PCE - 0603196-66.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/06/2024 às 14:00

VOTO

JOÃO CARLOS BOGORNI, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

O parecer conclusivo da Secretaria de Auditoria Interna – SAI desta Casa aponta remanescerem irregularidades relativas à (1) origem de doações em espécie; (2) divergência entre o valor da nota fiscal emitida por Facebook e o gasto declarado; (3) omissão de despesas; e (4) origem de doações via PIX.

Passo à análise.

1. Origem de doações em espécie.

O candidato recebeu doações em espécie na conta destinada ao trânsito dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, nos valores de R$ 3.500,00 e R$ 1.300,00, e na conta “Outros Recursos”, no valor de R$ 2.000,00, sem identificação do doador. As contribuições foram realizadas de forma distinta do disposto no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras. (Grifei.)

 

O prestador alega erro formal ao depositar o montante de R$ 4.800,00 na conta FEFC, afirma que tanto estes depósitos quanto o crédito de R$ 2.000,00 têm origem em seus recursos próprios, e aduz que as doações obedecem ao limite de gastos estabelecido para o cargo pleiteado.

Sem razão, contudo.

Como bem apontado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, a questão não é o limite de autofinancimento, mas a exigência de que seja identificada, nos termos do art. 21, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, a origem dos recursos doados para as campanhas, de modo a obter-se a certificação da conta bancária utilizada para a transferência dos recursos.

Verifico que os extratos bancários não apresentam as contrapartes depositantes, já que há de se registrar que as três operações se deram por meio de “depósito em dinheiro”, ou seja, as quantias não foram transferidas eletronicamente da conta bancária do doador para a conta do prestador, mas sim por meio de depósito em espécie, de modo a inviabilizar o controle e a fiscalização da origem do recurso.

Conforme se extrai do dispositivo transcrito, doações de valor igual ou superior R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre contas bancárias, de modo a coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível, para tanto, a perfeita identificação do doador.

Cabe ressaltar que este Tribunal tem arrefecido o rigor de disposições desta natureza quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, que, no caso do preceito em referência, consiste na demonstração segura da origem dos recursos, isso, no entanto, não ocorre no presente feito.

A ausência de comprovação segura do doador caracteriza os recursos como de origem não identificada, cujo valor correspondente, no importe de R$ 6.800,00, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, segundo os arts. 32 e 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, em alinhamento aos pareceres da Secretaria de Auditoria Interna e da Procuradoria Regional Eleitoral, mantenho a irregularidade apontada.

2. Divergência em nota fiscal emitida por Facebook.

A unidade técnica observou divergência entre o valor informado de R$ 130,00, relativo à despesa com impulsionamento de conteúdo, e a Nota Fiscal 51018617, emitida por FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA, no valor de R$ 121,09, de forma a restar a quantia de R$ 8,91 desprovida de comprovação.

O prestador consignou que desconhece até o presente momento devolução de qualquer valor referente à contratação efetuada.

No entanto, a alegação não lhe socorre, visto ser responsabilidade dos candidatos buscar junto aos fornecedores eventuais créditos ou correções em documentos fiscais.

Este Tribunal tem se deparado, com certa frequência, com situações semelhantes em outros feitos, notadamente a disparidade entre as faturas efetivamente pagas e as notas fiscais emitidas pela empresa Facebook, em situação que, via de regra, é resultante da compra de créditos de forma antecipada versus sua parcial utilização ao longo do período eleitoral, resultando em divergência.

E o posicionamento já sedimentado é de que a diferença entre o valor pago e o valor do referido documento fiscal deve ser recolhida a título de sobra de campanha, por se tratar de recursos públicos, em conformidade com o determinado na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35.

(…)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC; e

II - ao partido político, via conta Fundo Partidário ou Outros Recursos, a depender da origem dos recursos. (Grifei.)

 

No caso, a despesa em tela foi quitada com recursos privados provenientes da conta Outros Recursos, devendo ser recolhido o valor de R$ 8,91 ao partido político, de acordo com o inciso II suprarreferido.

3. Omissão de despesas.

Após exame inicial da contabilidade e manifestação do prestador, o órgão técnico contábil concluiu em seu parecer, por meio do confronto entre as informações registradas na prestação de contas e as constantes do banco de dados do TSE, remanescer irregularidade referente à omissão de gastos eleitorais, conforme tabela que segue:

Destaco que gastos não declarados ocorrem à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, uma vez que utilizados para tanto valores que não transitaram pelas contas de campanha, configurando recursos de origem não identificada, consoante o art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

O prestador, em relação às notas fiscais não informadas, alega desconhecer a natureza dos gastos que não teriam sido autorizados por ele, sem fazer comprovação das alegações.

Observo: para eventual emissão indevida de nota fiscal, há previsão no sentido de cancelamento do documento com a respectiva comprovação nos autos, nos termos do art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 92. (…)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Contudo, acostado à manifestação, encontra-se o documento de ID 45553091 (página 1), que vincula quatro gastos com combustível à cessão de veículo. As despesas referidas, nos valores de R$ 245,74, R$ 486,90, R$ 248,67 e R$ 213,72, realizadas junto à COOPERATIVA MISTA SAO LUIZ LTDA, montam em R$ 1.195,03, valor que encontra registro de débito no extrato bancário da conta FEFC, na data de 05.9.2022, tendo como contraparte beneficiária o citado fornecedor.

Assim, na linha do entendimento esposado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, julgo que deve ser deduzida a parcela de R$ 1.195,03 do valor a ser recolhido a título de utilização de recurso de origem não identificada - RONI, então estabelecido em R$ 4.457,41 (R$ 5.652,44, subtraídos R$ 1.195,03).

4. Origem de doações via PIX.

A contabilidade apresentada deixou de informar o recebimento de R$ 1.000,00, realizado por PIX, em favor da campanha do prestador, na conta Outros Recursos, cuja origem não é possível verificar no extrato bancário, pois o campo “CPF/CNPJ/contraparte” indica “NÃO LOCALIZADO”.

Nos termos da legislação de regência, as doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado.

No ponto, o prestador deixou de se manifestar, impondo-se a caracterização da doação de R$ 1.000,00 como recurso de origem não identificada - RONI, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, destaco que a soma das irregularidades alcança R$ 12.266,32 (R$ 6.800,00 + R$ 8,91 + R$ 4.457,41 +R$ 1.000,00) e representa 45,38% das receitas declaradas na prestação, R$ 27.029,98, portanto acima dos limites que permitem a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para um juízo de aprovação com ressalvas. A desaprovação das contas é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de JOÃO CARLOS BOGORNI, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 12.257,41 ao Tesouro Nacional e R$ 8,91 ao partido político pelo qual concorreu, nos termos da fundamentação.