PCE - 0603260-76.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/04/2024 às 14:00

VOTO 

Trata-se da prestação de contas de OTACÍLIO ROBERTO MACHADO SOARES, candidato não eleito ao cargo de deputado federal pelo PATRIOTA, relativa às Eleições de 2022.

Efetuado o exame técnico, a Secretaria de Auditoria Interna do TRE-RS identificou as irregularidades abaixo citadas no parecer conclusivo (ID 45521537) e não sanadas pelo candidato (manifestação técnica da SAI - ID 45568070), as quais serão separadamente analisadas.

 

Do uso de recursos de origem não identificada 

Constatou-se omissão no lançamento de despesa pelo candidato em vista de batimento realizado com informações fornecidas pelas autoridades fazendárias. A despesa paga ao fornecedor Cleiton Vieira da Silva, CNPJ n. 28.760.820/0001-09, valor de R$ 1.999,98, não foi declarada na prestação de contas.

O candidato apresentou prestação de contas retificadora, contudo, como aduzido pela unidade técnica, sem tecer esclarecimentos sobre o montante irregular.

A existência da nota fiscal emitida contra o CNPJ do candidato indica o fornecimento do produto ou serviço para a sua campanha, conforme informação constante no sistema da Justiça Eleitoral Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais - DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001611175/nfes. Acesso em 04.12.2023)

O pagamento não transitou pela conta bancária de campanha, conforme consulta aos extratos bancários no DivulgaCand.

Portanto, a efetivação de pagamento de despesa com valores que não transitaram pela conta bancária de campanha configura utilização de recursos de origem não identificada, cuja sanção é a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, segundo dispõe o art. 32 da Resolução 23.607/19 do TSE.

Segue ementa de aresto desta Corte na mesma linha:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Recurso de origem não identificada – RONI. Consoante entendimento desta Corte, a emissão de nota fiscal contra o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral. Ausentes provas de seu cancelamento, retificação ou estorno, resta caracterizada a omissão de registro de despesa, em violação ao disposto no art. 53, inc. I, al. g, da Resolução TSE n. 23.607/19. As despesas não declaradas implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada. Caracterizada a irregularidade, impõe–se o recolhimento da quantia correspondente ao Tesouro Nacional. 3. A irregularidade representa 45,83% do total arrecadado pelo candidato, de modo a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06030571720226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 09/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 190, Data: 17/10/2023.) (Grifei.)

 

Da malversação de verbas do FEFC

Constataram-se irregularidades na comprovação de despesas com a utilização de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O candidato declarou diversas despesas relativas à prestação de serviços em prol de sua campanha sem juntada de instrumento contratual. Os pagamentos às pessoas de Lenir Rosa, Jhonatan Esterkotter Joaquim, Elizandra de Fortini Muller e Gabril Florence dos Santos foram realizados entre os dias 1º e 22.9.2022, em um total pago de R$ 12.990,00.

O contrato é documento essencial para a verificação da natureza da despesa, sendo a sua formalização necessária para constituição do vínculo entre as partes e para o registro das condições do trabalho. A ausência de contrato impossibilita a fiscalização da utilização da verba pública por esta Justiça Especializada, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Tenho por irregular a utilização da verba, valor de R$ 12.990,00.

É o entendimento sufragado por esta Casa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO PATRIMONIO DECLARADO. AFASTADO O APONTAMENTO. DÍVIDA DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDA PELO PARTIDO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. ALTO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas realizada por candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. 2. Utilização de recursos próprios acima do patrimônio declarado, por ocasião do registro de candidatura. O candidato fez constar em seu registro de candidatura a condição de militar na inatividade, informação corroborada pela Carteira de Identidade do Exército Brasileiro. Ademais, indica a profissão de veterinário, e, a fim de comprovar a escolaridade, acostou certificado de Doutor em Ciências: Biologia Celular e Molecular. Portanto, os elementos constantes no processo de registro de candidatura permitem concluir pela existência de capacidade financeira do prestador. Afastado o apontamento. 3. Dívida de campanha não assumida pelo partido. Matéria disciplinada no art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19. A impossibilidade de rastrear a origem dos recursos utilizados para pagamento de tais dívidas os configura como recursos de origem não identificada. Inviável a determinação de recolhimento ao erário, por ausência de amparo normativo. 4. Ausência de comprovação de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Ausente contrato de prestação de serviço ou nota fiscal relativa à despesa incluída no relatório de contratados para militância de rua. Não apresentados esclarecimentos a respeito da contratação, deve a quantia correspondente ser recolhida ao Tesouro Nacional, por tratar–se de verba pública. 5. As irregularidades representam 10,94% do total de receitas declaradas, inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 6. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06022543420226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 30/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data: 06/11/2023.) (Grifei.)

 

De outra banda, houve uma remuneração paga em retribuição a serviços de militância, valor de R$ 5.000,00, efetuado mediante depósito da conta de campanha do candidato para a sua conta bancária de pessoa física, ou seja, o candidato efetuou um pagamento para si mesmo sem nenhum lastro contratual.

Observou-se no extrato bancário da conta FEFC o desconto de um cheque, na boca do caixa, no valor de R$ 5.000,00, em operação realizada na data de 02.9.2022, tendo como contraparte o próprio candidato.

Este Pleno, ao enfrentar situação análoga, determinou o recolhimento da cifra indevidamente utilizada ao erário:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. SAQUE ELETRÔNICO. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. PERCENTUAL MÓDICO. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. 2. Irregularidade na comprovação de gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Saque eletrônico na conta destinada ao trânsito de recursos do FEFC em benefício do próprio candidato. Despesas alegadamente pagas superiores ao limite legal para saques de pequeno vulto. Ademais, verificado nos extratos bancários que um dos pagamento ocorreu por meio de Transferência Eletrônica Disponível – TED, não se confirmando a alegação de que o gasto teria sido quitado com parte da verba sacada, e que os documentos bancários não apresentam registro de pagamento ao outro fornecedor. Não comprovados os gastos com recursos do FEFC, a quantia considerada irregular deve ser recolhida ao Tesouro Nacional. 3. A irregularidade representa 3,39% do total dos recursos declarados, o que viabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na linha de entendimento deste Tribunal Regional Eleitoral. 4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06024803920226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 25/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 136, Data: 27/07/2023.)

 

Verifica-se, assim, além da falta de comprovação do destino dado ao numerário em questão, a existência de indícios de apropriação de recursos públicos pelo candidato, de que trata o art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19, passível de configurar o crime do art. 354-A do Código Eleitoral.

Entendo aqui ter havido irregularidade na comprovação da utilização de verba FEFC, sendo impositiva a devolução do valor de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional. Ademais, tenho por configurada a hipótese do art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19 do TSE, devendo cópia dos autos ser enviado ao MPE para apuração dos fatos.

Identificou-se também a existência de recursos não utilizados na conta bancária FEFC do candidato, total de R$ 8,70. A legislação não reconhece os recursos como sobras de campanha, mas determina apenas o seu recolhimento ao Tesouro Nacional. Ocorre que o candidato, descumprindo essa norma, efetuou o depósito do valor na conta bancária do Diretório Regional do PATRIOTA, o que enseja o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19 do TSE.

A matéria já foi objeto de análise por este Colegiado, ocasião que redundou na ordem de devolução do montante ao Tesouro Nacional, conforme ementa de acórdão da minha lavra:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE DEPUTADA ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE GASTO. AUSÊNCIA DE CONTABILIZAÇÃO DE NOTA FISCAL. INCORRETA DESTINAÇÃO DE VERBA NÃO UTILIZADA ORIUNDA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. TRANSFERÊNCIA DE QUANTIA NÃO UTILIZADA AO PARTIDO. INFRAÇÃO À NORMA COGENTE. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Irregularidade atinente à omissão de gasto. Nota fiscal emitida sem a contabilização da despesa. Utilização de recursos de origem não identificada – RONI. Ausência nos autos de documento indicando o cancelamento da nota fiscal, de sorte que o débito emitido contra o CNPJ de campanha da candidata permanece válido e sugere despesa eleitoral por abranger o período de campanha. Em que pese a alegação da candidata no sentido de que a despesa não traduziria gasto de campanha, não foi carreada aos autos qualquer prova nesse sentido. Necessária a restituição aos cofres públicos. 3. Demonstrada a transferência da quantia não utilizada do FEFC para o partido, malferindo a norma cogente, categórica ao determinar que os valores sob tal condição devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, mediante guia de recolhimento específica. Irregularidade incontroversa. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, por força do disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A soma das irregularidades remanescentes representa 3,23% dos recursos auferidos em campanha, permitindo, na linha de entendimento pacificado neste Tribunal, o juízo de aprovação com ressalvas das contas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ainda que necessário o recolhimento da quantia indevida ao erário. 5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06028788320226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. José Luiz John Dos Santos, Data de Julgamento: 22/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 177, Data: 27/09/2023.)

 

Por fim, no que tange ao apontamento realizado acerca de tarifa bancária constante no extrato, valor de R$ 1,30, descontada diretamente pela instituição financeira, considero-o regular, pois conforme afirmado pelo MPE em seu parecer, “tendo em vista a fidedignidade do fornecedor Banco do Brasil S.A. e o valor irrisório, razoável seja admitida a informação do extrato como comprovação da ínfima despesa tarifária apontada” (ID 45547988).

Dessa maneira, o montante apurado como irregular na presente prestação de contas totaliza R$19.998,68 (R$ 1.999,98 + R$ 12.990,00 + R$ 5.000,00 + R$ 8,70), quantia equivalente a aproximadamente 90,55% dos recursos financeiros utilizados em campanha, o que enseja um juízo reprobatório em controle judicial de contas. Ademais, a análise das contas revelou irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, impõe a devolução dos valores ao Tesouro Nacional.

Diante do exposto, acolho o parecer ministerial e VOTO pela desaprovação das contas de OTACÍLIO ROBERTO MACHADO SOARES, nos termos do art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o envio de cópia dos autos ao Ministério Público para apuração de eventual prática de infração penal do art. 354-A do Código Eleitoral, e o recolhimento do valor de R$ 19.998,68 ao Tesouro Nacional, nos seguintes termos:

- R$ 1.999,98 - uso de RONI; e

- R$ 17.998,70 - pela malversação de verbas do FEFC.