PCE - 0602500-30.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/03/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de processo de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha de ROSSANO PERES FARIAS, candidato a deputado estadual nas Eleições Gerais de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apontou falhas na contabilidade, consubstanciadas em recebimento de recursos de origem não identificada e ausência de devida comprovação de gastos com recursos do FEFC.

Passo à análise das falhas relatadas.

I – Dos Recursos De Origem Não Identificada

No parecer conclusivo, houve a identificação de omissões na prestação de contas do candidato, relativamente a gastos não declarados, consoante o seguinte fragmento, litteris (ID 45534332):

3. Dos Recursos de Origem Não Identificada – RONI

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foi constatado o recebimento e utilização de Recursos de Origem Não Identificada, quando da emissão do Relatório de Exame de Contas (ID 45500799).

Foram identificadas omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, no valor de R$ 446,62, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

O candidato apresentou nota explicativa informando que faria verificação a respeito e, conforme fosse apurado, providenciaria o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional (ID 45527664). Após, juntou GRU no valor apontado (ID 45527665), contudo não anexou comprovação de pagamento da guia. Dessa forma, mantém-se o apontamento.

Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha para pagamento das, considera-se irregular o montante de R$ 446,62, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14 e o art. 32 da Resolução TSE 23.607/2019.

O candidato, após, peticionou informando que “com relação às falhas apontadas no item 3 o candidato recolheu os valores e juntou aos autos a GRU e o comprovante de pagamento respectivo” (ID 45557059).

Deveras, os gastos, a partir da análise das notas fiscais (ID 45500799), dizem respeito, aparentemente, a despesas com impulsionamento de conteúdo na internet, de sorte a caracterizar como recurso de origem não identificada a verba utilizada para seu pagamento, que não transitou pelas contas de campanha, fato que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, atrai a ordem de recolhimento ao erário, com fundamento no art. 32, caput, e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Verifico que, consoante apontado pelo candidato, houve o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, por meio de GRU (ID 45557060, fl. 14).

Nada obstante, este Tribunal tem entendido que o recolhimento espontâneo do montante irregular, após a análise técnica, não basta para a descaracterização da falha, uma vez que houve a efetiva aplicação irregular dos recursos, não saneada durante a campanha, mesmo em cifras bastante módicas, conforme o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FEFC. JUNTADO COMPROVANTE DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. (...). 2. A falha remanescente no parecer conclusivo refere–se à não comprovação dos gastos com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, irregularidade reconhecida pelo próprio prestador. Ademais, após a análise técnica, o prestador anexou aos autos o comprovante de recolhimento ao Tesouro Nacional. Entretanto, o recolhimento espontâneo da quantia não afasta o apontamento de ressalvas nas contas, pois houve a efetiva aplicação irregular de recursos de natureza pública. 3. A falha existente corresponde a 0,47% da receita total declarada pelo candidato. Aplicados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PCE 06025895320226210000, Relator: Des. Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, Data de Julgamento: 06.12.2022, Publicação: DJE, Tomo 259, Data 07.12.2022) (Grifei.)

 

Esse entendimento está em sintonia com o do TSE, de que “o fato de os respectivos recursos terem sido devolvidos ao erário de forma espontânea pelos candidatos não afasta a mácula, pois, nos termos do art. 79 da Res.–TSE 23.607/2019, o uso irregular de verbas do FEFC implica, necessariamente, o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional” (AgR-REspEl n. 060052918, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE, Tomo 205, Data 17.10.2023).

Destarte, deve ser considerado como irregular o montante de R$ 446,62 (R$ 28,90 + R$ 44,70 + 375,02), equivalente aos gastos representados por notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha e quitados com valores desconhecidos, sendo desnecessária a determinação de recolhimento aos cofres públicos, porquanto já cumprida a medida voluntariamente pelo prestador contas.

 

II – Da Falta de Comprovação do Correto Uso de Recursos do FEFC

A SAI, em seu parecer conclusivo, indicou que não foram satisfatoriamente comprovados gastos custeados com recursos do FEFC, verbis (ID 45534332):

4.1.1 Foram identificadas inconsistências nas despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 13.740,00, conforme tabela abaixo, contrariando o que dispõem os arts. 35, 53, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

O candidato, em nota explicativa (ID 45527664), indica que as comprovações fiscais das despesas apontadas estariam “Anexadas individualmente no SPCE”. No entanto, os documentos vinculados no sistema SPCE são aqueles que ensejaram os apontamentos acima. Não houve apresentação de novos documentos, e dessa forma, as irregularidades permanecem não sanadas.

[…].

Quanto aos gastos nos valores de R$ 7.500,00, R$ 5.000,00 e R$ 1.000,00, com EEX EXPRESSO EXECUTIVO TRANSPORTES, CNPJ n. 21.216.955/0001-50, relacionados a “cessão ou locação de veículos”, a unidade técnica indicou que, além de a empresa pertencer ao candidato, a documentação apresentada é insuficiente para comprovação da despesa.

Assinalo, primeiramente, que despesa contratada com empresa que se encontra em nome do próprio candidato, como no presente caso, demanda uma análise mais rigorosa, diante da maior possibilidade de malversação de recursos públicos destinados ao custeio de campanha eleitoral.

Entretanto, há de se ressaltar que tal circunstância fática, por si só, não induz à existência de irregularidade, tendo em vista a ausência de vedação na legislação eleitoral, sobretudo na Resolução TSE n. 23.607/19, a qual disciplina minuciosamente a prestação de contas eleitoral.

Deveras, cabe anotar que a jurisprudência do egrégio TSE, em casos envolvendo a contratação por partido político de empresas integradas por dirigentes partidário, firmou o posicionamento de que “não presume, de forma absoluta, a irregularidade nas contratações, custeadas com recursos públicos, de empresa cujo corpo societário mantenha vínculo com dirigente do partido ante a ausência de previsão legal ou regramento balizado por instrumento normativo”, asseverando que “nessas hipóteses, as reflexões têm obedecido a critérios, segundo as particularidades de cada caso” (TSE; PC n. 0000190-95.2016.6.00.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 45, Data 12.3.2021).

Também em casos envolvendo o pagamento de despesas eleitorais a empresas cujos sócios possuem relação de parentesco com os candidatos, a Corte Superior entende que, ante a inexistência de vedação normativa específica, “a contratação de parentes não constitui falha per se a justificar a desaprovação das contas. Para tanto, é indispensável a prova de a) valores dissonantes às práticas comuns do mercado; b) ausência de tecnicidade suficiente à prestação do serviço contratado; c) fraude na contratação do serviço etc., todas condicionantes que evidenciam a má–fé, a intenção de lesar o patrimônio público, o privilégio na contratação” (TSE; REspEl: 060122121 PORTO VELHO - RO, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 13.04.2023).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, mutatis mutandis, não há como, a priori, entender-se como irregulares os gastos de locação de automóvel pelo simples fato de a empresa pertencer ao candidato, sendo necessária a apreciação das circunstâncias de cada caso, em especial os indicativos de ausência de transparência, de locupletamento abusivo ou de má-fé na conduta.

A primeira despesa, no valor de R$ 7.500,00, contratada em 02.9.2022, foi apontada como irregular porque “não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço”.

No Relatório de Despesas Efetuadas, foi declarado pelo candidato o “aluguel de carro”, placas IJD6A60, em 02.9.2022, com o fornecedor EEX EXPRESSO EXECUTIVO TRANSPORTES, por R$ 7.500,00, em que o documento comprobatório seria a nota fiscal n. 701 (ID 45197385, fls. 11/12):

Analisando a nota fiscal apresentada, verifico que, na discriminação dos serviços, consta “locação de veículo – veículo I/Kia Besta; placas IJD6A60; Renavan 00725015012”, pelo valor de R$ 7.500,00 (ID 45197438).

Outrossim, foi juntado o respectivo comprovante de transferência bancária da quantia em referência, em favor do fornecedor (ID 45197455).

Após o parecer conclusivo, foi acostado aos autos o “contrato de locação de bem móvel com motorista”, referente ao automóvel acima especificado, com motorista e combustível, com franquia de 1.500 km de uso, para o período de 02.9.2022 a 01.10.2022 (ID 45557060, fls. 5/6).

Nesse mesmo documento, o prestador de contas apresentou relatório detalhado quanto ao uso do veículo, com horários e locais visitados, inclusive informando que, diariamente, o bem era empregado para distribuição e recolhimento de cerca de 50 wind banners contendo propaganda eleitoral, bem como expondo justificativa do preço e fotografia do veículo, juntamente com os demais, Fusca e Kombi (ID 45557060, fls. 1/3).

Em consulta ao sítio da Receita Federal na internet, constato que uma das atividades secundárias da empresa, conforme imagem abaixo, é “serviço de transporte de passageiros – locação de automóveis com motorista”, exatamente do que trata o caso dos autos:

 

Pesquisando no sítio do DETRAN (https://pcsdetran.rs.gov.br/consulta-veiculo/IJD6A60?renavam=00725015012), verifico que se trata de “microônibus”, conforme imagem abaixo:

Não houve qualquer apontamento em relação à possível violação do princípio da economicidade, o que, aparentemente, com efeito, não ocorreu, pois a locação de veículo do tipo “microônibus”, pelo prazo de um mês, com motorista e combustível, por R$ 7.500,00, não se mostra excessivo ou dos padrões de mercado.

Desse modo, tenho que o dispêndio de R$ 7.500,00 foi suficientemente demonstrado, tendo em vista que “Para fins de comprovação do gasto eleitoral, a apresentação de contrato ou de documento fiscal que contenha descrição pormenorizada dos serviços ou bens contratados é prova suficiente à regularidade da despesa paga mediante recursos públicos” (AgR-REspEl n. 060143880, Acórdão, Relator Min. Sérgio Banhos, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE, Tomo 206, Data 18.10.2023).

No que tange aos demais gastos com esse fornecedor, nos importes de R$ 5.000,00 e R$ 1.000,00, também devidos por locação de veículos, foi apontada pela SAI a ausência de documento fiscal comprobatório.

No Relatório de Despesas Efetuadas, a despesa de R$ 5.000,00 foi declarada como “aluguel de carro”, placas ILZ4G06, em 23.8.2022, com o fornecedor EEX EXPRESSO EXECUTIVO TRANSPORTES (ID 45197385, fl. 4).

Após o parecer conclusivo, foi trazida aos autos a nota fiscal n. 702, relativa à “locação de veículo do dia 23/08/22 a 11/09/22 – veículo VW/Kombi, placas ILZ4G06, Renavan 00835010651”, na monta de R$ 5.000,00 (ID 45557060, fl. 10).

Igualmente, foi encartado o “contrato de locação de bem móvel com motorista”, referente ao automóvel acima especificado, com motorista, aparelho de som completo e combustível, com franquia de 1.000 km de uso, para o período de 23.8.2022 a 11.9.2022 (ID 45557060, fls. 7/8), além do certificado de registro e licenciamento (ID 45557060, fl. 9).

Foi apresentado pelo prestador de contas relatório detalhado quanto ao uso do veículo, com horários e locais, inclusive informando que, equipado com som automotivo, era empregado para reproduzir o jingle de campanha durante as caminhadas nos bairros, enquanto as equipes distribuíam material de campanha, bem como expondo justificativa do preço e apresentando fotografia do veículo, com alto-falante e propaganda eleitoral, juntamente com os demais, Fusca e Kia Besta (ID 45557060, fls. 3).

Outrossim, foi juntado o respectivo comprovante de transferência bancária da quantia em referência, em favor do fornecedor (ID 45197454).

Assim, resta comprovado o gasto de R$ 5.000,00, efetuado com recursos do FEFC.

Quanto ao dispêndio de R$ 1.000,00, foi declarado no Relatório de Despesas Efetuadas como “aluguel de carro”, IEV1G86, em 08.9.2022, com o fornecedor EEX EXPRESSO EXECUTIVO TRANSPORTES, sendo indicada a nota fiscal n. 700 (ID 45197385, fl. 19).

Após o parecer conclusivo, foi trazida aos autos a nota fiscal n. 700, relativa à “locação de veículo – veículo VW/Fusca 1600, placas IEV1G86, Renavan 00579886654”, na importância de R$ 1.000,00 (ID 45557060, fl. 13).

Também, o prestador de contas apresentou relatório detalhado quanto ao uso do veículo, com horários e locais, informando que era de uso exclusivo para seu deslocamento, no período da tarde, e declinando a justificativa de preço, com a estimativa de rodar 200 km durante o período da campanha, além de fotografia do veículo adesivado com publicidade eleitoral (ID 45557060, fls. 4).

Outrossim, foi juntado o respectivo comprovante de transferência bancária da quantia em referência, em favor do fornecedor (ID 45197455).

Ante a documentação acima, tenho por demonstrado esse gasto de R$ 1.000,00.

Logo, fartamente documentados os gastos com a empresa EEX EXPRESSO EXECUTIVO TRANSPORTES, nos termos legais, e não havendo indícios mínimos de ilícitos ou má-fé, não há como considerar irregulares as operações em questão.

Por fim, em relação ao gasto de R$ 240,00 com JORNAL DA CIDADE, CNPJ n. 04.875.404/0001-80, em 27.9.2022, a mácula seria a falta de apresentação do “documento fiscal comprovando a despesa, conforme art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019”.

Contudo, o candidato logrou em juntar, após o parecer ministerial, a Nota Fiscal de Serviços eletrônica n. 202200000000133, de 26.9.2022, na qual há a seguinte descrição do serviço: “01 VEICULAÇÃO PROPAGANDA ELEITORAL (CAPA) EDIÇÃO 29/09/2022” (ID 45557060, fl. 11), suficiente para demonstrar a regularidade do dispêndio.

 

III – Do Julgamento das Contas

Assim, a falha apurada na análise da contabilidade cinge-se ao recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 446,62, equivalente a 0,43% do total arrecadado (R$ 103.066,04), não comprometendo a confiabilidade do ajuste contábil, de sorte que, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte, mostra-se cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Ainda, cabe destacar que não há que se falar em recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, uma vez que tal já ocorreu a providência no curso do processo.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de ROSSANO PERES FARIAS, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.