REl - 0600571-34.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/04/2024 às 14:00

VOTO

A sentença recorrida fundamenta a desaprovação destas contas em falhas na contabilidade no montante de R$ 2.050,46, que representam 35,97% do total de recursos arrecadados (R$ 5.700,00), em virtude das seguintes irregularidades:

a) recebimento e movimentação de R$ 1.800,00 originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em conta bancária não aberta especificamente para esse fim, em contrariedade ao art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que a movimentação do valor ocorreu na conta “outros recursos”;

b) pagamento do montante total de R$ 2.050,00, por meio de 3 cheques não cruzados ns. 850001 (R$ 480,00), 850002 (R$ 790,00) e 850003 (R$ 780,00), efetuados com valores procedentes do FEFC e de outros recursos, repassados para a empresa fornecedora Imperial Artes Gráficas Ltda., que foram compensados por terceiros, respectivamente, por Silvio Dolci Marchiori, por Dante Olivier Heckler e por Auto Posto Sete de Setembro Ltda., em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (notas fiscais, IDs 45500871, 45500874 e 45500872; extrato bancário, ID 45500876);

c) falta de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 0,46, procedente do FEFC, relativa à diferença entre o adiantamento de R$ 650,00 em créditos de impulsionamento de conteúdo de internet contratados junto ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., devido à comprovação da efetiva utilização de somente R$ 649,54 para a despesa, em desconformidade com o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A decisão recorrida determinou a devolução da totalidade dos recursos provenientes do FEFC aos cofres públicos, no valor de R$ 1.800,00.

O recorrente, em suas razões, confirma os equívocos contábeis, mas defende que as irregularidades não representam prejuízo à transparência das contas, motivo pelo qual requer a reforma da sentença e o afastamento da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Passo ao exame das razões de reforma da sentença quanto às irregularidades constatadas nas contas:

a) recebimento e movimentação de R$ 1.800,00, originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na conta bancária “outros recursos”

Primeiramente, foi apontado o trânsito de recursos do FEFC em desacordo com as normas de contabilidade eleitoral, circunstância que dificulta o escrutínio desta Justiça Especializada sobre a correta destinação de verbas públicas, e viola a exigência do art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Referido dispositivo estabelece que, na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e as candidatas ou os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

Todavia, esta Corte tem precedentes no sentido de que esse tipo de falha pode ser objeto apenas de ressalva nas contas quando não acarreta confusão grave entre as receitas de diferentes naturezas, sendo esse o caso dos autos.

De acordo com o parecer técnico preliminar, foi possível realizar a separação das receitas (públicas e privadas). Veja-se o apontamento do examinador (ID 45500897):

2) De acordo com o extrato eletrônico da conta n. 95300-8 na Agência 2692 do Banco do Brasil, que pode ser acessado pesquisando pelo candidato no link https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/, na qual foram movimentados recursos privados e do FEFC - Fundo Especial de Financiamento de Campanha (embora trate-se de conta Outros Recurso), foram compensados os cheques abaixo relacionados, em que constam beneficiários divergentes no extrato eletrônico, em relação às notas fiscais juntadas ID 56053956, 56053957, 56053958 e 56053959, em desacordo com o disposto no art. 38, I, da Resolução TSE 23.607/2019:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

Assim, deverão ser apresentadas cópias dos referidos cheques, frente e verso, que devem corresponder aos fornecedores referentes às notas fiscais apresentadas. Caso os cheques estejam nominais e cruzados aos fornecedores mas estes não constem como beneficiários no extrato eletrônico, deverá ser apresentada, de forma individualizada, comprovação idônea e inequívoca do vínculo entre o fornecedor do produto/serviço e o beneficiário do cheque constante no extrato eletrônico e do pagamento ao fornecedor (comprovante bancário definitivo), sob pena de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional quando estiver envolvido recurso público no pagamento, nos termos do art. 79, § 1º da Resolução TSE 23.607/2019:

CHEQUE COMPENSADO:

Data: 08/10/2020

Número: 850001

Beneficiário: SILVIO DOLCI MARCHIORI 061.547.350-49

Valor: R$ 480,00, pago com recursos privados

CHEQUE COMPENSADO:

Data: 23/10/2020

Número: 850002

Beneficiário: DANTE OLIVIER HECKLER 931.397.560-20

Valor: R$ 790,00, pago em parte por recursos privados, R$ 420,00, e parte com recursos públicos, R$ 370,00.

CHEQUE COMPENSADO:

Data: 04/11/2020

Número: 850003

Beneficiário: AUTO POSTO SETE DE SETEMBRO LTDA 02.888.685/0001-80

Valor: R$ 780,00, pago com recursos públicos

De fato, observo que no extrato bancário da conta outros recursos, disponibilizado no sistema DivulgaCand Contas, tem-se o recebimento da quantia de R$ 1.800,00 procedente do FEFC e de valores privados no total de R$ 900,00 (3 depósitos de R$ 300,00), demonstrando que o crédito na conta bancária, no período de campanha, foi de R$ 2.700,00 entre recursos públicos e privados.

Os débitos realizados na conta bancária também totalizam R$ 2.700,00, mas foram realizados através de 4 cheques, nos valores de R$ 480,00, R$ 790,00, R$ 780,00 e R$ 650,00, dos quais somente o cheque de R$ 650,00 foi regularmente emitido ao fornecedor declarado nas contas.

Os demais cheques foram sacados por terceiros que não figuram nas contas como fornecedores de campanha, circunstância que foi objeto de apontamento de falha pelo descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 e será analisada no item “b”.

Nada obstante, tem-se que o exame técnico conseguiu realizar a separação dos recursos públicos e privados, tanto que apontou, no parecer conclusivo, que a falha atinente aos 3 cheques não cruzados e com beneficiários divergentes no extrato eletrônico, no valor total de R$ 2.050,00, foi custeada com recursos do FEFC, no montante de somente R$ 1.150,00:

Em sua manifestação, ID 111998670, o candidato informa não possuir as cópias dos cheques, que foram passados para o beneficiário que prestou os serviços de impressão de materiais e que emitiu as notas fiscais correspondentes. Acrescenta, ainda, que o emissor esqueceu de cruzar os referidos cheques e o beneficiário original repassou para pagamentos a terceiros. Juntou Termo de Esclarecimento do sócio proprietário da Gráfica Imperial Artes Gráficas Ltda, CNPJ 88.952.239/0001-02, que informou ter prestado os serviços de impressão de materiais de campanha para Eleição 2020 Arthur Bispo de Oliveira Prefeito, tendo emitido as notas fiscais que foram pagas com os referidos cheques. (ID 111998673).

Deste modo, as operações não obedeceram ao disposto no art. 38, I, da Resolução TSE 23.607/2019, com beneficiários divergentes no extrato eletrônico, no valor total de R$ 2.050,00, sendo que parcela trata-se de recursos FEFC, comprometendo a comprovação da regular utilização dos recursos públicos, ensejando o recolhimento do montante de R$ 1.150,00 ao Tesouro Nacional, no termos do art. 79, § 1º, da citada Resolução:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

Art. 79 (…)

§ 1° Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Logo, o mero recebimento do recurso público na conta bancária destinada ao recebimento de recursos privados não impediu o exame sobre a arrecadação financeira, podendo ser considerada impropriedade digna de ressalva, sem gerar o dever de recolhimento do valor ao erário tão somente por esse fundamento, na linha da jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MOVIMENTAÇÃO IRREGULAR. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CONTA BANCÁRIA DE VALORES DE NATUREZA PRIVADA. DESTINAÇÃO DA VERBA. VERIFICADA. UTILIZAÇÃO NA CAMPANHA. VALOR ABSOLUTO REDUZIDO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Recurso contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha relativas às eleições de 2020, em razão da movimentação do montante de R$ 1.000,00, oriundos do Fundo Partidário, para a conta bancária "Outros Recursos" reservada aos valores de natureza privada.

2. Nos termos do disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a movimentação de recursos oriundos do Fundo Partidário deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica criada para tal finalidade.

3. A irregularidade não gerou confusão grave entre as receitas de diferentes naturezas, uma vez que foi possível ao examinador discriminar a origem e espécie de cada uma das movimentações financeiras do candidato, bem como a destinação de cada verba.

4. Não há indícios de uso indevido dos valores, pois, conforme bem apontou a sentença, “não significa, no entanto, que os recursos públicos tenham tido sua finalidade desvirtuada, porquanto é possível verificar que foram efetivamente utilizados para pagamentos de compromissos da campanha, conforme as notas fiscais, recibos e cópias dos cheques emitidos, além dos registros no extrato bancário”.

5. O montante das irregularidades mostra-se irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas.

6. Provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas apresentadas.

(TRE-RS, REl PCE n. 600314-45.2020.6.21.0019, Rel. Des. El. Miguel Antônio Silveira Ramos, j. 27.07.2021)

Portanto, o recurso nesse ponto comporta provimento parcial para que a impropriedade conste apenas como ressalva nas contas, sem recolhimento do valor ao erário.

b) Pagamento do montante total de R$ 2.050,00, por meio de 3 cheques não cruzados, para a empresa Imperial Artes Gráficas Ltda., com desconto dos cheques por terceiros

Quanto à sua falha, a sentença aponta que o recorrente emitiu 3 cheques, nos valores de R$ 480,00, R$ 790,00 e R$ 780,00, para o pagamento da empresa Imperial Artes Gráficas Ltda., no total de R$ 2.050,00, e que o desconto das cártulas foi efetuado por terceiros que não foram declarados nas contas como fornecedores de campanha.

A falha representa violação ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que a emissão de cheque se dê somente de forma nominal e cruzada, e o apontamento foi reconhecido pelo recorrente quando da intimação do parecer conclusivo, ocasião em que informou que os cheques foram repassados para o beneficiário que efetivamente prestou os serviços de impressão de materiais e emitiu as notas fiscais, mas sem o cruzamento.

O cruzamento dos cheques não tem relevância para o julgamento, pois os cheques foram devidamente compensados no sistema bancário pelos terceiros Silvio Dolci Marchiori, Dante Olivier Heckler e Auto Posto Sete de Setembro Ltda.

Ocorre que o candidato reconhece não ter realizado a emissão nominal das cártulas, conforme exige o dispositivo legal violado, afirmando em suas razões recursais que tão somente entregou os cheques para a empresa fornecedora, como forma de pagamento, a qual teria feito o repasse a terceiros. No ponto, colho nas razões de reforma a argumentação sobre a falha (ID 45500921):

Com relação aos três cheques que apresenta beneficiários divergentes no extrato eletrônico, em relação às notas fiscais juntadas, informa-se que os referidos cheques foram passados para o beneficiário que prestou os serviços de impressão de materiais e que emitiu as referidas notas fiscais. O que ocorreu foi que quem emitiu e passou os cheques, acabou esquecendo de cruzar os referidos cheques e o beneficiário original acabou repassando referidos cheques para pagamentos a terceiros, como se comprova pelo termo de esclarecimento que se junta em anexo, passado pelo proprietário da Gráfica que emitiu as notas fiscais.

Também foi juntado aos autos um Termo de Esclarecimento, supostamente firmado pelo sócio proprietário da empresa Gráfica Imperial Artes Gráficas Ltda., CNPJ 88.952.239/0001-02, Marcelo Marchiori, no qual é referido o efetivo recebimento dos cheques em contraprestação aos serviços de impressão de materiais de campanha (ID 45500906).

Tal documento, contudo, produzido de modo unilateral e sem fé pública, não tem força suficiente para tornar o pagamento hígido.

Sobre o tema, é cediço que este Tribunal fixou o entendimento pela possibilidade de endosso do cheque emitido de modo nominal e cruzado para o pagamento de despesas de campanha, uma vez que o procedimento não é vedado pela Resolução TSE n. 23.607/19:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. FALHA PARCIALMENTE SANADA. PERSISTÊNCIA DO APONTAMENTO RELATIVO A CHEQUE SACADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas relativas às eleições de 2020 de candidatos para os cargos de prefeito e vice, impondo a ordem de recolhimento de quantias irregulares ao Tesouro Nacional.

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.

3. Persistência da falha com relação ao cheque sacado sem identificação do endossatário. A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento. Os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Regional. Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade representa 11,97% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha e ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Manutenção do juízo de reprovação das contas.

5. Parcial provimento. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REL PCE n. 0600821-73.2020.6.21.0029, Rel. Desa. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 28.04.2023)

Contudo, a realização de operação de endosso sequer foi invocada pelo recorrente e, diante da ausência de prova da emissão de cheque nominal ao fornecedor declarado nas contas, não há como superar a falha constatada, pois foi impedido o rastreio dos recursos, a transparência das contas e a sua fiscalização pela Justiça Eleitoral.

Quanto às consequências do cometimento da irregularidade, é preciso ter presente que o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não prevê a cominação de sanção caso haja emissão de cheque em desacordo com a legislação eleitoral na hipótese de o pagamento ser realizado com a utilização de recursos privados.

Eventual dever de recolhimento ao erário é decorrência do art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19, nos casos em que o pagamento por cheque se dá com o uso de recursos públicos, pois a irregularidade acarreta o dever de ressarcimento ao erário do valor indevidamente utilizado.

No caso em tela, conforme já referido, o parecer conclusivo indicou que a falha atinente aos 3 cheques não cruzados e com beneficiários divergentes no extrato eletrônico, no valor total de R$ 2.050,00, foi custeada com recursos do FEFC no importe de somente R$ 1.150,00.

Assim, a diferença entre a íntegra do valor dos cheques irregulares (R$ 2.050,00) e a parcela de verba pública utilizada no pagamento (R$ 1.150,00), que resulta no montante de R$ 900,00, é quantia privada que não está acobertada pelo dever de recolhimento ao erário, por ausência de previsão legal.

Portanto, também nesse ponto o recurso comporta parcial provimento, a fim de que seja mantida a falha e reduzido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 1.150,00.

c) Sobras de valores do serviço de impulsionamento de conteúdo de internet não restituídas ao Tesouro Nacional

A terceira incongruência refere-se à insurgência contra o apontamento de impropriedade da quantia procedente do FEFC, no valor de R$ 0,46, relativa à diferença entre o adiantamento do pagamento de R$ 650,00 ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e a efetiva utilização de R$ 649,54 em créditos de impulsionamento de conteúdo de internet, nos termos da nota fiscal juntada aos autos.

Nesse ponto, observa-se um equívoco na sentença quanto à natureza do valor utilizado para o pagamento do gasto, pois a decisão colaciona trecho do parecer conclusivo no qual consta a informação de que o débito foi adimplido com recursos públicos do FEFC, para depois concluir que o valor de R$ 0,46 é irrisório e considerá-lo procedente de recursos privados, deixando, por essa razão, de determinar o ressarcimento do valor ao erário.

Todavia, tendo em conta que o Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença e não interpôs recurso, é incabível a reforma para determinar o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, sob pena de ofensa à vedação da reformatio in pejus, devendo ser mantida a conclusão da decisão no sentido de que a falha caracteriza apenas ressalva nas contas.

Relativamente ao pagamento de serviços de impulsionamento de internet junto ao Facebook, os créditos contratados e não utilizados devem ser transferidos como sobra de campanha, a depender da origem dos recursos, para o Tesouro Nacional ou para o Partido Político, nos termos do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em suas razões, o recorrente afirma que o valor contratado e pago foi de R$ 650,00, e que a referida diferença é ínfima e não foi ressarcida pelo Facebook.

A justificativa, entretanto, não tem o condão de afastar a ressalva, pois a determinação de recolhimento do valor ao erário está expressamente prevista no art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

(...)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC; e

 

Portanto, mantenho a sentença nesse ponto.

 

Em conclusão, entendo correto o juízo de desaprovação das contas, pois as falhas na emissão de cheques compensados por terceiros (R$ 2.050,00) e na ausência de devolução de créditos com impulsionamento de conteúdo de internet (R$ 0,46) representam R$ 2.050,46, equivalentes a 35,97% do total de recursos recebidos pelo candidato em sua campanha (R$ 5.700,00), extrapolando os parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (superior a 10% da arrecadação financeira e acima de R$ 1.064,10).

Todavia, o recurso comporta provimento parcial para que seja reduzido de R$ 1.800,00 para R$ 1.150,00 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, por ser essa a quantia procedente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha irregularmente aplicada nas contas, consoante art. 38, inc. I, c/c o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reformar em parte a sentença e reduzir de R$ 1.800,00 para R$ 1.150,00 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, com juros e correção monetária, referente à irregularidade na aplicação de recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nos termos da fundamentação.