RecCrimEleit - 0600654-48.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/03/2024 às 14:00

VOTO

O recursos são tempestivos e adequados, e comportam conhecimento.

Em seu apelo, a recorrente GLÁUCIA REGINA BROCCO (ID 45442625) suscita preliminar de cerceamento de defesa, pois o Ministério Público acrescentou ao processo uma mídia em CD contendo documentos e arquivos referentes às Análises Técnicas n. 10/2021 e n. 070/2021, ID 92649935, sem que tivesse sido oportunizada manifestação dos réus. Diz que houve violação ao art. 210 do CPP, pois a testemunha Andressa Ilha Zardinelo afirmou ter ouvido o depoimento prestado por seu colega.

Sem razão.

Como sustentado no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, as nulidades devem ser arguidas na primeira oportunidade que a parte tem para exercer o direito à manifestação, sob pena de preclusão. Dessarte, se as mídias foram juntadas antes da audiência de instrução, o momento adequado seria na própria audiência, o que não ocorreu.

A mesma compreensão aplica-se à incomunicabilidade de testemunhas, uma vez que requer efetivo prejuízo à defesa, com a demonstração cabal de que essa circunstância influenciou na cognição do julgador.

De igual modo, colho o que constou na sentença quanto ao ponto (ID 45442599):

i) a indevida restrição ao exercício do direito de defesa e à garantia do contraditório e paridade de armas, no tocante à juntada de documentos e mídia pelo Ministério Público Eleitoral na véspera da audiência de instrução e julgamento, com a colheita da prova oral sendo realizada sem prévio conhecimento da defesa sobre tais documentos;

ii) a violação ao artigo 210 do Código de Processo Penal, pois as testemunhas que ainda não tinham sido ouvidas estavam aguardando em sala anexa ao local da colheita da prova, tendo escutado o depoimento das pessoas que foram inicialmente inquiridas.

Inicialmente, imperioso ressaltar que, além de não haver previsão legal para a complementação de alegações finais pela defesa, resta configurada preclusão temporal e consumativa, uma vez que os defensores responsáveis pela defesa da denunciada Gláucia e que acompanharam a audiência de instrução e julgamento não se insurgiram oportunamente quanto à juntada de novos documentos pelo Ministério Público Eleitoral, conforme se depreende das atas de Ids. 92859792 e 92859793.

A existência de prejuízo à defesa deveria ter sido alegada pela defesa da ré antes da colheita do depoimento das testemunhas, inclusive postulando o adiamento do ato processual, se assim entendesse necessário para garantir o contraditório e a ampla defesa, o que não foi feito. Aguardar o término da instrução processual para suscitar o alegado vício configura o que a jurisprudência tem chamado de “nulidade de algibeira”, prática vedada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em razão da violação do princípio da boa-fé processual.

Desse modo, considerando que a alegação de nulidade da instrução processual em razão de fato ocorrido antes da audiência de instrução e julgamento deveria ter ocorrido no momento oportuno, nos termos do artigo 571, inciso II, do Código de Processo Penal, o que não foi observado pela defesa da denunciada, que se manteve silente durante a instrução processual e a apresentação de suas alegações finais, a matéria encontra-se coberta pela preclusão, razão pela qual rejeito a nulidade processual.

Da mesma forma não prospera a alegada violação ao artigo 210 do Código de Processo Penal.

De início, é pertinente registrar que, quanto a referido argumento, também houve preclusão temporal e consumativa, porque nada foi alegado nas alegações finais, conforme já amplamente fundamentado em relação ao argumento anterior.

Além disso, conforme se depreende da ata de Id. 92859792, referente à audiência realizada no dia 2 de agosto de 2021, durante a oitiva da testemunha Andressa Ilha Zardinello (terceira e não décima testemunha ouvida, como alegam os novos defensores da ré), constatou-se que as testemunhas que aguardavam sua vez para prestar depoimento estavam alocadas em sala anexa ao Salão do Júri, onde realizada a solenidade, razão pela qual foi possível ouvir, em tese, parte do depoimento prestado pela testemunha Mateus Azambuja de Souza, apenas posteriormente às perguntas formuladas pelo Ministério Público Eleitoral, nada sendo ouvido em relação ao depoimento de Joracy Ribeiro Raimundi. Diante disso, visando a evitar prejuízo à coleta da prova testemunhal, determinou-se a realocação de todas as testemunhas em novo ambiente, em estrita observância do artigo 210 do Código de Processo Penal.

Assim, inexiste qualquer prejuízo às partes neste ponto, razão pela qual afasto a alegada nulidade processual.


 

Com essas considerações, afasto as preliminares suscitadas no recurso de GLÁUCIA REGINA BROCCO (ID 45442625).

Mérito

A análise de mérito dos recursos envolve os delitos de coação eleitoral (art. 301 do Código Eleitoral), constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal) e associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal):

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.


 

Passo a examinar cada fato individualmente.

O 1º fato descrito na denúncia imputou o delito de associação criminosa armada a Valmor José Capeletti, Glaucia Regina Brocco, Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias, Jeremias da Silva Oliveira Júnior, Josino da Silva Oliveira, Camila Nicolini, Elevelton Karling, Leonei de Oliveira Rosa e Alexandro Thoni de Oiveira (art. 288, parágrafo único, do Código Penal).

A peça acusatória relatou que, entre os meses de outubro e novembro de 2020, durante o período de campanha para as Eleições Municipais, os acusados associaram-se entre si e com o adolescente Kevin Kauê Rodrigues, com a finalidade específica de cometer crimes, especialmente de natureza eleitoral, no Município de Cerro Grande/RS, no intuito de beneficiar as candidaturas de Valmor e Gláucia para os cargos de prefeito e vice-prefeita, respectivamente, pela coligação “Juntos por Cerro Grande”.

O grupo, sob a liderança de Edimar, teria praticado inúmeros crimes de coação eleitoral, ameaça, lesões corporais e constrangimento ilegal, mediante uso de armas de fogo, com o objetivo de constranger os eleitores locais a votar nos candidatos de sua preferência e intimidar candidatos, correligionários e apoiadores adversários a não fazer campanha e propaganda política.

Ainda segundo a denúncia, os acusados Valmor e Glaucia, na condição de candidatos, elaboraram e sustentaram a estrutura da organização criminosa, com conhecimento e pleno domínio do fato, uma vez que arregimentaram cabos eleitorais e apoiadores de seus partidos políticos e candidatos para que, além de atuarem na campanha eleitoral, praticassem os crimes descritos do 2º ao 15º fato da denúncia, visando assegurar sua vitória nas eleições. Glaucia ainda forneceu o veículo VW/Parati, de cor branca, placas IND8B90, que foi utilizado por outros acusados para a prática de diversos crimes no município.

Conforme constou na sentença (ID 45442599), a associação criminosa formada pelos réus no Município de Cerro Grande “dividia-se em dois grupos: a) o núcleo político: composto por Valmor José Capeletti e Gláucia Regina Brocco, que, na condição de candidatos aos cargos majoritários nas eleições municipais, arregimentaram apoiadores para a intimidação de candidatos e apoiadores adversários, fornecendo-lhes a estrutura necessária às práticas delitivas, com pleno domínio sobre as ações praticadas pelo grupo, que realizavam a prática delitiva visando a beneficiar suas candidaturas; b) o núcleo executor: composto pelos demais denunciados, sob a liderança de Edimar de Souza Antunes, cuja função era coagir eleitores do Município de Cerro Grande a votar em favor dos candidatos da coligação 'Juntos por Cerro Grande' e a não votar nos candidatos da Coligação 'Juntos de novo, coligados com o povo', bem como intimidar apoiadores, correligionários e candidatos adversários, visando constrangê-los a não realizar campanha política em benefício de suas candidaturas".

Em seus apelos, VALMOR JOSÉ CAPELETTI, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS, LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, JEREMIAS DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR e GLÁUCIA REGINA BROCCO sustentam que não foi apresentada prova material da associação criminosa. Esta última recorrente, Gláucia Regina Brocco, aduz que não há nos autos qualquer demonstração de que teria prestado auxílio material aos delitos por meio de empréstimo do veículo VW/Parati utilizado no cometimento dos crimes.

Pois bem, consoante a sentença (ID 45442599) e o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45558367), quando ouvido em juízo, o policial civil Alexandre Wachter afirmou que:

[...] foi lotado em Jaboticaba em dezembro 2017, onde permaneceu até novembro de 2020; que os acontecimentos na campanha eleitoral foram bastante incomuns, tendo os incidentes prejudicado, inclusive, o trabalho da polícia em outras atividades que haviam sido planejadas; que recebia informações por denúncias anônimas de futuras prováveis intervenções por facções criminais em órgãos públicos, as quais cobrariam por vantagens na forma de cargos junto aos eleitos, por terem fornecido segurança ao pleito; que eram dois policiais para cuidar de cinco municípios; que a região é dominada pelos Manos e que eles utilizam da intimidação; que o carro blindado teria sido financiado pela facção criminal para ser utilizado na campanha; que as pessoas eram impedidas de circular e a polícia tinha poucos reforços para lidar com o Município, porque estavam envolvidos com a cidade vizinha de Lajeado do Bugre; que surgiram muitas ocorrências de Cerro Grande, havendo dificuldades, no início, em identificar as pessoas porque somente eram utilizados apelidos; que a mesma ordem de organização criminosa de Lajeado do Bugre estava ocorrendo em Cerro Grande, tendo recebido várias denúncias de financiamento pela facção e que existem relatórios em que constam que Edimar seria um indivíduo faccionado, executando ordens a mando de Germano Rocha Lírio; que o carro blindado estava em uma garagem onde aconteciam todas as reuniões do partido; que não constou na ocorrência que o documento do Edimar estava no carro blindado porque no domingo de manhã foi difícil reunir um efetivo para cumprir o mandado, mas conversou com o colega que cumpriu o mandado, o qual afirma que os documentos de Edimar estavam dentro do carro blindado; que Valmor estava na garagem no momento, ocasião em que uma reunião estava ocorrendo, sendo que o carro teria futuras ações violentas; que o celular de Edimar estava na garagem, mas ele não estava ali; que realizaram muitos contatos para cumprir o mandado e acredita que a informação foi vazada por alguém; que depois dos mandados a situação se acalmou no Município; que as facções tentam se inserir em todas as prefeituras; que todas as informações revelam que indivíduos faccionados armados estavam apenas de um lado, do lado do carro blindado; que do outro lado tinham pessoas armadas, mas não indivíduos faccionados; que recebeu informações que viriam pessoas de fora, faccionadas, para cumprir essa função, mas que isso não foi devidamente investigado e identificado; que não tem dúvidas de que Valmor tinha ciência de tudo, por residir em frente a garagem, por estar presente nas reuniões; que não pode dizer se Valmor comandava as ações, mas que era conivente; que a Parati Branca de propriedade da mecânica Brocco está vinculada a diversas denúncias de intimidações a populares para influenciar no voto, o qual estava em posse de pessoas da coligação; que o mesmo veículo foi alvejado por disparos posteriormente, mas não foi reportada ocorrência à polícia civil do incidente, o que é incomum; que muitas denúncias apareceram relatando medo de perderem a vida se fossem identificadas, sendo que uma pessoa relatou ter visto Mônica saindo do veículo e efetuando disparos contra o próprio veículo; que muitas dessas denúncias não foram certificadas porque muito estava acontecendo; que foi lhe dito que tentaram destruir as filmagens do dia em que Elio foi agredido para que não ficasse registrado; que não tem dúvidas de que havia uma associação de pessoas com a intenção de amedrontar as pessoas em Cerro Grande; que existiu um estado de conflito deflagrado entre os dois lados e o outro lado se armou em resposta aos ataques sofridos; que não é possível dizer que em Cerro Grande houve uma democracia; [...].


 

De outro vértice, o Delegado de Polícia responsável pela Delegacia Civil em que registradas as ocorrências policias dos fatos ocorridos no Município de Cerro Grande/RS, Dr. Gustavo Germano da Silva Fleury, ao prestar depoimento em juízo, asseverou que:

[...] trabalhou por três anos na Delegacia de Jaboticaba, que abrange o município de Cerro Grande, desde abril de 2018 até o final de maio de 2021, como Delegado Substituto; que as eleições de 2020 foram o primeiro período eleitoral que presenciou no município, no qual houve um grande acirramento durante o período eleitoral; que já trabalhou em outros municípios, tendo conhecimento de que as disputas políticas são grandes em municípios pequenos, em eleições municipais, e que o que ocorreu em Cerro Grande não foi diferente do que ocorreu em outros municípios pequenos; que a polícia de Jaboticaba teve que fazer intervenções em Cerro Grande e em Lajeado do Bugre, inclusive com mandados de busca e apreensão, pois muitos registros de ocorrência ocorreram de ambos os lados, referentes a fatos leves a graves, incluindo disparo de arma de fogo, porte ilegal de arma, lesão corporal e ameaça; que o policial Alexandre coletava informações na comunidade e, com base nessas informações, relatórios davam conta de que Germano Rocha Lírio, da facção “Os Manos” residia em Lajeado do Bugre e teria vinculação com a secretaria de transportes de Lajeado do Bugre, não sabendo dizer se era um emprego formal ou informal; que teria participado dos últimos pleitos, onde entrou em conflito com o candidato que concorreu à reeleição, e que anteriormente havia apoiado; que tal candidato procurou a polícia com registros de ameaças de pessoas vinculadas a Germano em mais de uma ocasião; que Germano estaria migrado as ações para Cerro Grande; que, em razão de possível organização criminosa associada ao tráfico de drogas com intenção de influenciar nas eleições em dois municípios, passaram a analisar as questões em conjunto em dois inquéritos, um para cada município; que os casos foram se agravando conforme as eleições se aproximavam, sendo, em Cerro Grande, uma mulher atingida por arma de fogo, bem como veículos alvejados e disparos aleatórios efetuados; que pessoas eram impedidas de realizarem campanhas políticas, sendo alguns indivíduos foram identificados como autores dessas ações; que recorda de duas figuras principais, Edimar e Edson, que eram citados em quase todas as ocorrências de coação eleitoral em Cerro Grande. Que outra figura frequentemente citada também seria Ezequiel; que Ezequiel e Edson teriam ligação com o Germano Rocha Lírio, conforme as informações do policial Alexandre; que a polícia representou por prisões cautelares de Edimar, Edson e  Ezequiel, e também por mandados de busca e apreensão; que para cumprimento dos mandados foi realizando uma força tarefa, incluindo apoio da brigada militar, pois desconheciam os endereços de Cerro Grande no interior, razão pela qual os policiais militares de Cerro Grande guiaram os policiais pelos locais; que nenhum dos alvos se encontravam nos locais às 06-07 horas da manhã, o que causou estranheza, por não ser normal, razão pela qual tem certeza de que as informações vazaram; que foi realizada busca na garagem do Vati, onde os grupos se reuniam, onde três ou quatro pessoas estavam, inclusive o dono do local; que foi encontrado um veículo Golf, blindado, o que já é um achado incomum em uma cidade grande; que a busca dentro do veículo revelou documentos do réu Edimar, mas não recorda quais seriam os documentos; que o achado reforçou a tese de que o veículo seria usado para fomentar as ações de coação eleitoral, pois não existiria motivo para o uso de veículo blindado em Cerro Grande se não fosse para praticar ação ilegal; que o veículo tinha placa de Novo Hamburgo, onde possuía inúmeros registros de envolvimento em tráfico de drogas, sendo o berço da facção “Os Manos”; que o mandado foi cumprido na época das eleições e Edimar não foi encontrado em nenhum lugar naquele dia, o que reforça a tese de interferência de Germano Rocha Lírio, e da facção, no pleito; que realizaram a apreensão dos celulares das pessoas que estavam na garagem, mas não se recorda se foi apreendida arma de fogo na residência dos réus; que ninguém sabia informar de quem era o veículo, nem o dono da garagem. que durante a instrução, alguns réus se apresentaram espontaneamente e foram levados ao sistema prisional; que algumas testemunhas reforçaram que os indivíduos faziam coação eleitoral para o candidato eleito; que a análise do telefone de Valmor revelou uma mensagem ou um áudio do prefeito com o Edimar, solicitando ajuda de “Bicudo”, o qual foi indicado como sendo o Policial Militar Bittencourt, que guiou os agentes nas buscas que foram frustradas, o que causou uma estranheza; que o procedimento foi encaminhado ao Poder Judiciário; que era comum encontrar, em abordagens, pessoas da região metropolitana na região, recordando de indivíduos de Sapucaia, São Leopoldo e Novo Hamburgo, as quais não tinham vínculo com o município de Cerro Grande e relatavam que estavam procurando emprego ou que trabalhavam ali; que tais pessoas tinham passagem policial; que acredita que as pessoas estavam ali para atuar na coação eleitoral; que não tem dúvidas de que as ações restringiram a liberdade de voto; que isso normalmente ocorre em pequenos municípios, em ambos os lados; [...] que não recorda da associação do veículo Parati branca com delitos e apenas que foi relatado que o veículo teria sido alvejado por tiros; que não recorda se conseguiu indiciar os réus por associação criminosa na questão eleitoral, mas os depoimentos das testemunhas permitiam concluir que existia ligação entre as pessoas, tendo Valmor admitido que Edimar, Edson e Ezequiel trabalhavam para ele de forma voluntária quando inquirido pela polícia; [...] que os fatos ocorridos em Cerro Grande não eram isolados, tendo sido praticados em associação pelos réus, pois eram sempre as mesmas pessoas, com o mesmo tipo de ação, que havia unidade de desígnios voltados para o mesmo sentido; [...].


 

E, como concluiu o magistrado, ainda que não se tenha produzido prova cabal do envolvimento dos denunciados com a facção “Os Manos”, restou demonstrada a associação, de forma permanente e estável, à prática de diversos crimes eleitorais no Município de Cerro Grande/RS, durante o período eleitoral referente às Eleições Municipais de 2020, visando beneficiar as candidaturas de Valmor José Capeletti e Glaucia Regina Brocco.

Na esteira do que constou na sentença, a permanência e a estabilidade do grupo formado pelos denunciados Valmor, Glaucia, Jeremias, Edimar, Edson, Ezequiel, Leonei, Camila e Elevelton, assim como a associação para a prática de crimes eleitorais no Município de Cerro Grande, durante o período eleitoral de 2020, ficou suficientemente comprovada nos autos (ID 45442599):

Da análise dos documentos contidos no IP nº 0600427-58.2020.6.21.0064, em apenso, constata-se a existência de inúmeros boletins de ocorrências registrados na Delegacia de Polícia de Jaboticaba, nas quais figuram como possíveis autores dos crimes as pessoas denunciadas pelo Ministério Público Eleitoral. Citam-se:

i) Ocorrência Policial nº 724/2020/15.16.48, registrada por Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, por supostas ameaças praticadas por Edimar Antunes de Souza e “Cereja” (Jeremias da Silva Júnior), em 06/10/2020;

ii) Ocorrência Policial nº 725/2020/15.16.48, registrada por Joracy Ribeiro Raimundi, por supostas ameaças praticadas por Ezequiel de Souza Dias, em 06/10/2020;

iii) Ocorrência Policial nº 738/2020/15.16.48, registrada por Mateus Azambuja de Souza, por supostas ameaças praticadas por Edson Antunes de Souza, em 05/10/2020;

iv) Ocorrência Policial nº 781/2020/15.16.48, registrada por Élio Ferreira Brizolla, Nelsi Pastorio e Adriane Regina Pastorio, por supostas ameaças praticadas por Edson Antunes de Souza, Edimar Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias e Leonei Machado, em 18/10/2020;

v) Ocorrência Policial nº 782/2020/15.16.48, registrada por Nelson Machado, por supostas ameaças praticadas por Leonei Machado, em 16/10/2020;

vi) Ocorrência Policial nº 786/2020/15.16.48, registrada por Elio Krummenauer, por supostas lesões corporais praticadas por Edimar Antunes de Souza, em 22/10/2020;

vii) Ocorrência Policial nº 787/2020/15.16.48, registrada por João Marcos Raimundi, por supostas lesões corporais praticadas por Edimar Antunes de Souza, em 22/10/2020;

viii) Ocorrência Policial nº 788/2020/15.16.48, registrada por Maiqueli Raimundi, por suposto disparo de arma de fogo efetuado por Edimar Antunes de Souza, em 22/10/2020;

ix) Ocorrência Policial nº 789/2020/15.16.48, registrada após a apreensão de um veículo blindado (Golf, placas KLD2985), na “Garagem do Vati”, local em que foram apreendidos a carteira, documentos e um telefone celular de Edimar Antunes de Souza, em 25/10/2020, após cumprimento de mandados de busca e apreensão;

x) Ocorrência Policial nº 790/2020/15.16.48, referente à apreensão de três cápsulas deflagradas na residência de Edimar Antunes de Souza, em 25/10/2020, após cumprimento de mandados de busca e apreensão;

xi) Ocorrência Policial nº 793/2020/15.16.48, registrada por João Carlos Binelo Brocco, por supostas ameaças praticadas por Edson Antunes de Souza, Edimar Antunes de Souza, Ezequiel de Souza, Camila Nicolini e o adolescente Kevin Kauê Rodrigues, em 26/10/2020.

 

Tais registros referem-se aos fatos descritos pelo Ministério Público Eleitoral em sua denúncia e demonstram que, pelo menos desde 06 de outubro de 2020, o grupo criminoso formado pelos acusados, de forma ordenada, passou a intimidar opositores no Município de Cerro Grande/RS.

Percebe-se ainda que o nome dos agentes responsáveis pelas ameaças, agressões e intimidações se repetem nos diversos registros de ocorrência policial, a evidenciar que não agiam isolados e separadamente, mas como um grupo.

A conduta adotada pelos réus, durante o período eleitoral de 2020, pode ser extraída, ainda, dos laudos periciais (Id. 92649935) acostados aos autos pelo MPE, confeccionados após a apreensão de aparelhos celulares de membros do citado grupo. Citam-se como exemplo as seguintes conversas extraídas do aplicativo WhatsApp e da rede social Facebook utilizadas pelos agentes:

i) em 27/09/2020, às 13h35min, Elevelton Karling remeteu uma fotografia de uma arma de fogo e inúmeras munições para “Daniel”, e um áudio dizendo “E aí, piá? Tá pro brique esse. Quê que tu acha? Será que presta? Vamo fazê voá tinta esse ano, né, piá? Vamo botá pra derrete. Venha pra cá. Venha pra cá quando chega nas finaleira. Precisemo de umas pessoa de coragem”. Daniel, então, respondeu “qualquer coisa vamos”, indagando se Elevelton era do mesmo partido de seu parente ou adversário, “se é adversário, não vai passar fogo nele, né? Deus o livre, homem. Rapaz, mas de repente vamo dá um tiroteio”. Acrescentou, ainda, que era pouca bala, “isso aí não dura um dia”. Elevelton comentou que já dava “pra dar uma brincada” e “vamo fazê vermeiá o cano a tiro”, acrescentando: “nóis temo do lado que tem mais dinheiro, né, piá? O lado que pagá mais, nós peleemo” (Laudo pericial de Id. 92649936 – pgs. 22/23);

ii) em 04/11/2020, às 18h51min, Camila Nicolini encaminhou a interlocutores vídeo em que aparecem fotografias do prédio do Fórum da Comarca de Rodeio Bonito, local em que situado o Cartório Eleitoral da 064ª ZE, com uma viatura da Brigada Militar estacionada nas proximidades, contendo as seguintes frases de texto: “acharam que iriam passar impune??”, “se preparem, a hora de vocês chegou” e “e não adianta fugir de ambulância não”, contendo áudio com vozes diversas, com menção a “tropa do Edimar tá querendo perder mais um deles, mas, se eles querem, isso que eles vão ter”, “agora eles não vão sossegar, porque, pelo que eu tô sabendo meio por longe, tá chegando gente dos nosso, e nós temo dinheiro pra bancar”, “acho que nós temos uns cinco ou seis dos nosso que são barra pesada, que vieram hoje”, “chegou uns cara mal encarado, uns negão mal encarado, entraram e foram pra uma salinha lá no Humberto, (....) ficaram um tempinho, de certo largaram as armas” e “daí o Nene também atirou, e daí acertou na Rafaela” (Laudo pericial de Id. 92649936 – pgs. 24-26);

iii) em 22/10/2020, às 09h02min, uma pessoa identificada como “Maco” enviou um áudio a Elevelton perguntando “como estavam as coisas”, tendo este respondido que “a coisa tá pegando fogo”. Em seguida, “Maco” questiona se era verdade que “deram mais de quarenta tiro de pistola na casa da mãe” de Joci no Cerro, tendo Elevelton respondido que “eles começaram com a brincadeira, eles têm que aguentar agora, né? (...) Quiseram fazer uma espera pra nós e eu acho que não deu certo, né? (...) Nós ia passando na BR bem de boa, tranquilo, sabe? Dali um pouco começou a sair pipoco dos dois lados, da... da frente da casa da mãe dele, do outro lado da rua, e daí nos resolvemo, né, dar uma seguradinha e... e puxar os talher também, né? (...) Eu acho que ele tava junto (...), ele e o tio dele que tavam ali pra... pra pegar nós (...). Mas tá tranquilo, tá tranquilo... Ontem de noite deram mais uma pegada em nós, nós demo mais uma pegada com eles também (...)”. Pouco depois, “Maco” comentou: “vocês não devem atirar, se eles vir atirar, pra assustar, home, tem que atirar pra matar, home, que se matar uma praga dessa aí, não perde grande coisa”, com o que Elevelton concordou e acrescentou: “(...) nós sitiemo a região deles ali onde é que eles tavam ali, não achemo mais nem vestígio, home, não sobrou ninguém, home. A coisa fedeu pro lado deles ali, home, e eles que não subam pra esses lado pra cá querer gargantear aí porque a coisa vai... eles vão voltar dentro duma caixa (...)” e “(...) daí nós subemo que eles tão ganhando (...) um dinheiro bem bão, home, pra vim aqui pra cima dar tiro em nós” (Laudo pericial de Id. 92649936 – pgs. 26/27);

 

Conforme se percebe, Camila chega a usar em suas conversas a expressão “tropa do Edimar”, para se referir ao grupo formado pelos acusados e liderado por Edimar.

Da mesma forma, chama a atenção as conversas mantidas por Elevelton com outras pessoas, nas quais, além de enviar fotos de armas de fogo e munições, convida uma pessoa de fora do município para se juntar à associação criminosa e, em outra oportunidade, afirma que seu grupo efetuou mais de quarenta disparos de arma de fogo, bem como sitiou determinada região do Município de Cerro Grande/RS, chegando a citar, inclusive, estar ganhando uma considerável quantia em dinheiro para assim proceder.

Percebe-se que, nas conversas, Camila e Elevelton falam sempre no plural, a indicar que não agiam sozinhos, mas em grupo.

Diversas vítimas e testemunhas, cujos depoimentos já foram colacionados na presente decisão, confirmaram a existência de um grupo de pessoas no Município de Cerro Grande/RS que agia com intuito de intimidação de apoiadores e candidatos políticos contrários.

Os réus Valmor José Capeletti e Gláucia Regina Brocco, integrantes do núcleo político da associação criminosa, embora não tenham praticado direta e pessoalmente as condutas criminosas realizadas pelo grupo, tinham pleno conhecimento dos crimes praticados por seus apoiadores e, na condição de beneficiários das condutas, deviam agir para evitá-las, tendo atuado com manifesto domínio do fato. Registre-se, ademais, que a denunciada Glaucia, inclusive, forneceu o veículo VW/Parati, de cor branca, aos outros réus, para a prática dos crimes investigados.

Com efeito, as provas produzidas demonstram a estreita relação entre Valmor e Glaucia com os demais integrantes do grupo criminoso.

A proximidade de Valmor e Edimar, líder do núcleo executor do grupo criminoso, se extrai, por exemplo do “Relatório de Serviço nº 22/2020” (Id. 41602363 – fl. 11/12), no qual consta que, em 24 de outubro de 2020, Valmor entra em contato com Edimar para fins de determinar que este avisasse “bicudo” (policial militar Bitencourt) que havia alguma pessoa dentro da casa de outro apoiador da sua coligação (Humberto) e das fotografias contidas no parecer do Ministério Público Eleitoral de Id. 92735890.


Tal relação pode se extrair, ainda, da Análise Técnica nº 070/2021 (Id. 92649937), que demonstra que Edson e Edimar, após a vitória e posse de Valmor e Glaucia, passaram a cobrá-los pelo apoio fornecido durante o período eleitoral, solicitando cargos públicos na Prefeitura Municipal de Cerro Grande/RS:


i) em 20/01/2021, entre 07h22min e 07h52min, Edson e Edimar trocaram mensagens conversando sobre a destinação de um cargo público para “Cláudia” (esposa de Edson). Após Edimar perguntar se Edson achava ruim Cláudia trabalhar “lá em baixo”, este enviou mensagem de áudio respondendo que “não valeria a pena e que havia falado com Gláucia”, denotando insatisfação ao mencionar que “pra nós é só pepino, os outros, que não merecem, que não correram, já tão ganhando bem e tão tranquilo”. Em seguida, Edson reiterou sua insatisfação, referindo que “eles se ajeitam com todo mundo, daí quando é pra gente é difícil”, comentando sobre ter falado “que nessa eleição eu ia baixar o porrete, baixar o porrete... eu não ia dar moleza pra diabo nenhum, entendeu? Aí fomo preso sem fazer nada pra ninguém, aí os outros ganhando bem?”, assim como que seria possível um “cargo de CC”. Diante disso, Edimar referiu ter perguntado a Neki (Valmor Capeletti) se ele seguiria com as provas seletivas e contratação, “daí ele disse que ia, daí eu disse: ‘não, então vamo colocar os meu também, porque, se tu não fosse fazer nada, aí tudo bem, daí nóis podia esperar, mas já que tu vai botar os outros, então queremo o que é pra nóis também (...)’”;


ii) em nova conversa entre Edson e Edimar, mantida em 03/02/2021, às 13h40min, após este indagar se o irmão queria comprar novilhas, Edson enviou áudio dizendo “eu até queria comprar, mas eu tô sem dinheirinho. Tem que poupar o dinheiro. Esperar pegar os... os salários da prefeitura primeiro”;


iii) entre 18/01 e 19/03/2021, Edson e Gláucia Regina Brocco trocaram diversas mensagens tratando sobre a destinação de um cargo público para “Cláudia” (provavelmente Cláudia Soeiro Martins de Souza, esposa de Edson), tendo Edson, inicialmente, se queixado do salário que seria recebido por ela, “será que eu não mereço um pouquinho mais?” e o local em que ela trabalharia, tendo solicitado que o trabalho fosse realizado “lá em cima” (referindo-se a determinado setor da administração pública municipal). Em 20/01/2021, às 11h33min, Gláucia enviou mensagens a Edson informando que o salário seria de “3248.00”, questionando se “fica bom?” Recebida a proposta, Edson enviou um áudio a Gláucia solicitando que ela não comentasse nada com ninguém sobre o cargo destinado a Cláudia, dizendo “(...) daí a gente se sente mal, né, porque de repente eles podem ter descoberto do... do... né, descobriram que... que... quê que nós tinha acertado, entendeu, e eles não querem ser menos do que ninguém”.

As últimas conversas evidenciam que havia um prévio acordo entre Valmor, Glaucia, Edson e Edimar, no sentindo de que estes atuariam em favor dos candidatos – inclusive, se necessário, “nessa eleição eu ia baixar o porrete, baixar o porrete” (Edson) – para, em trocar, receber cargos públicos na Prefeitura Municipal de Cerro Grande/RS, caso confirmada a vitória dos candidatos.


Destaca-se que Edimar menciona, em uma conversa com seu irmão que, após tomar conhecimento de que haveria nomeações na Prefeitura de Cerro Grande, falou aos candidatos “não, então vamo colocar os meu também, porque, se tu não fosse fazer nada, aí tudo bem, daí nóis podia esperar, mas já que tu vai botar os outros, então queremo o que é pra nóis também (...)”. Fica claro, portanto, que havia promessa de cargos públicos, também, para pessoas a serem indicadas por Edimar.

Em suas alegações finais e interrogatórios, os réus negaram veementemente terem se associado para a prática de crimes durante o período eleitoral.
 

Contudo, conforme acima destacado, as provas produzidas na seara administrativa e judicial foram conclusivas ao demonstrar que Valmor José Capeletti, Glaucia Regina Brocco, Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias, Jeremias da Silva Oliveira Júnior, Camila Nicolini, Elevelton Karling e Leonei de Oliveira Rosa associaram-se, de forma estável a duradoura, para a prática dos crimes acima citados, visando a beneficiar a candidatura de Valmor e Gláucia nas eleições majoritárias do Município de Cerro Grande/RS.


A causa especial de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 288 do Código Penal, consistente no uso de arma de fogo por membros da associação, ficou suficientemente comprovada.


A foto enviada e a conversa mantida por Elevelton Karling com “Daniel” e “Maco”, acima transcrita, comprovam o emprego de arma de fogo pela associação, inclusive com menção à realização de inúmeros disparos durante o período eleitoral.

Ainda, a coação eleitoral praticada por Edimar Antunes de Souza em face de Elio Krummenauer foi praticada com o emprego de um revólver – utilizado, inclusive, para desferir uma coronhada contra a vítima. O mesmo ocorreu em relação aos crimes de “constrangimento ilegal” praticados contra as vítimas Elio Ferreira Brizola, Nelci Pastorio e Adriane Regina Pastorio, que informaram que Edimar e Edson portavam armas de fogo durante a prática delitiva. E em relação à coação eleitoral praticada por Leonei de Oliveira Rosa em face de Nelson Machado, que alegou ter visto o réu na posse de uma espingarda na data em que ocorreu o crime.

O fato de apenas alguns dos réus terem feito uso de armas de fogo para as práticas delitivas e de estas não terem sido apreendidas não desconfigura a causa especial de aumento de pena previsto no tipo legal, notadamente porque as provas foram conclusivas em apontar o uso de armas de fogo pelos membros da associação criminosa.


Neste sentido:

[...] ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA. SENTENÇA QUE CONDENOU OS TRÊS RÉUS. MANUTENÇÃO. PLEITO SUBSIDIÁRIO DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE DESACOLHIDO. Para a ocorrência do delito de associação criminosa é necessária a associação estável de três pessoas ou mais, para o fim de cometer crimes. Neste sentido, é desnecessária a efetiva prática das condutas delitivas, por parte do grupo, com a condenação definitiva dos agentes, bastando a união, com o fim do cometimento de delitos, sendo crime formal. Também é necessário que haja um vínculo associativo permanente, para fins criminosos, uma predisposição comum de meios para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados para a concretização de um programa delinquencial. Tal vínculo associativo ficou comprovado nos autos, pois, além dos roubos comprovados nestes autos, há notícias de vários crimes cometidos na região das missões, pelos mesmos agentes e com as mesmas características, inclusive com emprego de armas, caracterizando o grupo e seu agir delitivo. Para incidência da causa de aumento, não é necessário que todos os integrantes estejam portando armas, sendo suficiente que um deles esteja nesta condição. Ademais, a não apreensão das armas utilizadas pelos agentes, para a perpetração dos roubos, não impede a incidência do disposto no parágrafo único do art. 288 do CP, diante da prova dos autos [...] (Apelação-Crime, Nº 70075597302, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em: 28-02-2018)

Diante do exposto, a condenação de Valmor José Capeletti, Glaucia Regina Brocco, Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias, Jeremias da Silva Oliveira Júnior, Camila Nicolini, Elevelton Karling e Leonei de Oliveira Rosa pela prática do crime descrito no art. 288, parágrafo único, do Código Penal, é medida que se impõe. (Grifo nosso)


 

Dessa forma, não merece reparos a sentença que condenou Valmor José Capeletti, Gláucia Regina Brocco, Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias, Jeremias da Silva Oliveira Júnior, Camila Nicolini, Elevelton Karling e Leonei de Oliveira Rosa pela prática do crime descrito no art. 288, parágrafo único, do Código Penal.

Na sequência, examino o recurso de Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias e Leonei de Oliveira Rosa pela condenação na prática do crime do art. 146, § 1º, do Código Penal, por três vezes, na forma do art. 70, segunda parte, do Código Penal (concurso formal impróprio).

Com efeito, o Ministério Público Eleitoral denunciou Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias e Leonei de Oliveira Rosa pela prática do seguinte fato delituoso, descrito como 5º FATO:

Na data de 18 de outubro de 2020, por volta das 13h00min, na Rodovia ERS 325, no Município de Cerro Grande/RS, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS e LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, usaram de violência e grave ameaça, com uso de armas, para constranger as vítimas Elio Ferreira Brizolla (atual Vice-Prefeito de Cerro Grande/RS e candidato à reeleição), Nelsi Pastorio e Adriane Regina Pastorio a não fazer o que a lei permite, consistente em trafegar livremente pelo município de Cerro Grande/RS.

Nas mesmas circunstâncias de local e fato, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS e LEONEI DE OLIVEIRA ROSA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, usaram de violência e grave ameaça, com uso de armas, e impediram as vítimas Elio Ferreira Brizolla (atual Vice-Prefeito de Cerro Grande/RS e candidato à reeleição), Nelsi Pastorio e Adriane Regina Pastorio de realizar propaganda política.

Na ocasião, os denunciados atuavam como cabos eleitorais da Coligação “Juntos por Cerro Grande” (PTB e PP), e com o fim de intimidar adversários do partido contrário, impediram a passagem do veículo conduzido por Elio (atual Vice-Prefeito de Cerro Grande/RS e candidato à reeleição). Em sequência, os denunciados EDIMAR e EDSON apontando revólveres em direção às cabeças das vítimas Adriana e Nelsi, ordenaram que descessem do veículo, proferindo ameaças de morte de que “era para parar de andar, que queriam ganhar a eleição de qualquer maneira. Que diziam também vocês tem família, se vocês se bobearem matamos até a família de vocês e vocês sabem que por trás de nós tem uma facção, não é só nós”.

As graves ameaças foram praticadas em conluio entre todos os denunciados, sendo que EDIMAR e EDSON portavam um revólver e arma branca (faca e facão) e as utilizaram para amedrontar as vítimas, dizendo que “iriam ganhar a eleição de qualquer jeito”, enquanto EZEQUIEL e LEONI aderiram à ação dando suporte moral e intimidando as vítimas.


 

A sentença apreciou de forma adequada a prova produzida, motivo pelo qual transcrevo sua análise (ID 45442599):

[...] a autoria e a materialidade do crime de “constrangimento ilegal” restaram suficientemente comprovadas nos autos pelos depoimentos prestados pelas vítimas durante a fase policial e judicial.

Ao registrar a Ocorrência Policial nº 781/2020/15.16.48 (Id. 38188148 – fl. 21 – dos autos IP 0600427-58.2020.6.21.0064, em apenso), a vítima Élio Ferreira Brizolla sustentou que:

[...] na data acima mencionada estava indo a Palmeira das Missões/RS, na companhia de NELCI PASTORIO e ADRIANE PASTORIO, e após uns 500 metros da cidade do Cerro Grande/RS, dois veículos, trancaram a frente do comunicante, impedindo a passagem do mesmo, sendo um Ford Focus, da cor preta e uma Fiat Toro, da cor preta, estando os veículos tripulados pelos indivíduos, EDIMAR DE SOUZA, EDSON DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA, LEONEl MACHADO, e mais um indivíduo que não conseguiu identificar; QUE todos os indivíduos desembarcaram dos veículos, sendo que EDSON (sic) estava com uma arma de fogo, espécie revólver e uma faca, e EDIMAR com uma arma de fogo espécie revólver, e começaram a ameaçar o comunicante, dizendo “que era para o comunicante parar de andar, que queriam ganhar a eleição de qualquer maneira”. Que diziam também “vocês tem família, se vocês se bobearem matamos até a família de vocês, e vocês sabem que por trás de nós tem uma facção, não é só nós”; QUE disse para os indivíduos deixarem seguir viagem, que cada um faz sua campanha limpa; QUE é o atual vice-prefeito de Cerro Grande/RS, e candidato a reeleição. PR. Que sabe que os indivíduos acima citados, estão realizando ameaças contra outros cidadãos. PR. Que os indivíduos citados, seguem os cidadãos, de carro, por todo o município, a qualquer hora, fazendo intimidações, ameaças, impedindo o direito de ir e vir dos cidadãos. PR. Que esse tipo de situação, ocorre por causa das eleições que estão se aproximando. N/M.

Ouvido em juízo, Elio Ferreira Brizolla ratificou, na íntegra, o depoimento prestado na fase policial. Questionado em audiência, sustentou que:

[...] foi candidato ao cargo de Vice-Prefeito; em relação ao fato do dia 18/10/2020, próximo às 13h, estava junto com Nelsi e Adriane Pastorio, dirigindo em direção à Palmeira das Missões, quando foram abordados por Edimar, Edson, Ezequiel e Leonei; que a aproximadamente 500 metros depois da saída de Cerro Grande, dois carros bloquearam a frente do trajeto, oportunidade em que as citadas pessoas lhe intimidaram para que não fizessem campanha, tendo dito que “ganhariam a eleição de qualquer jeito”; que Edimar e Edson estavam armados com revólver na mão e com facas; que sua família também foi ameaçada, temendo pela vida e integridade física própria e da família; que os agentes falaram que “tinha gente por trás”, mas não sabe dizer se faziam referência a uma facção ou aos candidatos; que Adriane era candidata ao cargo de vereadora; que não foi agredido; que durante o período eleitoral “foi triste de ver”, pois nunca viu uma situação com essas; que não saiu mais de casa, sendo que carros passavam na frente de sua casa durante à noite e faziam a volta em um beco sem saída, a cada 15 a 20 minutos; que eram vários carros; que no dia em que foram abordados, os agentes dirigiam um veículo Focus preto e um automóvel Strada preto; [...] que os agentes eram apoiadores dos candidatos Valmor e Glaucia e que não tem dúvidas de que estes tinham ciência dos atos, pois eram de conhecimento geral em Cerro Grande; [...] Questionado pelo Magistrado, afirmou que não sabe se havia envolvimento de facções, bem como que o termo “facção” foi inserido no boletim de ocorrência pelo escrivão da delegacia; [...] que as ameaças começaram no dia 18/10/2020, sendo que até aquele dia a campanha foi feita normalmente e que saíam tranquilos; que depois do fato deixou de sair para fazer campanha por medo das ameaças que foram feitas a ele e a outras pessoas, sendo que as ameaças levaram pessoas a votar em candidatos ou a deixarem de votar.


Conforme se percebe, a vítima Élio, então candidato a Vice-Prefeito pela coligação adversária à apoiada pelos denunciados, sustentou que as ameaças contra si começaram naquele dia e que, em razão destas, deixou de sair para fazer sua campanha eleitoral, por medo.

Adriane Regina Pastorio, candidata a Vereadora por partido político adversário dos denunciados, ouvida na Delegacia de Polícia de Jaboticaba (Id. 38193052 – fl. 7 – dos autos IP 0600427-58.2020.6.21.0064, em apenso), sustentou que:

[...] corrobora os fatos narrados na ocorrência Policial nº 781/2020/151648, dizendo, ainda, que estava indo a Palmeira das Missões/RS, a uns 500m da cidade de Cerro Grande/RS, dois veículos se aproximaram da camioneta que a Declarante estava junto com Nelsi e Élio, mandando encostar a camioneta, e desceram dos veículos os indivíduos, EDIMAR, EDSON, EZEQUIEL, LEONEL e mais um indivíduo que a declarante não conseguiu identificar; QUE os indivíduos mandaram descer da camioneta, que se fosse preciso derramar sangue eles derramavam; QUE EDIMAR e EDSON estavam armados, com arma de fogo espécie revolver, e EDSON estava com um facão, lhe colocando o revólver na cara da declarante e de seu esposo, NELSI, falando para a declarante não sair mais de casa, que era pra a declarante cuidar de seus filhos, que a mesma tinha família; QUE os indivíduos acima citados falaram que iriam ganhar a eleição de qualquer jeito [...]

Por questões de saúde, Adriane Regina Pastorio não foi ouvida em juízo, tendo o Ministério Público Eleitoral desistido de seu depoimento, o que, com a anuência da defesa, foi homologado pelo Juiz Eleitoral na audiência do dia 02/08/2020 (Id. 92859792).

Nelsi Pastorio, esposo de Adriane, disse em seu depoimento policial que:

[...] corrobora os fatos narrados na ocorrência Policial nº 781/2020/151648, dizendo, ainda, que estava indo a Palmeira das Missões/RS, a uns 500m da cidade de Cerro Grande/RS, dois veículos se aproximaram de sua camioneta, lhe mandando encostar, e desceram dos veículos os indivíduos, EDIMAR, EDSON, EZEQUIEL, LEONEI, e mais um indivíduo que o declarante não conseguiu identificar, lhe mandando descer da camioneta, que se fosse preciso derramar sangue eles derramavam; QUE EDIMAR e EDSON estavam armados, com arma de fogo espécie revólver, e EDSON estava com um facão, lhe colocando o revólver na cara do declarante e de sua esposa, falando para o comunicante não sair mais de casa, que era pro comunicante cuidar de seus filhos, que o mesmo tinha família; QUE os indivíduos acima citados falaram que iriam ganhar a eleição de qualquer jeito [...]

Em juízo, Nelsi sustentou que:

[...] em relação ao fato do dia 18/10/2020, em torno das 13h, ele e a esposa estavam se dirigindo à Palmeira das Missões, tendo parado no comércio de Élio (Ferreira Brizolla) para levá-lo junto; que aproximadamente 500 a 1000 metros de onde Élio havia embarcado, um carro sinalizava para que parassem na pista, mas o declarante seguiu a viagem; que 100 metros à frente foi parado por um carro, do qual desceram pessoas armadas; que neste carro estavam Edimar, Edson, Ezequiel e Leonei, sendo que Ezequiel estava mais próximo do automóvel e que Edson portava um revólver e Edimar uma faca; que os agentes lhe falaram que não poderia seguir viagem, bem como que o declarante e seus companheiros “não iriam fazer o que queriam”, oportunidade em que um dos agentes deu um estouro de facão na camionete, sem causar danos; que a esposa do declarante teve medo de prosseguir a viagem; que os agentes lhe disseram que não era para fazer (campanha) política, cientes de que a esposa do declarante era candidata ao cargo de vereadora; que disse aos agressores que estava indo a Palmeira das Missões para passear e visitar sua mãe; que o declarante e sua esposa se sentiram amedrontados; que confirma o relatado no Boletim de Ocorrência, à exceção da afirmação sobre a existência da facção, confirmando que, no dia dos fatos, os agentes afirmaram que haviam “pessoas por trás” deles [...]; que a eleição municipal de Cerro Grande foi bastante violenta, tendo ocorrido ameaças nas estradas a outras pessoas; que sua esposa não seria candidata novamente; que, nos últimos dez dias de campanha, sua esposa não saiu de casa por medo de receber um tiro ou uma pedrada; que Edson, Edimar, Ezequiel e demais eram do lado político do PP, da chapa majoritária de Glaucia e Valmor; que não pode afirmar se os candidatos Glaucia ou Valmor tinham ciência das ameaças. Questionado pela defesa, acrescentou que o Mercado Brizola abre às 07h e que funciona até as 20h, mas que, se alguém bater à noite fora do horário, é possível que a pessoa seja atendida; [...] que é filiado ao PP, e que a esposa foi candidata pelo PDT, sendo que o declarante estava fazendo campanha para a esposa, inclusive visitando a casa dos vizinhos; [...] que não fazia parte da comissão de campanha, mas era apenas militante político da chapa perdedora; [...] que as ameaças foram sérias, porém, depois das eleições “cada um seguiu o seu caminho”. Questionado pelo Magistrado, informou que a intenção dos agentes, no dia dos fatos, era a de impedir a realização de campanha pela coligação adversária, tendo ouvido dizer que eleitores eram pressionados para que votassem ou deixassem de votar, mas não se lembra do nome de eleitores que teriam sido coagidos; que sempre morou em Cerro Grande e que a eleição municipal anterior a essa não havia sido tão violenta [...]; que a esposa continuou fazendo campanha de casa, pelo Whats App.

Conforme se percebe, após abordarem o veículo em que estavam as vítimas, impedindo-as momentaneamente de seguir viagem, os denunciados Edimar, Edson, Ezequiel e Leonei constrangeram Élio, Nelci e Adriane, mediante emprego de violência e grave ameaça, inclusive com o uso de armas (branca e de fogo), para que parassem de realizar sua campanha eleitoral, o que, em razão de suas condições de candidatos, era plenamente permitido pela legislação eleitoral, notadamente pela Lei 9.504/97.

A prova oral produzida demonstrou que o constrangimento ilegal praticado pelos denunciados influenciou as vítimas na continuação de suas campanhas políticas, para as Eleições Municipais de 2020, tendo elas alegado, inclusive, que deixaram de sair de casa ou de visitar eleitores por medo de ser agredidos novamente.

Deste modo, resta suficientemente comprovada a prática do crime descrito no art. 146 do Código Penal. Em semelhante sentido:

APELAÇÃO CRIME. CRIME DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL (ART. 146, CAPUT, CÓDIGO PENAL). ARMA BRANCA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. EMBRIAGUEZ DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE DOLO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. APLICAÇÃO DA PENA EM DOBRO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ [...] Para o reconhecimento do delito de constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, é necessário que haja o resultado naturalístico, consistente no efetivo constrangimento e sua comprovação. Caso concreto em que se verifica claramente que as vítimas se sentiram constrangidas pelas ameaças proferidas pelo réu, a se concluir pela tipicidade da conduta. [...] Adequado o reconhecimento da majorante prevista no § 1º, do art. 146 do Código Penal, e a aplicação da pena em dobro, considerando que o acusado empregou uma faca apontada para o pescoço do motorista para constranger a vítima a colocar o coletivo em movimento. [...] APELAÇAÕ DESPROVIDA (Apelação Crime, Nº 70076100130, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em: 30-05-2018)

Registre-se, ademais, que o fato foi praticado pelos quatro denunciados Edimar, Edson, Ezequiel e Leonei, bem como que, segundo relatos das vítimas, Edimar e Edson portavam armas de fogo e branca (faca) durante a prática delitiva, incidindo, portanto, a causa especial de aumento de pena prevista no art. 146, §1º, do Código Penal.

Em relação a Ezequiel e Leonei, as vítimas não mencionaram qualquer ameaça ou ato de agressão praticados por eles, embora tenham sustentado, de forma uníssona, que ambos acompanhavam Edimar e Edson durante a prática delitiva, tendo, inclusive, descido do veículo para prestar apoio material e moral a estes.

Ao assim agirem, Ezequiel e Leonei também foram coautores do constrangimento ilegal, porque, com a sua presença e comportamento, intimidaram as vítimas, a fim de que não fizessem o que a lei permitia, ou seja, a campanha eleitoral.

Em semelhante sentido, embora se referindo a crime diverso, assim já decidiu o egrégio TJRS:

APELAÇÕES CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE DESACOLHIDO. [...]E, em que pese este réu não tenha sido visualizado, pelo lesado, por ocasião do roubo, pois foi abordado por ROGER LUIS, inexistem dúvidas de que THIONATA acompanhava o corréu, por ocasião do fato, tendo ingressado no veículo, como carona, antes que a vítima pudesse perceber sua presença no local, o que não afasta a coautoria do roubo, de sua parte, notadamente porque pronto a fornecer auxílio ao seu comparsa, caso necessário. [...] RÉU THIONATA DOS SANTOS MONTEIRO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INAPLICABILIDADE. A figura prevista no § 1º do artigo 29 do CP se destina a privilegiar o agente cuja participação no ilícito tenha sido de somenos relevo, determinando-lhe consequências penais diversas, segundo sua culpabilidade e no limite da contribuição que trouxer à obtenção do resultado pretendido. Aqui, a conduta desempenhada por THIONATA, consistente em se dirigir ao palco delitivo, na companhia de seu comparsa, permanecendo nas proximidades, enquanto este abordava a vítima, pronto a lhe fornecer auxílio para qualquer eventualidade, de forma alguma pode ser considerado secundária. Desde que estejam ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso, exercendo domínio sobre o fato então planejado, como ocorreu, na espécie, responderão, os agentes, como coautores, na medida de suas culpabilidades, não havendo falar em participação de menor importância. [...] (Apelação Crime, Nº 70080866783, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em: 24-04-2019)

Em suas alegações finais, Leonei de Oliveira Rosa (Id. 98148904), Edimar Antunes de Souza (Id. 98148901), Edson Antunes de Souza (Id. 98148906) e Ezequiel de Souza Dias (Id. 98148909) negaram a prática de tal fato, sustentando que as vítimas são candidatos e militantes políticos adversários aos defendidos por eles durante as Eleições Municipais de 2020, razão pela qual suas declarações “são imprestáveis como prova”. Edimar sustentou, em acréscimo, que naquele dia, antes dos fatos narrados na denúncia, foi abordado por alguns “capangas” contratados pela coligação adversária, bem como que, após sair do local, foram efetuados cinco disparos de arma de fogo em sua direção. Após tal fato, ao chegar à cidade, foi abordado por Nelsi, Élio e Adriana, tendo questionado o motivo pelo qual estavam procedendo daquela forma, tendo eles dito que “iriam mandar os bandidos embora e então se retiraram”.

Interrogado sobre tais fatos, Ezequiel aduziu que:

[...] não constrangeu as vítimas Élio, Nelsi e Adriane a não trafegar livremente pela cidade, nem impediu que fizessem propaganda política; que conhece Edimar, Edson e Leonei, mas não sabe dizer se os réus fizeram isso, nem se estavam no local, quando tais fatos aconteceram; que conhece as vítimas e não tem inimizade com elas; [...] que, durante a campanha, não teve contato com Edimar, Edson ou Leonei, mas apenas conversava normalmente com os réus, sendo Edimar e Edson seus tios; que nunca viu Valmor ou Glaucia em uma reunião com Edson, Edimar ou Leonei; que o povo comentava sobre o que acontecia em Cerro Grande; que foi preso injustamente, pois não fez nada para ninguém para ser indicado como autor dos crimes; que não viu Edimar apontar revolver para Nelsi ou para Adriane, nem presenciou eles afirmarem que pertenciam a facção criminosa [...];

Leonei de Oliveira Rosa, em seu interrogatório judicial, sustentou que, em relação ao fato do dia 18/10/2020, por volta das 13 horas, estava na casa do seu sogro e não dirigiu o veículo Ford/Focus, de cor preta.

Edson Antunes de Souza disse que:

[...] em relação ao fato do dia 18/10/2020, não ameaçou Nelsi, Adriane ou Elio, nem impediu que transitassem ou fizessem campanha; que esse tipo de impedimento não acontece em Cerro Grande; que, pelo que sabe, Edimar, Leonei e Ezequiel não participaram da intimidação, sendo que Ezequiel saia às 2h e voltava às 17h; [...] que não tem arma e não apontou arma para as vítimas; que a polícia bateu várias vezes na cara dele; que não é faccionado, pois se fosse de facção não trabalharia; [...] que não abordou Élio, Nelsi ou Adriane e que as vítimas mentiram, pois queriam tirar os réus da campanha; que está sempre em casa, na igreja ou no trabalho, não tendo encontrado Ezequiel ou Edimar nesse dia [...].

Por sua vez, Edimar Antunes de Souza alegou que:

[...] em relação ao fato do dia 18/10/2020, não constrangeu Elio, Nelsi ou Adriane; que houve uma conversa, nesse dia, em relação a uma abordagem que havia acabado de sofrer, sobre a qual registrou uma ocorrência, pois havia sido abordado na rua por três veículos, sendo deles de Anilto, candidato eleito ao cargo de vereador da coligação adversária; que os agressores ordenaram que saísse da estrada ou o matariam, tendo discutido com eles, oportunidade em que Anilto lhe apontou uma arma e o ameaçou de morte; que o motorista do carro da frente também lhe apontou arma; que havia outro carro atrás; que conseguiu acelerar o carro e sair, tendo, em seguida, escutado disparos; que, chegando na cidade, viu Chico e Élio em uma camionete, parou e fez um sinal para que eles também parassem, oportunidade em que questionou se eles queriam mata-lo; que meses antes desse dia havia escutado que iriam matar mais um e que já haviam matado o irmão por causa de política; que Élio e Chico informaram que não sabiam da abordagem e falaram que se alguém estivesse fazendo isso, mandariam embora; que não fez uso de arma nesse momento; que era abordado com frequência; que Edson não estava nesse dia; que não reconhece a fala ameaçadora relatada pelas vítimas; [...] que encontrou Nelsi, Adriane e Élio em um domingo, acreditando ter sido em 18/10/2020; que suspeita que as vítimas o denunciaram porque sempre foi muito crítico à administração da qual faziam parte, pois levava impressos na casa das pessoas denunciando a administração; que Edson, Ezequiel e Leonei não estavam juntos [...];

Conforme se extrai, Edimar confirma ter encontrado as vítimas no dia dos fatos, negando, contudo, tê-las ameaçado ou que os outros três denunciados estivessem presentes.

Em relação à tese apresentada pelos denunciados de que não integravam a facção criminosa “Os Manos”, convém reconhecer que as provas produzidas nestes autos, de fato, não comprovaram a vinculação deles com tal organização criminosa. Os próprios policiais civis, ao serem ouvidos em juízo, sustentaram que não foi possível produzir provas de tal envolvimento, havendo, neste sentido, apenas relatórios de inteligência da polícia, o que se mostra insuficiente para comprovar o envolvimento dos réus com a citada facção.

Em relação à alegação dos denunciados de que as únicas provas produzidas se referem às palavras das vítimas – adversárias políticas naquele pleito – é imperioso ressaltar que os depoimentos prestados por Nelsi, Élio e Adriane, tanto na fase policial quanto em juízo, foram harmônicos entre si, não havendo contradições, ainda que decorridos alguns meses entre a data dos fatos e seu depoimento judicial.

Além disso, a narrativa dos fatos apresentadas pelas vítimas mostra-se coerente com outros inúmeros atos de violência praticados no Município de Cerro Grande/RS durante o período eleitoral de 2020, conforme sustentado por várias testemunhas ouvidas em juízo, inclusive pelos policiais civis e militares, o que corrobora suas versões.

Ainda, destaca-se que o crime foi praticado na ERS 325, na saída do Município de Cerro Grande, não tendo sido presenciada por outras pessoas, razão pela qual a palavra das vítimas merece especial valoração. Em semelhante sentido, assim já decidiu o TJRS:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA PRATICADO NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. (ARTIGO 146, §1º DO CÓDIGO PENAL COM A INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.340/06). IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. 1. SOLUÇÃO CONDENATÓRIA. MANUTENÇÃO. Materialidade e autoria: Dos elementos prospectados durante a instrução criminal, evidencia-se que a palavra da ofendida é firme e coerente tanto na Delegacia de Polícia quanto em juízo, ao descrever que, mediante séria ameaça exercida com o emprego de uma faca, foi abordada em via pública e constrangida pelo réu – com quem há cerca de dois meses rompera um relacionamento de aproximadamente 4 anos - a entrar no automóvel dele, caso contrário “seria bem pior”. E dos relatos da vítima infere-se, com igual segurança, que ela se viu obrigada a entrar no veículo por temor ao réu que, como dito, estava bastante agressivo e alterado naquele momento, somente dele se desvencilhando depois da promessa de reatar o namoro. Palavra da vítima. Preponderância: Nesta espécie delitiva, tem importante papel como meio de prova, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, considerando a forma como habitualmente perpetrados, sem a presença de testemunhas. Portanto, existindo um relato firme e coerente, ausente contradição relevante ou elementos que indiquem interesses outros por parte da ofendida, é impositiva condenação [...] (Apelação Criminal, Nº 70084416924, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Viviane de Faria Miranda, Julgado em: 25-11-2020)

Por fim, também não merece prosperar a alegação do réu Edimar de que, na data dos fatos, apenas abordou as vítimas após ter sido intimidado por “capangas” contratados pela coligação adversária (da qual pertencem Élio, Nelsi e Adriane) e de que estava sozinho naquele momento, sem a companhia dos outros três réus.

Com efeito, as vítimas foram uníssonas ao narrar as ameaças praticadas e a presença dos quatro réus (Edson, Edimar, Ezequiel e Leonei) no local dos fatos. As alegações de Leonei (de que “estava na casa do sogro”) e de Edson (de que “está sempre em casa, na igreja ou no trabalho” ou de que “Ezequiel saia as 2h e volta as 17h” do trabalho) não foram corroboradas pelos outros elementos de provas produzidos, não tendo aquele arrolado seu sogro para ser ouvido em juízo, nem Ezequiel trazido documentos que comprovassem que estava trabalhando no dia dos fatos. Da mesma forma, existem inúmeras menções ao envolvimento de Edson com a prática de crimes durante a campanha eleitoral, a desacreditar sua alegação de que não saía de casa.

Em relação à pluralidade de crimes, convém reconhecer que, ao praticarem os fatos acima narrados, os agentes, mediante uma só ação, visaram a constranger as três vítimas – Elio Ferreira Brizolla (Vice-Prefeito e candidato à reeleição), Adriane Regina Pastorio (candidata à vereadora) e Nelsi Pastorio (esposo de Adriane e conhecido cabo eleitoral dos candidatos adversários) – para que não fizessem campanha eleitoral, agindo com desígnios autônomos, ou seja, vontade livre e consciente de constranger, individualmente, cada uma delas a não fazer o que a lei lhe autoriza, razão pela qual a pena de cada um dos crimes praticados deve ser aplicada cumulativamente, por cuidar-se de concurso formal impróprio.

Em semelhante sentido, embora referente a crime diverso:

RECURSOS. CRIME ELEITORAL E COMUNS CONEXOS. ART. 299 DO CE. ART. 1°, I E V, DO DL 201/67. JUÍZO A QUO. CONDENAÇÃO. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE E MULTA. RECURSOS. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. REJEIÇÃO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO, INICIADO SEM SUPERVISÃO JUDICIAL, EM RAZÃO DE PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. REJEIÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 96-B, § 3°, DA LEI 9.504/97. REJEIÇÃO. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVAS INEQUÍVOCAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROVIMENTO DOS RECURSOS [...] Há concurso formal impróprio, no crime de corrupção eleitoral, quando o agente, em conduta única, realiza doações em dinheiro em troca do voto de dois ou mais eleitores determinados, agindo com desígnios autônomos (Código Penal, art. 70, segunda parte). Precedente do TSE. [...] (AÇÃO PENAL n 4210, ACÓRDÃO de 17/07/2018, Relator JOSÉ DANTAS DE SANTANA, Relator(a) designado(a) DIÓGENES BARRETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 129, Data 23/07/2018, Página 4/5 )

Recurso especial eleitoral. Crime eleitoral. Corrupção eleitoral. Concurso formal imperfeito. Caracterização. Impossibilidade de revisão de fatos e provas. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. 1. Não há violação ao art. 275 do Código Eleitoral quando as teses da defesa são examinadas. 2. O recurso especial não se presta ao reexame de matéria fático-probatória. 3. O crime de corrupção eleitoral (Cód. Eleitoral, art. 299), na modalidade "prometer" ou "oferecer", é formal e se consuma no momento em que é feita a promessa ou oferta, independentemente de ela ser aceita ou não. 4. A oferta de dinheiro em troca do voto, realizada em ação única, a mais de uma pessoa, caracteriza o tipo do art. 299 em relação a cada um dos eleitores identificados. 5. Há concurso formal impróprio, ou imperfeito, quando o candidato, em conduta única, promete bem ou vantagem em troca do voto de dois ou mais eleitores determinados, agindo com desígnios autônomos (Cód. Penal, art. 70, segunda parte). Recurso especial desprovido. (Recurso Especial Eleitoral nº 1226697, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 183, Data 30/09/2014, Página 487/488)

Assim sendo, pelos motivos acima expostos, a condenação de Edimar Antunes de Souza, Edson Antunes de Souza, Ezequiel de Souza Dias e Leonei de Oliveira Rosa pela prática do crime do art. 146, § 1º, do Código Penal, por três vezes, na forma do art. 70, segunda parte, do Código Penal (concurso formal impróprio), é medida que se impõe.

 

Dessa forma, não procede a alegação dos recorrentes de que as únicas provas produzidas se referiam às palavras das vítimas – adversárias políticas naquele pleito –, pois os depoimentos prestados por Nelsi, Élio e Adriane, tanto na fase policial quanto em juízo, foram coerentes e sem contradições, devendo ser mantida integralmente a sentença.

Em relação aos fatos 6 e 7 descritos na denúncia, igualmente não procedem as alegações recursais no sentido de ausência de prova da autoria e materialidade, conforme constou na sentença:

2.3.1.4 – Da autoria e materialidade do “6º Fato” descrito na denúncia – coação eleitoral em face de Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira:

Segundo a denúncia, no dia 6 de outubro de 2020, por volta das 10 horas, na Rodovia ERS 325, em Cerro Grande/RS, os denunciados Edimar Antunes de Souza, Jeremias da Silva Júnior (vulgo “Cereja”) e Gláucia Regina Brocco coagiram as vítimas Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, mediante emprego de violência e grave ameaça, a votarem em favor dos candidatos da coligação “Juntos por Cerro Grande” e a não votarem em favor de seus adversários políticos, candidatos pela coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.

Na oportunidade, Edimar e Jeremias, fazendo uso do veículo VW/Parati, de cor branca, placas IND8B90, entregue por Gláucia, abordaram o veículo em que estavam Roni e Neiva, conduzido por aquele, e indagaram sobre a possibilidade de as vítimas militarem em favor do partido dos denunciados. Diante da negativa, Edimar agarrou Roni pelo pescoço, causando-lhe lesões corporais.

Ao ver as agressões, Neiva gritou para que largassem Roni, oportunidade em que Edimar empurrou-a contra o carro, apertando-lhe o braço e a ameaçou, dizendo que iria dar “um tiro na cabeça”. Durante toda a ação, Edimar e Jeremias faziam menção de estar armados e que sacariam armas de fogo que traziam na cintura.

A denunciada Gláucia teria contribuído para a ação criminosa ao fornecer o veículo utilizado por Edimar e Jeremias quando da prática do ato.

A pretensão acusatória apresentada pelo Ministério Público Eleitoral merece ser acolhida, uma vez que a autoria e materialidade delitiva, em relação aos dois crimes de “coação eleitoral” (art. 301 do Código Eleitoral) acima narrados, restaram suficientemente comprovadas nos autos pelos documentos e depoimentos respectivos.

Ao registrar a Ocorrência Policial nº 724 / 2020 / 151648 (Id. 41602355), as vítimas Roni Pruni da Silva e Neiva Teresa Rodrigues Ferreira mencionaram que:

[...] estava chegando na cidade de Cerro Grande/RS, com um carro particular do Prefeito Municipal, quando os indivíduos que conhece por EDIMAR e CEREJA abordaram o seu veículo, alegando que o declarante estava fazendo campanha eleitoral transportando uma pessoa em seu carro pois na carona do seu veículo estava a NEIVA TERESA RODRIGUES FERREIRA e sua filha de nove anos; que o EDIMAR chegou do seu lado e falou que o declarante estava do lado dele, se referindo em militar pelo mesmo partido político, sendo que o declarante disse que não, e que era do PDT, nisso o EDIMAR lhe agarrou pelo pescoço lhe causando um ferimento no pescoço. QUE nisso a NEIVA desceu do carro e gritou para o EDIMAR lhe largar, pois a filha dela estava chorando dentro do carro; QUE então o EDIMAR lhe soltou e foi para o lado da NEIVA, empurrando a mesma contra o carro, dizendo que ia dar um tiro na cabeça dela; QUE tanto EDIMAR quando CEREJA diziam que estavam armados com armas de fogo e apresentavam volume na cintura, parecendo que estavam armados, e eles também faziam menção de sacar a arma da cintura; QUE o EDIMAR estava mais alterado e dizia para o declarante e para a NEIVA, que se alguém ratiasse, passariam o fogo nos dois; QUE depois de alguns minutos os dois liberaram o declarante e a NEIVA para seguirem para a cidade, mas eles foram na frente intimidando, tentando fechar o carro do declarante, até quando chegaram no Conselho Tutelar, onde pararam e o EDIMAR e CEREJA seguiram com seu carro, uma Parati branca […]

Inquirido pela autoridade policial, em 14/10/2020 (depoimento acostado ao Id. 38193051 – fls. 23/24 – dos autos em apensos – IP 0600427-58.2020.6.21.0064), Roni sustentou que:

[...] desde que se iniciou as campanhas eleitorais [...] EDIMAR e CEREJA passaram a intimidar cidadãos, de forma violenta, ostentando armas de fogo, fazendo ameaças de morte, ameaças de agressões, e inclusive agressões físicas, como foi o caso do declarante, para que os cidadãos não possam exercer seu direito de escolher em qual candidato votarão nas próximas eleições. QUE EDIMAR e CEREJA costumam andar sempre juntos, tanto durante o dia, quanto durante a noite, fazendo arruaças, em um carro, uma VW Parati cor branca, andando em alta velocidade, por toda a cidade, e onde visualizam um cidadão, que identificam como eleitor contrário à chapa eleitoral para a qual trabalham, que é a chapa da oposição, abordam o eleitor, intimidando-o, como se fossem os donos da cidade, e dessa forma pressionam os eleitores a votarem em seus candidatos. [...] Que no dia em foi abordado pelo EDIMAR e pelo CEREJA estava de folga, pois trabalha na prefeitura e estava andando com um carro adesivado do partido político PDT, e como EDIMAR e CEREJA sabem, pois conhecem o declarante, que o declarante já declarou que vai votar no PDT, foi abordado pelos dois, agredido, pelo fato de ser contrário aos interesses políticos que EDIMAR e CEREJA defendem [...];

As agressões praticadas contra a vítima Roni Pruni da Silva foram comprovadas pela Ficha de Atendimento Ambulatorial de Id. 41602355 (fl. 6) e o pelo Laudo Pericial nº 245144 / 2020 de Id. 69996045 (fl. 3) que atesta a existência de lesões corporais, praticadas por instrumento contundente, consistentes em “escoriações e equimose em região de ponto médio do pescoço”.

Em juízo, a vítima Roni Pruni da Silva ratificou integralmente as declarações prestadas perante a autoridade policial, aduzindo, em síntese:

[...] que é eleitor de Cerro Grande, onde votou em 2020 e exerceu cargo na administração municipal como Secretário da Fazenda; que, em relação ao fato do dia 06/10/2020 estava de licença na Prefeitura e dirigindo o carro do então prefeito (Eleedes), quando, por volta das 10h, foi abordado por Edimar e por Jeremias, de alcunha Cereja; que estava “vindo na cidade”, quando encontrou Neiva, acompanhada de uma criança, e parou para dar carona para ela; que Neiva queria ir ao mercado; que no momento dos fatos estava parado em frente ao supermercado, quando desceram de uma Parati branca Edimar e Cereja, acusando o declarante de estar comprando voto; que os agentes, com a mão na cintura e de forma ameaçadora, afirmaram que o declarante “deveria estar do lado deles”, não tendo visto se estavam armados; que Edimar e Cereja ameaçaram atirar no declarante e em Neiva, tendo aquele pego o declarante pelo pescoço; que o declarante estava dentro do carro quando isso ocorreu e a porta do veículo estava um pouco aberta; que a criança que estava com Neiva ficava gritando, mas não sabe se ela ouviu as ameaças; que quando saiu do mercado, os agentes o seguiram e ficavam fazendo “zigue-e-zague” com o carro na sua frente; [...] que hoje ainda tem medo de Edimar e Jeremias, mas não tem inimizade com ninguém; que a intimidação pelo grupo era comum no município, sendo que Edimar e seu grupo faziam bastante isso, tendo ouvido “o pessoal” falando bastante em perseguição; que Glaucia e Valmor deveriam saber das intimidações; que as pessoas de Cerro Grande tinham receio de sair de casa, sendo que o declarante teve medo de sair na rua, pois temia por sua família; que em decorrência dos fatos, o declarante mudou-se para Sarandi/RS, onde sua esposa trabalha. Questionado pela Defesa, acrescentou que não estava trabalhando no dia dos fatos porque o carro utilizado pelo declarante estava com problema no motor, tendo comunicado tal fato ao então prefeito; que parou o carro na estrada para dar carona, oportunidade em que Neiva lhe avisou que queria ir ao mercado, tendo o declarante ficado esperando Neiva enquanto ela fazia suas compras; que Neiva não tinha como ir à cidade; que o declarante não utilizava o carro do prefeito no horário de expediente, tendo utilizado somente naquele dia; que, quando Edimar agarrou o declarante pelo pescoço, Neiva empurrou o agressor; [...] que não é filiado a qualquer partido e não fazia campanha política; [....] Questionado pelo Magistrado, acrescentou que não foi orientado por alguém sobre como depor e que a intimidação teve motivação partidária, tendo o declarante se sentido coagido a não votar no PDT, porque sabiam em quem votariam; que a coação foi direcionada ao declarante e a Neiva.

Ao afirmar à vítima que ele “deveria estar do lado deles”, fica evidente que a violência e a grave ameaça empregadas por Edimar, com a coautoria de Jeremias, visava a obrigar as vítimas a votar em favor dos candidatos apoiados pelos denunciados, quais sejam, Valmor José Capeletti e Gláucia Regina Brocco, para quem os agentes faziam campanha eleitoral, estando evidenciando o dolo específico exigido pelo art. 301 do Código Eleitoral.

Registre-se que, embora o Ministério Público tenha postulado, em alegações finais (Id. 95199328), a absolvição de Jeremias por tal fato, as provas dos autos foram conclusivas em demonstrar que, embora ele não tenha agredido pessoalmente as vítimas Roni e Neiva, ficou claro que estava no local para fins de prestar auxílio material e moral à conduta praticada por Edimar, inclusive ameaçando e fazendo menção de que estava armado, com intuito de intimidar e impedir qualquer reação das vítimas, de modo que também atuou na condição de autor do delito de coação eleitoral.

Em semelhante sentido, embora referindo-se a crime diverso, assim já decidiu o egrégio TJRS:

APELAÇÕES CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE DESACOLHIDO. [...]E, em que pese este réu não tenha sido visualizado, pelo lesado, por ocasião do roubo, pois foi abordado por ROGER LUIS, inexistem dúvidas de que THIONATA acompanhava o corréu, por ocasião do fato, tendo ingressado no veículo, como carona, antes que a vítima pudesse perceber sua presença no local, o que não afasta a coautoria do roubo, de sua parte, notadamente porque pronto a fornecer auxílio ao seu comparsa, caso necessário. [...] RÉU THIONATA DOS SANTOS MONTEIRO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INAPLICABILIDADE. A figura prevista no § 1º do artigo 29 do CP se destina a privilegiar o agente cuja participação no ilícito tenha sido de somenos relevo, determinando-lhe consequências penais diversas, segundo sua culpabilidade e no limite da contribuição que trouxer à obtenção do resultado pretendido. Aqui, a conduta desempenhada por THIONATA, consistente em se dirigir ao palco delitivo, na companhia de seu comparsa, permanecendo nas proximidades, enquanto este abordava a vítima, pronto a lhe fornecer auxílio para qualquer eventualidade, de forma alguma pode ser considerado secundária. Desde que estejam ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso, exercendo domínio sobre o fato então planejado, como ocorreu, na espécie, responderão, os agentes, como coautores, na medida de suas culpabilidades, não havendo falar em participação de menor importância. [...] (Apelação Crime, Nº 70080866783, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em: 24-04-2019)

No mesmo sentido das declarações de Roni, a vítima Neiva Teresa Rodrigues Ferreira, ao ser inquirida na esfera policial, em 14/10/2020 (depoimento acostado ao Id. 38193051 – fls. 25/26 – dos autos em apensos – IP 0600427-58.2020.6.21.0064), sustentou que:

[...] havia pedido uma carona para o RONI para ir até o mercado, pois é vizinha dele, e como ele estava indo para a cidade pediu uma carona. QUE na entrada da cidade o EDIMAR e o CEREJA estavam parados com seu carro, uma VW Parati, cor branca, e mandaram que o RONI parasse o veículo em que a declarante e ele estavam, como se fossem polícia, parando no meio da pista de rolamento e mandando encostar e parar o veículo, QUE assim que RONI parou o veículo, EDIMAR e CEREJA, começaram a gritar, e agir de forma agressiva, gritando que estava acontecendo uma compra de voto, que simultaneamente o EDIMAR se aproximou da janela do carro, do lado do RONI, e o agarrou no pescoço lhe ameaçando de morte , dizendo, vou te matar. Que nisso a declarante desceu do carro gritando para o EDIMAR soltar o RONI, e parar com aquelas ameaças, pois a filha da declarante, de nove anos de idade, que estava dentro do carro, estava chorando desesperada por causa da situação. QUE EDIMAR, então veio contra a declarante, com a mão na cintura, ameaçando sacar uma arma, e dizendo, vou dar um tiro na cabeça de vocês dois. QUE o CEREJA ficava rondando a todos, como se fosse um segurança do EDIMAR, e também fazia menção de sacar uma arma da cintura. QUE o EDIMAR, empurrou a declarante e lhe apertou com o braço contra o carro onde estava, e lhe ameaçou dar um soco no rosto. Que nesse momento, sua filha, estava passando mal dentro do carro por conta da situação, e então gritou para que o EDIMAR parasse, e ele somente parou, porque se assustou com a situação da criança. QUE então saíram do local como o carro, mas o EDIMAR e CEREJA foram na frente, com o carro deles, a Parati branca, andando lentamente, e várias vezes fecharam a frente e não deixavam o RONI passar, até conseguirem entrar no pátio do prédio do Conselho Tutelar, onde conseguiram abrigo. PR. QUE passaram por essa situação, pois são conhecidos, e todos sabem que a declarante é eleitora declarada, do partido contrário ao qual EDIMAR e CEREJA militam. PR. QUE EDIMAR e CEREJA costumam fazer a mesma coisa com qualquer outro cidadão que esteja em via pública e saibam ser do partido contrário. [...] Refere ainda que depois desse fato, o EDIMAR começou a passar de carro em frente a sua casa, lentamente, lhe observando, pois a declarante falou que fez a ocorrência do fato pelo qual passou, e o EDIMAR com certeza esteja fazendo isso como forma de intimidação. PR. QUE sabe que o EDIMAR e o CEREJA andam de dia e à noite fazendo ameaças, perseguindo carros e cidadãos contrários ao partido político que militam. QUE as pessoas comentam na cidade que não podem exercer sua vontade política em virtude da ação desses indivíduos.

Em juízo, a vítima apresentou a mesma versão sobre os fatos. Com efeito, ouvida durante a audiência de instrução e julgamento, Neiva aduziu que:

[...] em relação ao fato do dia 06/10/2020 próximo às 10h, pegou uma carona com Roni, pois onde mora, na Linha Cordilheira, fica distante da cidade de Cerro Grande em aproximadamente 6km e não possui carro para se locomover; que a declarante e a filha de 10 anos estavam na saída da BR quando Roni passou, tendo “atacado” o carro dele para pedir carona até a cidade; que Roni não pediu qualquer favor político em troca da carona; que quando estavam em frente ao mercado foram abordados por Cereja e Edimar, tendo eles começado a filmar a declarante e proferir palavrões; que não sabe o que os agentes tinham por de baixo da camiseta, mas que eles ameaçaram atirar contra a declarante, tendo sido jogada contra o carro por Edimar; que sua filha começou a chorar dentro do carro; que acredita ter sido agredida por estar no carro particular do prefeito anterior, Eleedes; questionada sobre o depoimento dado à Polícia Civil, confirmou que Roni estava no carro quando Edimar o pegou pelo pescoço, tendo a declarante “avançado” em Edimar para socorrer Roni, momento em que Edimar a empurrou contra o carro; que acredita que as agressões ocorreram porque a declarante e Roni apoiam o PDT; que o ato teve motivação política, por serem opositores, sendo que os agentes queriam obrigá-la a votar no candidato do PP (Valmor e Gláucia); que a declarante ficou com medo após o incidente e que ficou preocupada com o estado emocional da filha, a qual sempre sofreu com “problema de nervos”, tendo este piorado depois do caso, inclusive, que a criança ficou chorando quando a declarante foi conduzida a prestar o presente depoimento; que sua filha testemunhou a agressão e tem medo de sair de casa, sendo acompanhada pelo Conselho Tutelar; que a declarante também tem medo de sair de casa; que depois da agressão Edimar passava na frente de sua casa, no interior, juntamente com Camila, apontando em direção a sua residência, com finalidade de intimidação, sendo que sua filha via tais fatos; que não sabe informar o veículo utilizado pelos agressores, mas confirma ser uma Parati Branca; que os agentes, no dia da agressão, levantavam a camisa como se tivessem armas de fogo. Questionada pela defesa, acrescentou que o local onde reside é trajeto para outros municípios, fazendo divisa com Barra do Bugre; que Roni ficou esperando no carro por ela enquanto fazia compras; que Roni apenas deu carona a ela, mas não tem relação de amizade nem de parentesco com ele; que nem conhecia direito Roni no dia da carona; que não atacou o carro porque achou que Eleedes lhe daria carona; que Roni não fez compras; que não empurrou Edimar e não viu Valmor ou Gláucia intimidando pessoas; [...] que sabia que Roni trabalhava na prefeitura e não estava trabalhando no dia porque ele havia lhe dito isso no momento da carona, não tendo lhe explicado o porquê estava no carro do prefeito [...]. Questionada pelo Magistrado, acrescentou que não fazia campanha; que confirma a declaração dada no depoimento do Ministério Público de que as agressões praticadas por Edimar visavam interferir no seu direito ao exercício do voto, pois eles (Edimar, Cereja e Camila) atacavam todo mundo para interferir no voto das pessoas de Cerro Grande/RS; que acha que as ações eram executadas a mando de políticos; que Edimar e Camila passaram a rondar a sua casa aproximadamente três dias depois do fato; que depois da prisão e da liberdade de Edimar isso não ocorreu mais.

Em alegações finais, ao discorrer sobre o fato ora analisado, Edimar (Id. 98148901) e Jeremias (Id. 98148909) sustentaram que apenas tentaram evitar a prática do crime de “corrupção eleitoral” por Roni, o qual estava levando uma eleitora (Neiva) para fazer compras com o carro do Prefeito da época e candidato à reeleição, durante o horário do seu expediente, negando as agressões descritas na denúncia. A ré Gláucia nada falou, em específico, acerca do presente fato, limitando-se a dizer que não participou, direta ou indiretamente, de qualquer dos fatos denunciados pelo órgão acusador (Id. 98148912).

Interrogado em juízo sobre tal fato, Edimar Antunes de Souza disse que:

[...] não constrangeu Roni ou Neiva a votarem ou deixarem de votar; que encontrou com as vítimas no dia e filmou o ocorrido; que deu uma carona para o Jeremias no dia; que viu Roni e Neiva saindo do mercado com sacolas e sabe que eles são o tipo de gente que fica pedindo; que parou o carro e fez o vídeo, perguntando se ele estava em horário de trabalho, pois Roni era Secretário da Fazenda e estava com o carro particular do prefeito; que não ameaçou Roni e não lembra se Jeremias chegou a descer do carro, mas acredita que não desceu do carro, embora devesse saber o que estava acontecendo; que Neiva “veio com tudo” no momento da filmagem; que trafegava em um pálio, de sua propriedade, e não estava dirigindo um veículo parati; que não agarrou no pescoço de Roni, mas apenas colocou o celular dentro da camionete para mostrar as compras; que acredita que Roni tenha sido induzido na prefeitura, bem como Neiva tenha sido induzida a levar a filha ao Conselho tutelar; que ouviu dizer que uma pessoa da prefeitura induziu Roni a registrar ocorrência [...]

Em seu interrogatório, Jeremias da Silva Oliveira Júnior sustentou que:

[...] não é verdade que ameaçou Roni e Neiva a votarem nos candidatos da coligação de Glaucia e de Valmor; que acha que foi acusado porque presenciou a cena em que o Edimar tirou fotos do rapaz, em horário de serviço, no carro do prefeito atual; que havia ido para o centro com o pai no dia e estava voltando para casa, às 9h, quando pegou uma carona com Edimar; que nesse momento as vítimas estavam saindo do mercado, tendo Edimar lhe informado que Roni trabalhava na prefeitura e estava com carro particular fazendo viagens em horário de serviço; que Edimar parou o carro e tirou as fotos, momento em que Roni e a mulher desembarcaram pedindo para apagar estas; que Edimar tinha um gol e Roni e Neiva estavam em uma Parati de cor branca; que, pelo que lembra, Edimar não segurou Roni pelo pescoço e Neiva estava mais alterada, querendo bater em Edimar; que Neiva gritava para que apagassem as fotos e fossem embora; que ficou sentado no carro e não viu crianças; que eles pararam no meio da rua e se desentenderam ali; que ela e Roni vieram do mercado, cada um com uma sacola, e colocaram as compras no carro, não sabendo explicar se as compras foram compradas com dinheiro no município; que Edimar tirou foto, de dentro do carro, com a janela aberta no momento que descarregavam as compras; que Neiva e Edimar não chegaram a embarcar na Parati e quando vieram em direção a Edimar, este desembarcou do carro; que Edimar questionou quem era Roni para mandar que eles fossem embora, o qual pediu para que Edimar retornasse para o carro [...]. Questionado pelo Ministério Público Eleitoral, informou que é irmão de “Cafanha”; que o pai tinha que fazer exames no dia e começou a voltar para a casa, no interior a 5km, na saída de Palmeira das Missões, quando Edimar lhe ofereceu carona; que Roni e Neiva estavam em um mercado na saída de Cerro Grande, não sabendo informar se era o Santo Antônio; que não sabe se Edimar andava com a parati branca da mecânica, mas já viu o pai de Glaucia e o pessoal da mecânica utilizando tal veículo; que reconhece Roni na filmagem e a parati particular do prefeito; que acha que quem abre a porta na filmagem é Edimar; que reconhece Neiva na filmagem; que Edimar estava filmando, mas não identifica quem estava perto do carro, não sabendo dizer se era alguém que estava passando na rua ou identificar a pessoa que estava ao lado do carro de Roni; que não saiu do carro; que Neiva tirou o chinelo para bater em Edimar na hora da filmagem, mas isso não apareceu na filmagem; que acha que Roni estava fazendo algo irregular, que Roni era secretário e deveria estar exercendo a função [...];

A filmagem citada por Edimar e Jeremias em seus interrogatórios não foi juntada pela defesa ou acusação aos autos da presente ação penal ou do Inquérito Policial nº 0600427-58.2020.6.21.0064.

Em seu interrogatório, Gláucia Regina Brocco não apresentou explicações sobre os fatos ora analisados, limitando-se a contextualizar a situação de beligerância existente no Município de Cerro Grande durante as Eleições Municipais de 2020, destacando que, em relação ao veículo VW/Parati, de cor branca:

[...] foi usada na campanha, inclusive pela própria candidata; que o veículo era da empresa do pai e ficava mais com ele; que vários veículos da família foram utilizados na campanha, inclusive de outros familiares; que não forneceu parati para outras pessoas, mas que sabe que o veículo foi utilizado pelos réus; que no dia em que o carro de Edvanildo, onde Valmor estava, foi alvejado, ela foi junto com Valmor até Palmeira das Missões para registrar ocorrência, pois os boletins de Jaboticaba não andavam; que, nesse mesmo dia, Mônica deixou o carro na mecânica e pegou a Parati Branca emprestada; que Edimar nunca dirigiu a parati branca, pelo que se recorda; que a Parati não era o único veículo que a mecânica emprestava; que a Parati não foi utilizada por Leonei e outras pessoas não identificadas para ameaçar Nelson Machado. [...] Quando questionada pelo Ministério Público Eleitoral, relatou que acredita que as denúncias tenham reportado a parati branca para atingi-la e ligar a atos ilícitos; que o outro lado também tinha uma parati branca; que tinha medo de que pudessem fazer algo com a outra parati e a incriminar [...].

Conforme se extrai, a própria acusada Gláucia reconhece que o veículo descrito pelas vítimas como o utilizado por Edimar e Jeremias para a prática dos fatos (uma Parati, de cor branca) pertence a sua família e foi utilizada durante a campanha eleitoral, inclusive pelos demais réus, embora negue que ela tenha sido utilizada por Edimar
 

Ao fornecer o veículo utilizado pelos agressores para a prática da conduta criminosa descrita, Glaucia concorreu para sua ocorrência, prestando-lhes auxílio material, devendo responder pelos mesmos fatos imputados aos outros dois acusados, nos termos do que dispõem o art. 29 do Código Penal, inclusive porque, como candidata, tinha conhecimento das condutas e do “modus operandi” dos seus correligionários.
 

Desse modo, diante das versões uníssonas e coerentes apresentadas pelas vítimas durante o registro da ocorrência policial, junto à Delegacia de Polícia Civil de Jaboticaba, e seus depoimentos perante a autoridade policial e judicial, ainda que decorrido meses entre um e outro, corroborado pelo laudo pericial que comprova as lesões corporais suportadas por Roni Pruni da Silva e contraria a versão apresentada por Edimar e Jeremias, em seus interrogatórios, de que não houve qualquer agressão à vítima, a procedência da denúncia em relação a tal fato, com a condenação de Edimar Antunes de Souza, Jeremias da Silva Júnior e Gláucia Regina Brocco, pela prática do crime descrito no art. 301 do Código Eleitoral (“coação eleitoral”), é medida que se impõe.

Todavia, considerando que a ação foi única e houve dois resultados diversos (duas vítimas coagidas eleitoralmente no mesmo contexto), os quais eram claramente almejados independentemente pelos agentes (desígnios autônomos), incide a figura não do concurso material, mas do concurso formal de crimes, na modalidade imprópria (crime formal impróprio), conforme previsto no art. 70, caput, segunda parte, do Código Penal.
 

Não há como acolher as teses defensivas de negativa de autoria apresentadas por Edimar e Jeremias, em sede de alegações finais, ao argumento de que estavam apenas filmando ou fotografando uma possível compra de votos de Roni em relação a Neiva, haja vista que, caso tal circunstância (crime praticado por Roni e Neiva), de fato, tivesse ocorrido, caberia aos denunciados acionar a Polícia Militar local para a autuação em flagrante dos agentes pela prática do crime do artigo 299 do Código Eleitoral, e não interpelá-los pessoalmente, abordando o veículo conduzido por Roni, fazendo com que ambos descessem do carro, para fins de agredi-los e ameaçá-los.
 

Da mesma forma, não merece ser acolhida a alegação de ausência de participação nos fatos suscitada por Gláucia, em seu interrogatório, na medida em que, era fato notório no Município de Cerro Grande/RS o envolvimento dos outros dois denunciados na prática de atos de agressão e intimidação durante o período eleitoral, de forma que, ao emprestar o carro da empresa (Parati branca), a denunciada anuiu com sua conduta, no mínimo assumindo o risco pelo resultado produzido.
 

Registre-se que tantas foram as ocorrências policiais registradas em face de Edimar Antunes de Souza durante o período eleitoral que, em 24/10/2020, ele teve a prisão preventiva decretada por este Juízo Eleitoral (decisão de Id. 21280680 – dos autos do inquérito policial nº 0600427-58.2020.6.21.0064, em apenso), de forma que não cabe à denunciada sustentar que não teria como saber que o veículo pudesse ser utilizado por ele para a prática de crimes.
 

2.3.1.5 – Da autoria e materialidade do “7º Fato” descrito na denúncia – coação eleitoral em face de Nelson Machado:
 

Consta da denúncia que, no dia 16 de outubro de 2020, por volta das 21h50min, na Avenida Primeiro de Maio, ao lado da agência dos Correios de Cerro Grande/RS, o denunciado Leonei de Oliveira Rosa (vulgo “Leonei Machado”), em coautoria com outras pessoas não identificadas e participação da denunciada Glaucia Regina Brocco, mediante emprego de grave ameaça, coagiu a vítima Nelson Machado a votar em favor da coligação “Juntos por Cerro Grande” e a não votar em favor de seus adversários políticos, candidatos pela coligação “Juntos de novo, coligados com o povo”.
 

Na oportunidade, Leonei conduzia um veículo Ford/Focus, placas DRM-3068, de cor preta, e seus comparsas (não identificados) a VW/Parati, placas IND8B90, de cor branca, cedida por Glaucia, quando passaram a perseguir a vítima Nelson, realizando manobras perigosas, para que este parasse seu veículo e, em frente à casa da vítima, o denunciado apontou o dedo em sua direção e ordenou que não saísse mais de casa, pois “estava na lista deles” e que “eram eles que determinavam quem podia circular pela cidade e quando”. A grave ameaça foi proferida através de gestos e palavras, bem como mediante uso de uma espingarda (não apreendida).

 

A pretensão acusatória apresentada pelo Ministério Público Eleitoral merece ser acolhida, uma vez que a autoria e materialidade delitiva do crime de “coação eleitoral” (art. 301 do Código Eleitoral) acima narrado, restaram suficientemente comprovadas nos autos pela prova produzida.

Ao registrar a Ocorrência Policial nº 782 / 2020 / 151648 (Id. 41602356 – fl. 2), a vítima Nelson Machado alegou que:
 

[...] estava voltando para sua casa, com seu veículo, quando, no centro da cidade de Cerro Grande, dois veículos, uma VW Parati, cor branca, e um FORD Focus, cor preta, começaram a lhe perseguir pelas ruas da cidade; Que os veículos faziam manobras perigosas para tentar fazer com que parasse o seu veículo, acelerando, cantando pneu, freando muito perto de seu carro, tentando lhe fechar, e por vezes pareciam que colidiriam contra seu veículo, mas não parou, e seguir até entrar em sua garagem, guardando seu veículo; QUE o motorista do veículo FORD Focus, cor preta, chegou a colocar a frente do carro dentro do terreno do declarante e a Parati branca ficou parada atrás dele, com todos os vidros fechados, e não conseguiu identificar os ocupantes; QUE então foi indagar os ocupantes dos veículos para ver o que eles queriam, e então identificou o motorista do Focus, que estava com a janela aberta, como sendo LEONEI MACHADO, morador de Cerro Grande/RS, e perguntou o que eles queriam; Então o LEONEI começou a lhe ameaçar dizendo que o declarante estava na lista dele, e lhe apontava o dedo, agressivamente, sendo que pode ver que eles estava com uma arma de fogo, uma espingarda, dentro do carro, sobre suas pernas; QUE o LEONEI dizia ainda que o declarante, daquele momento em diante, não era mais para sair de casa, pois eram eles que determinavam quem podia circular pela cidade e quando podiam; Que se sentiu ameaçado por LEONEI e resolveu registrar e representar criminalmente; Que não conseguiu identificar o caroneiro que estava com o LEONEI, nem os ocupantes da Parati branca, mas refere que somente o LEONEI lhe ameaçou, os outros não falaram nada; Refere que esse tipo de situação é corriqueira, e os cidadãos não aguentam mais serem impedidos de poderem ir e vir […]
 

Ouvido em juízo, a vítima sustentou que:
 

[....] em relação ao fato do dia 16/10/2020, por volta das 21h50min, foi ameaçado por Leonei e por outras pessoas, após voltar de um jantar na casa de um funcionário; que quando estava voltando para casa um carro se aproximou, posicionando a seu lado, e acelerou, cantando pneus e tentando “cortar a sua frente”; que a 200 metros de distância de sua residência surgiu outro veículo, sendo que ambos dirigiam de forma perigosa; que os veículos eram um Focus preto e uma Parati branca; que quando chegou em casa e colocou o seu carro na garagem, saiu para o pátio da casa para ver o que estava acontecendo, mas que não conseguiu ver quantas pessoas estavam dentro dos carros, pois a Parati estava com vidros fechados, não tendo o declarante conhecido ninguém; que o Focus estava com os dois vidros da frente abertos e era conduzido por Leonei, com o qual estava uma pessoa desconhecida; que em cima da perna de Leonei estava uma espingarda, a qual pôde ver pois ficou de 1 a 2 metros de distância do veículo; que Leonei lhe disse que o grupo mandava ali, e que as pessoas só poderiam sair de casa quando eles quisessem, tendo lhe apontado o dedo e dito que “estava na lista dele”; que os agressores determinavam quem poderia circular na cidade e quem não poderia; que não foi candidato, mas apoiava o PP (partido do representado Valmor) na eleição anterior, passando apoiar o PDT (partido adversário dos representados) na eleição mais recente; que a intimidação teve motivação política, pois não havia outro motivo; que o declarante acredita ter sido uma coação para que votasse no PP; que se sentiu ameaçado, tendo se limitado a sair mais durante o dia após os fatos; que Leonei apoiava o candidato do PP, tendo conhecimento de que seu caso não foi um evento isolado, pois havia comentários sobre a existência de uma associação de pessoas com objetivo de coagir eleitores e a restringir campanhas políticas; que durante a Campanha houve troca de tiros no município de Cerro Grande/RS, não podendo afirmar que estas ocorriam diariamente; que as pessoas tinham que se cuidar para sair na rua. Questionado pela Defesa, acrescentou que não sabe informar se a coligação juntos de novo coligados com o povo trouxe pessoas de fora; que não pode confirmar se o acirramento na campanha era responsabilidade das duas chapas, mas que havia disputa por duas chapas, sendo que ambas praticavam atos durante o período eleitoral [...]. Questionado pelo Magistrado, acrescentou que a intimidação tinha por objetivo restringir o poder do voto, ainda que o declarante não estivesse fazendo campanha política na época [...].
 

O depoimento prestado pela vítima quando do registro da ocorrência policial e o depoimento prestado em juízo, embora decorridos vários meses entre um e outro, foi harmônico e uníssono ao descrever o fato denunciado.

Conforme alega, nas Eleições Municipais de 2016, a vítima apoiou os candidatos do Progressistas – PP, de Cerro Grande/RS, partido político pelo qual o denunciado Valmor José Capeletti concorreu ao cargo de Prefeito, nas Eleições Municipais de 2020, coligado com o PTB de Gláucia Regina Brocco. Contudo, nas eleições passadas (2020), Nelson Machado optou por fazer oposição aos partidos dos réus, o que desagradou seus apoiadores e cabos eleitorais, que, então, passaram a ameaçá-lo e persegui-lo, no intuito de constrangê-lo a votar novamente nos candidatos do Progressistas – PP.
 

Registre-se que, embora o dolo (vontade livre e consciente dirigida a um fim) seja um elemento subjetivo, ou seja, interno ao agente responsável pela prática da conduta, deve ser analisado objetivamente, em conformidade com o arcabouço probatório produzido sob o amparo dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
 

No caso em apreço, resta evidenciado o elemento subjetivo (dolo específico) do artigo 301 do Código Eleitoral (“coação eleitoral”) na conduta de Leonei de Oliveira Rosa, consistente em ameaçar a vítima Nelson Machado, ao dizer-lhe que “estava na lista deles” e que “eram eles que determinavam quem podia circular pela cidade e quando”, pois, sua conduta foi dirigida, claramente, para fins de coagir a vítima para que votasse novamente em favor dos candidatos do Progressistas – PP, de Cerro Grande/RS, cerceando sua liberdade de escolha de partido e candidato, não havendo informações de prévia inimizade ou atrito entre vítima e agressor que justificassem as ameaças efetuadas.

Registre-se que, em crimes dessa espécie, diante da inexistência de testemunhas que possam ter presenciado as ameaças, a palavra da vítima merece especial valoração.
 

Ademais, destaca-se que o “modus operandi” utilizado pelo denunciado Leonei, consistente em intimidação de candidatos ou apoiadores adversários, amolda-se perfeitamente ao adotado por outros denunciados durante o período eleitoral de 2020, no Município de Cerro Grande/RS, conforme citado pelo policial civil Alexandre Wachter e pelo delegado de polícia Gustavo Germano da Silva Fleury – policiais civis responsáveis pelo registro dos boletins de ocorrências referente a fatos ocorridos no município de Cerro Grande, durante o período – em seus depoimentos, a ratificar as alegações apresentadas pela vítima.
 

Com efeito, ao prestar seu depoimento, o policial civil Alexandre Wachter sustentou que:

[...] as pessoas eram impedidas de circular e a polícia tinha poucos esforços para lidar com o Município, porque estavam envolvidos com a cidade vizinha de Lajeado do Bugre; que surgiram muitas ocorrências de Cerro Grande e havia dificuldade, no início, em identificar as pessoas, porque somente eram utilizados apelidos. [...] que não tem dúvidas de que havia uma associação de pessoas com a intenção de amedrontar eleitores em Cerro Grande, bem como que existiu um estado de conflito deflagrado entre os dois lados; que o outro lado se armou em resposta aos ataques sofridos, não sendo possível dizer que em Cerro Grande houve uma democracia; que depois das prisões, a situação aparentava ser mais calma, mas que intimidações veladas ainda aconteciam;
 

O delegado de polícia Gustavo Germano da Silva Fleury disse que:

[...] os casos foram se agravando conforme as eleições se aproximavam; que em Cerro Grande uma mulher foi atingida por arma de fogo, veículos foram alvejados e disparos aleatórios foram efetuados; que pessoas eram impedidas de realizarem campanhas políticas, sendo alguns indivíduos identificados como autores dessas ações; que recorda de duas figuras principais, Edimar e Edson, que eram citados em quase todas as ocorrências de coação eleitoral em Cerro Grande, bem como que outra figura frequentemente citada também seria Ezequiel [...] que era comum encontrar, em abordagens, pessoas da região metropolitana na localidade, recordando-se de indivíduos de Sapucaia, de São Leopoldo, de Novo Hamburgo, os quais não tinham vínculo com o município de Cerro Grande; que tais pessoas relatavam que estavam procurando emprego ou que trabalhavam ali; que elas tinham passagem policial; que acredita que as pessoas estavam ali para atuar na coação eleitoral e não tem dúvidas de que as ações restringiram a liberdade de voto dos eleitores; que isso normalmente ocorre em pequenos municípios, em ambos os lados; [...] que os fatos ocorridos em Cerro Grande não eram isolados, mas praticados em associação pelos réus; que eram sempre as mesmas pessoas com o mesmo tipo de ação, que havia unidade de desígnios voltados para o mesmo sentido; que Leonei também era corriqueiramente apontado; […]
 

Assim, embora inexistem outras testemunhas oculares da coação, a palavra da vítima ao narrar as ameaças sofridas se subsomem perfeitamente à realidade fática existente no Município de Cerro Grande/RS à época dos fatos, razão pela qual merece ser especialmente valorada.

Em sede de alegações finais (Id. 98148904), o denunciado Leonei sustentou, quanto a tal fato, que “não seria ingênuo de coagir a vítima que sabidamente é fanático adversário, e que não mudaria seu voto em hipótese algum, mesmo porque é militante direto na campanha da coligação adversária”; bem como que se trata de “factoides” e que não perseguiu ou ameaçou a vítima.
 

Em seu interrogatório, o denunciado sustentou que:

[...] é conhecido como Leonei Machado; que não coagiu Nelson Machado, nem teve contato com ele; que dirigiu o veículo Ford Focus na data do fato e estava com a mulher da hemodiálise no carro e poderiam estar voltando de Ijuí, mas não perseguiu Nelson Machado nem realizou manobras perigosas; que jamais apontaria o dedo para alguém e nunca disse quem poderia ou não andar na cidade; que saia sozinho e nunca teve arma de fogo, pois não sabe usar arma de fogo; que não estava na Parati branca e jamais dirigiu tal veículo. [...] Questionado pelo Promotor Eleitoral, afirmou que é “fichado” há aproximadamente treze anos no PP e sempre apoiou o PP; que usou o Ford Focus no dia dos pneus e, diariamente, para levar a mulher para fazer a hemodiálise [...] que o marido de Silvânia emprestava o carro na maioria das vezes e, às vezes, esta nem ficava sabendo; que a família também utilizava o carro; que a mãe de Silvânia era candidata; que a família tem também um Corola, mas a mãe de Silvânia tinha um carro próprio; que, às vezes, pagava do próprio bolso a gasolina; que não tem carro, apenas uma moto [...] que conhece mais ou menos Nelson Machado, mas não é inimigo dele; que acredita que Nelson o tenha acusado porque eram adversários políticas e porque tinha medo de o PDT perder a eleição, pois tinha um cargo de seis mil reais na prefeitura que queria manter; que não via outros motivos, mas Nelson mentiu; que Nelson fazia coleta do lixo e já lhe pediu para que fizesse a coleta de lixo, sendo possível que ele ficado bravo com a recusa do réu.
 

O próprio denunciado Leonei confirma que, na data do fato, estava dirigindo o veículo Ford/Focus, de cor preta, embora negue que tenha ameaçado a vítima. Tal veículo, destaca-se, pertencia à família da candidata Silvânia (ligada ao partido Progressistas), embora fosse utilizado com frequência, durante o período eleitoral, pelo denunciado, que alega que o uso era para fins de transportar uma mulher até a cidade de Ijuí/RS, onde fazia hemodiálise.
 

Contudo, conforme destacado pelos policiais civis ouvidos e pelos inúmeros registros de ocorrências juntados, o veículo em questão foi apontado por diversas vítimas de crimes ocorridos durante o período eleitoral, a evidenciar a veracidade do depoimento da vítima, que citou que o denunciado utilizava um veículo em específico (Ford/Focus, de cor preta), pertencente a terceiro (família de Silvânia), justamente na data em que as ameaças ocorreram, o que foi confirmado por ele em seu interrogatório.

Embora sustente, em suas alegações finais, que não seria ingênuo de coagir Nelson, pois sabe que era ela um “fanático adversário”, convém destacar que a própria vítima disse que, em campanhas anteriores, apoiava o Progressistas – PP de Cerro Grande/RS, fato que era de conhecimento do acusado, pois, conforme alega, é “fichado” em tal agremiação partidária há mais de treze anos, o que corrobora a alegação do ofendido de que as ameaças foram praticadas para que voltasse a apoiar e a votar nos candidatos do partido.
 

Destaque-se: as ameaças poderiam ter sido praticadas por qualquer outro integrante do grupo criminoso, mas coube a Leonei, antigo membro do partido político ao qual a vítima anteriormente estava filiada, a tarefa de tentar convencê-lo, mediante coação, a mudar seu voto.

Assim, o contexto fático permite concluir, com segurança, pela ocorrência do crime descrito no art. 301 do Código Eleitoral, praticado por Leonei de Oliveira Rosa em face de Nelson Machado, razão pela qual sua condenação pelo referido crime é medida que se impõem.
 

Em relação a Glaucia Regina Brocco, o Ministério Público Eleitoral a denunciou como partícipe do crime praticado por Leonei, uma vez que cedeu o veículo VW/Parati, placas IND8B90, de cor branca, aos indivíduos (não identificados), que acompanharam aquele, prestando-lhe apoio moral e material, durante a coação de Nelson Machado.
 

Em seu interrogatório, Gláucia Regina Brocco não apresentou explicações sobre os fatos ora analisados, limitando-se a contextualizar a situação de beligerância existente no Município de Cerro Grande e a perseguição que sofreu, com atos praticados por seus adversários políticos, durante as Eleições Municipais de 2020, destacando que, em relação ao veículo VW/Parati, de cor branca:

[...] foi usada na campanha, inclusive pela própria candidata; que o veículo era da empresa do pai e ficava mais com ele; que vários veículos da família foram utilizados na campanha, inclusive de outros familiares; que não forneceu parati para outras pessoas, mas que sabe que o veículo foi utilizado pelos réus; que no dia em que o carro de Edvanildo, onde Valmor estava, foi alvejado, ela foi junto com Valmor até Palmeira das Missões para registrar ocorrência, pois os boletins de Jaboticaba não andavam; que, nesse mesmo dia, Mônica deixou o carro na mecânica e pegou a Parati Branca emprestada; que Edimar nunca dirigiu a parati branca, pelo que se recorda; que a Parati não era o único veículo que a mecânica emprestava; que a Parati não foi utilizada por Leonei e outras pessoas não identificadas para ameaçar Nelson Machado; que já havia reclamado que Nelson recebia demais para puxar o lixo; que Nelson gostaria de manter seu contrato e fez a denúncia por interesse próprio. [...] Quando questionada pelo Ministério Público Eleitoral, relatou que acredita que as denúncias tenham reportado a parati branca para atingi-la e ligar a atos ilícitos; que o outro lado também tinha uma parati branca; que tinha medo de que pudessem fazer algo com a outra parati e a incriminar [...].

Conforme se extrai, a própria denunciada Gláucia reconhece que o veículo descrito pela vítima foi utilizado por apoiadores e cabos eleitorais, em favor de sua candidatura, embora negue que tenha sido utilizado por Leonei e outras pessoas para a prática do crime em análise, bem como que a vítima fez a denúncia porque a denunciada havia reclamado que ele estava recebendo demais para “puxar lixo” para o Município de Cerro Grande/RS, tendo agido por interesse próprio.

Contudo, tal versão é desmentida pelo depoimento da vítima, a qual sustenta que, além do veículo utilizado por Leonei (Ford/Focus, de cor preta), havia um segundo carro no local dos fatos, que era conduzido por indivíduos não identificados e auxiliou durante sua perseguição, tratando-se justamente da Parati branca, de propriedade da família da denunciada, utilizado por apoiadores durante sua campanha eleitoral.

Ressalta-se, uma vez mais, as declarações prestadas pelos policiais civis ouvidos em juízo, que sustentaram, em harmonia com o depoimento da vítima, que o veículo Parati, de cor branca, foi citada em inúmeros registros de ocorrências policiais, referente a fatos ocorridos em Cerro Grande/RS, durante a campanha eleitoral, o que corrobora a alegação de que foi utilizado, também, durante a prática do crime de coação eleitoral contra Nelson Machado.

Assim, ao fornecer o veículo utilizado pelos agressores para a prática da conduta criminosa descrita, Glaucia concorreu para sua ocorrência, prestando-lhes auxílio material, devendo responder pelos mesmos fatos imputados aos outros dois acusados, nos termos do que dispõem o art. 29 do Código Penal.


 

Dessarte, as provas produzidas ao longo do feito demonstram, modo inequívoco, os delitos cometidos no Município de Cerro Grande pelos recorrentes VALMOR JOSE CAPELETTI, GLÁUCIA REGINA BROCCO, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS, LEONEI DE OLIVEIRA ROSA e JEREMIAS DA SILVA OLIVEIRA JÚNIOR, devendo ser mantida integralmente a sentença.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento dos recursos de VALMOR JOSE CAPELETTI, GLÁUCIA REGINA BROCCO, EDIMAR ANTUNES DE SOUZA, EDSON ANTUNES DE SOUZA, EZEQUIEL DE SOUZA DIAS, LEONEI DE OLIVEIRA ROSA e JEREMIAS DA SILVA OLIVEIRA JÚNIOR.