PCE - 0602164-26.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se da prestação de contas do candidato PAOLO NUNES KUCERA, relativa às Eleições de 2022, ao cargo de deputado federal.

Após a realização dos procedimentos técnicos e da análise dos documentos e esclarecimentos prestados, o órgão técnico da Secretaria de Auditoria Interna deste TRE emitiu parecer conclusivo pela desaprovação das contas, devido à identificação de gasto não comprovado com impulsionamento realizado com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, no montante de R$ 166,52.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral apresentou promoção. Destacou a existência de despesas contratadas com familiar, com alimentação e combustível para uso do próprio candidato, efetuadas com verbas do FEFC e não apontadas no parecer contábil.

A SAI, em informação, ratificou o parecer conclusivo.

Ao prestador de contas foi oportunizado manifestar-se de todos os pareceres, com aproveitamento. Todas as despesas irregulares apontadas pelos órgãos ministerial e técnico foram quitadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Passo à análise individualizada.

1. Omissão de notas fiscais relativas a impulsionamento

A SAI apontou o registro, na prestação de contas, de despesa com impulsionamento de conteúdos desacompanhado de notas fiscais, nos valores de R$ 80,00, R$ 60.00 e R$ 24,00. Ainda, na espécie, foi considerada irregular a quantia de R$ 2,52, relativa à diferença entre o valor de despesa declarada (R$ 100,00) e o valor do recolhimento espontâneo ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União – GRU (R$ 97,48).

As irregularidades totalizam R$ 166,52.

Os pagamentos ao beneficiário Facebook Serviços Online do Brasil LTDA. encontram-se, de fato, registrados no extrato bancário da conta de campanha – FEFC; contudo, não foi possível localizar os documentos fiscais correspondentes no banco de dados da Justiça Eleitoral.

O prestador, no ponto, silencia a respeito da ausência de documentos fiscais e se restringe a afirmar que “houve a contratação do serviço e a efetiva prestação não restando qualquer prejuízo ao erário conforme nota explicativa”. Como pretensa prova, acosta a guia de recolhimento referida e a seguinte nota explicativa:

1-DEVOLUÇÃO DE VALORES COM GRU DIA 01-10-2022 - FOI ADQUIRIDO UM IMPULSSIONAMENTO COM O FACEBOOK NO VALOR DE 100,00 COMO DIA 03/10/2022 AINDA HAVIA 97,48 DE CREDITO NO IMPULSIONAMENTO FOI GERADO UMA GRU NESSE VALOR PARA DEVOLVER PARA A UNIÃO. COM RECURSO PRÓPRIO.

No caso, os gastos efetuados junto ao declarado fornecedor permanecem sem comprovação por meio de documentos fiscais, ferindo a legislação de regência, que expressamente os exige:

Resolução TSE nº 23.607/19

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Destarte, as irregularidades importam no valor de R$ 166,52, passíveis de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Contratação de parente (pai).

O parecer técnico consignou indício de irregularidade verificado mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CPF e CNPJ da Receita Federal do Brasil, realizada em 16.11.2022, qual seja, a contratação de JOSE SIDNEI ALBINI, possível parente do prestador, a indicar suspeita de desvio de finalidade.

No tópico, o candidato sustenta que “o mesmo foi devidamente contratado para prestar serviço a campanha eleitoral, e recebeu pela prestação de serviços, cumprindo a resolução e não causando nenhum tipo de irregularidade ou prejudicialidade na campanha do candidato”.

Em parecer, o órgão ministerial assim se pronunciou:

A primeira irregularidade consiste no pagamento de R$ 3.600,00 para o fornecedor JOSÉ SIDNEI ALBINI KUCERA, identificado como pai do candidato, contratado para atividades de militância, recebendo valor que representa "mais de 1/3 dos recursos financeiros que aportaram à campanha, o que justifica a exigência de que o candidato apresente provas da efetiva prestação dos serviços, sob pena de violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade", conforme indicado na promoção ministerial. Diante do constatado, foi dada oportunidade ao candidato para trazer esclarecimentos e informações, a fim de demonstrar a regularidade da despesa. Contudo, o candidato não apresentou elementos comprobatórios da efetiva prestação dos serviços, limitando-se a sustentar que a "necessidade de apresentação das notas fiscais pode ser superada havendo na prestação de contas subsídios suficientes que comprovem de forma idônea a realização da despesa com a efetiva prestação do serviço, o que ocorreu no caso concreto". Frisa-se que a Justiça Eleitoral, nos termos do art. 60, §3º, da Res. TSE nº 23.607/19, "poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados", o que se mostra especialmente importante, em se tratando de utilização de recursos públicos, como é o caso do FEFC. No contexto, não há subsídios a demonstrar a efetiva prestação de serviços pelo fornecedor à campanha, notadamente diante da falta de detalhamento observada no contrato de trabalho firmado (ID 45193326), exigência da legislação eleitoral. Convém salientar que os contratos de prestação de serviços devem satisfazer as exigências do art. 60 c/c o art. 35, §12, da Resolução TSE nº 23.607/2019 e que a existência de pagamentos sem a apresentação de instrumentos contratuais que não possuam informações adequadas quanto às condições de trabalho, como local das atividades, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado impossibilita a fiscalização da correta utilização dos recursos públicos oriundos do FEFC.

Assim, deve ser considerado irregular o pagamento ora apontado, no valor de R$ 3.600,00.

Reproduzo os dispositivos legais a serem observados na situação sob julgamento:

Resolução TSE nº 23.607/2019

Art. 35 (...)

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Com efeito, esta Casa já se deparou com questões de contratação de parentes, adotando posicionamento no sentido de que “poderá ocorrer a contratação de familiares mediante pagamento com recursos públicos, desde que haja razoabilidade entre os valores pagos e os serviços executados, devendo ser observados com rigor ainda maior os postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, quais sejam, os princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade.” (PCE 0603581-14.2022.6.21.0000, Relator Des. Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, julgado em 24.8.2023.)

Pois bem.

Relativamente aos valores pagos sob o viés da proporcionalidade em relação à dimensão da campanha, destaco que a importância empregada na contratação de José Sidnei Albini Kucera representa 37,36% dos recursos financeiros auferidos (R$ 9.634,99).

Ademais, observo que foram formalizadas quatro contratações:

- duas de militantes para Campanha Eleitoral, Paulo Henrique da Silva Pereira e Yasmin Vulcanis Rizzi;

- uma de Coordenadora de Campanha de Porto Alegre, Sandra Mariela Azevedo Reigada;

- uma de Coordenador-Geral de Campanha, José Sidnei Albini Kucera.

É imperioso constatar que causa estranheza (ou é, no mínimo, questionável) uma campanha com dois militantes exigir a contratação de dois coordenadores. Indico que há precedente deste Tribunal, PCE 0602883-08, julgado em 10.10.23, Relator o então Des. Eleitoral Afif Jorge Simões Neto, no sentido de que, “havendo contratação de parentes de candidato para prestação de serviços de campanha, se deve aumentar a rigidez na comprovação do gasto, tanto mais ao se tratar de aplicação de verbas públicas”.

Ademais, no caso posto, o valor pago ao genitor não foi devidamente comprovado, pois o contrato não atende às exigências da legislação de regência: não há especificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, das atividades executadas e da justificativa do preço contratado. O documento é vago: quanto às horas trabalhadas, se resume a dizer “qualquer dia ou turno de trabalho necessário a execução deste”.

Documento de inviável aceitação, portanto. É necessária a formalização de contratos alinhados às exigências legais, tanto mais ao se tratar da utilização de verbas públicas para contratação de parente, no caso, o genitor – quem também lhe cedeu o uso do veículo para campanha, conforme termo de cessão de ID 45193354.

Nessa ordem de ideias, alinho-me ao parecer ministerial e julgo irregular o gasto de R$ 3.600,00, valor que deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, de acordo com o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Gastos com alimentação.

A Procuradoria Regional Eleitoral apontou dois pagamentos, nos dias 26.9.2022 e 03.10.2023, na importância somada de R$ 250,70, junto ao fornecedor REPÚBLICA TEMAKI RESTAURANTE, sem comprovação de vínculo com a campanha eleitoral, e que no contexto dos fatos “depreende-se que o pagamento teria sido realizado para custear despesa pessoal do candidato com alimentação”.

O prestador sustenta que a despesa está comprovada pela juntada da nota fiscal com o CNPJ do candidato.

Com efeito, destaco: embora o órgão técnico contábil tenha entendido pela regularidade formal dos documentos apresentados na análise judicial, há que se observar a pertinência do gasto no âmbito da campanha eleitoral.

Os gastos com alimentação estão regulamentados nos seguintes termos:

Resolução TSE nº 23.607/2019

Art. 35 (…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

b) remuneração, alimentação e hospedagem da pessoa condutora do veículo a que se refere a alínea a deste parágrafo;

c) alimentação e hospedagem própria;

Dos elementos dos autos, quanto à identificação dos beneficiários dos alimentos, em um dos documentos fiscais verifica-se a notação “SENHA#036 PAOLO”, a indicar que o pedido foi, possivelmente, realizado pelo próprio candidato. De qualquer forma, a declaração dos gastos não aponta o beneficiário, comprometendo a confiabilidade das contas.

Em relação à despesa com alimentação, este Tribunal já entendeu que “a comprovação do gasto eleitoral demanda a juntada de documento fiscal idôneo com descrição detalhada da contratação (art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19), o que não foi observado pelo prestador. Impossibilidade de atestar a vinculação do gasto com a campanha eleitoral.” (PCE 0600407-65.2020.6.21.0000, Relatora Vanderlei Terezinha Tremeia Kubiak, Publicação DJE/TRE-RS Data: 01.6.2023).

Nessa linha de raciocínio, julgo com razão a d. Procuradoria Regional Eleitoral ao classificar o gasto de R$ 250,70 como vedado pela legislação de regência. A quantia correspondente deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, de acordo com o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Combustíveis.

O Ministério Público Eleitoral apontou, ainda, cinco despesas de R$ 100,00 cada, uma de R$ 183,99 e uma de R$ 95,20 junto ao POSTO DE COMBUSTÍVEIS DICO, em total de R$ 779,19. A destinação seria o veículo cedido à campanha pelo pai do prestador.

A matéria concernente aos gastos com combustíveis para abastecimento de veículo usado na campanha eleitoral encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…).

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Ou seja, o que caracteriza o gasto com combustível como despesa eleitoral é (1) apresentação da nota fiscal contra CNJP da campanha; (2) abastecimento de (2.1) veículos em carreatas, observadas as regras, e (2.2) de veículos cedidos ou locados para campanha, observadas as regras (declaração originalmente na prestação e existência de relatório semanal); ou (3) geradores locados ou cedidos, observadas as regras.

Entende o órgão ministerial que “o veículo abastecido foi objeto de cessão pelo pai do candidato, sendo razoável admitir que tenha sido usado, pessoalmente, pelo próprio candidato, que declarou perante a Justiça Eleitoral não possuir bens (RCand 0600330-85.2022.6.21.0000, ID 45035940)”. A circunstância incidiria na vedação constante no art. 35, §6º, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19. O Parquet pugna, portanto, pela caracterização de irregularidade no valor de R$ 779,19.

Contudo, julgo regulares os gastos. Fundamento.

Em consulta às notas fiscais disponíveis no DivulgaCandContas, é possível verificar que todas foram emitidas contra o CNPJ da campanha, e nas “informações adicionais” consta o registro da placa do veículo abastecido, IUO9140. Ademais, há a anotação de que os documentos fiscais fazem referência à substituição dos cupons fiscais apresentados pelo prestador.

Ainda, há no processo o Termo de Cessão Sobre Uso de Veículo, ID 45193354, que tem como objeto o veículo TOYOTA/ETIOS, de placas IUO9140 – correspondente ao abastecido, e por meio dos demonstrativos ID 45084872 e ID 45193290, o prestador apresentou relatório com o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente, absolutamente compatíveis com uso de campanha.

Portanto, entendo não ser cabível deduzir que o veículo teria sido objeto de uso pessoal do candidato (pelo fato de este não ter declarado propriedade de veículo por ocasião do registro de candidatura). Assim concluir, colocaria todo o candidato não proprietário de veículo em situação de impedimento de receber cessão ou realizar locação de automóvel para uso na campanha.

Desse modo, havendo documento fiscal em perfeita correspondência com as exigências da legislação de regência, termo de cessão de uso de veículo originariamente juntado aos autos e relatório semanal de gastos na espécie, julgo regular a despesa e afasto o apontamento.

Conclusão.

O somatório das irregularidades, R$ 4.017,22 (R$ 166,52 + R$ 3.600,00 + R$ 250,70), representa 12,80% do total de recursos da campanha, R$ 31.369,91, situação que impede um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A desaprovação é medida que se impõe.

Diante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de PAOLO NUNES KUCERA, acompanhada de ordem de recolhimento de R$ 4.017,22 ao Tesouro Nacional (uso não comprovado de recursos do FEFC), com base no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.