PCE - 0602967-09.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/03/2024 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas apresentada por PEDRO ERNESTO MACEDO PEREIRA JUNIOR, candidato que concorreu ao cargo de deputado federal pelo partido AVANTE, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após a juntada de prestação de contas retificadora, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) encaminhou informação recomendando a desaprovação da contabilidade, visto que registrada irregularidade quanto à não assunção de dívidas de campanha do candidato pela agremiação, a indicar o uso de recursos de origem não identificada no seu adimplemento.

Do uso de recursos de origem não identificada

No que diz respeito à utilização de verbas sem demonstração de origem, a falha vem consubstanciada no inadimplemento de despesa sem a respectiva assunção do débito pelo partido pelo qual o prestador concorreu, a indicar a utilização de recursos de origem não identificada (RONI) para o pagamento dos débitos.

O regramento, quando da existência de dívidas de campanha não quitadas pelo prestador ou assumidas por sua grei, vem estampado no art. 33, §§ 2º e 3º da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

(…)

 

No caso, o prestador, visando mitigar as falhas, retificou a contabilidade, ocasião em que registrou gasto junto à DEEPER CONFECÇÕES Ltda., no valor de R$ 2.955,00. Entretanto, tal despesa não foi quitada, tampouco assumida pela agremiação pela qual concorreu.

Quanto ao ponto, ressalto que, mesmo colacionado novo caderno contábil, não houve a juntada do termo de assunção pelo partido.

Nesse sentido, inviabilizada a aferição da fonte dos recursos versados no adimplemento dos débitos de campanha, o quadro fático sinaliza o uso irregular de valores sem demonstração de origem.

No entanto, ainda que mantida a mácula, a cifra irregular não está sujeita a recolhimento ao Tesouro Nacional, porquanto ausente previsão normativa expressa.

Explico.

O e. Tribunal Superior Eleitoral entendeu que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

(TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022) 

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. AGRAVO PROVIDO. DÍVIDA DE CAMPANHA. ASSUNÇÃO PELO PARTIDO. IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. EQUIPARAÇÃO A RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. Hipótese em que o TRE/SP, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha de candidata ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, devido à existência de dívida de campanha assumida pelo partido, mas cujo procedimento estava em desacordo com o previsto no art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.2. Agravo conhecido e provido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso especial. 3. Não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl nº 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).4. Recurso especial parcialmente provido tão somente para afastar a determinação de devolução de R$ 4.048,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

(TSE, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060851176, Acórdão, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data: 09/09/2022)

 

Posicionamento esse acolhido por este e. Tribunal para as Eleições de 2022:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO FALECIDO. CONTAS APRESENTADAS POR ADMINISTRADOR FINANCEIRO. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES RELATIVAS AO RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO QUITADAS. INEXISTÊNCIA DO TERMO DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. FALHAS DE ALTO PERCENTUAL. VALORES IRREGULARES NÃO SUJEITO A RECOLHIMENTO. PRECEDENTES. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas de candidato falecido, apresentada por administrador financeiro, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022. 2. Candidato falecido durante a campanha. Nos termos do art. 45, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, "se a candidata ou o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, na forma desta Resolução, referente ao período em que realizou campanha, será de responsabilidade de sua administradora financeira ou seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária". 3. Existência de irregularidades relativas ao recebimento de recursos de origem não identificada – RONI –, consistentes em dívidas de campanha não acompanhadas dos respectivos termos de assunção de dívida, na forma prevista no art. art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Assim, é incontroverso que remanesce dívida de campanha não autorizada pelo diretório nacional pelo qual o candidato lançara candidatura. O montante representa 109,13% da receita total declarada pelo prestador, conduzindo inequivocamente a um juízo de desaprovação das contas. 4. Valor irregular não sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional. O Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, a qual não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo–se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas. 5. Desaprovação das contas.

(TRE-RS - PCE: 06023201420226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 17/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 194, Data: 23/10/2023.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. ALTO PERCENTUAL DAS FALHAS. INVIÁVEL APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1.Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2.Recebimento de recursos de origem não identificada. Dívidas de campanha declaradas na contabilidade, decorrentes da falta de prova do pagamento de despesas contraídas em campanha. Intimado para sanar o apontamento, o candidato retificou suas contas e apresentou o mesmo documento que já havia juntado aos autos, consistente em mero documento intitulado Termo de Assunção de Dívidas e Outras Avenças, o qual sequer está assinado pelas partes. Reconhecida a irregularidade. Esta Corte alinhou–se à jurisprudência do TSE, no sentido de ausência de dever de recolhimento ao erário da importância equivalente à dívida, por falta de amparo normativo. Portanto, segundo a mais recente posição do Tribunal Superior Eleitoral, não há “respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse” (REspEl n. 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022). Posicionamento acolhido, por maioria, neste Tribunal para as eleições de 2022. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC. Ausência de prova da efetiva realização de serviço contratado com fornecedor. Apresentada nota fiscal da despesa, sem qualquer documento adicional, de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em consonância com o art. 60 da Resolução TSE 23.607/19. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional. 4. As irregularidades correspondem a 28,04% da receita total do candidato, impedindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, em função do elevado percentual de impacto das falhas e da relevância da quantia irregularmente aplicada. 5. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06020309620226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Data de Julgamento: 28/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data: 02/10/2023.)


 

A cifra irregular de R$ 2.955,00 corresponde a 9,8% do total de recursos recebidos para a campanha do prestador (R$ 30.000,00), percentual que autoriza, na esteira do entendimento sufragado por esta Corte, e aplicados os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a aprovação das contas com ressalvas

Dessarte, ainda que mantida a irregularidade no importe de R$ 2.955,00, o valor não será objeto de recolhimento ao erário, remanescendo apenas ressalva a ser aplicada.

Diante do exposto, acolho o parecer ministerial e VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de PEDRO ERNESTO MACEDO PEREIRA JUNIOR, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da fundamentação.