PCE - 0603072-83.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/03/2024 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

ROGÉRIO MARTINS ROCHA, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual nas Eleições 2022, apresentou sua prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha.

Analisados os documentos apresentados, a Secretaria de Auditoria Interna – SAI inicialmente apontou impropriedades nas contas, nos seguintes termos (ID 45473182):

1.1 Não foram apresentadas as seguintes peças obrigatórias que devem integrar a prestação de contas (art. 53 da Resolução TSE nº 23.607/2019):

- Extrato das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC);. Documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

- Comprovante de recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos do FEFC não utilizados;

1.2 Foram observadas falhas de lançamento no extrato da prestação de contas final (ID 45189712):

Não foram lançadas as despesas contratadas e efetivamente pagas pelo candidato. A análise dos extratos bancários permite aferir que os recursos do FEFC recebidos foram utilizados na campanha eleitoral. Dessa forma, o extrato da prestação de contas não está em conformidade com a movimentação financeira. O candidato não exerceu seu direito de manifestação como previsto no §1º, do art. 69 da Resolução TSE 23.607/2019, não apresentou esclarecimentos e comprovantes que alterem as falhas anteriormente apontada

 

De fato, analisando-se a parca documentação apresentada pelo prestador, verifica-se que os demonstrativos de despesa financeira encontram-se zerados (ID 45175623), como se o candidato não tivesse desembolsado nenhuma quantia durante a sua campanha eleitoral. No entanto, além das doações estimáveis, no valor de R$ 6.930,69, foram repassados à campanha R$ 10.000,00 provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, sendo que nenhum comprovante de gasto realizado com esses recursos veio aos autos.

A Secretaria de Auditoria Interna – SAI, examinando a contabilidade, apontou irregularidades consistentes na utilização de Recurso de Origem Não Identificada – RONI e ausência de comprovação de despesas realizadas com recursos do FEFC, que serão adiante analisados.

 

Da utilização de Recursos de Origem Não Identificada – RONI

Foi detectado pelo órgão técnico, mediante confronto com notas fiscais eletrônicas emitidas em nome do candidato e disponibilizadas no DivulgaCandContas, despesas não arroladas na prestação de contas, no montante de R$ 11.655,73, relacionadas na tabela abaixo (ID 45473182):

O prestador, devidamente intimado, deixou precluir a oportunidade de apresentar esclarecimentos e de, eventualmente, retificar as contas, fato que, em tese, torna a matéria incontroversa.

Tendo sido a constatação desses gastos vinculados ao CNPJ da campanha realizada no cruzamento de informações pela Justiça Eleitoral, está caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

Nesse sentido, menciono julgado relativo às Eleições 2022, semelhante ao caso que ora se examina:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA ELEITA. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. MERA IMPROPRIEDADE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS ¿ RONI. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. OMISSÃO DO REGISTRO DE DESPESA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 53, INC. I, AL. "G", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MONTANTE INSIGNIFICANTE. REGULARIDADE DAS CONTAS NÃO COMPROMETIDA. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS FALHAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

[...]

3. Recursos de origem não identificada. Notas fiscais não declaradas relacionadas ao abastecimento de combustíveis. O DANFE não é, não substitui, e não se confunde com uma nota fiscal eletrônica. A existência de outras despesas contratadas com o mesmo fornecedor impede que se realize o batimento dos gastos para verificação de perfeita coincidência entre o valor das despesas e os pagamentos efetuados. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Havendo o registro da transação comercial nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal, conforme previsto nos arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução mencionada. Os elementos constantes nos autos não são aptos a sanar as irregularidades relativas à duplicidade de emissão de registros por fornecedor de combustíveis. Caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

4. As despesas resultantes das notas fiscais omitidas e cujo cancelamento não foi devidamente comprovado implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata. Caracterizados os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A soma das falhas corresponde a 0,93% da receita declarada e se mostra insignificante diante dos valores totais geridos pela candidata em sua campanha eleitoral. Assim, como as incorreções não têm aptidão para comprometer a regularidade das contas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é caso de aprovação com ressalvas da contabilidade.

6. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060311180, Acórdão, Relator(a) Des. DES. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12/12/2022) (Grifei.)

 

Na mesma linha do precedente, as despesas resultantes das notas fiscais omitidas, implicariam, por consequência, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Todavia, a atenta Procuradora Regional Eleitoral, Dra. Maria Emília Correa da Costa, localizou algumas das notas fiscais correspondentes às despesas no extrato bancário eletrônico da conta FEFC, que somam a quantia de R$ 1.967,07, listadas abaixo, o que impede a caracterização de utilização de receitas de origem não identificada em relação a esses pagamentos:

- R$ 100,10 - ABASTECEDORA DE COMBUSTIVEIS ESTANCIA VELHA LTDA.;

- R$ 384,98 – UNIDASUL DISTRIBUIDORA ALIMENTICIA S/A;

- R$ 225,00 - ORSO & IMMIGLTDA.;

- R$ 297,00 (R$ 140,00 + R$ 157,00) - MECANICA JORGE - JORGE AUGUSTINHO BRIZOLA;

- R$ 120,00 - POSTO DECOMBUSTIVEIS PRIMAVERA LTDA.;

- R$ 139,99 - LOJAS RADAN LTDA.;

- R$ 200,00 - POSTO NOVO SEGURO LTDA.; e

- R$ 500,00 GEOMEC GEOMETRIA E MECANICA DE VEICULOS LTDA.

Tais despesas devem ser descontadas da quantia relativa a Recursos de Origem Não Identificada, porquanto verificada a origem como sendo de recursos do FEFC e a correspondência exata com valor do gasto e o destinatário identificado no extrato bancário da conta específica (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605744/extratos).

Não havendo a mesma correspondência entre os demais gastos, que totalizam a quantia de R$ 9.688,66 (R$ 11.655,73 - R$ 1.967,07), deve ser reconhecida a omissão de despesas e determinado o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional pelo prestador de contas.

 

Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Segundo apontado no parecer conclusivo, “o candidato recebeu o valor de R$ 10.000,00 do FEFC e não registrou as despesas e suas devidas comprovações na prestação de contas”.

De fato, o extrato final de prestação de contas contém registro do recebimento de R$ 10.000,00 do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, mas não foram registrados os gastos correspondentes, tampouco foi devolvida a quantia, como determina o § 5º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

 

Ocorre que, analisando-se os extratos eletrônicos no DivulgaCandContas, constata-se que os R$ 10.000,00 foram, de fato, utilizados pelo candidato, mas a destinação ficou à margem da prestação de contas, impedindo a Justiça Eleitoral de exercer a devida fiscalização sobre os recursos públicos.

Em suma, o candidato recebeu R$ 10.000,00 do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e utilizou R$ 9.999,08 sem prestar contas dos gastos à Justiça Eleitoral.

Além disso, convém repetir, deixou precluir a oportunidade de retificar as contas e fazer os devidos esclarecimentos, sendo indiscutível a conclusão de que o valor deve ser integralmente devolvido ao erário.

Registro que esses dez mil reais contêm o valor de R$ 1.967,07 apontados no parecer conclusivo como despesas feitas com Recursos de Origem Não Identificada, mas que foram identificados pela Procuradoria Regional Eleitoral no extrato da conta bancária destinada à movimentação de recursos do FEFC.

Assim, seria possível, em tese, deduzir do valor a ser recolhido ao erário a quantia correspondente aos documentos fiscais encontrados pelos mecanismos de controle disponibilizados à Justiça Eleitoral, nos termos da Jurisprudência desta Corte (Prestação de Contas Eleitorais n. 060295762, Relator Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, publicada no Diário de Justiça Eletrônico de Data 15/08/2023), desde que se tratem de despesas eleitorais.

Ocorre que analisei algumas das notas fiscais no site da Receita Estadual, já que nem todas possibilitaram essa pesquisa, e constatei o seguinte:

A despesa de R$ 139,99 efetuada junto às Lojas Radan Ltda refere-se à compra de uma chuteira, conforme demonstra a captura de tela abaixo:

 

A despesa de R$ 225,00, realizada junto à empresa ORSO & IMMIG LTDA, refere-se à aquisição de uma cesta básica composta pelos seguintes produtos:


 

Os valores de R$ 500,00 e R$ 297,00 (R$ 140,00 + R$ 157,00) gastos, respectivamente, em GEOMEC GEOMETRIA E MECANICA DE VEICULOS LTDA. e MECANICA JORGE - JORGE AUGUSTINHO BRIZOLA, ao que tudo indica, referem-se a conserto e/ou à manutenção de veículo, o que é considerado gastos eleitoral, nos termos do art. 35, § 6º, al. “a”. Na hipótese, considerando que não foram registrados veículos de terceiros ou contratados na prestação de contas, é de se supor que as despesas tenham sido realizadas com veículo utilizado pelo candidato, já que é aquele dispensado de registro na contabilidade.

Da mesma forma ocorre em relação às despesas com aquisição de combustível, ausente o registro de veículos e geradores de energia, ou de realização de carreata (art. 35, § 11, da resolução de regência), assim como os gastos com alimentação, já que não houve qualquer anotação de contratação de pessoal.

Anoto que em consulta por amostragem à Nota Fiscal n. 546, verifica-se tratar de aquisição de peças e produtos para veículos, tais como “jogo pistão”, “jogo de anéis de motor” e óleo lubrificante. Confira-se:

 

 

Esta Corte já se debruçou sobre o tema, tendo rechaçado também a utilização de recursos de campanha eleitoral para pagamento de peças automotivas e manutenção de veículos, por afronta ao disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Confira-se, a propósito, o seguinte julgado:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA ELEITA SUPLENTE. DEPUTADA ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE VALORES DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. BAIXO PERCENTUAL. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita suplente ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para o pagamento de serviços de manutenção de veículos automotores, consistente na aquisição de um pneu. Afronta ao disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, que veda despesas com veículos automotores.

3. A irregularidade não ultrapassa os parâmetros utilizados por esta Corte para, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aprovar as contas com ressalvas, na medida em que a falha representa 0,79% do montante percebido pela candidata, ainda que necessário o recolhimento da quantia indevida ao erário.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060238946, Acórdão, Relator(a) Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 148, Data 15/08/2023) (grifo meu)

 

Como se observa, foram utilizados recursos públicos para quitação de despesas que não estão contempladas no rol do art. 35, a saber:

 

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

I - confecção de material impresso de qualquer natureza, observado o tamanho fixado no § 2º, inciso II do art. 37 e nos §§ 3º e 4º do art. 38 , todos da Lei nº 9.504/1997 ;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidata ou de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;

V - correspondências e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições, observadas as exceções previstas no § 6º do art. 35 desta Resolução;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;

IX - realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

XIII - multas aplicadas, até as eleições, às candidatas ou aos candidatos e partidos políticos por infração do disposto na legislação eleitoral;

XIV - doações para outros partidos políticos ou outras candidatas ou outros candidatos;

XV - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.

Assim, se a despesa é considerada não eleitoral e for paga com recursos públicos, o recolhimento do respectivo valor ao erário é corolário lógico do reconhecimento da irregularidade.

Logo, ainda que tenham sido identificadas parte das despesas e afastado montante correspondente em relação à caracterização de recursos de origem não identificada, os elementos constantes dos autos não respaldam a conclusão de que tais gastos tenham natureza eleitoral para fins de comprovação dos gastos efetuados com recursos públicos.

Em consequência, a localização das notas fiscais não socorre o prestador no ponto. Ao contrário, revela a utilização de dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para pagamento de despesas não eleitorais e impõe o recolhimento da integralidade do valor recebido ao erário.

Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. IMPROPRIEDADES. ABERTURA EXTEMPORÂNEA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTADOS OS EXTRATOS DAS CONTAS BANCÁRIAS. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL NÃO CANCELADA. ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TSE NÃO APLICÁVEL À HIPÓTESE. NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita 3ª suplente do cargo de deputada federal nas eleições 2022. Matéria disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Abertura extemporânea de conta bancária destinada ao recebimento de doações para campanha, em desatendimento ao disposto no art. 8, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Não apresentados os extratos das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Partidário e de Outros Recursos, peças obrigatórias conforme disposto no art. 53 da mesma Resolução. Entretanto, tais irregularidades devem ser consideradas impropriedades que não prejudicaram o exame da contabilidade.

3. Omissão de gastos na prestação de contas.

3.1. Identificado documento fiscal emitido contra CNPJ de campanha, circunstância que gera a presunção de existência da despesa (art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19). Havendo o registro da transação comercial nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal (arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19), o que não ocorreu. Violação do disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prevê que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados. 3.2. Atualização jurisprudencial do TSE não aplicável à hipótese dos autos, pois a irregularidade analisada pela Corte Superior não se tratava de pagamento de despesas de campanha com recursos não contabilizados, mas de recursos públicos de origem devidamente identificada (Fundo Partidário), tendo sido considerada falha contábil comparável a erro material. No caso dos autos, o recurso para pagamento não está identificado e não transitou nas contas a que aludem os arts. 8º e 9º da Res. TSE n. 23.607/19, circunstância que o caracteriza como de origem não identificada, conforme dispõe o art. 32, §1º, inc. VI, da citada Resolução, sendo imperioso o recolhimento segundo a dicção do art. 32, caput, do multicitado normativo. Mantido o entendimento deste Tribunal no ponto.

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

4.1. Gastos com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia. Tais despesas podem ser consideradas gastos eleitorais, desde que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não ocorreu. Ausente a prova da regularidade dessa despesa. Ainda, ausência de comprovante fiscal para pagamentos identificados como “Combustíveis e lubrificantes”. Embora sejam máculas de natureza diversa, devendo ser computadas na ponderação das irregularidades na escrituração contábil, é incabível a determinação de devolução de ambos os valores em razão da sobreposição, de sorte que o valor menor deve ser subtraído daquele a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

4.2. Despesas com impulsionamento de conteúdo. Divergência entre valores pagos ao Facebook e aqueles registrados nas notas fiscais apresentadas. O somatório das notas fiscais juntadas atinge montante menor ao declarado e efetivamente repassado à empresa. Caracterizada sobra, nos termos do art. 35, §2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional.

4.3. Ausência de apresentação de documento fiscal idôneo emitido em nome da candidata, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da(o) emitente e da destinatária ou das contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço, tal qual determina o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19 em relação a despesas declaradas.

4.4. Inobservância do § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, referente às despesas com pessoal. Apresentados contratos firmados com os prestadores de serviço que revelam inconsistências que não podem ser superadas. Determinada a devolução do somatório irregular ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

5. As falhas apuradas na prestação de contas alcançam o percentual de 30,89% da arrecadação, o que impõe a desaprovação das contas, em razão do comprometimento de sua regularidade.

6. Desaprovação. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060237477, Acórdão, Relator(a) Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 273, Data 16/12/2022) (Grifo meu)

 

Como não poderia ser diferente, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral encontra-se consolidada no mesmo sentido:

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. VALOR PERCENTUAL PEQUENO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. ART. 82, § 1º, DA RES.–TSE 23.553/2017. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum agravado, proveu–se em parte o recurso especial interposto por candidata não eleita ao cargo de deputado estadual em 2018 para aprovar com ressalvas suas contas de campanha, porém mantendo–se a determinação do retorno de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, o que ensejou agravo pelo Parquet.

2. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em processo de contas condiciona–se a três requisitos cumulativos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual ou valor não expressivo do total irregular; c) ausência de má–fé. Precedentes.

3. Na espécie, segundo o TRE/SE, embora inexista comprovação da titularidade de veículo alugado com recursos públicos, a falha incide sobre apenas 0,5% dos recursos arrecadados, sem indício de má–fé por parte da candidata.

4. Nesse contexto, impõe–se aprovar o ajuste contábil, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, mantendo-se a devolução ao erário, pois não se demonstrou o correto uso de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos do art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553/2017.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060126119, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 62, Data 08.4.2021). (Grifo meu)

 

Observo que chamou a atenção deste julgador o tipo de despesa identificada na prestação de contas (chuteira, alimentos, peças automotivas), fato que levantou dúvida sobre a efetiva realização de campanha eleitoral pelo candidato, que mesmo tendo recebido a quantia de R$ 10.000,00 de recursos públicos, obteve apenas 23 votos no pleito (https://resultados.tre-rs.jus.br/eleicoes/2022/546/RS88013.html).

De qualquer sorte, houve malversação de recursos públicos, os quais devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Em conclusão, deve ser recolhida ao Tesouro Nacional a quantia de R$ R$ 9.688,66, referente ao pagamento de despesas pagas com Recursos de Origem Não Identificada, e o montante de R$ 10.000,00, relativo ao recebimento de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha cuja adequada utilização não foi comprovada, no total de R$ 19.688,66.

A falha, correspondente a 116,29% da receita total declarada pelo candidato (R$ 16.930,69) impõe, também, a desaprovação das contas.

 

Ante o exposto, acolho o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral e voto por desaprovar as contas de campanha de ROGÉRIO MARTINS ROCHA, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual nas Eleições Gerais de 2022, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e por determinar a devolução de R$ 19.688,66 (dezenove mil seiscentos e oitenta e oito reais e sessenta e seis centavos) ao Tesouro Nacional.

Ainda, nos termos do art. 81 da citada Resolução, determino a abertura de vista à Procuradoria Regional Eleitoral para, se entender cabível, remeter cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral com atuação no primeiro grau para apuração de eventual malversação de recursos públicos.

É o voto.