PCE - 0602057-79.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/04/2024 00:00 a 25/04/2024 23:59

VOTO

DEBORA DE BAIRROS BRAGA, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

Após a realização do exame inicial da contabilidade, manifestação da candidata e parecer ministerial, houve retorno à Secretaria de Auditoria Interna – SAI para reanálise, em razão de irregularidades verificadas das quais a prestadora não foi notificada.

A unidade técnica emitiu novo parecer conclusivo. Apontou (1) a existência de dívida de campanha; (2) o percebimento de recursos de origem não identificada - RONI; e (3) a ausência de comprovação de despesas cujo pagamento ocorreu com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Passo à análise.

1. Dívida de campanha.

A informação elaborada após o parecer conclusivo apontou a existência de dívida de campanha, matéria que encontra regulamentação no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

(...)

 

Com efeito, o extrato de prestação de contas da candidata declara a contratação de despesas em montante de R$ 33.409,64, enquanto registra o valor de R$ 17.906,84 em despesas efetivamente pagas, ou seja, R$ 15.502,80 deixaram de ser quitados junto aos fornecedores/prestadores, de modo a configurar dívida de campanha. Merece destaque parte da documentação que pretende comprovar despesas havidas com pessoal (quatorze de R$ 590,00 e três de R$ 820,00). Nesses casos, foram juntados meros recibos, a maioria deles assinados pela própria candidata, que os “representaria” no ato. Por óbvio, trata-se de documentos absolutamente nulos, desprovidos de valor probatório. 

Ademais, a prestadora acostou, no ID 45211357, Termo de Assunção de Dívida, Cronograma de Quitação e Anuência do Credor.

Porém, os documentos não estão assinados pelo Diretório Estadual do União Brasil/RS, bem como resta ausente a autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição, conforme dispositivos referidos. Ademais, no campo para assinatura de alguns dos credores consta o registro “CIENTE PORÉM NÃO ASSINOU A TEMPO DE ENVIO”.

Por todo o exposto, inequívoca a configuração da irregularidade no montante total de R$ 15.502,80.

No entanto, o valor apontado como irregular não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional. Com efeito, o Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

(TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022.) (Grifei.)

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as Eleições de 2022, consoante julgamentos ocorridos na sessão de 09.12.2022: PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000; Relator: Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, e PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000; Relator: Des. Caetano Cuervo Lo Pumo.

2. Recursos de Origem não Identificada – RONI.

Relativamente à utilização de recurso de origem não identificada – RONI, a unidade técnica observou omissão de despesa na prestação de contas em exame, identificada por meio das informações constantes na base de dados da Justiça Eleitoral, consistente na Nota Fiscal n. 202200000000012, emitida em 12/09/2022, por ROGERIO AMARAL DA ROSA LTDA, no valor de R$ 270,00.

A prestadora reconheceu a irregularidade e afirmou a intenção de realizar o recolhimento da quantia glosada ao Tesouro Nacional sem, contudo, trazer aos autos comprovante de pagamento da Guia de Recolhimento da União – GRU.

Reconhecida a irregularidade no uso de recurso que não transitou nas contas de campanha, portanto de origem não identificada, e não comprovado o recolhimento da quantia de R$ 270,00, mantém-se a exigência de devolução do valor ao erário, nos termos dos arts. 14 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

O exame das contas registrou que a declaração de uma despesa com impulsionamento de conteúdos, no valor de R$ 300,00, não se fez acompanhar de documento fiscal.

Sublinho que a correta comprovação dos gastos eleitorais viabiliza o controle da aplicação dos recursos de campanha, especialmente os recursos públicos disponíveis aos candidatos e candidatas, e deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço, nos termos da Resolução TSE n, 23.607/19, art. 60.

Em resposta, a candidata acostou o recibo de ID 45211398, de acordo com a imagem abaixo:

 

Conforme se verifica, o documento não apresenta os requisitos exigidos pela legislação de regência, sendo, assim, insuficiente para comprovar o gasto. Em verificação ao DivulgaCand, no extrato bancário, até é possível localizar um débito no valor de R$ 300,00; contudo, o campo para registro da contraparte deixa de discriminar o real beneficiário do recurso público, fazendo constar apenas “TITULO DE OUTRO BANCO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A”, (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001601884/extratos).

Ademais, no mesmo banco de dados, não há a nota fiscal relativa a alegada operação, de maneira que uma vez não comprovado o gasto realizado com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 300,00 e passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Indício de irregularidade: contratação de parente.

Conforme consignado pelo órgão contábil, mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CPF e CNPJ da RFB, foi identificada a realização de despesa junto a RODRIGO DE BAIRROS BRAGA, possivelmente irmão da candidata, no valor de R$ 820,00, a indicar suspeita de desvio de finalidade.

No ponto, observo que a referida despesa integra o montante de R$ 15.502,80 de contratações não pagas aos credores. Julgo que a circunstância afasta a possibilidade de perquirir sobre possível desvio de finalidade no gasto eleitoral, exatamente por caracterizar dívida de campanha.

Conclusão.

A soma das irregularidades alcança R$ 16.072,80 (R$ 270,00 RONI + R$ 300,00 FEFC + R$ 15.502,80 dívida de campanha) e representa 49,12% das receitas declaradas na prestação (R$ 32.721,05), o que impede, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, um juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A desaprovação das contas é medida que se impõe, acompanhada da ordem de recolhimento de R$ 570,00.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação da prestação de contas de DEBORA DE BAIRROS BRAGA, candidata ao cargo de deputada federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 570,00 (R$ 270,00 RONI e R$ 300,00 FEFC) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.