicitou a restituição do valor de R$ 940,00 a conta de campanha, sendo prontamente atendido pelo candidato, o depósito ocorreu na segunda-feira (09/11/2020), primeiro dia útil após o ocorrido.

O próprio candidato apresenta o equivoco em nota explicativa, oportunamente juntada a Prestação de Contas, trazendo aos autos a boa-fé.

O candidato afirma que houve um erro no saque de R$ 940,00, realizado em 06/11/2020, assim, realizou a restituição do valor para conta de campanha..Todavia, conforme apontado pela análise técnica, "a Justiça Eleitoral não conseguiu exercer controle nas despesas efetuadas com o valor retirado, bem como não conseguiu identificar a origem do recurso depositado no dia 09/11/2020, haja vista que o CNPJ identificado no extrato eletrônico é o do próprio candidato", ainda, o examinador de contas consignou que "configura o Recebimento de Recursos de Origem Não Identificada, impedindo a correta identificação da origem do recurso, pois não foi apresentada prova adicional proveniente diretamente do sistema bancário nacional".

Desse modo, o valor de R$ 940,00 consubstancia recurso de origem não identificada - RONI, cujo recolhimento deverá ser realizado ao Tesouro Nacional.

Sendo assim, as falhas detectadas frustram o controle sobre a movimentação financeira, constituindo irregularidades com envergadura suficiente para macular as contas, sendo imperativa a desaprovação.

 

 

 

Como se percebe, a decisão recorrida desaprovou as contas em razão da identificação de omissão de despesa e de depósito irregular na conta Outros Recursos, caracterizando o recebimento de recursos de origem não identificada, determinando o recolhimento da quantia de R$ 1.390,00 (um mil, trezentos e noventa reais) ao Tesouro Nacional.

Em relação à primeira irregularidade, os recorrentes afirmam que "não houve omissão de despesa, pois o pagamento de R$ 450,00, realizado à Marília Bittencout Vieira (...) nota fiscal de n° 20200000000091, (...) foi emitida equivocadamente pela prestadora do serviço, sendo que o serviço (...) foi realizado para o Diretório do Democratas com a emissão da nota fiscal n° 202000000000100 em 23/12/2020, assim como prestado contas. Porém, a prestadora do serviço não cancelou a nota fiscal de n° 20200000000091 que foi emitida equivocadamente".

Não há como superar tal irregularidade.

Foi detectado pelo órgão técnico a omissão relativa a despesa constante da prestação de contas apresentada em confronto com aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante cotejo com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, mais precisamente, foi identificada a nota fiscal n. 20200000000091, emitida pela fornecedora MARILIA BITTENCOURT VIEIRA, no valor de R$ 450,00.

Em suas razões recursais, o recorrente sustenta que a nota fiscal foi emitida equivocadamente, uma vez que não teria ocorrido a prestação de serviço correspondente.

Pois bem, cediço que, em sendo o caso de não ter sido reconhecida a despesa relacionada ao CNPJ de campanha, caberia ao candidato diligenciar para o cancelamento ou retificação dos documentos fiscais junto aos órgãos fazendários, providência não demonstrada nos autos.

A declaração fornecida pela prestadora do serviço (ID 45560176) confirma que a nota fiscal em questão não foi cancelada.

Logo, a despesa resultante da nota fiscal omitida, no valor de R$ 450,00, implica, por consequência, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019, consoante bem fixou a sentença recorrida.

Nesse sentido, menciono julgado relativo às Eleições 2020, semelhante ao caso que ora se examina no presente recurso:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO. VICE-PREFEITO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. MATÉRIA PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILAÇÃO DE PRAZO. REJEIÇÃO. MÉRITO. OMISSÃO DE DESPESAS. IDENTIFICAÇÃO DE NOTAS FISCAIS EMITIDAS CONTRA O CNPJ DE CAMPANHA. NÃO ADOTADOS OS PROCEDIMENTOS DO ART. 92, §§ 5º E 6°, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CANCELAMENTO. CARACTERIZADO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas de candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, referentes às eleições municipais de 2020, e lhes determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em virtude de omissão de gastos, caracterizando recebimento de recursos de origem não identificada. [...]

3. Omissão de gastos eleitorais. Identificação de notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha não declaradas na prestação de contas. Jurisprudência deste Tribunal no sentido de que, se o gasto não ocorreu, a nota fiscal deveria ter sido cancelada e adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19, não suprindo a falha declaração unilateral do candidato ou da empresa fornecedora relacionada à sua substituição. Incide à espécie o entendimento do TSE de que "gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas"; (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73). A presunção de despesas não declaradas implica, igualmente, a consideração da sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal dos candidatos, caracterizando o recurso como de origem não identificada. Manutenção integral da sentença.

4. Provimento negado.

(RECURSO ELEITORAL nº060056794, Acórdão, Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 18/09/2023) (Grifei)

 

Em prosseguimento, no tocante à irregularidade relativa ao recebimento de doação identificada com o CNPJ da candidatura, no valor de R$ 940,00, em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral aponta contrassenso da sentença em caracterizá-lo como recursos como de origem não identificada.

De fato, no ponto, assiste razão ao Ministério Público Eleitoral, devendo ser provido o recurso e afastada a irregularidade. Como bem descrito na manifestação ministerial e verificado no extrato da conta de campanha, disponível no Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85693/210000921219/extratos), houve saque indevido na conta e imediato depósito do mesmo valor, tendo a equipe de campanha diligenciado oportunamente para corrigir a falha.

É de se concluir, assim, que não se trata de recursos de origem não identificada, já que está indicado expressamente nos mencionados documentos que a fonte dos recursos foi a própria conta Outros Recursos.

Deste modo, conclui-se que a irregularidade reconhecida na sentença, em relação ao valor de R$ 940,00, pode ser superada.

Assim, na linha do parecer ministerial, devem ser afastada a mácula relativa a tal saque/depósito, assim como a correspondente obrigação de recolhimento dos valores respectivos (R$ 940,00).

Ainda, anoto que os candidatos arrecadaram R$ 42.010,46 na campanha em questão, de forma que a irregularidade remanescente, no valor de R$ 450,00, configurando valor módico e percentual de apenas 1,07% das receitas declaradas pelos candidatos, permite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, mantido o dever de recolhimento desse montante.

 

Pelo exposto, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de FULVIO DE SANS LESSA DA ROSA e JOSIAS DE LIMA GOMES, candidatos ao cargo de Prefeito e de Vice-Prefeito do município de Camaquã/RS, nas Eleições de 2020, para aprovar as contas com ressalvas, reduzindo para R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É o voto.