PCE - 0602516-81.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/03/2024 às 14:00

VOTO

NADIM HARFOUCHE, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

Após exame inicial da contabilidade e intimação do candidato, a Secretaria de Auditoria Interna – SAI, desta Corte, concluiu remanescer irregularidades referentes à existência de dívida de campanha e ausência de comprovação de despesas realizadas com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Após, o prestador juntou documentos em mais duas oportunidades - todos, adianto, aferíveis em primeira análise, sem necessidade de remessa à SAI. De todo modo, realizo breve cisão: houve uma apresentação anterior à vinda do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral e uma juntada após a manifestação do Parquet (ocasião, inclusive, em que o presente voto se encontrava sob elaboração).

Não há maiores questionamentos no relativo à documentação sobre a qual a PRE se debruçara, pois compõem a percuciente análise do ente fiscalizador da ordem jurídica, sobretudo no que diz respeito à ocorrência, ou inocorrência, de cruzamento de cheque; atenho-me, de momento, a esclarecer que os documentos juntados após a manifestação ministerial, documento de veículo e extrato bancário, a par de possuírem caráter primo icto oculi, não possuem (sequer em tese) o condão de, sozinhos, modificar a solução de mérito da demanda proposta pelo MPE, motivo pelo qual decidi, por razões de economia processual, não remeter novamente os autos ao d. Ministério Público Eleitoral, diligência que seria, em uma palavra, inócua.

Ao exame.

1. Dívidas de campanha.

No concernente à existência de dívida de campanha, a unidade técnica inicialmente apontou como irregular a ausência da formalização da decisão do órgão nacional da direção partidária, elencada no art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, de assunção de débito - diligência que tornaria regular a situação.

Intimado do exame preliminar para sanar o apontamento, o candidato limitou-se a apresentar o pedido de autorização encaminhado pelo diretório regional ao órgão nacional (ID 45525748) e termos de assunção de dívida, cronograma de quitação e anuência do credor, assinados pelos credores e pelo candidato (ID 45525749, ID 45525750 e ID 45525751).

No ponto, a Procuradoria Regional Eleitoral assim posicionou-se:

De fato, para se admitir a assunção de dívida de campanha pelo partido, é necessário que o prestador comprove a existência de autorização do órgão nacional de direção partidária em relação a cada um dos credores e do respectivo acordo, autorização esta que não foi juntada aos autos.

Assim, por falta de requisito essencial de validade dos termos de assunção de dívidas apresentados, tem-se que, em que pese o posicionamento da Unidade Técnica, que apontou a existência de mera impropriedade, deve ser considerada irregular a quantia de R$ 57.400,00, relativa ao total das dívidas assumidas pela campanha e não pagas.

Não obstante, observa-se que, de acordo com o entendimento do TSE, a irregularidade em questão, embora deva ser considerada para o juízo de aprovação ou desaprovação das contas, não gera dever de recolhimento, pois ao tratar da dívida de campanha não quitada e não assumida pela agremiação, o art. 34 da Resolução TSE nº 23.607/2019 estabelece tão somente a possibilidade de rejeição das contas, a ser analisada no momento do julgamento, sem imposição de outras sanções, revelando-se inviável a interpretação extensiva do art. 32 da citada resolução para determinar ressarcimento ao Tesouro Nacional a título de recurso de origem não identificada.

Com efeito, a ausência de autorização do ente nacional, no sentido de acolher a assunção da dívida proposta pelo candidato, impõe seja reconhecida como irregular a quantia de R$ 57.400,00 (cinquenta e sete mil e quatrocentos reais), composta por gastos contratados e não quitados na campanha do prestador, ainda que sobre tal valor não recaia o efeito de recolhimento ao Tesouro Nacional, por ausência de amparo normativo, conforme vem decidindo o e. Tribunal Superior Eleitoral (REspEl n. 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 08.02.2022, DJe de 30.3.2022.), viés decisório ao qual se alinha esta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. SEGUNDO SUPLENTE. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESA. EXISTÊNCIA DE NOTAS FISCAIS CONTRA O NÚMERO DE CNPJ DE CAMPANHA. PRESUNÇÃO DE DESPESA ELEITORAL. INFRAÇÃO AO ART. 53, INC. I, AL. “G”, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDAS PELO PARTIDO. INCABÍVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato, eleito 2º suplente ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022. 2. Omissão de gastos. Divergência entre as informações relativas às despesas lançadas da prestação de contas e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais. Falha que não se confunde com simples dívidas de campanha. Operações não registradas na contabilidade, apartando-se de verificações técnicas sobre a regularidade de seus objetos, idoneidade dos fornecedores, limites de gastos, dentre outros aspectos necessários para que se apure a higidez das contas. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Infração ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando os recursos como de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. 3. Identificada dívida de campanha não assumida pelo partido político. Falha reconhecida. Informado que a agremiação partidária indeferiu o pedido de assunção de dívidas, consoante resposta juntada aos autos, razão pela qual o prestador pugna pela autorização para que proceda à quitação com recursos próprios. Todavia, o pedido deduzido não encontra amparo na legislação de regência. Caracterizada a irregularidade por descumprimento do art. 33, §§ 1º a 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as despesas não foram integralmente quitadas até o prazo de entrega das contas e as dívidas remanescentes não foram assumidas pelo partido político. Incabível o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, pois as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê a restituição de valores em caso de infringência. 4. O total das irregularidades representa 4,64% do montante de recursos recebidos, autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas. 5. Aprovação com ressalvas, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS, PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, publicado julgado em 9.12.2022).

 

De todo modo, a irregularidade será sopesada para fins de aprovação, ressalvas ou rejeição das contas.

2. Ausência de comprovação da aplicação das verbas do FEFC.

A análise técnica contábil identificou ausência de comprovação documental nas seguintes despesas contratadas:

    

A correta comprovação dos gastos eleitorais viabiliza o controle da aplicação dos recursos de campanha, especialmente os recursos públicos disponíveis aos candidatos e candidatas, e deve obedecer aos termos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. (...)

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

No referente à cessão ou locação de veículo, o prestador declarou a despesa, mas deixou de juntar termo contratual, comprovantes de pagamentos e prova da propriedade do veículo.

Somente após a apresentação do parecer conclusivo pelo órgão técnico, trouxe aos autos o contrato de locação de veículo de pessoa física e o cheque nominal à Flaviani Rods Araujo (ID 45533993), e depois ainda do parecer ministerial (como antes relatado) acostou o certificado de registro de licenciamento de veículo em nome de empresa locadora (ID 45549329).  Indico novamente: a documentação juntada após o parecer ministerial não trouxe qualquer acréscimo probatório ao mérito da presente demanda, motivo pelo qual, por motivos de economia processual, não houve nova remessa dos autos ao Parquet.

No entanto, e relativamente ao cheque nominal à Flaviani, peço vênia à d. Procuradoria Regional Eleitoral. O posicionamento do Parquet se dá no sentido de que não se trataria de cheque cruzado.

Todavia, conforme imagem abaixo, a cártula apresentada pela prestadora atende à LEI n. 7.357/1985, a qual dispõe (art. 44) que “o emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título”:

 

 

 

 

 

 

 

Assim, tenho por comprovada a despesa por meio do contrato e do pagamento por meio de cheque nominal cruzado – e destaco que, ainda que o extrato bancário não apresente a contraparte, ao fazer o correto preenchimento do título, a parte se desincumbiu da obrigação imposta pela legislação de regência. A prova da propriedade do bem, como visto, foi trazida mediante documento de caráter objetivo.

Afasto, assim, a irregularidade.

Passo ao exame das despesas com atividade de militância, e adianto que também aqui houve a apresentação de esclarecimentos de forma eficaz.

A regularidade do gasto contratado com Daniela Silva dos Santos foi comprovada por meio de cheque nominal e cruzado (ID 45525753), entregue antes da elaboração do parecer conclusivo, e por contrato temporário de prestação de serviço de “panfleteiro(a)/mobilização de rua”, o qual atendeu aos requisitos das regras eleitorais estabelecidas para o pleito, e fez constar período determinado, carga horária, local, etc, acostado aos autos após a análise técnica derradeira.

Na mesma senda, o entendimento do órgão ministerial:

Em relação à despesa com DANIELA SILVA DOS SANTOS, no valor de R$ 400,00, tem-se que o apontamento do parecer técnico deve ser afastado, uma vez que comprovados a regularidade da contratação e o pagamento à prestadora de serviço. Ainda que o cheque para tanto emitido (nº 000009, ID 45533994), apesar de nominal, não esteja cruzado como determina o art. 38, I, da Resolução TSE nº 23.607/2019, o comprovante bancário que o acompanha demonstra que o depósito ocorreu na conta da beneficiária informada, cumprindo a finalidade da norma

Deste modo, não prevalece a irregularidade.

Concluo, em síntese, que as contas merecem ser desaprovadas, em razão da irregularidade atinente à dívida de campanha no valor de R$ 57.400,00, quantia que corresponde a 108,87% do total de receitas declaradas (R$ 52.721,05), sem, contudo, que ocorra determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Diante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de NADIM HARFOUCHE, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.