ED no(a) RecCrimEleit - 0600654-48.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/06/2024 às 14:00

VOTO

Os embargos de declaração são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, a embargante sustenta que o acórdão incorreu em omissão por não ter apreciado o pleito subsidiário de redimensionamento da pena fixada.

Com efeito, passo a examinar a postulação, pois de fato não constou do acórdão, motivo pelo qual acolho em parte os aclaratórios, para que as razões aqui expostas sejam a ele integradas sem, no entanto, efeitos modificativos.

No recurso criminal da ora embargante (ID 45442625) constou:

Quanto ao delito previsto no art. 288, parágrafo único, do Código Penal, a recorrente teve a pena definitiva aplicada no quantum de 2 anos e 3 meses de reclusão. Foram consideradas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis. In verbis:

[...] No que se refere às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, a culpabilidade da ré extrapola a normalidade típica, porque a acusada era candidata a vice-prefeita e responsável pela escolha e fiscalização da sua campanha eleitoral, de modo que, mais do que os demais agentes envolvidos, tinha o poder e o dever de orientar seus correligionários a cumprirem a legislação e a não realizarem atos de violência, ameaça ou agressão à liberdade do voto.

[...]

As consequências do crime pesam em desfavor da acusada, já que, em razão dos inúmeros ilícitos criminais e eleitorais praticados pelos membros da associação criminosa, a Justiça Eleitoral cassou os diplomas de Valmor José Capeletti e Gláucia Regina Brocco, ao julgar procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) nº 0600662-25.2020.6.21.0064, ocasionando a realização de Eleições Suplementares no município de Cerro Grande/RS, ocorrida em 30/10/2022.

No que tange à culpabilidade da ora recorrente, esta não merece ser considerada desfavorável, tendo em vista que, conforme apurado em instrução criminal, a acusada não detinha poder de comando em relação aos atos de campanha praticados pelos demais apoiadores.

O próprio corréu Edimar atestou esta versão ao aduzir que nunca teve contato com a recorrente Gláucia a fim de ser orientado sobre como participar da campanha eleitoral, acrescentando que o contato com a apelante era “[...] para falar a verdade, era muito pouco (5’00” – Vídeo 1) [...] na verdade nem tive contato com eles (Gláucia e Valmor)” (00’00” – Vídeo 2).

Outrossim, não se pode concluir que a ré possui culpabilidade acentuada, eis que não possuía o domínio do fato para controlar os atos descortinados na vestibular acusatória.

Por sua vez, as consequências do delito também não devem ser consideradas negativas, posto que tais circunstâncias ventiladas pelo juízo a quo, a bem da verdade, não se constituem consequências negativas. A cassação dos diplomas eleitorais da recorrente é um prejuízo somente suportado pela própria recorrente, e não pelas vítimas.

[…]

Portanto, deve-se manter o apenamento no mínimo legal, qual seja, 1 ano e 6 meses.

No caso das coações eleitorais, o juízo a quo considerou as mesmas circunstâncias fáticas para fundamentar o aumento da pena base.

Outrossim, a fim de evitar desnecessária reiteração dos argumentos supra ventilados, a defesa requer seja, de pronto, reestabelecida a pena para o mínimo legal, qual seja, 1 ano, com a incidência da majorante da continuidade delitiva.

Especificamente quanto ao aumento da majorante da continuidade delitiva para os fatos n.º 6 e 7, também deve, no ponto ser reformada a decisão primeva.

Isso porque a continuidade delitiva foi aplicada em relação aos fatos n.º 6 e 7,conforme supra citado, o que demanda o aumento de 1/6, e não 1/5, conforme aplicado na origem.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a fração do aumento da continuidade delitiva quando há 2 infrações deverá ser de 1/6. Nesse sentido:

8. Esta Corte Superior firmou a compreensão de que a fração de aumento no crime continuado é determinada em função da quantidade de delitos cometidos, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (HC 342.475/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 23/2/2016).

Portanto, a pena definitiva para o delito de coação eleitoral deve ser limitada ao quantum de 1 ano e 2 meses de reclusão.

Em decorrência da incidência do concurso material de delitos (associação criminosa + coação eleitoral), tem-se que o apenamento correto se subsume em 2 anos e 8 meses. Apenamento este que, a teor do art. 33, parágrafo 2º, alínea “c”, do Código Penal, permite que a recorrente cumpra desde o início a reprimenda em regime inicial aberto.

Todavia, tendo bem presente o teor do art. 44 do Código Penal, denota-se que é possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito.

 

Passo a analisar os dois pontos trazidos pela embargante.

1. Circunstâncias do art. 59 do Código Penal para os crimes de associação criminosa e coação eleitoral

Foram consideradas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis: a culpabilidade e as consequências do crime.

A culpabilidade foi valorada de forma negativa em face de a embargante ser candidata a vice-prefeita e responsável pela escolha e fiscalização da sua campanha eleitoral, de modo que, mais do que os demais agentes envolvidos, tinha o poder e o dever de orientar seus correligionários a cumprirem a legislação e a não realizarem atos de violência, ameaça ou agressão à liberdade do voto. Aliás, restou demonstrado que o veículo de propriedade da candidata foi utilizado para a realização de vários delitos.

A embargante alega que não detinha poder de comando em relação aos atos de campanha e que o corréu Edimar teria atestado esta versão ao aduzir que nunca teve contato com Gláucia a fim de ser orientado sobre como participar da campanha eleitoral, acrescentando que o contato “era muito pouco” ou quase nenhum.

A alegação não afasta a culpabilidade acentuada, pois, conforme constou na sentença (ID 45442599), em seu interrogatório, Gláucia Regina Brocco reconheceu que o veículo Parati descrito pelas vítimas foi utilizado por Edimar e Jeremias e demais réus.

No que diz respeito às consequências do crime, igualmente correta a sua valoração como negativa, diante da realização de novas eleições no Município de Cerro Grande, circunstância que, diferentemente do alegado pela embargante no sentido de que seria um prejuízo suportado apenas por Gláucia, afetou toda a coletividade e população daquela localidade, que se viu obrigada a ir novamente às urnas para a escolha de novos mandatários, diante da mácula à legitimidade e à normalidade do pleito causada pela perpetração dos inúmeros crimes ocorridos.

Em relação às causas de aumento, embora tenha constado na sentença a menção ao elevadíssimo número de ocorrências policiais por crimes violentos, foram consideradas para o aumento as duas circunstâncias especiais previstas no parágrafo único do art. 288 do CP (uso de arma de fogo e participação de adolescente).

Desse modo, nenhum reparo ao fato de a pena definitiva ter sido fixada em 2 anos e 3 meses de reclusão.

Quanto às coações eleitorais, do mesmo modo devem ser mantidas as duas circunstâncias reconhecidas como desfavoráveis em relação à associação criminosa pelos mesmos motivos que acima alinhei, ou seja, a culpabilidade acentuada em face do cargo que disputava e as consequências do crime reveladas pela anulação da Eleição de 2020 no Município de Cerro Grande.

 

2. Fração de aumento diante da continuidade delitiva – Fatos 6º e 7º

Alega a embargante que, por serem dois fatos delituosos, o aumento pela continuidade delitiva seria de 1/6, e não 1/5, pois teriam sido cometidos dois delitos.

Sem razão.

Conforme constou na sentença (ID 45442599), a embargante cometeu o delito de coação eleitoral (art. 301 do Código Eleitoral) por 3 (três) vezes, ou seja, contra as vítimas Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira (Fato 6) e contra Nelson Machado (Fato 7), motivo pelo qual o aumento aplicado pela continuidade foi de 1/5, nos termos da jurisprudência consolidada e trazida pela própria embargante, nos termos da Súmula 659 do STJ:

Súmula 659 – A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.

 

Dessa forma, igualmente correta a dosimetria levada a efeito na sentença, sem que se possa cogitar de efeitos infringentes aos aclaratórios.

Por derradeiro, rejeitada alteração do apenamento postulada por via de consequência, deve ser afastado o pedido de modificação do regime inicial de cumprimento da pena.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO para acolher em parte os embargos de declaração, dando-lhes efeito integrativo da fundamentação aqui esposada ao acórdão de ID 45618581, sem, contudo, atribuir efeito infringente à presente decisão.