PCE - 0603658-23.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/04/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por JANETE ROSS DE OLIVEIRA, candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI), analisando a contabilidade de campanha, apontou inconsistência nos gastos com combustíveis, em texto assim vazado (ID 45571993):

4. Aplicação irregular dos recursos públicos

4.1. No item 4.1.1, do Relatório de Exame de Contas (ID 45465585) e Parecer Conclusivo (ID 45537590) foram realizadas despesas com combustíveis, com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no montante de R$ 1.004,90, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, situação que deve ser esclarecida pela prestadora de contas:

Em sua manifestação, declara a candidata:

“O combustível foi utilizado para abastecimento do veículo particular do Assessor Financeiro Patrick Severo Rezende Delagnolli, cedido em campanha para a candidata Janete Ross de Oliveira. O veículo foi pouco utilizado, tanto que o gasto foi de apenas R$ 1.004,90, conforme apresentado documentos fiscais e termo de cessão de uso anexos. O Assessor financeiro utilizava para deslocamento aos bairros para efetuar o pagamento semanal dos serviços dos cabos eleitorais.”

A candidata manifestou-se após o Exame de Contas e apresentou Termo de Cessão Sobre Uso de Veículos, ID 45480773, porém não foi apresentado Certificado de Registro do Veículo ou documento que comprove a propriedade do mesmo, Não houve nova manifestação sobre o item 4.1.1, do Relatório de Exame de Contas (ID 45465585) e Parecer Conclusivo (ID 45537590), permanecendo a irregularidade.

Assim, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, relativos ao item 4.1.1, considera-se irregular o montante de R$ 1.004,90, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

 

A matéria concernente aos gastos com combustíveis para abastecimento de veículo usado na campanha eleitoral encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...).

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…).

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Como se depreende das disposições acima, as despesas do candidato com combustível, reputadas de natureza pessoal, não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da aludida Resolução TSE n. 23.607/19.

Visando sanar a falha, a prestadora de contas apresentou termo de cessão de veículo por Patrick Rezende Delagnolli (ID 45480773), o qual, porém, não está acompanhado do comprovante de propriedade do bem cedido, descumprindo a exigência expressa do art. 58, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Após o parecer conclusivo, a candidata ofereceu nova manifestação aduzindo que “referido veículo não chegou a ser passado para o nome de Patrick junto ao DETRAN/RS, de modo que inviável trazer o registro (CRV) em nome daquele”, mas que, “a fim de comprovar a propriedade do veículo, se junta documento datado de 31/03/2022 (com firma reconhecida nesta data, inclusive), comprovando que realmente o bem pertencia o assessor Patrick” (IDs 45579774).

Ocorre que a documentação juntada sob ID 45579775, qual seja, bilhete de seguro DPVAT, certificado de registro e licenciamento de veículo e instrumento particular de compra e venda, não é apta à comprovação pretendida.

Isso porque o certificado de registro e licenciamento de veículo, referente ao exercício de 2021, está nominado a CLEONILDA DE ALMEIDA VIEIRA (ID 45579775, fl. 4). Por outro lado, o instrumento particular de compra e venda de veículos, subscrito exclusivamente pelo indicado comprador Patrick Severo Rezende Delagnoll, assinala como vendedores Adilson José Vanoni e Thainara Luisa Vargas (ID 45579775, fls. 5-7).

Desse modo, a ausência de assinatura dos supostos vendedores no termo contratual e a incongruência das partes nominadas em relação ao que consta nos registros do DETRAN/RS impendem que os documentos sejam tomados como prova da tradição do bem para a propriedade de Patrick.

Além disso, o veículo abastecido não foi declarado originariamente na prestação de contas na forma determinada pelo art. 35, § 11, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, segundo se observa de documentos da prestação de contas original, como Demonstrativo de Receitas Estimáveis em Dinheiro (ID 45334807), Demonstrativo de Receitas e Despesas (ID 45334803) e Extrato da Prestação de Contas Final (ID 45334861), nada consta acerca da cedência em tela.

Dessa maneira, as despesas realizadas com compra de combustível, no montante de R$ 1.004,90, por não observarem estritamente as exigências constantes do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, não podem ser tomadas como gastos eleitorais, devendo ser tratadas como gastos de natureza pessoal, e, via de consequência, não poderiam ter sido suportadas com verbas do FEFC.

Trago à colação precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral a respeito:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. GASTO ELEITORAL. VEÍCULO NÃO DECLARADO ORIGINARIAMENTE. IRREGULARIDADE GRAVE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 26 DO TSE.

[...].

7. Na espécie, o candidato efetivamente declarou como "gasto eleitoral" a despesa realizada com combustível, utilizando-se de recursos do fundo especial de financiamento de campanha para essa finalidade, de modo que não se aplica nessa hipótese a mencionada regra que dispensa a contabilidade ou o registro da cessão do veículo, mas, sim, o disposto no art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, que estabelece regras específicas para que veículos sejam excepcionalmente abastecidos com combustível pago com recursos de campanha.

8. Ou o gasto com combustível é tratado via de regra como "gasto de natureza pessoal" - de modo que não pode ser utilizado recurso de campanha para essa finalidade, dispensando-se inclusive a sua contabilidade e a emissão de recibo da cessão de veículo do cônjuge (arts. 7°, § 6°, III, e 35, § 6°, a, todos da Res.-TSE 23.607); ou, caso efetivamente seja o caso de "gasto eleitoral", deve-se obedecer às exigências do art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, dentre as quais a de que o veículo seja originalmente declarado na prestação de contas.

CONCLUSÃO

Agravo regimental não conhecido.

(TSE; AgR-REspEl n. 0600624-16.2020.6.25.0027/SE, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE, 04/04/2023.) (Grifei.)

 

Restou configurada, portanto, a utilização irregular de recursos públicos, de sorte que a quantia equivalente há de ser ressarcida ao erário, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual prescreve que, “verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional”.

Encerrada a análise contábil, tem-se que a falha não compromete a confiabilidade das contas, pois representa apenas 0,52% do montante arrecadado pela candidata (R$ 194.942,00), além de ser inferior ao valor de R$ 1.000 (mil) Ufirs (R$ 1.064,10), de modo que, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, se mostra cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que a contabilidade seja aprovada com ressalvas, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de JANETE ROSS DE OLIVEIRA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 1.004,90 ao Tesouro Nacional.