PCE - 0603242-55.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/03/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de processo de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha de ALAN CLEBER MELLO, candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições Gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apontou falhas na contabilidade, envolvendo o recebimento de recursos de origem não identificada e a ausência de devida comprovação de gastos com recursos do FEFC.

Passo à análise das falhas relatadas.

I – Dos Recursos de Origem Não Identificada

No parecer conclusivo, houve a identificação de omissões na prestação de contas do candidato, relativamente a gastos não declarados, consoante o seguinte fragmento, litteris (ID 45531044):

3. Dos Recursos de Origem Não Identificada – RONI

[...].

Foram identificadas omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, no montante de R$ 1.686,76, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, e infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

O candidato apresentou notas fiscais (ID 4551240 e 45512866), contudo não demonstrou ter pago as despesas apontadas com recursos da campanha.

 

Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha para pagamento das despesas acima, considera-se irregular o montante de R$ 1.686,76, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14 e o art. 32 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

O candidato, intimado, juntou os documentos fiscais correspondentes (IDs 45534885 e segs.).

Do exame individual de cada documento fiscal, ao qual se agregam as informações disponíveis no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001614084/nfes), extraio os seguintes dados, sobretudo do emissor, do valor e da discriminação do bem ou serviço:

1) MORO FRAGA MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA, CNPJ n. 03.976.833/0001-80, nome de fantasia “MORO FRAGA”, NF-e n. 76572, de 12.9.2022, R$ 19,90, referente a “ABRACADEIRA CINTA 3,7X202MM BR/FITA LACRE”;

2) GRUPO BAZAR RODRIGUES LTDA, CNPJ n. 09.597.126/0008-36, nome de fantasia “LOJA 7”, NF-e n. 17241, de 12.92022, R$ 11,99, referente a “ABRACADEIRA DE PLAST 4,8CMX250”;

3) LM Grafica e Editora Eireli, CNPJ n. 02.118.988/0001-13, nome de fantasia “LM Grafica e Editora”, NF-e n. 6772, de 22.9.2022, R$ 652,00, referente a “Colinha 9X5”;

4) D.Y. MATTEVI FERREIRA VEST, CNPJ n. 29.677.690/0001-08, nome de fantasia “DIEGOMATTEVI”, NF-e n. 42888408, de 27.9.2022, R$ 250,00, referente a “BANDEIRA 100X140CM”;

5) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 104893, de 10.9.2022, R$ 49,00, referente a “GASOLINA COMUM” (R$ 25,00) e “GALAO DE 5 LITROS COM TAMPA HOMOLOGADA” (R$ 24,00);

6) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 104912, de 10.9.2022, R$ 50,00, referente a “GASOLINA COMUM”;

7) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 105001, de 11.9.2022, R$ 50,00, referente a “GASOLINA COMUM”;

8) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 105844, de 18.9.2022, R$ 234,03, referente a “GASOLINA COMUM”;

9) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 106140, de 21.9.2022, R$ 50,00, referente a “GASOLINA GRID”;

10) COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS THIESEN LTDA, CNPJ n. 32.157.668/0001-33, NF-e n. 33554, de 9.9.2022, R$ 156,04, referente a “GASOLINA COMUM”;

11) AVIAMENTOS CUNHA LTDA, CNPJ n. 91.242.255/0001-16, nome de fantasia “ZIG-ZAG AVIAMENTOS”, NF n. 125057, de 06.9.2022, R$ 99,90, referente a “ILHOS BAXMANN 45 FERRO C/ARRUE C/1000”; e

12) AVIAMENTOS CUNHA LTDA, CNPJ n. 91.242.255/0001-16, nome de fantasia “ZIG-ZAG AVIAMENTOS”, NF n. 125078, de 06.9.2022, R$ 63,90, referente a “ILHOS BAXMANN 0 FERRO C/ARRUE C/500”.

Desse conjunto, destaco as duas últimas notas fiscais listadas, emitidas pelo fornecedor AVIAMENTOS CUNHA LTDA, CNPJ n. 91.242.255/0001-16, de números 125057 e 125078, ambas no dia 06.9.2022, nos valores, respectivamente, de R$ 99,90 e R$ 63,90, somando R$ 163,80, que, ao contrário do que indicou o órgão técnico, dizem respeito a gasto declarado no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45272070, fl. 18), no importe de R$ 163,80:

Além disso, consoante consulta ao extrato eletrônico da conta de campanha destinada aos recursos do FEFC, o fornecedor foi pago mediante Pix, no dia 19.9.2022 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001614084/extratos):

Logo, não subsiste irregularidade, pois os gastos em questão, com Aviamentos Cunha Ltda., estão contabilizados nas contas, estão comprovados por meio de nota fiscal emitida contra o CNPJ do candidato e foram quitados por meio de Pix à conta bancária do contratado, em tudo atendendo aos ditames da Resolução TSE n. 23.607/19.

De outra banda, quanto aos demais dispêndios relacionados, na quantia total de R$ 1.522,96, bem apontou o órgão técnico que “as despesas não foram registradas no SPCE e os respectivos pagamentos não transitaram pelas contas bancárias específicas previstas nos artigos 8º e 9º da Resolução TSE n. 23.607/2019” (ID 45578981).

Este Colegiado já formou jurisprudência no sentido de que a emissão de nota fiscal contra o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, que somente pode ser afastada caso haja provas de seu efetivo cancelamento, retificação ou estorno (art. 92, § 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim, constata-se a omissão de registro de despesas, em infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, cujos valores empregados transitaram de forma paralela à contabilidade de campanha, caracterizando o uso de recursos de origem não identificada e impondo o recolhimento das quantias ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput, e inc. VI, do referido diploma normativo.

Nesse trilhar, trago à colação precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL.

(...).

2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil.

3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(...).

(TRE-RS, REl 06006545520206210094, Relator: Des. Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 03.02.2022.) (Grifei.)

 

Destarte, no presente caso, deve ser considerado como recurso de origem não identificada o montante de R$ 1.522,96 (R$ 1.686,76 – R$ 163,80), equivalente aos gastos representados por notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha e quitados com valores de origem desconhecida, devendo ser determinado, portanto, seu recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput, e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

II – Da Falta de Comprovação do Correto Uso de Recursos do FEFC

A SAI, em seu parecer conclusivo, indicou que não foram satisfatoriamente comprovados gastos custeados com recursos do FEFC, verbis (ID 45531044):

4.1. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

[...].

Foram identificadas inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 8.413,50, contrariando o que dispõem os arts. 53, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

O candidato apresentou recibo e notas fiscais (ID 45512846, 45512847, 45512849, 45512851, 45512852, 45512853, 45512854, 45512855, 45512856 e 45512861). Após análise dos documentos considera-se parcialmente sanado o apontamento, reiterando-se a irregularidade quanto às despesas abaixo:

 

Adianto que somente parte dos apontamentos merece acolhimento.

Em relação às despesas com AVIAMENTOS CUNHA LTDA, CNPJ n. 91.242.255/0001-16, observo que foram declaradas pelo candidato, via Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45272070, fls. 10-11 e 12-13), nos valores de R$ 96,00 e R$ 67,80, pagos ao contratado por TED e por PIX, respectivamente, nos dias 09.9.2022 e 12.9.2022.

Com efeito, a falha apontada pela unidade técnica refere-se exclusivamente à ausência de documento fiscal.

Contudo, em consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001614084/nfes), localizei as correlatas notas fiscais eletrônicas, de números 125.300 (chave de acesso 43220991242255000116650030001253001374716835) e 125.346 (chave de acesso 43220991242255000116650030001253461755129608), emitidas nos dias 09.9.2022 e 10.9.2022, de maneira que há documento fiscal respaldando cada pagamento realizado, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

As referidas despesas consistem nas aquisições de ilhoses, material comumente usado para a fixação de bandeiras, lonas e banners.

A propósito, anoto que foi considerado regular pela área técnica a compra, no mesmo fornecedor, de matriz para aplicação de ilhós, no importe de R$ 32,90 (IDs 45272070, fls. 13/14, e 45272123), de sorte que, de maneira similar, esta despesa deve ser reputada regular e correlacionada a esta outra.

Além disso, estão originariamente e regularmente declaradas na contabilidade diversas despesas com bandeiras, windbanners e placas de lona (ID 45272070), compatíveis com o uso daquele material.

Assim, deve ser afastado o apontamento sobre a operação.

Quanto ao débito de R$ 0,38, por saque eletrônico, em 19.12.2023, deve ser considerado irregular, pois, consistindo em sobra financeira de recursos do FEFC, deveria ter sido o valor devolvido ao Tesouro Nacional, consoante preceitua o art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se comprovou nos autos.

Em relação ao gasto de R$ 603,00 com VERA LUCIA SOARES QUEIROZ, o candidato declarou o gasto, no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45272070, fls. 16-17), no total de R$ 1.968,00, em 16.9.2022, atinente a “serviços”, quitados por transferências bancárias de R$ 1.365,00 e R$ 603,00, ambas levadas a efeito no dia 16.9.2022.

Para comprovar, foram juntados o comprovante bancário (ID 45534899) e a nota fiscal de serviços eletrônica n. 818, a qual tem a seguinte descrição: “50 adesivos perfurados 34X60 R$ 12,06 Total R$ 603,00” (ID 45534896).

Todavia, a NFS-e n. 818 (identificador n. 8683738413200702578020230916092022958214), embora paga pelo candidato ALAN CLEBER MELLO, não foi emitida em seu nome, mas sim contra a candidata ao cargo de deputada estadual ANDRIELY DE SOUZA MELLO, CNPJ n. 47.492.664/0001-89, autodeclarada branca.

A utilização de recursos destinados ao custeio das campanhas de pessoas negras transferidos ou doados para pessoas não negras impõe a comprovação do benefício comum de ambas as candidaturas, na forma do art. 17, § 6º e 7°, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 17. (...).

[...].

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

 

Deveras, analisando o processo PCE n. 0603117-87.2022.6.21.0000, de ELEIÇÃO 2022 ANDRIELY DE SOUZA MELLO DEPUTADO ESTADUAL, de relatoria do eminente Desembargador Voltaire de Lima Moraes, julgado em 05.9.2023 (ID 45542192), observo que aquela candidata, autodeclarada de cor branca, informou o dispêndio com a fornecedora VERA LUCIA SOARES QUEIROZ, no valor de R$ 603,00, ocorrido em 16.9.2022 e pago por transferência bancária no dia 19.9.2022, e apresentou a NFS-e n. 819 (ID 45225436), de identificador n. 8683738413200702578020230916092022959348, que descreve gastos idêntico à NFS-e n. 818.

Por outro lado, a operação relacionada à NFS-e n. 818 não foi declarada pela candidata e tampouco foi objeto de apontamento pela área contábil.

Analisando-se os documentos de identificação acostados nos processos de registro de candidaturas respectivos, depreende-se que Andriely (RCC n. 0601092-04.2022.6.21.0000) e Alan (RCC n. 0601065-21.2022.6.21.0000) são, aparentemente, irmãos, pois possuem os mesmos genitores, bem como declararam comitês de campanha no mesmo endereço.

Em que pesem tais elementos indiquem a mesma origem pessoal e familiar de ambos e a realização de alguma parceria em suas campanhas eleitorais, o que resta efetivamente delineado no ponto em análise é que o candidato utilizou recursos do FEFC destinado à candidatura de pessoas negras para o pagamento de despesa realizada por candidata autodeclarada branca e não logrou comprovar o benefício eleitoral comum da utilização da verba.

Assim, mantenho a glosa, em face de o art. 17, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispor que “a verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam”.

Logo, reputo não comprovada a regularidade dos gastos com verbas públicas nos importes de R$ 0,38 e R$ 603,00, resultando na cifra de R$ 603,38, que deve ser ressarcida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

III – Do Julgamento das Contas

Assim, as falhas apuradas na análise da contabilidade totalizam R$ 2.126,34 (R$ 1.522,96 + R$ 603,38), equivalentes a 4,48% do total arrecadado (R$ 47.421,29), de sorte que, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte, mostra-se cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de ALAN CLEBER MELLO, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 2.126,34 ao Tesouro Nacional.