PCE - 0603670-37.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/04/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por CRISTIANE SILVEIRA DE DEUS, candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

Passo ao exame das irregularidades apontadas pelo órgão técnico.

 

1. Da Omissão de Despesas Eleitorais

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal apontou a existência de despesa eleitoral não declarada pela candidata, para a qual houve emissão de nota fiscal eletrônica para o CNPJ de campanha, nos seguintes termos:

3.1. Foi identificada omissão relativa às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

 

A emissão da nota fiscal apontando o gasto acima descrito faz presumir sua realização, cabendo à prestadora de contas fazer prova em sentido contrário. Se os gastos não ocorreram ou eventualmente a prestadora não reconhece a despesa, a nota fiscal deveria ter sido cancelada ou retificada junto ao estabelecimento emissor, nos termos do previsto no art. 92, §§ 5º e 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese, intimada acerca da irregularidade, a prestadora deixou decorrer o prazo concedido sem manifestação.

Portanto, a existência do documento fiscal contra o número de CNPJ da candidata, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data: 16.12.2019, p. 73).

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...). (TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03/02/2022.) (Grifei.)

 

Assim, a quantia de R$ 148,55 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Utilização de Recursos de Origem Não Identificada

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apontou, ainda, o recebimento direto na conta de campanha destinada ao FEFC de recursos de origem não identificada, assim descritos no parecer conclusivo:

3.2. A candidata registrou o valor de R$ 1.600,00 (30/09/2022) como Recursos de Origem Não Identificada. Porém, os recursos estão identificados no extrato bancário eletrônico com doados pelo Diretório Municipal do PDT da cidade de São Leopoldo. Ocorre que o montante transitou equivocadamente pela conta bancária FEFC, além disso, não foram discriminados os doadores originários (pessoas físicas) dos recursos. Por fim, o documento que informa os CPFs dos doadores originários está ilegível (45306811).

 

Com efeito, os art. 29, § 3º, c/c 32, § 1º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19 determinam que, em caso de transferências de recursos de origem privada de partidos políticos para candidatos, deve haver a emissão de recibo de doação com a identificação dos doadores originários dos valores, in verbis:

Art. 29. As doações de recursos captados para campanha eleitoral realizadas entre partidos políticos, entre partido político e candidata ou candidato e entre candidatas ou candidatos estão sujeitas à emissão de recibo eleitoral na forma do art. 7º desta Resolução.

[...].

§ 3º As doações referidas no caput devem ser identificadas pelo CPF da doadora ou do doador originária (o) das doações financeiras, devendo ser emitido o respectivo recibo eleitoral para cada doação, na forma do art. 7º desta Resolução (STF, ADI nº 5.394) .

[...].

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

II - a falta de identificação da doadora ou do doador originária (o) nas doações financeiras recebidas de outras candidatas ou de outros candidatos ou partidos políticos;

 

Na hipótese, a candidata, equivocadamente, registrou os valores de natureza privada recebidos do Diretório Municipal do PDT de São Leopoldo como recursos de origem não identificada (ID 45306779) e movimentou a verba por meio da conta destinada ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Assim, é provável que a errônea destinação dos recursos tenha prejudicado a anotação dos doadores originários no módulo próprio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE.

Em sua defesa, a prestadora apresentou uma relação acerca das pessoas físicas que doaram ao partido político (ID 45306811). Contudo, o documento, que aparenta ser uma inscrição manual no verso do cheque correspondente, está parcialmente ilegível e não consigna o autor daquela declaração, de modo que carece de idoneidade para o saneamento da falha.

Por outro lado, em breve consulta ao sistema PJe pela prestação de contas do Diretório Municipal do PDT de São Leopoldo, referente ao exercício de 2022, nos autos da PC-PP n. 0600007-87.2023.6.21.0051, localiza-se o “Demonstrativo de Transferências de Recursos a Partidos e Candidatos”, no qual os doadores originários estão discriminados por nome e CPF (ID 114213079 daqueles autos):

 

A informação prestada pelo órgão partidário registra precisamente os doadores originários da verba repassada: “Nome: IARA TERESA CARDOSO - CPF: 36549231000; Nome: RAFAEL TARCÍSIO FORNECK - CPF: 48252972004; Nome: VALDIR DOS SANTOS - CPF: 53613279053; Nome: GILMAR GOULART PINTO - CPF: 60549475087; Nome: GISELE DA SILVA SANTOS - CPF: 74430386072; Nome: ROSELAINE DA SILVA PORTO - CPF: 93113471087”.

Portanto, no caso concreto, a impropriedade no lançamento dos doadores primitivos da receita financeira constitui falha meramente formal, que não afeta a análise das contas, mormente porque é possível confirmar a origem e natureza da doação por meio dos sistemas de informações disponíveis à Justiça Eleitoral.

Entretanto, remanesce o equívoco relativo à movimentação de recursos de origem particular em conta destinada ao recebimento de verbas do FEFC, em transgressão ao art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

[...].

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

 

No caso dos autos, tendo sido identificada a origem das doações e alcançado o rastreamento dos valores pelo órgão técnico, que não indicou nenhum ilícito na aplicação das receitas, não houve prejuízo à confiabilidade e à transparência das contas, de modo que a impropriedade enseja apenas a anotação de ressalvas.

Com esse posicionamento, o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUTOFINANCIAMENTO SEM A DEMONSTRAÇÃO DA CAPACIDADE FINANCEIRA. AFASTADO O APONTAMENTO. DEPÓSITO DE RECURSOS PRIVADOS NA CONTA DO FEFC. AUSENTE RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DAS SOBRAS DE CAMPANHA DAS VERBAS ADVINDAS DO FEFC. IMPROPRIEDADES ESCLARECIDAS. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas ao pleito de 2020 e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. [...]. 3. Realizado depósito de recursos privados, na conta bancária do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Conforme apontou o exame técnico, trata-se de depósitos realizados pela própria candidata, tendo sido identificada a origem das doações, não havendo prejuízo à confiabilidade e à transparência dos registros contábeis. [...]. 5. Persistência de falhas que caracterizam mera impropriedade ensejadora de ressalva nas contas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que não verificado o uso de recursos de origem não identificada. 6. Parcial provimento.

(TRE-RS - Acórdão: 060050927 ERECHIM - RS, Relator: Des. GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 24/03/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 28/03/2022.) (Grifei.)

 

Assim, as falhas em análise caracterizam mera impropriedade formal na elaboração das contas, que, nas circunstâncias específicas verificadas nos autos, justificam tão somente a aposição de ressalvas.

3. Da Comprovação dos Gastos com Recursos do FEFC

No item 4.1 do parecer conclusivo, o órgão técnico apontou uma série de gastos quitados com recursos do FEFC com inconsistências e falhas em suas comprovações documentais, conforme transcrevo:

4.1.1. O contrato assinado entre as partes, referente à despesa da tabela abaixo, está com diversidade de objetos. No preâmbulo da avença, consta como objeto “contrato de prestação de serviços de motorista com veículo”. Na cláusula primeira consta objeto de “prestação de serviços contábeis para prestação de contas referente às eleições 2022”. Na cláusula segunda consta “serviços de natureza eleitoral, como fim especial de divulgação de campanha eleitoral 2022”. E, por fim, nos recibos de pagamentos juntados aos autos consta “serviços contábeis de prestação de contas da campanha eleitoral de 2022”. Ademais, não foi apresentada a nota fiscal referente à prestação dos serviços.

 

4.1.2. As despesas abaixo possuem inconsistências, conforme detalhamento constante ao final da tabela, nos termos da Res. 23.607/19:

 

Detalhamento da inconsistência observada na tabela:

A – O contrato apresentado está em nome André Silva do Nascimento, no entanto foi assinado por Francisco Ubirajara da Silva; a documentação apresentada não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

B – A documentação apresentada não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

C – O documento fiscal apresentado não possui as dimensões do material impresso produzido, observado o §8º do art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

D – Não foi apresentado o documento de propriedade do imóvel locado, o qual deve estar em nome de Araci Hermes.

 

Em relação ao subitem 4.1.1, envolvendo o gasto com UNNICA ASSESSORIA CONTÁBIL LTDA, o instrumento contratual contém diversas incongruências quanto ao seu objeto, impossibilitando que se conclua com segurança acerca do objeto e da regularidade do serviço contratado (ID 45306797).

Com efeito, o contrato é intitulado “Instrumento particular de contrato de prestação serviços de prestação de contas – contabilidade”. A mesma atividade está inscrita na cláusula primeira, “prestação de serviços contábeis para prestação de contas referente às eleições 2022”, e nos recibos de pagamentos, “serviços contábeis de prestação de contas da campanha eleitoral de 2022”.

Inclusive, a despesa está registrada no SPCE no “Demonstrativo de Despesas com Contador” (ID 45306789), e a representante da pessoa jurídica que assina o contrato é exatamente a contadora informada nas fichas de responsáveis pela administração financeira de campanha (ID 45306774).

Por outro lado, no preâmbulo do documento consta “contrato de prestação de serviços de motorista com veículo” e na cláusula segunda é consignado que o fim especial do pacto consiste em “serviços de natureza eleitoral, como fim especial de divulgação de campanha eleitoral 2022”.

O pacto, ainda, carrega dispositivos que preveem ônus e responsabilidades sobre “pessoal de equipe de divulgação de rua” (cláusula terceira) e “despesas com combustível” (cláusula sexta), bem como coloca o dever de “o veículo estar disponível nas datas de 25/08/2022 a 03/10/2022”, condições compatíveis com gastos com pessoal de campanha e militância de rua.

Ainda quanto ao período de vigência da contratação, o término em 03.10.2022, ou seja, um dia após a data das eleições, não guarda congruência nem com a data em que apresentadas as contas finais de campanha, em 07.11.2022 (ID 45305764), e nem a manutenção de equipe de campanha após o pleito.

Logo, o gasto não está comprovado por documentos idôneos, nos termos exigidos pelo art. 60, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo que persistem as falhas indicadas pelo órgão técnico.

De modo semelhante, os documentos analisados no subitem 4.1.2 do parecer conclusivo apresentam relevantes falhas, que lhes retiram o valor probatório para demonstrar a regularidade das despesas com recursos públicos.

O contrato ajustado com CÁTIA ELISABE KLEIN SCHWEIG, em seu preâmbulo, descreve que a finalidade do instrumento é a “prestação de serviços de motorista com veículo”, enquanto que na cláusula primeira está inscrito como objeto “a prestação de serviço com equipe de divulgação de rua” (ID 45306803), pondo incerteza sobre as atividades que teriam sido efetivamente contratadas.

Por outro lado, não existe informação sobre eventual veículo que teria sido utilizado na prestação dos serviços.

A especificação das atividades contratadas, no caso em tela, torna-se imprescindível ante o substancial valor da remuneração paga, ou seja, R$ 18.500,00 por 40 dias de trabalho. Outrossim, o documento sequer está assinado pela parte contratante, o que já é suficiente para lhe suprimir a aptidão como prova do gasto eleitoral.

A mesma situação ocorre em relação ao contrato estabelecido com ANDRÉ SILVA DO NASCIMENTO, que não está assinado pela candidata contratante (ID 45306800, fls. 1-2). Além disso, no campo de assinaturas, embora a rubrica aparente corresponder ao que consta na Carteira Nacional de Habilitação de André (ID 45306800, fl. 3), o contratado está identificado como “Francisco Ubirajara da Silva”.

No tocante à despesa com ARACI HERMES, foram pagos R$ 4.950,00 para a locação de uma garagem localizada nos fundos de um imóvel, sem qualquer especificação sobre o período de vigência da contratação, demonstrada exclusivamente pelos recibos de pagamento subscritos pela pessoa física locadora (ID 45306795).

Além disso, no relatório preliminar de exame, o órgão técnico indicou que “não foi apresentado o documento de propriedade do imóvel locado, o qual deve estar em nome de Araci Hermes” (ID 45541713). Apesar de intimada para complementar a documentação, a prestadora de contas nada manifestou.

De regra, a comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo, podendo a Justiça Eleitoral admitir outros meios de prova, como contrato, comprovante de entrega do material ou da prestação efetiva do serviço, dentre outros (art. 60, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), e, nos termos do § 3º do mesmo diploma legal, poder-se-á exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a efetiva prestação do serviço declarado.

No caso em examine, em que pese a legislação eleitoral exigir a comprovação da propriedade do bem somente em casos de doação estimável em dinheiro (art. 58, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19), o que não é o caso dos autos, a comprovação se torna necessária, por se tratar de gastos custeados com recursos públicos, cuja transparência e moralidade devem ser a regra, consistindo em providência indispensável para verificar a efetiva prestação do serviço e a correta utilização dos recursos públicos, como se depreende do seguinte julgado desta e. Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VALORES DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. BAIXO PERCENTUAL. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Gasto com aluguel de automóvel sem a apresentação de documento indicando sua propriedade. A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 60, § 4º, inc. III, dispensa a comprovação, no caderno contábil de campanha, quando se tratar de cessão de automóvel de propriedade do candidato. Todavia, a demanda cinge-se à locação de terceiro. No caso, o prestador não trouxe aos autos documento comprovando a propriedade do veículo locado. Irregularidade caracterizada.

3. A irregularidade não ultrapassa os parâmetros utilizados por esta Corte para, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aprovar as contas com ressalvas, na medida em que a falha representa 6,52% do montante percebido pelo candidato, ainda que necessário o recolhimento da quantia indevida ao erário.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060214265, Acórdão, Relator(a) Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 146, Data: 10/08/2023.) (Grifei.)

 

De outra sorte, sobre o gasto com a pessoa jurídica LUIS FERNANDO SILVEIRA DE SOUZA, para o qual o órgão técnico aponta que “o documento fiscal apresentado não possui as dimensões do material impresso produzido, observado o §8º do art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019”, entendo que a falha não prejudica a comprovação da contratação.

A nota fiscal em questão indica a prestação dos serviços de “criação de arte e impressão de santinhos para a campanha eleitoral”, no total de 10.000 unidades, ao custo de R$ 1.278,00 (ID 45306804).

Ainda que os “santinhos” não tenham sido dimensionados no documento fiscal, trata-se de meio de propaganda amplamente utilizado em todas as eleições. É de notório conhecimento que o impresso consiste em um “pequeno prospecto de propaganda eleitoral com retrato e número do candidato a cargo público”, conforme anota o Glossário Eleitoral do TSE (https://www.tse.jus.br/servicos-eleitorais/glossario/termos-iniciados-com-a-letra-s), do tamanho aproximado de um cartão de crédito, justamente para que o eleitor carregue consigo no momento do voto.

Assim, o termo “santinho” remete a um material de campanha que mantém uma certa uniformidade em seu tamanho.

No caso concreto, o custo unitário aproximado de R$ 0,12, sem descontar a remuneração para a “criação de arte”, demonstra que o impresso se manteve dentro das dimensões que a espécie de propaganda ordinariamente preserva ao longo das diversas eleições.

O presente entendimento foi acolhido por este Tribunal no julgamento da PC n. 060266310/RS, da relatoria do eminente Des. Eleitoral AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, acórdão de 26.11.2022, DEJERS de 27.11.2022, em que superada a falha por não especificação das dimensões de “colinhas” adquiridas pelo candidato ante a padronização de mercado do produto, consoante a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. FONTE VEDADA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. USO INDEVIDO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. [...]. 4.1. A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 60, § 8º, dispõe que o material impresso de campanha deve vir, no corpo das notas fiscais, acompanhado de suas dimensões. Na espécie, não discriminadas as dimensões das "colinhas" no documento fiscal da empresa. Falha superada. 4.2. Inconsistência relativa a despesas junto ao Facebook, visto que o somatório dos gastos declarados é superior ao custo das notas fiscais apresentadas. A cifra irregular, representa montante cuja destinação não foi esclarecida na contabilidade oferecida.5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PRESTAÇAO DE CONTAS - CANDIDATO nº 060266310, Acórdão, Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 27/11/2022.) (Grifei.)

 

Agrego, ainda, julgado com o mesmo posicionamento do TRE-BA:

Prestação de contas. Candidato. Eleições de 2022. Extratos bancários incompletos. Aferição da movimentação financeira por intermédio dos extratos eletrônicos. Pagamento de despesa mediante cheque não cruzado. Identificação da destinação do recurso por meio do sistema de compensação bancária. Nota fiscal sem descrição das dimensões do material impresso. Documento fiscal com indicação da aquisição de “santinhos”. Dimensão pré-estabelecida. Meras impropriedades. Ausência de comprometimento da confiabilidade das contas e do poder fiscalizatório desta Justiça Especializada. Aprovação com ressalvas. 1. Devem ser aprovadas, com ressalvas, as contas prestadas por candidato nas quais se verifica a existência de impropriedades que, pela sua natureza de meras falhas formais, não comprometem a regularidade, confiabilidade e transparência das informações prestadas (art. 74, II, da Resolução TSE nº 23.607/2019). 2. Contas aprovadas com ressalvas.

(TRE-BA - PCE: 06040951120226050000 SALVADOR - BA, Relator: Des. ARALI MACIEL DUARTE, Data de Julgamento: 08/02/2023, Data de Publicação: Relator (a) Des. ARALI MACIEL DUARTE.) Grifei.

 

Desse modo, a falha, no caso concreto, não afeta a transparência e regularidade do gasto, embora mereça a aposição de ressalvas diante da impropriedade formal constatada.

Portanto, afastada apenas a despesa com LUIS FERNANDO SILVEIRA DE SOUZE, os demais dispêndios com recursos públicos apontados pelo órgão técnico não estão comprovados por documentos idôneos e confiáveis, devendo, assim, o valor de R$ 58.589,00 (R$ 23.639,00 + R$ 18.500,00 + R$ 11.500,00 + R$ 4.950,00) ser restituído ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

4. Do Julgamento das Contas

Assim, o conjunto de irregularidades soma R$ 58.737,55 (R$ 148,55 + R$ 58.589,00), atingindo o patamar de 76,6% do total arrecadado (R$ 76.600,00), o que inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade dos vícios sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a desaprovação, em linha com o parecer ministerial.

Além disso, a quantia de R$ 58.737,55 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, sendo R$ 148,55 a título de utilização de recursos de origem não identificada (art. 32, caput, e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e R$ 58.589,00 por insuficiente comprovação dos gastos com recursos do FEFC (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de ADRIANA SOARES FRANCO, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 58.737,55 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.