PCE - 0603041-63.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/04/2024 00:00 a 25/04/2024 23:59

VOTO

Ilustres colegas.

Trata-se de continuidade do julgamento da prestação de contas apresentada pela candidata não eleita ao cargo de deputada federal Alzira Janice Peres Leal, referente à campanha de 2022.

Conforme o voto que prolatei na sessão de 07.3.2024, a unidade técnica exarou parecer conclusivo indicando que a candidata aplicou irregularmente verbas procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no total de R$ 3.950,00, que representam 7,24% do montante de recursos recebidos (R$ 54.500,00), em razão das seguintes irregularidades (item 4.1 do parecer conclusivo, ID 45512248):

a) diferença na contraparte do débito de R$ 250,00, realizado por transferência bancária em 12/09/2022, uma vez que a prestadora de serviços contratada foi Gabriele Carvalho (CPF 045.180.520-80) e a beneficiária do pagamento é Karen Michele da Cunha – CPF 034.493.520-59;

b) ausência de dois comprovantes fiscais, no valor total de R$ 3.700,00, emitidos pelos prestadores Triste Sina Fotografia (02/09/2022, serviços de fotografia, R$ 2.500,00) e Carlos Alberto Lopez Pereira Filho (05/09/2022, edição de vídeos, R$ 1.200,00), em desacordo com o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/2019;

Ao analisar as irregularidades, apontei, quanto ao item “a”, que a falha se refere ao apontamento de diferença na contraparte do débito de R$ 250,00, realizado por PIX em 12.9.2022, uma vez que a prestadora de serviços contratada foi Gabriele Carvalho (CPF 045.180.520-80) e a beneficiária do pagamento é Karen Michele da Cunha – CPF 034.493.520-59 (item 4.1 do parecer conclusivo, último ponto da tabela).

Ao justificar o apontamento, a candidata explicou que o erro foi apenas formal, pois contratou as duas militantes, conforme contratos que haviam sido juntados ao feito, e que o débito de R$ 250,00 foi transferido via PIX corretamente, estando condizente com a remuneração ajustada nos contratos.

Houve apenas equívoco ao escriturar, ou seja, registrar nas contas esse dispêndio, pois o correto seria ter indicado nas contas Karen da Cunha, que recebeu o valor conforme extrato bancário, e não Gabriele Carvalho (ID 45512972, p. 2-4).

Efetivamente, a partir da análise do extrato bancário da candidatura disponível no site da Justiça Eleitoral DivulgaCand Contas, verifica-se que a movimentação financeira corresponde ao total da remuneração ajustada com as prestadoras Karen Michele da Cunha e Gabriele Carvalho, respectivamente R$ 1.450,00 e 1.218,00 (contratos de ID 45502998 e 45502999).

O equívoco da candidata foi meramente formal, pois nas contas indicou que o PIX de R$ 250,00 havia sido realizado para Gabriele.

Assim, a despeito de erro na escrita contábil, o qual é passível de ressalva, dispensei o recolhimento do valor ao erário, pois o pagamento está devidamente comprovado nos autos.

No que tange à irregularidade indicada no item “b”, que trata da ausência de notas fiscais das despesas realizadas com o FEFC, em desacordo com o art. 60 da Resolução TSE 23.607/19, no valor total de R$ 3.700,00, foi apontada a falha quanto à contratação da empresa Triste Sina Fotografia (serviços de fotografia, R$ 2.500,00) e do prestador de serviços Carlos Alberto Lopez Pereira Filho (edição de vídeos, R$ 1.200,00), conforme item 4.1 do parecer conclusivo.

Quando do início do julgamento, referi que a candidata se manifestou expressamente sobre as irregularidades e juntou documentos (ID 45512972), alegando que as despesas estavam devidamente comprovadas, e que os fornecedores, em razão do seu enquadramento tributário no simples nacional como microempreendedores individuais (MEI), estariam dispensados da obrigação acessória de emissão de documento fiscal, sendo-lhes exigido apenas a assinatura de contrato.

Transcrevo os argumentos da candidata (ID 45512972, p. 1-2):

Os dois primeiros itens da tabela constante da página 5 do parecer dizem com a contratação de prestação de serviços. Os profissionais não emitiram nota fiscal pois foi celebrado contrato de prestação de serviços.

O artigo 60 da Resolução 23.607/2019 é claro ao permitir outras formas de comprovação da despesa:

(...)

Sendo assim, não se pode considerar as despesas como irregulares, uma vez que os contratos anexados sob as ID´s 45502978 e 45502979 são plenamente condizentes com o que disciplina a legislação concernente.

Ademais, tratam-se, ambas, de microempresas razão pela qual somente firmaram contrato de prestação de serviços. Em anexo seguem novamente os contratos bem como os respectivos CNPJ´s.

Na ocasião, apontei que o art. 106 da Resolução n. 140/2018 do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) determina ao microempreendedor individual MEI a obrigação tributária acessória de emissão de comprovante fiscal sempre que o tomador do serviço for inscrito no CNPJ, como ocorre nos postulantes a cargo eletivo, pois para todos os candidatos há inscrição no CNPJ:

Art. 106. O MEI:

(Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 26, §§ 1º e 6º, inciso II)

(...)

II - em relação ao documento fiscal previsto no art. 59:

(...)

b) ficará obrigado à sua emissão:

1. nas prestações de serviços para tomador inscrito no CNPJ;”

Entendi, ainda, que havia descumprimento do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que a comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo, emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Por conta disso, reportando-me à jurisprudência deste Tribunal, que em casos análogos entendeu como falha grave e insanável a falta de apresentação de documento fiscal de despesa custeada com recursos públicos, conclui que permanecia o apontamento de irregularidade e que a quantia de R$ 3.700,00 deveria ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Contudo, em razão das elucidativas ponderações suscitadas pelo Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, que trouxe à luz o conteúdo do art. 60, §§ 1° e 3° da Resolução TSE n. 23.607/19 e propôs a conversão do julgamento em diligência, para que a candidata comprovasse a efetiva execução do objeto contratado, entendo que o caso dos autos guarda peculiaridade que permite o afastamento do dever de recolhimento da quantia glosada ao Tesouro Nacional, nada obstante a falha deva permanecer sendo considerada no julgamento.

É que, conforme o bem-lançado voto do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, o art. 60, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao dispor que, “além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos”.

Ao elencar os documentos que podem ser apresentados para a comprovação das despesas, o referido dispositivo estabelece, de forma exemplificativa, contrato (inciso I), comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço (inciso II) e comprovante bancário de pagamento (inciso III).

No caso em tela, a candidata juntou aos autos os contratos (IDs 45512973 e 45512966), e seu extrato bancário demonstra que os fornecedores são os efetivos beneficiários dos pagamentos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001647864/extratos):

 

 

Relativamente à comprovação de que Carlos Alberto Lopez Pereira Filho realizou os serviços de vídeo e edição, e que Triste Sina Fotografia prestou serviços de fotografia e edição, após a intimação, a candidata apresentou prova concreta e sólida de que houve entrega dos produtos contratados durante a campanha.

Foram juntados aos autos fotografias e filmagens vinculadas às redes sociais da candidata, conforme demonstra com capturas de telas (print) e com links dos sites nos quais foram exibidas as propagandas por vídeo e por foto.

Devido a essas peculiaridades, verifiquei que o Tribunal Superior Eleitoral tem também entendido pela ausência de gravidade quanto à falta de apresentação de nota fiscal quando as despesas são comprovadas por documentos complementares que garantam confiabilidade nos gastos da candidatura. Colaciono precedentes:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. CONTAS DE CAMPANHA APROVADAS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. GASTOS ORIUNDOS DE RECURSOS ADVINDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS. APRESENTAÇÃO DE OUTROS MEIOS COMPROBATÓRIOS. POSSIBILIDADE. ART. 63, § 1º, DA RES.-TSE Nº 23.553/2017. PRECEDENTES. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. O art. 63, § 1º, da Res.-TSE nº 23.553/2017 permite que a comprovação de despesas, em âmbito de prestação de contas de campanha de candidato, possa ser feita por outros documentos idôneos, além das notas fiscais, ainda que se trate de recursos oriundos do Fundo Partidário. Precedentes.

2. Incide na espécie o Enunciado Sumular nº 30 do TSE, segundo o qual “não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral”, aplicável igualmente aos recursos manejados por afronta à lei.

3. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - REspEl: 06011626120186030000 MACAPÁ - AP, Relator: Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 15/10/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 217, Data: 28/10/2020)

 

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS IDÔNEOS PARA A COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.

1. O Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe aprovou as contas de campanha de candidato a deputado estadual, referentes às Eleições de 2018, por entender pela regularidade da apresentação de outros documentos idôneos, em substituição às notas fiscais, para a comprovação de despesas no valor de R$ 10.775,00.

2. A norma do art. 63 da Res.-TSE 23.553 permite que a comprovação de despesas possa ser feita por outros documentos idôneos, além das notas fiscais, a exemplo de: contratos, comprovantes de entrega de material ou da efetiva prestação dos serviços, comprovantes bancários ou Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social.

3. O Tribunal de origem consignou que houve a apresentação de “contratos, recibos de pagamentos e cópias de cheques”, documentos que foram “hábeis para comprovar o pagamento dos gastos com a contratação de prestação de serviços de assistência para a campanha eleitoral, denominado por alguns candidatos de prestação de serviço de militância e atividade de rua” (ID 3660188, p. 3).

4. A Corte regional assinalou que os documentos apresentados não obstaram “a análise, por parte desta Justiça, da movimentação financeira da campanha do prestador de contas, como ficou consignado no parecer técnico” (ID 3660188, p. 3) e, ao final, concluiu pela ausência de falhas que comprometessem a confiabilidade da escrituração contábil da prestação de contas em voga.

5. Considerando os termos da decisão, mediante a qual o Tribunal de origem concluiu pela idoneidade dos documentos apresentados e pela comprovação dos gastos realizados, não haveria como alterar tal entendimento sem a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede extraordinária, a teor do verbete sumular 24 do TSE.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe nº 0601199-76/SE, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 17.9.2019, DJe de 7.11.2019)

 

Saliento ser inegável ter havido um descumprimento da legislação tributária pelos prestadores de serviço e uma falha da candidata, enquanto responsável pela sua prestação de contas, ao deixar de exigir o documento fiscal quando da contratação.

Contudo, considerando que a fiscalização tributária não compete à Justiça Eleitoral, importa ter presente que a aplicação do recurso está perfeitamente demonstrada no feito, o que satisfaz a exigência de comprovação por intermédio de meios contundentes de prova previstos na parte final do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com isso, penso que, embora a regra geral seja a de que as contas sejam instruídas com o respectivo documento fiscal, pode-se admitir, pela via da exceção, e nos termos sugeridos pelo Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, a comprovação da despesa por outros instrumentos.

Nesse contexto, no caso específico dos autos em que há falta de apresentação de documento fiscal, a impropriedade não impõe o dever de recolhimento ao erário devido à apresentação conjunta de documentos idôneos: contrato, extrato, comprovante bancário. Demonstrou-se de forma segura que o pagamento foi realizado ao profissional ou à empresa contratada, com prova concreta da efetiva entrega do material ou da real prestação do serviço.

Da leitura do art. 63, § 1º, e respectivos incisos da Resolução TSE n. 23.607/19, entendo que, estando presentes esses requisitos em sua integralidade, não há comprometimento à transparência, à confiabilidade e à lisura da aplicação dos recursos, remanescendo como falha meramente formal a questão tributária.

Desse modo, revendo o posicionamento inicialmente exposto, considero que está devidamente demonstrada a aplicação dos recursos do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha quanto aos pagamentos realizados para a empresa Triste Sina Fotografia e o prestador de serviços Carlos Alberto Lopez Pereira Filho, devendo a falta de emissão de nota fiscal ser considerada uma falha formal passível de ressalva que não acarreta o dever de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, na forma de precedente do egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA APROVADAS COM RESSALVAS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. GASTOS ORIUNDOS DE RECURSOS ADVINDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS. APRESENTAÇÃO DE OUTROS MEIOS COMPROBATÓRIOS. POSSIBILIDADE. ART. 63, §§ 1º E 2º, DA RES. TSE Nº 23.553/2017. PRECEDENTES. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 1. O art. 63 da Res. TSE nº 23.553/2017 permite que a comprovação de despesas, em âmbito de prestação de contas de campanha de candidato, possa ser feita por outros documentos idôneos, além das notas fiscais, ainda que se trate de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Precedentes. 2. Incide na espécie o Enunciado Sumular nº 30 do TSE, segundo o qual "não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral", aplicável igualmente aos recursos manejados por afronta a lei 3. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - RESPE: 06010083120186250000 ARACAJU - SE, Relator: Min. Og Fernandes, Data de Julgamento: 18/08/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 177, Data: 03/09/2020, Página 0)

 

Por conseguinte, divirjo do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, na medida em que essa conclusão pela falta de recolhimento da quantia ao erário, conforme já assinalado, não impede que o apontamento seja ressalvado e considerado na decisão de mérito, para fins de julgamento pela aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação das contas.

Assim, apesar da falha formal, revejo o posicionamento anterior a partir dos novos documentos apresentados e entendo sanada a irregularidade relativa a despesas no valor total de R$ 3.700,00, quanto à contratação da empresa Triste Sina Fotografia (serviços de fotografia, R$ 2.500,00) e do prestador de serviços Carlos Alberto Lopez Pereira Filho (edição de vídeos, R$ 1.200,00), apontada no item 4.1 do parecer conclusivo (ID 45512248), sem determinação de devolução das quantias ao erário, mantendo-se unicamente a ressalva quanto à ausência de apresentação de documento fiscal.

Conclusão

As falhas verificadas alcançam o montante total de R$ 3.950,00, equivalem a 7,24% dos recursos recebidos pela candidata em sua campanha (R$ 54.500,00), e se enquadram no parâmetro fixado na jurisprudência desta Justiça Especializada de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação da contabilidade com ressalva (inferior a 10% da arrecadação financeira).

Além disso, nos termos da fundamentação, dispenso o recolhimento ao erário dos valores glosados, uma vez que se trata de falhas formais que não impediram a fiscalização e o controle da Justiça Eleitoral sobre os gastos de campanha.

Em face do exposto, na forma do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de ALZIRA JANICE PERES LEAL.