REl - 0600065-63.2021.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Em caráter preambular, abordo a questão concernente à documentação trazida pela agremiação recorrente em sede recursal, através da qual pretende demonstrar que todas as contribuições estariam "devidamente demonstradas e identificadas pelo CPF dos doadores".

O acervo carreado consta do ID 45367556 e, friso, possuí 24 páginas, nas quais a grei arrola diversos ingressos financeiros.

Esta Corte, todavia, em situações análogas vem decidindo pelo não conhecimento da documentação, porquanto demandaria nova análise, não apenas contábil, mas também quanto à filiação dos supostos doadores, mister atribuído às unidades de auditoria desta Justiça Especializada, inviável em sede de irresignação.

Veja-se, a respeito, o lapidar precedente:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE BENEFICIÁRIOS DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONHECIMENTO DA PRESTADORA. FALHA PARCIALMENTE AFASTADA. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS SUPERIORES AOS VALORES DECLARADOS POR OCASIÃO DO REGISTRO. CAPACIDADE ECONÔMICA COMPROVADA. IRREGULARIDADE AFASTADA. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES DE RECURSOS DE CAMPANHA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO DE DESPESAS CUSTEADAS COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. IRREGULARIDADE MANTIDA. REDUZIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidata ao cargo de vereadora, nas eleições de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. 2. Recebimento de doações de dois beneficiários do auxílio emergencial. Assente nesta Corte o entendimento de que o fato, por si só, não conduz à desaprovação nem impõe o dever de recolhimento da quantia ao erário, quando ausentes provas de prévio conhecimento dos candidatos acerca da condição do doador de beneficiário de programa assistencial. Na hipótese, afastada a presunção de desconhecimento com relação a uma das doações, pois advinda da genitora da prestadora. Irregularidade parcialmente afastada. 3. Aplicação de recursos próprios na campanha sem a respectiva declaração de patrimônio no registro de candidatura. Entretanto, registrado o exercício de atividade remunerada, demonstrando a condição para realização da doação. 4. Omissão de informações relativas ao registro integral dos recursos de campanha. Falta de comprovação da movimentação de despesas custeadas com verbas procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Acostada substanciosa documentação relativa às despesas realizadas, consistente em boletos bancários, cheques, contratos, comprovantes, notas fiscais, etc, a qual, pela complexidade, demanda retificação das contas e reabertura da instrução para nova análise técnica. Providência inviável nesta instância, quando já prolatada a sentença. Mantida a falha referente à falta de comprovação do pagamento de despesas com recursos do FEFC. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 5. Inviável a pretensão de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois o total das irregularidades representa 42,45 % das receitas recebidas e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico. 6. Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas. Reduzido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06004105920206210084 CERRO GRANDE DO SUL - RS, Relator: Des. KALIN COGO RODRIGUES, Data de Julgamento: 02/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 39, Data 06/03/2023 ) (grifei)

 

No mais, incorporo às razões de decidir a pontual questão o que a respeito constou no bem-lançado parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, onde assentado que "a documentação apresentada pela parte prestadora em grau recursal (ID 45367556) não deve ser considerada, eis que demanda nova análise técnica, notadamente no que diz respeito a confirmação da efetiva filiação partidária dos doadores originários, de modo a identificar o eventual recebimento de recursos de fontes vedadas".

Em razão do exposto, deixo de considerar a documentação trazida com o recurso.

 

Mérito

Quanto ao mérito, verifica-se que, de acordo com o parecer conclusivo da unidade técnica contábil (ID 45367544), o Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores - PT de Condor recebeu repasses no valor de R$ 1.373,16 do Diretório Nacional sem a devida identificação das pessoas físicas que fizeram as doações originais. Transcrevo excerto do exame técnico:

I - DO VALOR TOTAL DAS RECEITAS E GASTOS DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO E INDICAÇÃO DO MONTANTE PROVENIENTE DO FUNDO PARTIDÁRIO (Art. 38, I, II)

A receita financeira total arrecadada foi de R$ 1.422,51 (Hum mil, quatrocentos e vinte e dois reais, cinquenta e um centavos), provenientes de repasses do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), todavia não existe identificação dos doadores originários.

Os gastos totais somam R$ 1.706,32 (Hum mil, setecentos e seis reais, trinta e dois centavos), todavia a agremiação declarou o montante de R$ 2.755,97 (Dois mil, setecentos e cinquenta e cinco reais, noventa e sete centavos), mas não explicou a divergência. As despesas foram pagas com os outros recursos arrecadados no exercício.

Não houve recebimento de valores oriundos do Fundo Partidário (FP).

II - DA IDENTIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES, IMPROPRIEDADES E DA ANÁLISE DOS ESCLARECIMENTOS E DAS MANIFESTAÇÕES APRESENTADAS PELAS PARTES NO PROCESSO (Art. 38, III, IV e V)

Diante da ausência de manifestação por parte do partido, permanecem não sanadas as falhas apontadas no Exame da Prestação de Contas (ID 104741780), conforme segue:

Irregularidade: Recursos de origem não identificada

Base legal: inciso IV, art. 5º combinado com o art. 7º todas da Resolução TSE 23.604/2019

Conforme o item 03 do Exame da Prestação de Contas (ID 104741780), da análise dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE, constatou-se o ingresso de recursos de origem não identificada, em desacordo com inciso IV, art. 5º combinado com o art. 7º todas da Resolução TSE n. 23.604/2019:

11/08/2020 R$ 152,12

09/09/2020 R$ 76,06

10/09/2020 R$ 76,06

16/09/2020 R$ 688,62

08/10/2020 R$ 76,06

09/10/2020 R$ 76,06

10/11/2020 R$ 76,06

11/11/2020 R$ 76,06

08/12/2020 R$ 76,06

Conforme a legislação eleitoral, toda e qualquer doação ou contribuição feita a partido político, deve respeitar a exigência de identificação do CPF do doador ou contribuinte nos extratos bancários apresentados à Justiça Eleitoral, à exceção da doação oriunda de outras esferas do partido, em que deverá constar o CNPJ da agremiação doadora e a informação do CPF do doador originário no sistema SPCA. É de destacar que a identificação do próprio partido como doador/contribuinte no extrato bancário não é informação válida, visto que inviabiliza a identificação da real origem do recurso (doador originário).

Assim, não é possível atestar a real procedência de tais valores, configurando-se como recursos de origem não identificada no total de R$ 1.373,16 (Hum mil, trezentos e setenta e três reais, dezesseis centavos), sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/2019.

Os outros valores são provenientes de sobras de campanha e somam R$ 49,35 (Quarenta e nove reais, trinta e cinco centavos).

Destaca-se que a análise técnica das contas está adstrita às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à agremiação partidária, não se esgotando a possibilidade de surgirem informações, a qualquer momento, por conta da fiscalização ou investigação de outras esferas do poder público.

(Grifei.)

 

De fato, as mencionadas doações representam recursos de origem desconhecida, uma vez que não há informações sobre as pessoas físicas que inicialmente doaram os valores ao Diretório Nacional do PT.

Essas doações se enquadram no art. 13, inc. I, al. "a", da Resolução TSE n. 23.604/19, tornando-se necessário o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, conforme o art. 58, § 2º, da mesma resolução.

Todavia, quanto à determinação de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, prevista no art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, na esteira da jurisprudência deste Tribunal (ED em PC-PP 7385, Relator Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, julgado em 30/09/2020), a interrupção da distribuição de quotas do referido fundo "até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral" é incompatível com os institutos da preclusão e da coisa julgada, podendo ensejar longos períodos de suspensão ou uma interminável pesquisa sobre a origem do recurso, contrariando o primado constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal).

Com efeito, o regramento em tela aplica-se somente durante a instrução do feito, não se admitindo esclarecimentos após prolatada a sentença. Além disso, eventual ordem de suspensão do Fundo Partidário até o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional representaria penalidade desarrazoada, que não encontra respaldo legal e jurisprudencial.

Por essa razão, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, impõe-se a substituição da penalidade pela transferência dos respectivos recursos ao Tesouro Nacional, os quais devem ser acrescidos de multa de até 20%, com amparo no disposto no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 48, caput , da Resolução TSE n. 23.604/19.

No caso dos autos, o magistrado sentenciante determinou o recolhimento da quantia indevida ao Tesouro Nacional, com o acréscimo do percentual de multa, emitindo provimento jurisdicional que, quanto ao ponto, se coaduna com a orientação firmada por esta Corte, ainda que destoe quanto ao comando de suspensão de quotas do Fundo Partidário.

Nesse sentido, colaciono julgados desta Corte, de lavra do então Corregedor e, após, Presidente deste TRE/RS, Armínio Jose Abreu Lima da Rosa, e do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, em situações análogas, que culminaram com o afastamento da suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGADAS DEFICIÊNCIA NA ANÁLISE TÉCNICA E FALTA DE EXAME DA DOCUMENTAÇÃO JUNTADA. AFASTADAS. DOCUMENTOS CONSIDERADOS. TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS SEM IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. MULTA. AFASTADA A SUSPENSÃO DE REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2017 e determinou o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 20%, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada.

2. Afastada a preliminar de cerceamento de defesa. Observada a obediência ao rito procedimental previsto na Resolução TSE n 23.546/17, tanto no exame realizado pela unidade técnica como na aferição de prova efetuada pela juíza de origem, não se verificando prejuízo à defesa da legenda recorrente. Ademais, inviável que depósito cuja procedência seja desconhecida seja também analisado sob a hipótese de fonte vedada a partir de documento unilateral trazido pelo partido.

3. A Resolução TSE n. 23.464/15 é clara ao prever, em seu art. 13, que o recebimento de recursos por intermédio da operação de depósito bancário deve ser realizado de forma individualizada, com os dados do CPF do depositante, a fim de que a procedência seja aferida. Impedida a identificação da real origem dos recursos (doador originário), deve o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 13, c/c o art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. A cifra arrecadada pelo partido sem a identificação de origem representa o expressivo percentual de 100% dos recursos arrecadados pela agremiação ao longo do exercício financeiro. Proporcional e adequada a fixação da multa nos moldes em que aplicada pela magistrada de origem. Afastado o comando de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário. A interrupção da distribuição de quotas do referido fundo até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral é incompatível com os institutos da preclusão e da coisa julgada, podendo ensejar longos períodos de suspensão ou uma interminável pesquisa sobre a origem do recurso, contrariando o primado constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal).

5. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 00000123820186210083 Nova Boa Vista/RS 1238, Relator: ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Data de Julgamento: 24/11/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 279) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada preliminar de nulidade da sentença devido à suposta deficiência do exame técnico e falta de análise dos documentos juntados pela grei. Documentação devidamente considerada por esta Corte, sem alterações quanto à garantia da ampla defesa, ao procedimento técnico e à fundamentação da sentença recorrida.

2. Recebimento de recursos sem a identificação do CPF dos doadores, em dissonância com o art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15. Insuficiência dos documentos declinando nomes e números de contas bancárias dos contribuintes para suprir a falta de indicação de suas inscrições no CPF.

3. Falha que representa 85,08% do montante auferido pelo partido no exercício financeiro em análise. Manutenção do recolhimento ao erário e da aplicação de multa. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário imposta de modo a persistirem seus efeitos até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral. Proposta a discussão do tema para as prestações de contas do exercício financeiro de 2019, a fim de conferir efetividade e compatibilidade entre as sanções de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário e de recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional, estabelecidas no inc. I do art. 36 no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995, respectivamente.

4. Desprovimento.

(TRE-RS - RE 898 - Rel. Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN - Data do julgamento: 9.3.2020.) (Grifei.)

 

Em suma, entendo que deve ser afastada a suspensão de recebimento de recursos do Fundo Partidário, nos termos acima elencados, ainda que mantido o dever de recolhimento dos valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Em face do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, tão somente para afastar a imposição de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, mantidos os demais termos da sentença impugnada.