AJDesCargEle - 0603727-55.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/02/2024 às 14:00

VOTO

1. Preliminares

1.1 Da alegação de refiliação do requerido ao PDT

Conforme já consignado no relatório, na noite do dia anterior à sessão de julgamento aprazada para o dia 06.02.2024 (05.02.2024), às 22h55min, o demandado MARCIO DE FREITAS peticionou nos autos atribuindo sigilo à petição - inviabilizando que as demais partes e o Ministério Público Eleitoral tivessem acesso ao seu conteúdo. Em seu pedido, o representado informa que se refiliou ao PDT DE CANOAS na data de 18.01.2024, tendo sido a ficha abonada por Valderes Teresinha da Silva, membro do órgão provisório do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PDT DE CANOAS, cuja validade encerrou na data de ontem (05.02.2024). Ressalta que não conseguiu emitir certidão de filiação partidária, pois o sistema do TSE encontrava-se em manutenção. A fim de fazer prova do exposto, juntou print de tela (com data de 05.02.2024, às 22h21min) no qual consta a informação "Sistema em Manutenção". Por essas razões, requer: (a) "a extinção do feito por perda de objeto, uma vez que conforme demonstrado o parlamentar encontra-se filiado ao PDT"; (b) alternativamente, "que se retire o feito de pauta e se notifique a zona eleitoral competente a verificar a filiação do parlamentar e emitir certidão, haja vista que conforme demonstrado por este procurador, o sistema de emissão de certidões de filiações eleitorais encontra-se indisponível"; e (c) caso se entenda pelo prosseguimento do feito, "que o mesmo seja julgado nos moldes exposto em contestação, tanto nas preliminares aventadas quanto em seu mérito, mantendo assim o parlamentar Marcio Freitas no exercício de seu mandato eletivo" (ID 45602701).

Adianto que minha posição é por não reconhecer a aludida refiliação partidária do requerido ao PDT.

Inicialmente, ressalta-se a má-fé do demandado ao trazer a referida questão apenas às 22h e 55min do dia anterior ao julgamento. E, mais grave ainda, de forma sub-reptícia, atribuindo sigilo à peça, o que inviabilizou que as demais partes e o Ministério Público Eleitoral tivessem acesso ao seu conteúdo.

Se a ficha de filiação de fato amparasse o seu direito, o demandado não deveria ter atribuído sigilo a ela, mas sim tê-la tornado de amplo conhecimento de todos. Infere-se que assim o fez com o único fim de criar tumulto processual e forçar a retirada do feito da pauta de julgamento, com a clara finalidade de retardar o processo e, assim, prolongar a sua permanência no cargo.

Somado a isso, conforme verifiquei com minha assessoria, no sistema de filiação da Justiça Eleitoral o demandado continua filiado ao AVANTE DE CANOAS, com data de filiação de 01.04.2022, não se prestando a ficha trazida aos autos para desconstituir o registro oficial da aludida filiação no TSE.

E, nessa linha, cabe ressaltar o pacificado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, na Súmula n. 20, segundo a qual: "A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/95, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública."

Ou seja, a ficha trazida pelo demandado, por se tratar de documento produzido unilateralmente, não é prova hábil a demonstrar a sua filiação ao PDT DE CANOAS.

Ademais, salienta-se o disposto no art. 17 da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), o qual prescreve que "Considera-se deferida, para todos os efeitos, a filiação partidária, com o atendimento das regras estatutárias do partido".

No caso, a pretensa ficha de refiliação apresentada pelo requerido não atende às diretrizes do Estatuto do PDT.

E, quanto a este ponto, peço vênia para transcrever a percuciente análise do douto Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer de ID 45606178, o qual acolho, em sua íntegra, como fundamento da presente decisão:

Isso assentado, agora traz o Requerido ao feito informação de que se havia filiado novamente ao (PDT), juntando, para tanto, ficha de filiação abonada por Valderes da Silva - a qual seria "membro de órgão provisório do diretório municipal do PDT em Canoas" - e, com isso postulando "a extinção do feito por perda do objeto."

Frente a isso, de plano, podemos apontar que há nos autos certidão emitida pela Justiça Eleitoral, datada de 6 de fevereiro de 2024, atestando que, "consultando o Sistema de Filiação Partidária - FILIA, MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS, Título Eleitoral: 0580 6102 0493, ESTÁ COM A FILIAÇÃO REGULAR" desde 1º de abril de 2022. (ID 45602746) Por segundo, o Estatuto do PDT estatui:

Art. 4º. O processo de filiação partidária observará as prescrições legais e as normas e diretrizes estabelecidas pela Executiva Nacional, priorizando métodos e sistemas digitais de filiação, arquivos e cadastros, iniciando-se pela manifestação do interessado perante a Comissão Executiva competente, com o abono de qualquer filiado no exercício de seus direitos partidários, submetida a decisão ao respectivo diretório.

Assim - sem adentrarmos, neste momento, na veracidade do conteúdo da ficha manualmente preenchida de filiação partidária apresentada pelo Requerido -, observamos que não houve decisão de qualquer diretório do PDT - seja Estadual ou Nacional - acerca do documento acostado na petição do ID 45602701.

E, mais, em terceiro, o próprio PDT, após ter acesso ao pedido acima aludido , expressamente afirmou que:

Infere-se, da análise da ficha de filiação que repousa no ID nº 456027101, que o documento teria sido confeccionado e assinado no dia 18/01/2024, pela Senhora Valderes Teresinha da Silva, não constando a assinatura de eventual abonador do retorno do edil ao partido. A primeira pergunta que emerge é a seguinte: Se a ficha de filiação foi assinada no dia 18/01/2024, por qual razão o Demandado protocolou o documento nos autos às vésperas do início do julgamento, e em segredo, para as partes não terem acesso? Evidentemente que seria um documento importante, tendo sido, inclusive, marcado como urgente, de acordo com a forma que o arquivo foi editado pelo causídico da parte adversa. Esse é o primeiro ponto. Acontece que a suposta filiação do Demandado não é válida porque o rito previsto no art. 4º, §1º do Estatuto do PDT não foi seguido, no que o ato não foi e nem será perfectibilizado para produzir os efeitos jurídicos almejados pelo Senhor Márcio Cristiano Prato de Freitas. (ID 45604344 - grifou-se)

Com o que conclui que "a Executiva Nacional do PDT não concorda com o retorno do Demandado, nem tampouco irá homologar a sua filiação. Isso porque o parlamentar infringiu diversas diretrizes do PDT para se filiar ao AVANTE, partido político no qual ainda está filiado desde o dia 1º de abril de 2022 (Certidão de ID nº 45602746)." (ID 45604344 - grifou-se)

Por esse prisma, temos: a) certidão da Justiça Eleitoral dando conta de que o Requerido está regularmente filiado ao AVANTE; b) normas estatutárias do PDT que indicam não cumprido o iter destinado à filiação naquela grei; e, por derradeiro; c) afirmação do PDT de que não concorda com o retorno do Requerido àquele partido e de que não homologará qualquer pedido de filiação.

Tal quadro indubitavelmente aponta para a ausência da alegada refiliação partidária!

 

Portanto, na linha do parecer ministerial, voto por não reconhecer a filiação partidária do requerido ao PDT, motivo pelo qual deixo de acolher tal pretensão para o fim de amparar a extinção do presente feito em razão de suposta perda superveniente do objeto.

Destaco.

 

1.2. Da alegação de decadência

Como bem salientado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, deve ser afastada a prefacial de decadência suscitada pelo requerido (ID 45590582).

Destaca-se que, imediatamente após a proposição da desfiliação pelo vereador MARCIO CRISTIANO (Processo n. 0600173-15.2022.6.21.0000), o DIRETÓRIO ESTADUAL DO PDT iniciou o processo judicial para a perda do mandato correspondente (AJDesCargEle n. 0600180-07.2022.6.21.0000), em 13.04.2022, em estrita conformidade com as diretrizes estabelecidas no art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07.

Portanto, quando a agremiação MUNICIPAL DO PDT de Canoas foi notificada (09.07.2022), não houve necessidade de iniciar um novo processo, mas tão somente de apresentar defesa, conforme procedido.

Entretanto, após o suplente JULIANO FURQUIM (autor da presente ação) intervir nos referidos autos (AJDesCargEle n. 0600180-07.2022.6.21.0000), a agremiação ESTADUAL, em desacordo com as disposições legais e estatutárias pertinentes, celebrou um acordo para a desistência da ação, sem o consentimento prévio do suplente ou da agremiação MUNICIPAL.

O pedido de desistência foi acatado por este Juízo, resultando na extinção da mencionada ação sem análise do mérito, cuja decisão foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (DJE/TRE-RS) em 12.12.2022.

O suplente JULIANO FURQUIM, ciente da desistência e dos limites impostos por ela no âmbito dos autos, na qualidade de assistente, e considerando que a ausência de apreciação do mérito permite ao interessado iniciar novo debate sobre a questão, ingressou com nova demanda (18.12.2022) visando à declaração da perda do mandato do vereador MARCIO CRISTIANO; ação tombada nesta Especializada sob o número 0603727-55.2022.6.21.0000.

Pois bem.

A decadência de um direito ocorre quando a lei estabelece um prazo para que o titular o exerça e, devido à sua inércia, ele deixa de fazê-lo.

Entretanto, tal situação não se verifica nos autos, uma vez que a agremiação ESTADUAL iniciou a ação para reaver o mandato dentro do prazo legal estabelecido.

Apesar da Resolução do TSE n. 22.610/20 não prever autorização para desistência da ação após o seu ajuizamento dentro do prazo decadencial, tampouco definir como serão ressarcidos eventuais danos jurídicos causados aos demais legitimados a partir desse momento, a jurisprudência do TSE firmou entendimento no sentido de que, na ausência de disposições na legislação eleitoral, devem ser aplicadas subsidiariamente as normas previstas no Código de Processo Civil.

Consoante as disposições processuais do Código de Processo Civil em vigor, a sentença que determinou a extinção do processo sem análise do mérito retroagiu a discussão ao momento do ajuizamento da demanda, proporcionando ao suplente a oportunidade de iniciar uma nova ação para deliberar sobre o mérito, que almeja a cassação do mencionado mandato.

Quando um dos legitimados exerce a pretensão de reaver o mandato dentro do prazo decadencial estabelecido pela lei, não há fundamento para alegar decadência do direito.

Uma vez superada a excepcionalidade, a demanda fica sujeita às normas processuais atualmente vigentes e aplicáveis no ordenamento jurídico brasileiro.

Essa interpretação é necessária, pois seria paradoxal que a Resolução do TSE concedesse legitimidade ativa a outras partes diante da inércia do partido e, em seguida, considerasse essa mesma inércia (manifestada pela desistência) como consentimento para uma desfiliação além das possibilidades previstas, o que resultaria na criação de uma justa causa não prevista na legislação.

Assim, subsiste o interesse do suplente JULIANO DIAS FURQUIM de ver sua pretensão reconhecida, haja vista que interpôs a AJDesCargEle n. 0603727-55.2022.6.21.0000 dentro do prazo de 30 (trinta) dias subsequentes à decisão que homologou a desistência do PDT ESTADUAL na AJDesCargEle n. 0600180-07.2022.6.21.0000, na qual a agremiação pleiteava a decretação da perda do mandato de MÁRCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS por desfiliação sem justa causa.

Rejeito, portanto, a alegação de decadência da ação.

 

1.3. Da (in)tempestividade das alegações finais do requerido MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS

Adianto que são intempestivas as alegações finais apresentadas pelo requerido no ID 45590944.

Embora MÁRCIO CRISTIANO sustente a tempestividade das suas alegações, tomando por base o art. 54 da Resolução TRE-RS n. 338/19, tal assertiva mostra-se incorreta. Isso porque na aludida situação a norma a ser aplicada é a trazida no art. 51-A da mesma Resolução, a qual assim dispõe:

Art. 51-A. A comunicação dos atos processuais direcionada à parte representada por advogado constituído ocorrerá mediante publicação no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral ( Lei n. 13.105/15, arts. 205, § 3º, e 231, VII ).

 

Assim, diferente do alegado, a decisão que abriu o prazo de 2 (dois) dias para a apresentação de alegações finais foi disponibilizada no DJE/TRE em 29.11.2023 e considerada publicada em 30.11.2023 (quinta-feira), razão pela qual o prazo esgotou em 04.12.2023 (segunda-feira), às 23h59min, tal como certificado pela Secretaria Judiciária no ID 45588331.

Por consequência, tendo o requerido apresentado suas alegações apenas em 12.12.2023 (ID 45590944), resta evidente a sua extemporaneidade.

Desse modo, deixo de conhecer das alegações finais de ID 45590944, pois intempestivas e, por essa razão, deixo de apreciar as inovações nelas trazidas, as quais não constavam na contestação (pedido de desentranhamento de peças contidas nas alegações finais do DIRETÓRIO NACIONAL DO PDT e traslado de peças contidas nas ações 0600173-15.2022.6.21.0000 e 0600180-07.2022.6.21.0000).

 

1.4. Do pedido de vinculação do presente feito às ações 0600173-15.2022.6.21.0000 e 0600180-07.2022.6.21.0000

Na contestação (ID 45441640), o requerido MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS requer a vinculação do presente feito às ações 0600173-15.2022.6.21.0000 e 0600180-07.2022.6.21.0000.

Como já consignado, em 01.04.2022, o requerido MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS ingressou com uma Ação Declaratória de Justificação de Desfiliação Partidária (Processo n. 0600173-15.2022.6.21.0000) contra o DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PDT DE CANOAS, indicando sua filiação ao partido AVANTE na ocasião. Posteriormente, o DIRETÓRIO ESTADUAL DO PDT interpôs Ação de Perda de Mandato Eletivo em Razão de Desfiliação Partidária Sem Justa Causa (Processo n. 0600180-07.2022.6.21.0000) contra o referido vereador.

Ocorre que ambas as ações foram julgadas extintas, sem julgamento do mérito, em razão de homologação de pedido de desistência postulado pelos respectivos autores.

A Ação de Perda de Mandato Eletivo em Razão de Desfiliação Partidária Sem Justa Causa n. 0600180-07.2022.6.21.0000, de autoria do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PDT, foi extinta em 07.12.2022 (ID 45376182 daqueles autos).

Por sua vez, Ação Declaratória de Justificação de Desfiliação Partidária n. 0600173-15.2022.6.21.0000, de autoria de MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS, foi extinta em 25.09.2023 (ID 45551062 daqueles autos), acolhendo pedido de desistência do autor, realizado em 09.12.2022 (ID 45379684 daqueles autos).

Desse modo, inviável se mostra o julgamento conjunto do presente feito com ações que já foram extintas, razão pela qual rejeito o pedido preliminar.

Ademais, cabe ressaltar que o ponto nodal do presente feito reside na (in)validade da carta de anuência que autorizaria a desfiliação do parlamentar MARCIO CRISTIANO do PDT sem a consequente perda do cargo.

E adiante veremos que em nenhum momento da presente ação houve a alegação de grave discriminação pessoal apta a justificar a desfiliação do vereador sem a perda do cargo.

Cabe salientar que, em sua contestação (ID 45441640), MARCIO CRISTIANO apenas faz considerações genéricas sobre supostas divergências entre ele e integrantes do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PDT DE CANOAS: "Ocorre que algumas divergências entre o Edil e os integrantes da nominata do partido têm sido recorrentes, mormente no que tange a posicionamentos do partido frente às diretrizes de políticas públicas, tornando a convivência praticamente insustentável" e que o "afastamento entre os pares tornou inviável a continuidade do pleno exercício das atividades político-partidárias, o que é primordial para o pleno exercício da vereança".

Contudo, tais alegações não constituem grave discriminação pessoal.

Cabe referir que a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para o desligamento do partido exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham a capacidade de afastar o parlamentar do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição.

Assim, meras alegações genéricas não têm a aptidão de caracterizar a grave discriminação pessoal.

Nesse sentido é a jurisprudência do egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2018. AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DEPUTADA FEDERAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. POSSIBILIDADE. MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PROGRAMA PARTIDÁRIO. GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. AUSÊNCIA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.

1. Inexistindo necessidade de dilação probatória na espécie, afigura-se possível o julgamento antecipado do mérito da demanda, nos termos dos arts. 6º e 12 da Res.-TSE n. 22.610/07 e do art. 355, I, do CPC.

2. A mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário para fins de configuração da justa causa para desfiliação partidária não devem ser pontuais, mas, sim, capazes de alterar a própria ideologia do partido.

3. A discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio na agremiação.

4. Na espécie, das provas carreadas aos autos não constam elementos capazes de atestar a mudança substancial de programa partidário ou a grave discriminação política.

5. Pedido julgado improcedente.

(TSE - AJDesCargEle: 060034051 CURITIBA - PR, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 24/02/22, Data de Publicação: 07/03/22) (Grifei.)

 

Por todo exposto, é de ser rejeitada a preliminar suscitada pelo requerido.

 

1.5. Do pedido de prova testemunhal

Quanto ao pedido de prova testemunhal postulado em contestação pelo requerido MÁRCIO CRISTIANO, tenho que a questão já restou bem resolvida pelo então Relator, Desembargador Eleitoral José Luiz John dos Santos, na decisão de ID 45585753, cujo excerto a seguir transcrevo:

"Em relação ao pedido prova testemunhal postulado por MARCIO, tenho por indeferi-lo, pois os autos trazem elementos suficientes para a elucidação dos fatos. Cabe registrar que a controvérsia cinge-se a verificar se o termo de anuência, que supostamente foi concedido pelo órgão municipal do PDT de Canoas ao requerido MARCIO DE FREITAS, é valido e traduz a vontade real do partido, em tese o titular maior do cargo sob disputa."

 

Como bem salientou o então Relator, "a controvérsia cinge-se a verificar se o termo de anuência, que supostamente foi concedido pelo órgão municipal do PDT de Canoas ao requerido MARCIO DE FREITAS, é valido e traduz a vontade real do partido, em tese o titular maior do cargo sob disputa", e para este desígnio a prova documental juntada aos autos mostra-se suficiente.

Saliento novamente, tal como consignei no item acima, que a questão posta nos autos não diz respeito à hipótese de justa causa relativa à grave discriminação pessoal, visto que tal afirmativa não foi descrita de forma certa e determinada na contestação, tendo sido apenas referida de forma genérica.

Por consequência, deve ser mantida a decisão ID 45585753 que indeferiu o pedido de prova testemunhal e encerrou os atos instrutórios.

Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.

 

2. Mérito

É incontestável que o princípio da fidelidade partidária constitui a obrigação do filiado de aderir às diretrizes programáticas e de não se desvincular do partido pelo qual foi eleito, sujeitando-se à perda de seu mandato eletivo em caso de transgressão.

Nesse contexto, os partidos políticos detêm o direito de resguardar suas cadeiras legislativas diante de transferências injustificadas do detentor do mandato para outra agremiação partidária.

Sobre o assunto, o § 6º do art. 17 da Constituição Federal assim estabelece:

§ 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 111, de 2021)

 

Por sua vez, o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) assim dispõe:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015)

 

No caso dos autos, o ponto nodal da controvérsia se concentra na avaliação da carta de anuência apresentada, documento singular nos autos e que fundamenta a alegação de justa causa para a desfiliação do filiado da agremiação partidária de origem (ID 45441640 - fl. 05).

Registro que não desconheço a recente decisão do e. TSE no sentido de que descabe buscar a nulidade de ato de presidente de diretório partidário, de modo incidental, em ação de perda de mandato eletivo (AgR-AJDesCargEle n. 060189625/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10.2.2022, DJe de 4.3.2022).

Contudo, como veremos adiante, a conjuntura analisada na referida decisão não encontra consonância com as circunstâncias fáticas dos presentes autos, de onde se pôde inferir pela incontestável vontade do DIRETÓRIO NACIONAL DO PDT em permanecer como o cargo ocupado pelo vereador trânsfuga.

E, da análise sistemática das diretrizes contidas no próprio estatuto da agremiação, concluiremos que a comissão provisória municipal não poderia deliberar pela desfiliação do parlamentar sem perda do cargo eletivo, ausente a manifestação dos órgãos partidários de hierarquia superior.

Prossigo.

Quanto ao tema, o Estatuto do PDT assim estabelece:

Art. 9º. O candidato a cargos eletivos pela legenda do PDT reconhece, como pressuposto, que ao PDT pertencerá o mandato que vier a exercer se eleito for, ou convocado como suplente, devendo ao partido lealdade, fidelidade e disciplina, sendo que, em caso de de [sic] desfiliação voluntária ou não - sem prejuízo de eventual ressarcimento ou indenização que tiver dado causa, perderá respectivo [sic] mandato, cujo preenchimento se dará, para preservação do princípio da representatividade e proporcionalidade, pelo suplente imediato pertencente aos quadros do PDT.

(…)

 

Art. 27. Compete ao Diretório Nacional:

(…)

VII - referendar o ajuizamento de demanda de perda de mandato parlamentar de filiado infiel, ou de parlamentar de outra legenda para ser substituído por integrante do partido;

(...)

 

Art. 32. Compete à Executiva Nacional:

(…)

XII - aprovar ad referendum do Diretório Nacional o ajuizamento de demanda de perda de mandato parlamentar de filiado infiel, ou de parlamentar de outra legenda para ser substituído por integrante do partido;

(...)

 

TÍTULO V

DA ÉTICA E DISCIPLINA PARTIDÁRIAS

CAPÍTULO I

1 - DOS DEVERES ÉTICOS, DAS INFRAÇÕES E DAS PENAS

Art. 58. É norma fundamental de fidelidade e disciplina partidárias, obrigatória a todos os filiados, o respeito e o cumprimento do Programa, dos Estatutos e das diretrizes e deliberações legitimamente adotadas pelo partido.

§ 1º Equipara-se à violação de norma de fidelidade e disciplina partidárias, o desligamento de filiado que, após obter mandato parlamentar ou para exercer cargo no Executivo, abandonar o partido sem renunciar aquele mandato.

§ 2º O filiado expulso, em decorrência de falta ética, disciplinar, ou por extraviar-se da fidelidade partidária própria ou por equiparação, que seja titular de mandato, deverá a ele renunciar, sob pena de enfrentar a respectivas medidas administrativas e judiciais de perda de mandato, e reparação de danos, excetuada situação de migração ("janela") e casos de justa causa contemplados na legislação de regência.

 

Não obstante a existência de dispositivos legais explícitos acerca das repercussões da conduta dos filiados que detêm mandatos eletivos e se desvinculam do partido, não se verifica no estatuto norma que aborde de modo direto os requisitos e a competência para a expedição da carta de anuência pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA.

Contudo, considerando a viabilidade da emissão de carta de anuência pelo PDT, conforme estipulado na última parte do art. 58, § 2º, de seu regimento estatutário, torna-se imperativo, diante da ausência de norma expressa sobre o tema, realizar uma interpretação do conteúdo de outros dispositivos estatutários, visando identificar qual órgão detém competência para tal desiderato.

Nesse contexto, de acordo com o disposto no art. 32, inc. XII, do mencionado estatuto partidário, compete à Executiva Nacional "aprovar ad referendum do Diretório Nacional o ajuizamento de demanda de perda de mandato parlamentar de filiado infiel, ou de parlamentar de outra legenda para ser substituído por integrante do partido".

Concomitantemente, cabe ao Diretório Nacional, nos termos do art. 27, inc. VII, "referendar o ajuizamento de demanda de perda de mandato parlamentar de filiado infiel, ou de parlamentar de outra legenda para ser substituído por integrante do partido".

Desse modo, ainda que não tratem especificamente da emissão da carta de anuência, tais dispositivos indicam que, na hipótese em que um filiado detentor de cargo eletivo filie-se a outro partido, compete ao Diretório Nacional (instância colegiada de direção encarregada da coordenação político-administrativa do partido), após parecer da Comissão Executiva (órgão colegiado de função executiva), decidir sobre a propositura da ação visando à declaração da perda do mandato eletivo.

Em outras palavras, a determinação relativa à renúncia ou ao exercício da prerrogativa do PDT para buscar a manutenção do mandato eletivo diante de casos de infidelidade partidária está sujeita à apreciação desses órgãos colegiados. As deliberações dessas instâncias devem observar critérios democráticos, com predominância da orientação e do voto majoritário, impondo-se como vinculativas a todos os órgãos e membros do partido, em consonância com o estabelecido no art. 15, § 1º, do aludido estatuto.

Dessa forma, torna-se evidente que a competência para deliberar sobre a emissão da carta de anuência para o desligamento de um filiado do PDT detentor de mandato repousa igualmente sobre esses órgãos colegiados superiores. Isso decorre do fato de que, se a decisão sobre a utilização da prerrogativa de reaver ou não o cargo eletivo do parlamentar desleal emana de uma deliberação do Diretório Nacional, previamente consultada a Executiva Nacional, não é possível que um membro isolado do partido ou qualquer outro órgão de instância inferior à agremiação renuncie a tal direito.

Por consequência, torna-se manifesto que a emissão da carta de anuência, enquanto instrumento que viabiliza a filiação do detentor de cargo eletivo a outro partido sem implicar a perda do mandato, configura-se como a equivalência da decisão de não ajuizamento de demanda visando à perda do mandato parlamentar de filiado desleal ou de parlamentar vinculado a outra agremiação, com o intuito de ser substituído por outro membro do partido. Dessa forma, incumbe ao Diretório Nacional a competência para deliberar sobre a viabilidade dos dirigentes partidários emitirem a carta de anuência.

Nessa linha de argumentação, conforme adequadamente destacado pelo autor, "A carta de anuência trazida pelo réu não tem o condão de satisfazer a previsão legal, pois foi assinada por quem não possui competência para anuir com a saída do vereador e tampouco para assumir em nome do partido o compromisso de não provocar o Poder Judiciário Eleitoral para reaver a vaga ocupada pelo então vereador infiel."

Desse modo, considerando as disposições estatutárias já analisadas, que não autorizam o órgão municipal a expedir carta de anuência para a desfiliação sem perda do cargo eletivo, tem-se que o documento é inválido ou ineficaz para o fim pretendido, relativo à desfiliação sem perda do mandato, pois o partido veio aos autos vindicar o cargo de vereador.

Portanto, neste caso específico, a carta de anuência não se afigura suficiente para justificar a desfiliação sem perda do cargo eletivo.

Nesse contexto, diante da ausência de demonstração de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato de vereador e da invalidade da carta de anuência (ID 45441640 - fl. 05), acompanho integralmente o entendimento ministerial no sentido de que a decretação da perda do cargo de MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS é medida impositiva.

 

3. Da litigância de má-fé

Por fim, como já consignei anteriormente, ressalta-se a má-fé do demandado ao trazer a referida ficha de filiação apenas às 22h e 55min do dia anterior ao julgamento. E, mais grave ainda, de forma sub-reptícia, atribuindo sigilo à peça, o que inviabilizou que as demais partes e o Ministério Público Eleitoral tivessem acesso ao seu conteúdo.

Como antes referi, se a ficha de filiação de fato amparasse o seu direito, o demandado não deveria ter atribuído sigilo a ela, mas sim tê-la tornado de amplo conhecimento de todos e em data muito anterior, logo após a alegada refiliação. Infere-se que assim o fez com o único fim de criar tumulto processual e forçar a retirada do feito da pauta de julgamento, com a clara finalidade de retardar o processo e, assim, prolongar a sua permanência no cargo.

E, na mesma linha, é o entendimento trazido pelo douto Procurador Regional Eleitoral, o qual a seguir transcrevo, adotando-o como razões de decidir:

De outro lado, há documento que, face ao tempo de atividade político-partidária ostentado, o Requerido deveria saber invalido ao desiderato visado, apresentado às 22h55min do dia anterior ao julgamento, em petição a qual ele atribuiu sigilo, obstáculo este que inviabilizou o acesso aos demais participantes do feito até cerca de uma hora antes de iniciada a sessão, o que fez com que o processo fosse retirado de pauta.

Trata-se de ardil que macula a boa-fé exigida no artigo 5º, pelo que incide o art. 80 e incisos, com a penalidade cominada no artigo 81, todos do Código de Processo Civil.

 

Por consequência, o comportamento do requerido maculou a boa-fé disposta no art. 5º do CPC ("Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé."), razão pela qual há de ser a ele atribuída a pena prevista no art. 81 do CPC, em razão do reconhecimento da prática de litigância de má-fé no presente feito, a qual aplico no valor correspondente a 5 (cinco) salários mínimos, nos termos do § 2º do art. 81, visto que a conduta ocasionou a retirada do feito da pauta de julgamento, causando diversos transtornos ao Poder Judiciário, além dos causados ao demandante, o qual teve retardado o reconhecimento do direito postulado na presente ação.

 

ANTE O EXPOSTO, supero a matéria preliminar e VOTO pela procedência da presente ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa, para o fim de decretar a perda do cargo eletivo de MARCIO CRISTIANO PRADO DE FREITAS, vereador do Município de Canoas, determinando a execução imediata do presente acórdão, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07; e pela condenação do requerido por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 5º e 81 do CPC, aplicando-se a pena do correspondente a 5 (cinco) salários mínimos, nos termos do § 2º do art. 81 do CPC.

Comunique-se à Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Canoas para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) eleito no pleito de 2020, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral.