REl - 0600027-81.2022.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/04/2024 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, consta que a contabilidade anual da agremiação recorrente foi desaprovada em virtude do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10, mediante depósito bancário, contrariando, assim, o disposto no § 3º do art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, que exige seja feita a doação por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal.

Transcrevo excerto do parecer conclusivo da unidade técnica:

B) Conforme o item 2 do Exame da Prestação de Contas (ID 109181815), da análise dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE, constatou-se o ingresso de recursos de origem não identificada (Banco BANRISUL, Agência 270, Conta-Corrente 685622506) uma vez que foi identificado ingresso de recursos de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) não realizados mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, contrariando o § 3º do art. 8º da Resolução TSE 23.604/2019:

(…)

O valor recebido em desacordo com a norma, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional, obstando a aferição da exata origem do recurso recebido.

Sobre o item apontado não houve manifestação por parte do órgão partidário e seus responsáveis.

Destaca-se que o prestador de contas utilizou o recurso e não apresentou Guia de Recolhimento da União que comprove a restituição do valor ao doador, conforme disposto no parágrafo décimo do art. 82 da Resolução TSE 23.604/2019. Assim, não é possível atestar a real procedência de tais valores, configurando-se tecnicamente como recursos de origem não identificada, no total de R$ 3.500,00, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 143 da Resolução TSE n. 23.604/2019.

Destaca-se que a análise técnica das contas está adstrita às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à agremiação partidária, não se esgotando a possibilidade de surgirem informações, a qualquer momento, por conta da fiscalização ou investigação de outras esferas do poder público.

 

Em sua defesa, os recorrentes sustentam que os "valores foram depositados em espécie, sendo um na data de 25 de junho de 2021, no valor de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) realizado por doador filiado e o outro na data de 08 de outubro de 2021, no valor de R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais), em ambos os casos existe a possibilidade de identificar os depositantes". Defendem que, embora os valores tenham "sido depositados equivocadamente na conta bancária em vez de ter sido realizada a transferência bancária ou emissão de cheque nominal e cruzado, conforme previsão legal, nos documentos juntados pela Agremiação é possível a identificação dos doadores, uma vez que foram emitidos RECIBO DE DOAÇÃO - VIA DIREÇÃO PARTIDÁRIA de ambas as doações".

No ponto, a Resolução TSE n. 26.604/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95) .

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político, transferência eletrônica, depósito bancário diretamente na conta do partido político, mecanismo disponível em sítio do partido na internet que permita o uso de cartão de crédito, cartão de débito, emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, convênios de débitos em conta e outras modalidades, desde que atenda aos requisitos previstos no art. 7º, § 1º, desta Resolução, devendo ser registradas na prestação de contas de forma concomitante à sua realização com a inclusão da respectiva documentação comprobatória.

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deve ser realizado na conta "Doações para Campanha" ou na conta "Outros Recursos", conforme sua destinação, sendo admitida a efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou do contribuinte ou o CNPJ, no caso de partidos políticos ou candidatos, seja obrigatoriamente identificado.

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 4º Em ano eleitoral, os partidos políticos podem aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas, observando-se o disposto nos arts. 23, § 1º , e 24 da Lei nº 9.504/97 e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias (art. 39, § 5º, da Lei nº 9.096/95). (Grifei.)

 

Como se constata da leitura do dispositivo legal, a irregularidade decorre da inobservância do § 3º do art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, sendo irrelevante a boa-fé do prestador como elemento hábil a afastar a incidência da regra.

No caso, como bem consignado na sentença, consta "do exame conclusivo os ingressos irregulares, visto que superiores ao valor de R$ 1.064,10 definido pela norma, de dois valores, via depósitos em espécie, um na data de 25/06/2021 - R$ 1.600,00 e outro na data de 08/10/2021 - R$ 1.900,00 os quais, ainda que relatados em análise preliminar, remanescem, diante da insuficiente argumentação do partido". Aduz que o partido "esclarece que os valores foram depositados equivocadamente na conta bancária, não observando o limite legal, mas que é perfeitamente possível a identificação de quem os realizou, visto que, em ambos os depósitos constam o número do CPF dos depositantes." Refere que, no "caso, não há dúvida quanto à colaboração acima do marco legal de R$ 1.064,10, em afronta à norma eleitoral, não havendo discordância do prestador quanto ao ponto". Conclui, portanto, que "permanece a mácula quanto ao aporte de recursos de origem não identificada na conta da agremiação, bem como o dever de recolhimento da integralidade do valor irregular, R$ 3.500,00 ao Tesouro Nacional". Por fim, salienta que a "falha representa 100% dos valores auferidos no exercício, comprometendo substancialmente a contabilidade".

Por consequência, forçoso concluir pelo desprovimento do recurso.

Destaco que o escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Somado a isso, ainda que os depósitos tenham sido realizados com a anotação do CPF dos supostos doadores, é firme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2. O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 02.8.2019.) (Grifo nosso)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifo nosso)

 

Sobre o tema, colaciono ainda o seguinte precedente desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DOAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS DE FORMA DISTINTA DA DETERMINADA PELA NORMA REGENTE. OMISSÃO DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO EM SUA FORMA DEFINITIVA. FALHAS GRAVES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. A unidade técnica apontou doações acima do limite estabelecido, realizadas de modo diverso do determinado na norma, em desobediência aos arts. 22, inc. I, §§ 1º e 3º, e art. 34, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Evidenciado aporte de dinheiro em espécie na conta de campanha, feito pelo próprio candidato, sem qualquer informação da origem das importâncias. Ausência de esclarecimentos pelo prestador de contas. Falha grave.

2. Identificada omissão de gastos eleitorais na prestação de contas, através de cruzamento de dados da própria Justiça Eleitoral - notas eletrônicas de gastos eleitorais. Apontamento não esclarecido pelo prestador. Ausência de correlação entre receita e despesa. Inviável a identificação do responsável pelo pagamento das notas fiscais. Recurso considerado como de origem não identificada.

3. Ausência de extrato bancário impresso, de forma definitiva, com abrangência de todo o período eleitoral, da conta destinada à movimentação de Outros Recursos. Inviabilizado o exame e fiscalização de todos os recursos financeiros declarados na prestação de contas retificadora, nos termos do art. 56, inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. Falhas graves que representam 87,2% das receitas obtidas na campanha, ensejando o juízo de desaprovação das contas. Além disso, impõe-se o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

5. Desaprovação. (Prestação de Contas n 060319523, ACÓRDÃO de 13/12/2018, Relator EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DJ - Diário de justiça.) (Grifei.)

 

E, pelas mesmas razões, é indiferente o fato de um dos depósitos ter sido realizado por filiado à agremiação.

Portanto, a ausência de comprovação segura dos doadores dos valores compromete a regularidade das contas, restando tais recursos qualificados como de origem não identificada, devendo o valor correspondente ser integralmente recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 8, §§ 3º e 10º, e 48, caput, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Por fim, haja vista a irregularidade em questão representar 100% da receita obtida pelo partido, descabe a aprovação das contas com ressalvas, devendo, ainda, ser mantida a aplicação da sanção de multa de 20% sobre o valor identificado como irregular, bem como a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário até que o valor irregular seja recolhido, tudo nos termos do disposto nos arts. 46, inc. II, e 48 , ambos da Resolução TSE n. 23.604/19.

Em face do exposto, acolho o parecer do Ministério Público e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo hígida a sentença.