PCE - 0602041-28.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/03/2024 às 14:00

VOTO

A irregularidade apontada refere-se ao pagamento de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) por meio de saques eletrônicos, no valor total de R$ 6.050,00, impedindo a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com os fornecedores declarados (item 4.1 do exame preliminar e do parecer conclusivo, IDs 45402403 e 45473762).

Devidamente intimado, o candidato confirma os dispêndios em espécie (por fundo de caixa) e alega a inexistência de mácula na medida em que apresenta a documentação fiscal e a inexistência de interferência na igualdade de forças no processo eleitoral (item 2, petição, ID 45404597, p. 2-4).

Todavia, conforme bem argumenta a Procuradoria Regional Eleitoral: “A realização de saques para a quitação de despesas em espécie constitui irregularidade, pois não permite identificar o destinatário dos pagamentos, o que prejudica a fiscalização dos gastos com recursos públicos” (ID 45540293, p. 2).

De fato, as divergências pontuadas ferem o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que permite apenas a emissão de cheque nominal e cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário, débito em conta, cartão de débito da conta bancária, ou PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

O raciocínio exposto no parecer técnico e corroborado pela Procuradoria Regional Eleitoral está de acordo com a posição adotada reiteradamente pela jurisprudência desta Corte, merecendo ser reproduzido, exemplificativamente, o julgado de relatoria do ilustre Desembargador Francisco José Moesch:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. NÃO COMPROVADAS DESPESAS ELEITORAIS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO DE FINANCIAMENTO ESPECIAL DE CAMPANHA (FEFC). SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. INOBSERV NCIA DO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS UNILATERAIS. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DIVERGÊNCIA ENTRE REGISTRO DE DESPESAS E NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS. MOVIMENTAÇÃO TOTAL SUPERIOR À MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. PREJUDICADA AÇÃO FISCALIZATÓRIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da ausência de registro integral da movimentação financeira de campanha. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, foram juntados comprovantes bancários, notas fiscais, contratos e recibos de pagamentos.

3. Não apresentada documentação para comprovar despesas eleitorais realizadas com recursos do Fundo de Financiamento Especial de Campanha (FEFC). A adoção do procedimento simplificado de apresentação e análise não dispensa o registro de toda as receitas e despesas eleitorais, de modo a permitir à Justiça Eleitoral a fiscalização integral da movimentação financeira de campanha (arts. 64, § 1º, e 65, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19). Havendo o recebimento de valores de origem pública, é obrigatória, além da anotação contábil, a demonstração escorreita da destinação da verba por meio de documentos idôneos (art. 64, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

4. Irregularidades quanto à forma de pagamento de gastos envolvendo serviços de atividades de panfletagem, quitados com recursos do FEFC. Inobservância do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, norma que possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. Documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços apresentados, não devem ser considerados isoladamente para suprir a inobservância da norma. Os saques dos cheques para o pagamento dos serviços de panfletagem foram realizados diretamente no caixa do banco, sem identificação das contrapartes favorecidas, inviabilizando o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha. Restituição de valores ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

5. Omissão de gastos eleitorais em razão de divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas emitidas por fornecedora de material de propaganda. Embora demonstrada a quitação das referidas notas fiscais, a movimentação total alcança quantia superior aos recursos financeiros recebidos e à movimentação financeira registrada nos extratos bancários. A incongruência, não esclarecida em tempo e forma oportunos, impossibilita a superação das irregularidades. A despesa não foi declarada nas contas da candidata, contrariando o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Tal omissão constitui irregularidade que macula a confiabilidade do ajuste contábil, por prejudicar a ação fiscalizatória da Justiça Eleitoral e o controle social pela divulgação pública dos dados. Nesse sentido, jurisprudência do TSE.

6. Divergência nas informações sobre os recursos públicos recebidos e ausência de registro e atraso na abertura de contas bancárias. Matéria não devolvida à apreciação deste Tribunal nas razões de recurso. Em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum, os fundamentos não atacados são aptos, por si sós, à manutenção da sentença quanto aos pontos, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC e da Súmula n. 26 do TSE.

7. As irregularidades identificadas alcançam a totalidade dos recursos públicos movimentados na campanha, o que representa 96% dos recursos, estimáveis e financeiros, arrecadados pela candidata. As quantias relativa e nominal inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar o juízo de reprovação das contas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

8. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 060043220, ACÓRDÃO de 07/04/2022, Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 19/04/2022.) (Grifei.)

O escopo da norma é garantir a transparência e o controle público dos recursos envolvidos, mediante vinculação direta entre o dispêndio e os respectivos fornecedores de campanha.

Anoto que, em razão da natureza pública da verba do FEFC, o escrutínio contábil, neste ponto, exige redobrada atenção aos requisitos do art. 38 e incisos da Resolução TSE n. 23.607/19, demandando exata vinculação do dispêndio efetivamente contratado.

Tais regramentos destinam-se exatamente a fiscalizar se os valores registrados como pagos a um prestador de serviços são de fato a ele entregues, garantindo a necessária lisura das informações apresentadas, o que inviabilizou a efetiva atuação fiscalizadora desta Justiça Especializada quanto ao correto emprego dos recursos públicos na campanha política.

Logo, a falha em questão não tem natureza meramente formal, mas sim configura irregularidade de natureza grave, uma vez que há o emprego de verbas de natureza pública, e insanável, considerando-se não ter sido reparada pelas informações fornecidas na diligência, conforme dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Deste modo, a irregularidade representa R$ 6.050,00 (seis mil e cinquenta reais), equivalentes a 13,3% do total de recursos recebidos pelo candidato em sua campanha (R$ 45.360,00), e extrapola os parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (superior a 10% da arrecadação financeira e acima de R$ 1.064,10).

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas relativas ao pleito de 2022 apresentadas por ROQUE VALDEVINO SERPA, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, e determino o recolhimento, com juros e correção monetária, ao Tesouro Nacional de R$ 6.050,00 (seis mil e cinquenta reais), referente à aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).