PCE - 0602918-65.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/02/2024 às 14:00

VOTO

FABIO BERNI REATEGUI, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresentou prestação de contas relativa às eleições gerais de 2022.

Após a realização de exame inicial da contabilidade, o prestador foi intimado e não aproveitou a oportunidade. Na sequência, os procuradores do candidato renunciaram ao mandato, em petição acolhida por cumprir os requisitos legais previstos na legislação de regência.

Intimado para apresentar novos advogados, o candidato novamente permitiu o transcurso do prazo in albis.

Por ocasião do oferecimento do parecer conclusivo, a operosa Secretaria de Auditoria Interna desta Corte concluiu remanescerem irregularidades referentes (1) à utilização de recursos de origem não identificada – RONI e (2) à ausência de comprovação de despesas cujo pagamento ocorrera com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Passo à análise tópica das irregularidades contabilmente identificadas.

1. Recursos de origem não identificada – RONI

1.1. A análise técnica identificou notas fiscais, dentre as informações disponíveis no banco de dados da Justiça Eleitoral, não informadas na contabilidade apresentada, em montante de R$ 4.391,89 (quatro mil trezentos e noventa e um reais e oitenta e nove centavos), conforme tabela que segue:

 

 

A omissão afronta de forma estampada o art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina a especificação das receitas e despesas na prestação de contas:

Resolução TSE nº 23.607/19

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(…)

g) receitas e despesas, especificadas;

 

Ademais, para além da omissão, não foram apresentadas, pelo prestador, as notas fiscais emitidas contra o CNPJ da campanha, o respectivo cancelamento ou estorno.

Portanto, os documentos não podem ser desconsiderados, em clara ilegalidade, pois se conclui que a quitação das dívidas ocorrera com o uso de valores que - nitidamente - não transitaram pelas contas bancárias declaradas, a caracterizar RONI - recurso de origem não identificada, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

De outra banda, como bem salientou o órgão ministerial, a nota fiscal n. 202200000000010, em valor de R$ 1.000,00, emitida em 26.8.2022 por EDUARDO MARTINS RIELLA, CNPJ 33.694.900/0001-35, recebeu quitação em 31.8.2022, por meio de transferência da conta dos recursos do FEFC (Banrisul, n. 644528403) para a conta do fornecedor, o qual consta no extrato como beneficiário. O valor deve ser considerado regular, de modo que a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, relativamente ao presente tópico, é de R$ 3.391,89 (R$ 4.391,89 – 1.000,00).

1.2. Dívidas de campanha declaradas na prestação de contas

O órgão técnico-contábil apontou a existência de dívidas de campanha declaradas pelo prestador e não assumidas pelo partido, de forma a impossibilitar o rastreio da origem dos recursos usados para a respectiva quitação. Aqui, a importância alcança R$ 56.385,00.

No entanto, antecipo, o valor apontado como irregular não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, porquanto ausente previsão normativa expressa. Com efeito, entendeu o e. Tribunal Superior Eleitoral que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, em exegese que restringe o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 apenas ao juízo de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido, o Recurso Especial Eleitoral n. 0601205–46, oriundo do Mato Grosso do Sul, Redator para o acórdão o Min. Luís Roberto Barroso, julgado na sessão de 8.2.2022, posicionamento acolhido por este Tribunal para as eleições de 2022, consoante julgamentos ocorridos na sessão de 09.12.2022: PCE n. 0603217-42, Rel. Des. Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle, e PCE n. 0602652-78, Rel. Des. El. Caetano Cuervo Lo Pumo.

A despeito da impossibilidade de recolhimento, destaco que o montante da dívida, R$ 56.385,00, carrega valor nominal significativo e representa 79,41% do total dos recursos arrecadados na campanha, impondo, por si só, o juízo de desaprovação das contas.

2. Verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

O parecer conclusivo registra irregularidades na aplicação das receitas do FEFC, de duas espécies: (a) documento fiscal ausente ou desconforme a legislação de regência, e (b) utilização do recurso em gasto não eleitoral. As despesas estão identificadas na tabela abaixo:

 

2.1 Documento fiscal ausente ou desconforme a legislação de regência

O parecer conclusivo identificou a ausência de comprovação por meio de documento fiscal de despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considerando irregular a quantia de R$ 17.822,91 (itens “A” da tabela).

Intimado a manifestar-se acerca do exame das contas, o candidato restou silente e desatendeu a legislação, pois (a) a movimentação financeira integral deve compor a prestação de contas, e (b) a comprovação dos gastos exige “documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos”.

Indico que não há nos autos (ou mesmo no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, verificado mediante diligência que sequer caberia a este juízo, dada a natureza jurisdicional das prestações de contas, demandas de eficácia predominantemente declaratória) comprovação da maioria das despesas apontadas pelo órgão técnico, para as quais a pesquisa nos sites de conferência indica códigos inválidos como chave de acesso.

As exceções são: (a) TRIADEFILMS PRODUCAO AUDIOVISUAL, CNPJ 23.107.251/0001-75, R$ 2.500,00; (b) POSTO DE COMBUSTIVEIS CENTRAL EIRELLI, CNPJ 35.131.081/0001-43, R$ 489,00; e (c) SOL E MAR COMERCIO DE COMBUSTIVEIS E LUE POSTO SOL E MAR LTDA., CNPJ 05.541.080/0001-06, R$ 250,00, de modo a permitir a fiscalização da Justiça Eleitoral.

Assim, deve ser afastada a glosa na quantia de R$ 3.239,00 (três mil duzentos e trinta e nove reais), de modo que resta sem comprovação a aplicação do montante de R$ 14.583,91 (catorze mil quinhentos e oitenta e três reais e noventa e um centavos, ou R$ 17.822,91-R$ 3.239,00), o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2.2. Aplicação de verba em gasto não eleitoral

No concernente ao gasto com hospedagem junto ao fornecedor HOTEL DO GRINGO, Nota Fiscal n. 14175, na importância de R$ 160,50, destaco que a despesa é expressamente vedada no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, que descreve os tipos de gastos eleitorais admitidos em campanhas:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

[...]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

b) remuneração, alimentação e hospedagem da pessoa condutora do veículo a que se refere a alínea a deste parágrafo;

c) alimentação e hospedagem própria;

(Grifei.)

Observo que o mesmo ocorre no relativo à despesa realizada com SOUZA E SOUZA ACESSÓRIOS PARA VEICULOS LTDA., no valor de R$ 350,00. Contudo, a glosa já fora incluída no ponto anterior, inadmitindo que componha também o presente ponto, sob pena de duplo e indevido recolhimento.

Assim, impõe-se a restituição de R$ 160,50 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conclusão

As irregularidades somadas alcançam a importância de R$ 74.521,30 (setenta e quatro mil quinhentos e vinte e um reais e trinta centavos, R$ 3.391,89 correspondentes a RONI; R$ 56.385,00 em dívida de campanha; e R$ 14.744,41 correspondentes a gastos irregulares do FEFC) e representam 104,9% das receitas declaradas na prestação, R$ 71.000,00, de modo a impor o juízo de desaprovação.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de FABIO BERNI REATEGUI, candidato ao cargo de deputado federal, e determino o recolhimento do valor de R$ 18.136,30 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.