PCE - 0602330-58.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/03/2024 às 14:00

VOTO

ROSANA METRANGOLO, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, prestou contas relativa às eleições gerais de 2022.

Após a realização de exame inicial da contabilidade, a prestadora foi intimada, sem aproveitar, todavia, a oportunidade de manifestação.

Sobreveio, então, parecer conclusivo da Secretaria de Auditoria Interna – SAI. Apontou impropriedades e irregularidades referentes (1) à não apresentação do comprovante de recolhimento (à respectiva direção partidária) das sobras financeiras de campanha relativas aos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP, e do comprovante do recolhimento (ao Tesouro Nacional) dos recursos não utilizados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC; (2) à extrapolação do limite de 10% do total dos gastos de campanha com alimentação de colaboradores; (3) à utilização de recurso de origem não identificada – RONI, e (4) aos gastos irregulares com verbas do FEFC  e do FP (ID 45501813).

Passo à análise.

1. Não apresentação de peças obrigatórias

Não foram apresentados, pelo prestador de contas, os comprovantes de recolhimento (a) à respectiva direção partidária, das sobras financeiras de campanha relativas aos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos e (b) ao Tesouro Nacional, dos recursos não utilizados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Ademais, verifica-se, nos extratos apresentados (ID 45416964 e ID 45416966) e no parecer conclusivo, que os valores foram sacados das contas de campanha. A falha desobedece frontalmente à legislação de regência, e devem ser objeto de ordem de devolução. Como bem resumido pela d. Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, a prestadora de contas simplesmente sacou os valores das contas de campanha.

E não prestou esclarecimento algum.

2. Extrapolação do limite de 10% do total dos gastos contratados de campanha de despesas com alimentação do pessoal que presta serviço à candidata

Também houve a extrapolação do limite de 10% (dez por cento) do total dos gastos contratados de campanha de despesas com alimentação do pessoal que presta serviço à candidata (valor total dos gastos R$ 35.011,90, e os gastos com alimentação compõem R$ 4.520,98, sendo o valor excedido de R$ 1.019,79).

A prática infringe o disposto no art. 42, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

I - alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha: 10% (dez por cento);

Com efeito, a extrapolação do limite da despesa com alimentação representa impropriedade, e a determinação do pagamento de multa no valor de 100% da quantia que exceder o limite estabelecido é medida que se impõe, conforme previsto pelo art. 6º da Resolução TSE n. 23.607/19, especialmente por se tratar do uso de verbas públicas. No caso concreto, chama também atenção a desídia da prestadora ao, simplesmente, não apresentar esclarecimentos a esta Especializada. Nesse sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. MULTA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) E DA CONTA OUTROS RECURSOS. EMISSÃO DE CHEQUE NÃO CRUZADO. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ELEVADOS PERCENTUAL E MONTANTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESAPROVAÇÃO. MULTA MANTIDA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em razão de gastos não comprovados com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, despesas pagas sem comprovação de trânsito em conta de campanha, sobra de recursos não devolvidos e extrapolação do limite de gastos nas despesas com alimentação. Fixada multa e determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. 2. Pagamento, com verbas do FEFC, de despesas de forma diversa da prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Inviável, para justificar as irregularidades, a alegação de que os dispêndios foram de pequena monta e não comprometeram a totalidade das contas. A quitação de débitos via cheque não cruzado impossibilita a identificação da contraparte beneficiária da verbas de campanha. Documentos carreados aos autos sem força probatória suficiente para comprovar a real destinação dos valores. Recolhimento ao erário da verba pública utilizada indevidamente. 3. Despesas pagas com “outros recursos”, sem comprovação de trânsito em conta de campanha. A comprovação segura da aplicação das verbas usadas na campanha eleitoral se faz por meio dos documentos idôneos, corretamente preenchidos e movimentados conforme determinam as regras eleitorais, nos termos dos arts. 53, inc. II, al. "c", e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Embora se trate de verbas advindas de doação à campanha, e não de recursos públicos, as exigências legais para comprovação de gastos para ambas as espécies são as mesmas, com diferenças apenas na parte alusiva ao sancionamento, pois não há obrigação de recolhimento quando a irregularidade não decorrer do manejo de verbas públicas. 4. Limite de gastos com alimentação extrapolado, nos termos do art. 42, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausente oposição do recorrente quanto ao ponto. Multa fixada na forma do art. 6º da Resolução que norteia as contas de campanha do pleito de 2020. 5. Irregularidades de significativo valor nominal e que, somadas, alcançam o equivalente a 82,6% das receitas auferidas, restando inviável a aplicação do princípio da razoabilidade, diante do elevado percentual e do montante acima do parâmetro legal utilizado por esta Corte. Manutenção da sentença de desaprovação com fixação de multa e recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores públicos malversados pelo prestador. 6. Desprovimento. (Recurso Eleitoral n 060044870, ACÓRDÃO de 23/09/2021, Relator OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES) (Grifei.)

 

3. Utilização de recursos de origem não identificada – RONI

No presente tópico, o parecer conclusivo identificou, pelo confronto das informações apresentadas pelo prestador versus aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, a emissão das notas fiscais (a) n. 8990, no valor de R$ 34,46; (b) n. 8994, no valor de R$ 55,47, e (c) n. 9242, no valor de R$ 78,26. Apontou impropriedades e irregularidades referentes (1) à não apresentação do comprovante de recolhimento (à respectiva direção partidária) das sobras financeiras de campanha relativas aos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP, e do comprovante do recolhimento (ao Tesouro Nacional) dos valores não utilizados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC; (2) à extrapolação do limite de 10% do total dos gastos de campanha com alimentação de colaboradores; (3) à utilização de recurso de origem não identificada – RONI, e (4) aos gastos irregulares com verbas do FEFC  e do FP (ID 45501813). as três pelo fornecedor MINI MERCADO E ACOUGUE SANTA FLORA LTDA, além de (d) n. 15783, pelo fornecedor FIAMBRERIA PADARIA E CONFEITARIA NUTRIPAO LTDA, no valor de R$ 46,84. O total alcança R$ 215,03  (ID 45501814).

Os valores não integram os gastos declarados pela candidata, que aqui também se manteve inerte, não exercendo seu direito-dever de manifestação, a fim de regularizar as falhas apontadas. A opinião do Ministério Público Eleitoral deve ser acolhida:

Instado a comprovar a regularidade da despesa, a candidata nada afirmou. Na ausência de esclarecimentos, deve-se considerar que foram utilizados recursos que não transitaram pelas contas da campanha para a quitação das despesas, configurando recursos de origem não identificada.

Assim, não foi esclarecida a fonte do recurso utilizada para o pagamento da despesa de campanha, de molde que a quantia configura recurso de origem não identificada – RONI e deve ser objeto de ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Gastos irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP

A derradeira espécie de irregularidade engloba gastos com recursos do FEFC, em montante de R$ 2.590,11, e com verbas do Fundo Partidário, que totalizaram R$ 3.680,00.

4.1 Débitos sem identificação do fornecedor beneficiário do pagamento.

Inicialmente, cabe um fato incontroverso: tanto na conta do FEFC quanto na conta do FP foram realizados saques eletrônicos. Ora, os gastos eleitorais somente podem ser realizados pelos meios indicados no art. 38 da Resolução em comento, pois são eles, unicamente, que garantem a segura identificação do beneficiário nos documentos bancários, e, no caso dos autos, não há identificação dos favorecidos pelos pagamentos. Também não foi apresentada documentação bancária comprobatória dos destinatários dos recursos. Cabe destacar, novamente, trecho do bem-lançado parecer do Ministério Público Eleitoral:

O saque de recursos somente é admitido quando há constituição do fundo de caixa, limitado a 2% dos gastos contratados, o que não foi observado pela candidata, que, no caso, corresponderia a pouco menos de R$ 800,00, sem prejuízo da comprovação de cada despesa realizada. A candidata simplesmente sacou os valores, o que se mostra irregular, pois permite a realização de pagamentos sem controle do beneficiário ou da natureza do gasto, razão pela qual deve ser considerada irregular.

No caso, a desatenção à forma de pagamento da despesa evidencia o gasto irregular, restando não comprovada a aplicação da verba pública.

Conclusão.

As irregularidades de (a) extrapolação das despesas com alimentação do pessoal, no valor de R$ 1.019,79; (b) utilização de recurso de origem não identificada – RONI, no total de R$ 215,03, e (c) realização de gastos irregulares com verbas do FEFC e do FP, totalizados em R$ 6.270,11, impõem o recolhimento da quantia de R$ 7.504,93 (sete mil quinhentos e quatro reais com noventa e três centavos) ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 35, 42, inc. I, 53, inc. I, al. "g", e inc. II, todos da Resolução TSE n. 23.607/19.

A irregularidade representa 20,30% do total de recursos declarados pela prestadora, R$ 36.973,19, circunstância que impede um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de ROSANA METRANGOLO, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 7.504,93 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.