REl - 0600500-75.2020.6.21.0049 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/03/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de recurso eleitoral interposto contra a sentença que desaprovou as contas de campanha de ABRAO FERNANDES GODOIS, candidato ao cargo de vereador no Município de Santa Margarida do Sul, no pleito de 2020, e lhe determinou o recolhimento de R$ 3.171,80 ao erário, por falhas na aplicação de recursos do FEFC.

A Magistrada a quo acolheu integralmente o parecer conclusivo do órgão técnico em primeira instância, vazado nos seguintes termos (ID 45531218):

1. Da regularidade e comprovação de despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha

 

- do cotejo entre o extrato de ID 98610419 e o relatório de ID 61181893, a despesa relativa ao documento ID 61182057 (DANFE nº 14016), no valor de R$ 645,00, emitente GRÁFICA E EDITORA RELÃMPAGO LTDA - EPP, CNPJ nº 02.507.787/0001-08) foi paga a MUNHOZ E FELIX LTDA, CNPJ nº 10.572.918/0001-69, através do cheque nº 2, compensado em 14/10/2020;

 

- o cheque nº 3, no valor de R$ 133,00, compensado em 14/10/2020, foi pago a MUNHOZ E FELIX LTDA. Todavia, consta, nas páginas 1-2 do Relatório de ID 61181893, que a despesa paga através do cheque nº 3 refere-se à Nota Fiscal nº 14046, emitida por GRÁFICA E EDITORA RELÃMPAGO LTDA - EPP (documento ID 61182055);

 

- os documentos de ID 61181893 e de ID 98610419, que a despesa relativa ao documento ID 61182064 (Nota fiscal nº 153, no valor de R$ 200,00) foi paga a CRESOL NORDESTE, através do cheque nº 5, debitado em 06/11/2020, sendo que o emitente da nota é ELISABETE DE MOURA GOMES - MEI;

 

- o cheque nº 9, no valor de R$ 200,00, compensado em 18/11/2020, foi pago a JUSSARA DE FREITAS SILVA ME, sendo que, conforme pág. 5-6 do Relatório de ID 35910661, deveria ter sido pago a SILVIA APARECIDA DA SILVA ILOI, CPF nº 358.543.080-53;

 

- o documento de ID nº 61182058, no valor de R$ 193,80 não se reveste das formalidades legais (consumidor não identificado);

 

- não há CPF/nomes das contrapartes relacionada aos débitos, nos valores de R$ 720,00 e de R$ 1.080,00, efetuado através dos cheques nº 8 e nº 7, respectivamente, ambos sacados por caixa em 17/11/2020 (ID 98610419);

 

- foi efetuado saque por caixa, no valor de R$ 66,33, em 03/12/2020, o que impede a identificação da contraparte no extrato bancário (ID 98610419), devido o saque não ter sido realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

 

Passo a examinar as despesas consideradas irregulares.

I – Das Irregularidades Envolvendo Cheques Sacados por Terceiros e Cheques Sacados em Caixa

O candidato, consoante Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45531167), declarou a despesa de R$ 645,00, referente à aquisição de material impresso, contratada em 30.9.2020 com GRÁFICA E EDITORA RELÂMPAGO LTDA – EPP, CNPJ n. 02.507.787/0001-08, que teria sido paga em 13.10.2020, por meio do cheque n. 2.

Para comprovar o dispêndio, acostou a pertinente nota fiscal eletrônica, n. 14016, emitida em 30.9.2020, que descreve a produção de 5.000 impressos (ID 45531181).

Ocorre que, conforme o extrato bancário, o cheque n. 2, no valor de R$ 645,00, foi compensado em favor da empresa MUNHOZ E FELIX LTDA, CNPJ n. 10.572.918/0001-69.

O candidato também declarou, no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45531167), o dispêndio de R$ 133,00, referente à aquisição de “colinhas”, contratadas em 03.10.2020 com GRÁFICA E EDITORA RELÂMPAGO LTDA – EPP, CNPJ n. 02.507.787/0001-08, que teria sido paga em 14.10.2020, por meio do cheque n. 3.

Para comprovar o dispêndio, acostou a pertinente nota fiscal eletrônica, n. 14046, emitida em 03.10.2020, que descreve a produção de 5.000 colinhas (ID 45531179).

Porém, conforme o extrato bancário, o cheque n. 3, no valor de R$ 133,00, foi compensado em favor da empresa MUNHOZ E FELIX LTDA, CNPJ n. 10.572.918/0001-69.

Outrossim, o candidato declarou, no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45531167), o dispêndio de R$ 200,00, referente à “troca de bieletas”, realizada em 03.11.2020 por ELISABETE DE MOURA GOMES – MEI, CNPJ n. 19.684.305/0001-98, que teria sido paga na mesma data, por meio do cheque n. 5.

Para comprovar o dispêndio, acostou a pertinente nota fiscal de prestação de serviços, n. 153, emitida em 03.11.2020 por aquela empresa, cujo nome de fantasia é “Oficina Bicca”, que descreve o serviço: “troca de bieletas” (ID 45531188).

Entretanto, de acordo com o extrato bancário, o cheque n. 5, no valor de R$ 200,00, foi compensado em favor da empresa CRESOL NORDESTE, CNPJ n. 06.139.650/0001-07.

De modo semelhante, o candidato declarou, no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45531167), o dispêndio de R$ 200,00, referente a “serviços prestados de administração financeira”, contratados com SILVIA APARECIDA DA SILVA ILOI, CPF n. 358.543.080-53, que teriam sido pagos em 13.11.2020, por meio do cheque n. 9.

Para comprovar o dispêndio, juntou o recibo n. 3, emitido em 13.11.2020 por aquela fornecedora, referente a serviço de administração financeira (ID 45531183).

Contudo, o extrato bancário evidencia que o cheque n. 9, no valor de R$ 200,00, foi compensado em favor da empresa JUSSARA DE FREITAS SILVA ME, CNPJ n. 09.619.908/0001-52.

Em todas essas operações, a irregularidade consiste no fato de o cheque utilizado para pagamento da despesa ter sido compensado em conta bancária de terceiro, alheio ao contrato.

Além disso, foram declarados, no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 45531167), os dispêndios de R$ 1.080,00 e de R$ 720,00, referentes a “serviços de cabo eleitoral”, contratados, respectivamente, com VERA LUCIA SOARES DE OLIVEIRA, CPF n. 025.640.420-82, e com ADILIO RAMOS, CPF n. 041.611.080-01, que teriam sido pagos em 12.11.2020, por meio dos cheques n. 7 e n. 8, respectivamente.

Os gastos foram comprovados pelos recibos n. 1 e 2, os quais discriminam os serviços desempenhados, de cabo eleitoral, com distribuição de panfletos, tendo VERA LUCIA SOARES DE OLIVEIRA sido contratada para o período de 26.10.2020 a 14.11.2020 (ID 45531180), ao passo que ADILIO RAMOS fora contratado para o interregno de 02.11.2020 a 14.11.2020 (ID 45531186).

Entretanto, conforme o extrato bancário, os cheques n. 7 (R$ 1.080,00) e 8 (R$ 720,00) foram descontados mediante a operação “saque eletrônico”, constando no histórico a informação “cheque terceiros por caixa”.

Assim, concluiu a Magistrada da origem pela irregularidade das despesas, por não haver nos extratos bancários os “CPF/nomes das contrapartes relacionada aos débitos”.

De seu turno, o recorrente sustenta que os gastos estão comprovados e que “as supostas irregularidades apontadas na sentença recorrida não impedem o efetivo controle da Justiça Eleitoral em relação a movimentação financeira da campanha, pois é evidente que o prestador de contas não praticou uso indevido dos valores apontados, tratando-se tão somente de erro material em relação a emissão das notas fiscais e ausência de identificação das contrapartes”.

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que a infração ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não impediria, por si só, a comprovação dos gastos quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, com a estrita vinculação dos cheques nominativos emitidos aos correspondentes contratos, também verificável a partir de eventual cadeia de endossos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Indico, na mesma linha, julgado de 09.3.2023, nos autos do AREspEl n. 0600203-46.2020.6.10.0026, no qual o TSE ratificou para o pleito de 2020 o posicionamento já assentado para as Eleições de 2018 (REspE n. 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021, e REspE n. 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021), no sentido de que, apesar da não observância do cruzamento dos cheques, dando ensejo ao saque por caixa, “não é o caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há comprovação da própria regularidade dos gastos” por meio da juntada de “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”.

Outrossim, recentemente, ao apreciar recurso especial interposto contra aresto desta Corte, proferido nos autos da PCE n. 0600821-73.2020.6.21.0029, em que considerado irregular o dispêndio satisfeito por cheque sem cruzamento, descontado na “boca do caixa”, mas nominal e endossado pelo beneficiário, o TSE deu provimento ao apelo, aprovando com ressalvas as contas e decotando a ordem de ressarcimento ao Tesouro Nacional, em decisão monocrática de lavra do Ministro Raul Araújo (TSE - REspEl: 06008217320206210029 SÉRIO - RS 060082173, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 03/11/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 219).

Nada obstante, na hipótese concreta, não estão juntadas aos autos as cópias dos referidos cheques, de modo que não é possível aferir se houve sua efetiva emissão nominal e/ou cruzamento ou se ocorreu o endosso pela fornecedora declarada.

A documentação oferecida limita-se às notas fiscais e aos recibos particulares, os quais, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, se mostram insuficientes para demonstrar o destino dos recursos públicos.

Nessa mesma linha, colaciono o seguinte julgado de minha relatoria:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. GASTOS IRREGULARES COM FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). INOBSERVÂNCIA DO REGRAMENTO CONTIDO NO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DOS VALORES IRREGULARES AO TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE REPROVAÇÃO. PROVIMENTO NEGADO. […]. 3. Não identificados beneficiários de pagamentos realizados com verbas do FEFC, referentes à prestação de serviços de militância. Inobservância do regramento contido no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não apresentadas as cópias ou microfilmagens das cártulas utilizadas, providência que permitiria aferir se foram preenchidas nominalmente e com cruzamento aos fornecedores. Instrumentos de contratos firmados entre a candidata e os cabos eleitorais insuficientes para demonstrar que os descontos bancários na conta de campanha foram efetivamente creditados em favor dos contratados. Mantida a determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. 4. O conjunto de falhas representa 76% da arrecadação total de recursos, inviabilizando a aprovação das contas com ressalvas com fundamento na aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Manutenção da sentença de reprovação. 5. Provimento negado.

(TRE-RS - REl 060034685 VIAMÃO - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 26/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 28/09/2022.) (Grifei.)

 

Portanto, não merece reforma a sentença recorrida, devendo ser mantidas as glosas.

II – Do Cupom Fiscal Emitido Sem Identificação do Consumidor

O candidato coligiu ao feito cupom fiscal, no importe de R$ 193,80, emitido por SIM REDE DE POSTOS LTDA, CNPJ n. 07.473.735/0159-60, relativo à aquisição de “gasolina comum” (ID 45531182).

Contudo, o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe, dentre outros requisitos para que o gasto possa ser considerado eleitoral, a apresentação de documento fiscal no qual conste o CNPJ da campanha.

Eis a redação do dispositivo citado:

Art. 35. [...]

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Na espécie, o cupom fiscal não contém registro do CNPJ de campanha, de sorte que não poderia ter sido satisfeito com recursos de campanha, sobretudo com verbas públicas.

Assim, revela-se irregular o gasto, com aplicação indevida de recursos do FEFC, motivo pelo qual deve ser mantida a glosa da despesa.

 

III – Do Julgamento das Contas

Nos termos da jurisprudência do TSE, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas se o valor total das irregularidades não supera 10% da arrecadação ou se as falhas não superam o limite de R$ 1.064,10, considerado diminuto (TSE - RESPE: 060355917/MG, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 26/05/2020, DJE de 04/06/2020).

Na hipótese, as irregularidades reconhecidas somam R$ 3.171,80, representando 88,23% do total arrecadado em campanha (R$ 3.594,67),  o que inviabiliza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas sobre o conjunto das contas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação, com o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento ao recurso.